O Governo português simplificou e uniformizou a tramitação eletrónica dos processos judiciais, criando um interface único para todas as jurisdições. Esta medida resulta da Portaria n.º 350-A/2025/1 (que revoga as Portarias n.º 280/2013 e n.º 380/2017), publicada dia de 9 de outubro com o objetivo de tornar o sistema mais coerente e acessível a todos os intervenientes, como advogados e representantes da fazenda pública.
Destacamos as seguintes alterações:
- Desmaterialização total: todos os atos processuais passam a ser realizados por via eletrónica em todas as instâncias, incluindo tribunais comuns, administrativos, fiscais, Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Administrativo. Os documentos físicos limitam-se a elementos impossíveis de digitalizar, sendo as impressões ordenadas por magistrados apenas cópias de apoio.
- Segurança reforçada: torna-se obrigatória a utilização de assinaturas digitais qualificadas, garantindo a autenticidade e integridade dos atos no sistema eletrónico.
- Simplificação de procedimentos: a entrega de peças processuais e a comprovação de pagamentos são facilitadas. Os intervenientes devem numerar e descrever documentos em formulários específicos, simplificando a gestão da prova documental pelos magistrados.
- Redução de carga administrativa: nos processos administrativos, as entidades públicas ficam dispensadas de digitalizar ou numerar documentos, embora os restantes intervenientes devam cumprir as regras de organização documental.
- Comprovação de pagamentos: em casos de autoliquidação, é obrigatória a junção do comprovativo de pagamento para verificação imediata pela secretaria. Quando é emitida uma guia de pagamento, esta comprovação torna-se automática, agilizando o processo.
- Distribuição eletrónica: a distribuição dos processos passa a ser eletrónica, eliminando a necessidade de assistência presencial. O juiz de turno à distribuição só intervirá quando necessário.
Esta portaria entra em vigor em 20 de outubro de 2025.
Mediante acórdão de 24 de setembro de 2025, o Tribunal da Relação de Lisboa (“TRL”) decidiu que viola gravemente os deveres de boa-fé e de lealdade o trabalhador da área de Recursos Humanos que, prevalecendo-se das suas funções, acede à base de dados da sua empregadora e daí retira dados pessoais de ex-trabalhadores, entregando-os, depois, a um grupo de ex-trabalhadores para que estes intentem uma ação judicial contra a sua empregadora.
O TRL sublinhou que a confiança gerada por uma prestação imaculada do trabalhador no passado e pela sua antiguidade ao serviço não atenuam a gravidade dos atos praticados. Pelo contrário, quanto mais intensa é a relação de confiança existente entre as partes, maior é a dificuldade de reposição deste valor quando a mesma é abalada por atos do trabalhador que a comprometem de forma praticamente irreversível.
O trabalhador que copia e entrega a terceiros dados pessoais de reformados e diversos documentos internos pratica um comportamento ilícito, culposo, grave e ilegal, conduta essa que, pela sua gravidade e consequências – imediatas e potenciais – torna impossível a subsistência do contrato de trabalho por quebra irreversível do elo essencial que permite a sua subsistência, a saber, a confiança. Nestes casos, justifica-se o despedimento com justa causa.
Fundamentando a sua decisão, o TRL citou ainda:
- Os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2001 e de 03.05.2006, nos quais se sublinha que a diminuição da confiança decorrente da violação de deveres laborais não depende da verificação de prejuízos, bastando a criação de uma situação apta a potenciais tais prejuízos;
- Os artigos 28.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto e os artigos 74.º, 83.º e 88.º do RGPD, que determinam que o responsável pelo tratamento de dados é responsável tanto pelo tratamento que realiza diretamente quanto pelo realizado em seu nome.
O TRL salientou ainda que o comportamento do trabalhador deve ser avaliado segundo o padrão de um bom pai de família, com base em critérios de razoabilidade e objetividade, verificando-se se corresponde ao que um trabalhador médio adotaria em circunstâncias semelhantes, sendo evidente que o comportamento esperado seria a recusa em fornecer os dados em causa.
A violação grave e dolosa dos deveres de lealdade e boa-fé, que determina uma quebra irreversível da relação de confiança, torna prática e imediatamente impossível a continuidade da relação laboral e constitui justa causa de despedimento.
O Governo apresentou ontem a proposta do Orçamento do Estado para 2026 (OE 2026). Nesta newsletter, resume-se as principais alterações fiscais previstas na proposta do OE 2026.
IRS
Relativamente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRS), as alterações propostas são as seguintes:
- Atualização dos escalões. Atualização dos escalões de IRS em 3,5%.
- Redução das taxas de IRS. Redução das taxas do 2.º escalão ao 5.º escalão de acordo com a seguinte tabela:
|
Escalão |
Taxa 2025 |
Taxa 2026 |
|
1 |
12,50% |
12,50% |
|
2 |
16,00% |
15,70% |
|
3 |
24,40% |
24,10% |
|
4 |
31,40% |
31,10% |
|
5 |
34,90% |
34,90% |
- Mínimo de existência. Atualização do valor mínimo de existência dos €12.180 para os €12.880.
IRC
No Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), o OE 2026 inclui a seguinte proposta:
- Taxas de tributação autónoma. Alargamento da lista de viaturas que beneficiam de taxas reduzidas de tributação autónoma: para além das viaturas híbridas plug-in com autonomia mínima de 50 km em modo elétrico e emissões inferiores a 50 gCO?/km, passam também a estar abrangidas as viaturas homologadas segundo a norma de emissões “Euro 6e-bis”, que permite emissões até 80 gCO?/km.
De notar que a anunciada redução da taxa de IRC de 20% para 19% deverá constar de diploma autónomo.
IVA
Em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), inclui-se a seguinte proposta:
- Taxa reduzida de IVA. Aplicação da taxa reduzida de IVA às prestações de serviços relacionadas com a transformação de azeitona em azeite.
IMT
Em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), a proposta do OE para 2026 prevê a seguinte alteração:
- Atualização dos escalões. Atualização dos escalões do IMT em 2%.
BENEFÍCIOS FISCAIS
Relativamente aos benefícios fiscais, a proposta de OE para 2026 inclui as seguintes alterações:
- Incentivo à valorização salarial. Manutenção da isenção de IRS e segurança social, até ao limite de 6% da retribuição base anual, sobre prémios de produtividade, desempenho, participação nos lucros e gratificações de balanço, sem carácter regular, em 2026. Ao nível do IRC, propõe-se reduzir de 4,7% para 4,6% a percentagem mínima de aumento salarial necessária para que as empresas possam beneficiar da majoração de 200% dos encargos com os aumentos de remuneração de trabalhadores com contrato por tempo indeterminado.
- Incentivo ao emparcelamento de prédios rústicos. Renovação dos incentivos fiscais ao emparcelamento de prédios rústicos (isenção do IMT e do imposto do selo nas transmissões de prédios rústicos necessárias para execução do emparcelamento).
- Outros benefícios. Prorrogação de vários benefícios fiscais até 31 de dezembro de 2026, a saberDeduções no âmbito de parcerias de títulos de impacto social.
- Empréstimos externos e rendas de locação de equipamentos importados;
- Serviços financeiros de entidades públicas;
- Swaps e empréstimos de instituições financeiras não residentes;
- Depósitos de instituições de crédito não residentes;
- Operações de reporte com instituições financeiras não residentes;
- Entidades gestoras de denominações de origem e indicações geográficas;
- Entidades gestoras de sistemas integrados de gestão de fluxos específicos de resíduos;
- Coletividades desportivas, de cultura e recreio;
- Associações e confederações;
- Incentivos fiscais à atividade silvícola;
- Entidades de gestão florestal e unidades de gestão florestal;
- Dedução para efeitos da determinação do lucro tributável das empresas;
- Deduções à coleta do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares;
- Imposto sobre o valor acrescentado - Transmissões de bens e prestações de serviços a título gratuito.
CONTRIBUIÇÕES
A proposta de Orçamento do Estado para 2026 inclui ainda as seguintes propostas:
- Constribuições financeiras. Manutenção das principais contribuições financeiras extraordinárias, a saber:
- Contribuição para o audiovisual;
- Contribuição sobre o setor bancário;
- Contribuição sobre a indústria farmacêutica;
- Contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do Serviço Nacional de Saúde; e
- Contribuição extraordinária sobre o setor energético (CESE).
- Adicional de solidariedade sobre o setor bancário. Revogação do adicional de solidariedade sobre o setor bancário, na sequência da declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.
- Contribuição para o audiovisual. Não atualização da contribuição para o audiovisual em 2026.
- Contribuição extraordinária sobre o setor energético. As concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural deixam de estar sujeitas a esta contribuição, em conformidade com as inconstiucionalidades identificadas pelo Tribunal Constitucional. Exclusão da base de incidência da CESE dos ativos afetos à exploração de rede de transporte e distribuição de energia elétrica, adquiridos a partir de 1 de janeiro de 2026 em estado de novo, construídos ou na parte em que sejam ampliados.
OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS
A proposta do OE 2026 inclui ainda as seguintes medidas:
- Inventário. Ficam dispensados da obrigação de valorização dos inventários, no cumprimento da comunicação prevista no artigo 3.º-A do Decreto-Lei n.º 198/2012, (i) os sujeitos passivos, relativamente ao período de tributação com início em ou após 1 de janeiro de 2025 e (ii) os sujeitos passivos que não estejam obrigados a inventário permanente, relativamente ao período de tributação com início em ou após 1 de janeiro de 2026.
- SAF-T. A submissão do ficheiro SAF-T (PT) relativo à contabilidade, nos termos definidos pela Portaria n.º 31/2019, passará a ser aplicável aos períodos de 2027 e seguintes, a entregar em 2028 ou em períodos seguintes.
- Faturas. Até 31 de dezembro de 2026 são aceites faturas em ficheiro PDF, sendo consideradas como faturas eletrónicas para todos os efeitos previstos na legislação fiscal.
No dia 30 de setembro de 2025, através do Despacho n.º 71/SEAEn/2025, o Secretário de Estado Adjunto e da Energia decidiu prorrogar por mais 12 meses os prazos estabelecidos no n.º 1 do Despacho Conjunto n.º 1/SEAMB/SEENC de 22 de fevereiro de 2024 aos projetos com licenças de produção e de exploração emitidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 15/2022 e com certificados de exploração de centros com potência instalada até 1 MW, que não foram abrangidas pelo Despacho n.º 170/MAEN/2025, de 14 de maio. Era uma questão de igualdade de tratamento e de segurança jurídica, segundo o Governo.
Com a publicação do novo despacho, os prazos para entrada em exploração dos centros electroprodutores já foram prorrogados em:
- 52 meses para projetos não sujeitos a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) ou Análise de Incidências Ambientais (AIncA);
- 55 meses para projetos sujeitos a AIA ou AIncA;
- 54 meses para centros com potência instalada igual ou inferior a 1 MW.
O cronograma de despachos de que resultam estes prazos já vai longo. Aqui fica para referência:
- Despacho do Secretário de Estado do Ambiente e da Energia de 21 de junho de 2021: prorrogação de 10 meses dos prazos para obtenção de licença de produção e/ou exploração (posteriormente clarificado, em 20 de maio de 2022 para abranger o prazo de caducidade do registo prévio de centros com potência ≤ 1 MW);
- Despacho do Diretor-Geral de Energia e Geologia de 2 de julho de 2021: prorrogação de 10 meses do prazo de caducidade do registo prévio de centros com potência ≤ 1 MW;
- Despacho do Secretário de Estado do Ambiente e da Energia de 20 de maio de 2022: prorrogação de 11 meses para licenças de produção e/ou exploração e de 6 meses para registos prévios e certificados de exploração (≤ 1 MW);
- Despacho da Secretária de Estado da Energia e Clima de 17 de março de 2023: prorrogação de:
- 9 meses para projetos não sujeitos a AIA/AIncA;
- 12 meses para projetos sujeitos a AIA/AIncA; e
- 6 meses para registos prévios e certificados de exploração (≤ 1 MW)
- Despacho da Secretária de Estado da Energia e Clima de 22 de fevereiro de 2024: prorrogação de 10 meses para todos os prazos de licenciamento e certificados de exploração;
- Despacho da Ministra do Ambiente e Energia de 14 de maio de 2025: prorrogação de 12 meses para os mesmos prazos.
O Governo afirma que findas as prorrogações agora concedidas e as anteriores, não haverá nova extensão, operando-se a caducidade das licenças e dos certificados nos termos legalmente previstos.
A proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2026 (LOE 2026) apresenta algumas medidas com impacto laboral. Destacamos as seguintes:
1. Aplicáveis ao setor público administrativo
- Os órgãos ou serviços devem apresentar um planeamento da valorização dos seus profissionais, nos termos definidos no Decreto-Lei de execução orçamental;
- No que respeita à valorização dos trabalhadores, ao setor empresarial do Estado aplicam-se os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e outros instrumentos legais ou contratuais vigentes ou, na sua falta, o disposto no decreto-lei de execução orçamental.
- As pessoas coletivas públicas, ainda que dotadas de autonomia administrativa ou de independência estatutária podem recrutar novos trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo, nos termos do disposto no Decreto-Lei de execução orçamental, sendo nulas as contratações efetuadas em contrário.
2. Aplicáveis a entidades do setor público empresarial e entidades reclassificadas
- As empresas do setor público empresarial podem recrutar novos trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego sem termo ou a termo, nos termos do disposto no Decreto-Lei de execução orçamental, sendo nulas as contratações que não cumpram com o disposto no regime aplicável.
- As empresas públicas devem prosseguir uma política de otimização dos gastos operacionais que promova o respetivo equilíbrio operacional, nos termos do disposto no Decreto-Lei de execução orçamental, sem prejuízo de terem assegurada a necessária autonomia administrativa e financeira para a execução das rubricas orçamentais relativas, nomeadamente, para a contratação de trabalhadores prevista no respetivo plano de atividades e orçamento (“PAO”) aprovado.
- O crescimento global do endividamento das empresas públicas fica limitado a 2 %, calculado nos termos a definir no decreto-lei de execução orçamental, sem prejuízo de se encontrar assegurada a necessária autonomia administrativa e financeira para a execução das rubricas orçamentais relativas a programas de investimento previstos nos respetivos orçamentos.
Relacionadas com prémio de produtividade
- As importâncias pagas ou colocadas à disposição do trabalhador ou membros de órgãos estatutários, em 2026, suportadas pela entidade patronal, de forma voluntária e sem caráter regular, a título de prémios de produtividade, desempenho, participações nos lucros e gratificações de balanço ficam isentas de IRS até ao limite de 6% da retribuição base anual do trabalhador.
- O referido em (i) depende de, , no ano de 2026, a entidade patronal pagadora das importâncias referidas no número anterior ter efetuado um aumento salarial elegível para do disposto no Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Caberá, agora, esperar pela aprovação e publicação do texto final do OE para 2026.
No dia 26 de setembro de 2024, o Tribunal da Relação de Évora (“TRE”), proferiu um novo acórdão, no âmbito de uma ação de impugnação da licitude do despedimento. O TRE concluiu que é admissível a utilização de imagens de videovigilância como meio de prova para fundamentar a justa causa de despedimento de um trabalhador, sem ser necessário aguardar pela conclusão do processo criminal, estando em causa a prática de um crime de furto pelos trabalhadores.
A decisão destaca-se pelo facto de admitir a utilização das referidas imagens sem necessidade de conclusão do processo criminal, o que não tinha ainda sucedido, na medida em que “o artigo 28.º n.ºs 4 e 5 da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto estipula que as imagens gravadas e outros dados pessoais registados através da utilização de sistemas de vídeo ou outros meios tecnológicos de vigilância à distância, nos termos previstos no artigo 20.º do Código do Trabalho, só podem ser utilizados no âmbito do processo penal; e que neste caso, as imagens gravadas e outros dados pessoais podem também ser utilizados para efeitos de apuramento de responsabilidade disciplinar, na medida em que o sejam no âmbito do processo penal”.
Fundamentando a sua decisão, o TRE citou:
- O disposto no artigo 329.º, n.º 2, do Código do Trabalho, o qual obriga o empregador a iniciar o procedimento disciplinar nos 60 dias subsequentes àquele em que teve conhecimento da infração, sob pena de caducidade; e
- O mencionado num outro Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de setembro de 20218: "a dupla natureza disciplinar e criminal, ainda que alargue o referido prazo prescricional do n.º 1 do art.º 329.º do CT/2009, não implica ou acarreta, necessariamente, idênticas consequências no que concerne aos demais prazos daquela disposição, pois a circunstância de as condutas do trabalhador estarem ou poderem vir a ser investigadas criminalmente não obsta, em regra, a que a entidade empregadora possa fazer a sua investigação e prova interna e completa desses mesmos factos no âmbito do procedimento disciplinar (…) e, nessa medida e sequência, proceder, objectiva e plenamente, de consciência absolutamente tranquila, ao despedimento com justa causa daquele ou ao seu sancionamento com outra pena, conservatória do vínculo laboral."
O TRE salientou ainda que, desde a entrada em vigor do Regulamento Geral de Proteção de Dados ("RGPD"), a Comissão Nacional de Proteção de Dados ("CNPD") já não tem competência para autorizar previamente a instalação de sistemas de videovigilância no local de trabalho (exceto se também envolverem a captação de áudio), cabendo-lhe apenas funções de fiscalização e controlo do cumprimento das regras de proteção de dados, nos termos do artigo 6.º da Lei 58/2019, de 8 de agosto.
O TRE esclarece ainda ser responsabilidade exclusiva do empregador assegurar que a instalação e utilização de sistemas de videovigilância respeita a legislação aplicável, em conformidade com o RGPD.
Este entendimento tem como consequência a revogação tácita do artigo 21.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que ainda previa a necessidade de autorização prévia da CNPD, autorização essa que a lei já não permite conceder.
O Decreto-Lei n.º 103/2025, de 11 de setembro, introduz alterações significativas nas regras aplicáveis à cessão e gestão de créditos bancários em Portugal, transpondo a Diretiva (UE) 2021/2167, relativa aos gestores de créditos e aos adquirentes de créditos.
Este diploma aprova o Regime da Cessão e Gestão de Créditos Bancários (“RCGCB”), definindo requisitos para os adquirentes e gestores dos créditos, e atualiza o quadro normativo da Central de Responsabilidades de Crédito (“CRC”).
As principais novidades incluem:
- A possibilidade de cessão a outras entidades para além das instituições já habilitadas para o efeito (e.g. organismos de investimento alternativo e veículos de titularização);
- A obrigatoriedade de contratação de entidades habilitadas para a gestão dos créditos cedidos;
- A proteção reforçada dos devedores e a supervisão pelo Banco de Portugal;
- Medidas que visam conciliar a dinamização do mercado secundário de créditos com a salvaguarda dos direitos das partes envolvidas.
Desde logo, o RCGCB estabelece que a cessão poderá ser realizada a outras entidades relativamente a contratos de crédito que (i) apresentem créditos com prestações vencidas há mais de 90 dias ou (ii) estejam classificados como de improvável cumprimento, na aceção do Regulamento (UE) n.º 575/2013, de 26 de junho de 2013, há pelo menos 12 meses, quando o devedor seja uma pequena, média ou grande empresa.
Outro aspeto relevante é a obrigatoriedade de os cessionários contratarem uma entidade habilitada para gerir os créditos, salvo se o cessionário for ele próprio um gestor autorizado. Esta regra aplica-se mesmo a cessionários de países terceiros, que devem designar um representante na União Europeia para atuar como interlocutor com as autoridades.
No que respeita ao gestor de créditos, o diploma estabelece que esta atividade só pode ser exercida por entidades autorizadas pelo Banco de Portugal ou por instituições de crédito devidamente habilitadas. Os gestores de créditos ficam sujeitos a vários deveres, nomeadamente, a prestação de informação clara e tempestiva aos devedores, observância de padrões de conduta leais e respeito pelo segredo profissional, equiparado ao segredo bancário.
Para proteção dos devedores, o cessionário passa a ficar vinculado às mesmas obrigações legais que a instituição cedente, nomeadamente no que toca à legislação de proteção de consumidores. Assim, as condições contratuais e os direitos dos devedores, como o reembolso antecipado ou a renegociação de condições, permanecem inalterados, independentemente de quem detenha o crédito.
O RCGCB esclarece que a cessão não depende do consentimento do devedor no caso de empresas, mas exige notificação prévia para produzir efeitos, assegurando que o devedor seja devidamente informado da cessão.
Ao abrigo do novo regime, o Banco de Portugal passará a ter poderes para fiscalizar, emitir determinações, realizar inspeções e aplicar sanções em caso de incumprimento, que podem variar entre coimas de valor elevado, a medidas como a revogação de autorizações ou a inibição de funções. Este quadro sancionatório aplica-se a instituições, cessionários e gestores que incumpram com as regras estabelecidas.
O Decreto-Lei agora publicado também introduz um novo regime aplicável à CRC, gerida pelo Banco de Portugal.
Entre outras alterações, destaca-se o facto de as entidades participantes na CRC passarem a incluir, além das entidades atualmente definidas, os gestores de créditos, que passam assim a ter de comunicar regularmente informações sobre responsabilidades de crédito, incluindo dados financeiros e de risco.
A entrada em vigor do Decreto-Lei ocorrerá 90 dias após a sua publicação, pelo que é essencial preparar as adaptações necessárias para evitar impactos negativos na atividade e assegurar o cumprimento das novas regras de cessão e gestão dos créditos.
De salientar que, até essa data, o Banco de Portugal deverá ainda aprovar um aviso que regulamentará o RCGCB, em particular, no que respeita à autorização, registo e deveres dos gestores de crédito, e cujo projeto está na presente data em consulta pública (Consulta Pública n.º 7/2025).
O Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”) confirmou, em acórdão de 25 de junho de 2025, que uma reestruturação interna da empresa pode, por si só, justificar o despedimento por extinção do posto de trabalho ou o despedimento coletivo, mesmo que o mesmo não implique a superação de desequilíbrios económico-financeiros.
O caso teve origem no despedimento de uma trabalhadora em 2021, ao abrigo do regime de extinção do posto de trabalho. O empregador alegou dificuldades financeiras resultantes da pandemia de COVID-19, designadamente a redução de receitas e o aumento de despesas. Essa situação levou a empresa a implementar uma reestruturação interna com o objetivo de recuperar o equilíbrio económico-financeiro.
A decisão do despedimento foi confirmada pelo tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da Relação. No recurso para o STJ, a trabalhadora alegou que os motivos apresentados não eram verdadeiros ou adequados e que a decisão tinha como alvo a sua pessoa e não o posto de trabalho em si.
No acórdão, o STJ afirma que a reorganização da estrutura interna da empresa, quando assente em critérios de gestão, é suficiente para justificar o despedimento. Sublinhou ainda que não compete aos tribunais avaliar a bondade da decisão do ponto de vista da gestão empresarial, mas apenas verificar se:
- Os motivos apresentados são verdadeiros e consistentes;
- Existe um nexo direto entre esses motivos e o despedimento; e
- Foram cumpridos os procedimentos legais exigidos.
Assim, o tribunal esclarece que uma reestruturação interna (mesmo assente em fatores conjunturais e não estruturais) pode servir de fundamento legítimo para despedimento, desde que cumpridos os requisitos legais. Como refere o acórdão “o Tribunal deve respeitar os critérios de gestão da empresa, na medida em que sejam razoáveis e consequentes. Não compete ao Tribunal apreciar se o despedimento era a única medida possível ou se se revelou eficaz para o fim pretendido”.
O entendimento do STJ reforça que, perante uma reestruturação devidamente fundamentada e realizada nos termos da lei, o papel dos tribunais resume-se ao controlo da legalidade e da efetividade dos motivos alegados, sem entrar no mérito da decisão de gestão. Esta orientação oferece maior clareza sobre os limites da intervenção judicial e orienta tanto empregadores como trabalhadores quanto às exigências formais e materiais do despedimento por extinção de posto de trabalho ou coletivo.
Fica assim mais clara a delimitação entre a autonomia de gestão das empresas e o controlo jurisdicional, elemento essencial para a estabilidade das relações laborais.
O Governo pôs em consulta pública o diploma que visa atualizar as metas nacionais de energias renováveis e implementar mecanismos de monitorização e certificação, dando cumprimento parcial à Diretiva (UE) 2023/2413 (Diretiva das Energias Renováveis - RED III).
Entre as principais medidas do projeto legislativo destacam-se:
- Atualização das metas nacionais: Portugal pretende alcançar 49% de energias renováveis no consumo final bruto de energia até 2030, com etapas intermédias de ≥40% em 2025 e ≥44% em 2028. A meta inclui também 5% de tecnologias inovadoras de renováveis na capacidade instalada até 2030.
- Setor dos edifícios, indústria e aquecimento/arrefecimento: Nos edifícios, 75% da energia consumida deverá ser de origem renovável até 2030, permitindo contabilizar até 20% de calor e frio residuais. A indústria deverá aumentar a quota de renováveis em 16 pontos percentuais até 2030, com metas específicas para hidrogénio renovável de 42% até 2030 e 60% até 2035. No aquecimento e arrefecimento, as quotas mínimas estabelecem 46% em 2025 e 63% em 2029, com incentivos a bombas de calor, redes urbanas eficientes e biogás/biometano.
- Setor dos transportes: A meta global é de 29% de renováveis até 2030, com quotas específicas para rodoviário (28%), marítimo (18%) e ferroviário não eletrificado (14%), incluindo um mínimo de biocombustíveis avançados, hidrogénio e combustíveis renováveis não biológicos.
- Critérios de sustentabilidade: O diploma reforça as regras para biocombustíveis e biolíquidos, limitando a contribuição de culturas alimentares para produção de biocombustíveis a 3,1% e excluindo combustíveis de elevado risco de alteração indireta do uso do solo, salvo se certificados como de baixo risco.
- Sistema de títulos: São criados títulos de biocombustível (TdB), de baixo carbono (TdC) e de eletricidade renovável (TdE), emitidos pela ENSE. O sistema prevê ainda créditos e compensações para fornecedores que não cumpram as metas.
Já há algumas reações nos media: positivas vindas sobretudo dos membros do Governo salientando o alinhamento com Compromissos Europeus e Transição Energética. Há quem veja abrir-se uma oportunidade para o sector da anergia vinda da aceleração do ritmo de incorporação de renováveis no consumo final (80% de renováveis no sistema elétrico em 2026, contra 85% em 2030). Mas também há que saliente as metas menos ambiciosas que o Compromisso Nacional: o Expresso questiona a fixação em 49% no diploma, contrastando com os 51% do PNEC 2030 aprovado pelo Governo anterior. O Observador, nota que o diploma estabelece metas para setores específicos (edifícios, indústria, aquecimento), mas sem aprofundar os mecanismos de monitorização, o que pode gerar contributos críticos durante a consulta.
Cidadãos, empresas e associações podem participar de consulta pública na plataforma ConsultaLex até dia 25 de Outubro.
Em dois acórdãos, o primeiro de 2024 e o segundo de 2025, o Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”) concluiu que a cessão de créditos à habitação a empresas não supervisionadas pelo Banco de Portugal (“BdP”) é nula.
A cessão de carteiras de créditos à habitação em incumprimento pelos bancos é uma prática habitual, mas tem levantado dúvidas na medida em que estes créditos estão sujeitos a regras especiais previstas no Decreto-Lei 74-A/2017, que transpôs a Diretiva 2014/17/EU e consagrou um conjunto de direitos que protegem o consumidor. Este diploma prevê, entre outros, o direito do consumidor “retomar” o contrato mesmo no caso de o banco ter exercido o direito de resolução.
Nos termos da lei, o direito de retomar o contrato pode ser exercido no prazo para a oposição à execução ou até à venda executiva do imóvel hipotecado, desde que o consumidor proceda ao pagamento das prestações vencidas e não pagas. Caso o consumidor exerça este direito, a eventual resolução do contrato fica sem efeito, mantendo-se o contrato de crédito em vigor nos exatos termos e condições que tinha anteriormente.
O STJ entendeu que as entidades cessionárias dos créditos - que no caso eram entidades luxemburguesas não financeiras e não sujeitas a supervisão do BdP – não podiam assegurar aqueles direitos ao consumidor. Com efeito, não sendo instituições de crédito, estas entidades não estão habilitadas a conceder crédito e, consequentemente, a retomá-lo.
Como resulta do Decreto-Lei 74-A/2017, os direitos do consumidor nele previstos são imperativos e não podem sequer ser renunciados pelos consumidores.
Por estas razões, o STJ considerou que a admissão da cessão dos créditos funcionaria como modo de “fugir” ou tornar mais difícil (impossível) o exercício daqueles direitos e concluiu que as cessões dos créditos, nestas circunstâncias, implicavam uma “fraude à lei” e, como tal, eram nulas.
Estas decisões chamam a atenção para o cuidado que as instituições de crédito devem adotar na cessão de carteiras de créditos, em particular dos créditos à habitação, mesmo quando estes se encontram em situação de incumprimento.
Por outro lado, evidenciam a importância do Decreto-Lei 103/2025 que transpõe a Diretiva 2021/2167, relativa aos gestores e adquirentes de créditos, o qual, foi publicado no dia 11 de setembro.