2023-03-20

1.EFICIÊNCIA ENERGÉTICA

O Pacto Ecológico Europeu estabeleceu o roteiro para a redução de emissões em pelo menos 55 %. As energias renováveis estão inevitavelmente suscetíveis a variações de disponibilidade, já que o sol e o vento não são, obviamente, programáveis. O armazenamento de energia é pois essencial para o cumprimento das metas europeias. 

A capacidade de armazenamento de energia instalada em Portugal baseia-se ainda predominantemente na bombagem hídrica, que é hoje superior a 3 GW, sendo que aumentará para 4,164 GW quando estiver concluída a barragem do Alto-Tâmega este ano. Contudo, este paradigma está prestes a mudar com a democratização de soluções de armazenamento de energia com produção eólica e solar.

As soluções de armazenamento fora da produção hídrica constam da legislação do setor elétrico desde 2019, e foram consideradas em procedimentos concorrenciais para atribuição de capacidade de receção na rede elétrica de serviço público (“RESP”) ou para efeitos de graduação de projetos em acordos com o operador de rede.

O novo Regime Jurídico do Sistema Elétrico Nacional aprovado pelo Decreto-Lei n.º 15/2022, estabeleceu um regime jurídico geral  aplicável ao licenciamento destas instalações e algumas, poucas, regras específicas para o armazenamento.  

Uma instalação de armazenamento pode revestir duas modalidades distintas:

  • Armazenamento Autónomo: quando a instalação tenha ligação direta à RESP e não esteja associada a centro eletroprodutor ou a uma Unidade de Produção para Autoconsumo (“UPAC”); ou

  • Armazenamento Associado: quando a instalação não tenha ligação direta à RESP e esteja associada a centro eletroprodutor ou UPAC

Com 21 318 GWh de eletricidade gerados em Portugal entre janeiro e junho de 2022, sendo que 57% foram de origem renovável, o armazenamento será decisivo para a tão desejada transição energética.

2.CONTROLO PRÉVIO – ARMAZENAMENTO AUTÓNOMO

A produção e/ou armazenamento autónomo de eletricidade está sujeito a um regime de controlo prévio nos seguintes termos:

  • Licença de Produção e Exploração: produção e armazenamento autónomo com potência instalada superior a 1 MW, ou caso se encontre sujeito a procedimento de AIA ou de avaliação de incidências ambientais.

  • Registo Prévio e Certificado de Exploração: produção com capacidade instalada superior a 30 kW e igual ou inferior a 1 MW e armazenamento autónomo com potência instalada inferior a 1 MW

  • Comunicação Prévia: produção com capacidade instalada superior a 700 kW e igual ou inferior a 30 kW

  • Projetos de produção com capacidade instalada igual ou inferior a 700 W estão isentos de controlo prévio.

A emissão da Licença de Produção depende de prévia atribuição de título de reserva de capacidade de injeção na RESP (“TRC”). 

TRC pode ser obtido através de uma das seguintes três modalidades:

  • Acesso Geral: Aplicável caso haja capacidade de receção na RESPFica sujeito ao pagamento de uma caução à DGEG no montante de EUR10.000,00/MVA pelo prazo mínimo de 30 meses, ou até à entrada em funcionamento do centro eletroprodutor e/ou da instalação de armazenamento.

  • Acordo com o operador da RESP: Aplicável caso não exista capacidade de receção na RESP e tenha sido definida por despacho do Governo a capacidade máxima de injeção na RESP anual a atribuir nesta modalidade até ao dia 15 de janeiro de cada ano. Sujeito ao pagamento de uma caução ao operador da RESP no montante de EUR15.000,00/MVA pelo prazo mínimo de 24 meses. Após celebração do acordo, caução é devolvida, sendo obrigatório prestar nova caução à DGEG nos termos do Acesso Geral.

  • Procedimento Concorrencial: Aplicável caso tenha sido determinado pelo Governo a abertura de procedimento concorrencial para atribuição de TRCOs termos e condições da atribuição do TRC e da prestação da caução são estabelecidos nas peças do procedimento.

3.CONTROLO PRÉVIO – ARMAZENAMENTO ASSOCIADO

O licenciamento de uma instalação de armazenamento associada a centro eletroprodutor pode ocorrer:

  • Ab Initio: caso em que se pretende iniciar simultaneamente o processo de licenciamento da instalação de produção e de armazenamento; ou

  • A Posteriori: caso em que se pretende instalar em centro eletroprodutor já existente uma instalação de armazenamento.

No caso de armazenamento associado Ab Initio, o procedimento de controlo prévio adotado é aquele que for aplicável à produção e que engloba as duas atividades (produção e armazenamento) em simultâneo.

Por sua vez, o armazenamento associado A Posteriori seguirá o procedimento previsto para a alteração não substancial da Licença de Produção, ou Registo Prévio, consoante o caso. As alterações não substanciais dependem de prévia autorização da DGEG e são averbadas à Licença de Produção ou Registo Prévio inicial e, quando aplicável, à Licença de Exploração ou Certificado de Exploração. A alteração pode estar sujeita à realização de nova vistoria às instalações.

O pedido de alteração da Licença de Produção é instruído com os elementos previstos no anexo I do DL 15/2022 que sejam aplicáveis e é apresentado pelo respetivo titular à DGEG. Por sua vez, as alterações ao Registo Prévio processam-se no âmbito da plataforma eletrónica da DGEGNo prazo de cinco dias após a receção do pedido, a DGEG pode solicitar elementos adicionais a prestar no prazo máximo de 30 dias.

Caso se justifique a DGEG promove no prazo de cinco dias após a receção do pedido consulta prévia às entidades que se tenham pronunciado no âmbito da Licença de Produção ou do Registo Prévio, nas questões que sejam objeto de alteração. Quando a alteração incida sobre projeto que tenha sido submetido a procedimento de AIA, está dispensada nova consulta a esta entidade caso a alteração não implique:

  • Qualquer alteração à decisão de AIA e respetivos fundamentos; e

  • Alteração à implantação do centro electroprodutor ou implicar uma diminuição da área de implantação do centro electroprodutor.

A decisão é proferida no prazo de 15 dias após o decurso do prazo de respostas das entidades consultadas e quando negativa é precedida de audiência prévia do interessado.

4.REGRAS GERAIS DE LICENCIAMENTO

A instalação de um centro eletroprodutor com armazenamento ou instalação de armazenamento autónomo obedece a um processo de licenciamento com várias etapas. 

A saber:

  • Análise ambiental: Projetos com uma capacidade instalada superior a 50 MW, ou com mais de 20 MW mas localizados em áreas sensíveis estão sujeitos a AIA, ou a procedimento de análise de incidências ambientais quando, independemente da capacidade instalada, estejam localizados em áreas sensíveis.

  • Licença de Produção (potência instalada superior a 1 MW): O processo é instruído com os elementos referidos no Anexo I do Decreto-Lei n.º 15/2022.

  • Registo Prévio (produção com potência instalada superior a 30 kW e igual ou inferior a 1 MW e armazenamento autónomo com potência instalada inferior a 1 MW): O processo é instruído com elementos referidos no Despacho 6/2020 da DGEG de 18 de fevereiro 

  • Controlo Municipal: Construção de centros eletroprodutores ou instalações de armazenamento estão sujeitas à obtenção de licença de construção. Isento de controlo municipal a instalação de painéis fotovoltaicos que não excedam a área cobertura de edificações e a cércea deste em 1m.

  • Ligação à RESP: Ligação das infraestruturas de ligação à RESP construídas a expensas do promotor. Os promotores podem requerer a expropriação por utilidade pública, bem como a solicitar a constituição de servidões sobre os imóveis necessários à instalação das infraestruturas elétricas que farão parte integrante da RESP.

  • Licença de Exploração: Deve ser solicitada no prazo de um ano a contar da data de emissão da Licença de Produção, com possibilidade de prorrogação, por uma única vez, por mais um ano.

  • Certificado de Exploração: Deve ser solicitado no prazo de nove meses a contar da data de emissão do Registo Prévio, com possibilidade de prorrogação, por uma única vez, por mais metade do prazo inicial.

5.CEDÊNCIAS MUNICIPAIS 

O titular de centro eletroprodutor ou de instalação de armazenamento, com potência de ligação atribuída superior a 50 MVA está obrigado a ceder, por uma única vez e gratuitamente, ao município ou municípios onde se localiza o centro eletroprodutor ou instalação de armazenamento:

  • Uma UPAC com uma potência instalada equivalente a 0,3 % da potência de ligação do centro eletroprodutor ou da instalação de armazenamento; ou

  •  Instalação de armazenamento para instalação em edifícios municipais ou equipamentos de utilização coletiva ou, por indicação do município, às populações que se localizam na proximidade do centro eletroprodutor ou da instalação de armazenamento; ou

  • Postos de carregamento de veículos elétricos localizados em espaço público e destinados a utilização pública.

O município pode optar, em substituição da cedência, por uma compensação no valor de EUR 1.500,00/MVA da potência de ligação atribuída, caso já disponha das infraestruturas referidas acima. 

O titular do centro eletroprodutor ou da instalação de armazenamento procede à instalação das infraestruturas nos locais indicados e disponibilizados pelos municípios beneficiários após obtenção por estes dos respetivos títulos de controlo prévio.

As cedências são objeto de protocolo a celebrar entre o titular de centro eletroprodutor ou de instalação de armazenamento e o município ou municípios onde se localiza o centro eletroprodutor ou instalação de armazenamento no período que medeia entre a emissão da Licença de Produção e a missão da Licença de Exploração, constituindo o protocolo, devidamente assinado, requisito para a emissão desta última. Nos casos em que se verifique recusa de assinatura do protocolo por parte do município, o titular do centro eletropridutor ou da instalação de armazenamento pode substituir a cedência pela compensação.

Os titulares de centros eletroprodutores ou de instalação de armazenamento com potência de ligação atribuída igual ou inferior a 50 MVA e superior a 1 MVA ficam obrigados a efetuar a compensação.

6.VENDA DE ENERGIA

O titular de centro eletroprodutor ou de instalação de armazenamento tem direito a vender a energia produzida ou armazenada. A energia poderá ser vendida e remunerada em diversas formas. 

Saiba mais acedendo ao pdf abaixo. 

2023-01-05

Em agosto de 2022, a Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto de 2022 (“Lei das Comunicações Eletrónicas” ou “LCE”), com considerável atraso, transpôs para o ordenamento jurídico português o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (‘‘Código Europeu” ou “CECE”). 

Apesar de não alterar a estrutura fundamental do regime até então em vigor, a nova LCE traz algumas novidades de relevo, em especial, (i) em matéria de direitos dos consumidores, (ii) regime sancionatório e (iii) privacidade nas comunicações eletrónicas.  

Ao comparar, em termos gerais, a nova LCE com o diploma que a antecedeu (a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, com quase vinte anos de vigência), é imediatamente notório o alargamento do seu âmbito de aplicação, fruto da adoção de um conceito mais lato de “serviço de comunicações eletrónicas”. Para além dos tradicionais serviços de envio de sinais oferecidos através de redes de comunicações eletrónicas mediante remuneração, passam também a ser “serviços de comunicações eletrónicas” os de acesso à Internet, bem como os denominados serviços over-the-top (“OTT”).

Note-se ainda que as normas da nova lei não entraram simultaneamente em vigor. Em regra, estas entraram em vigor 90 dias após a sua publicação (i.e., a 14 de novembro de 2022), destacando-se as seguintes exceções:

  • Regras que incidam sobre os encargos exigidos em caso de cessação antecipada do contrato por iniciativa do consumidor(entenda-se os artigos 136.º n.ºs 4 e 5 da nova LCE), apenas entraram em vigor 60 dias após a entrada em vigor da nova LCE, ou seja, mais precisamente, a 13 de janeiro de 2023;
  • As normas relativas às comunicações de emergência e número único europeu de emergência que começam a vigorar a partir do momento da abertura ao público de cada meio de acesso aos serviços de emergência por parte das autoridades nacionais competentes; e
  • As regras em matéria de segurança das redes e serviços, incluindo requisitos adicionais e regime de assistência e cooperação com a Equipa de Resposta a Incidentes de Segurança Informática Nacional, que entraram de imediato em vigor com a publicação da nova LCE.

Importa lembrar, no que diz respeito à lei revogada, que, na transposição do anterior quadro regulamentar, o legislador de 2004 já tinha tido o cuidado de unificar as cinco diretivas num único diploma criando, com isso, um quadro estruturalmente coeso que se manteve genericamente até 2022. Ainda assim, até meados de 2021, para além da Lei das Comunicações Eletrónicas de 2004, o quadro regulamentar incluía outros 46 diplomas, dos quais, 23 eram atos legislativos e 16 regulamentos de natureza administrativa que o completavam.

Não surpreende, portanto, que, não obstante alterações substantivas em alguns aspetos críticos da lei, em particular, no que se refere a consumidores e quadro sancionatório que terão um impacto material não só em termos jurídicos, como igualmente no equilíbrio económico-financeiro e operacional dos operadores, a nova LCE tenha genericamente preservado a estrutura da sua antecessora.

À data deste estudo, tendo em conta o pouco tempo decorrido desde a publicação da nova LCE e o facto do alcance de algumas das alterações ainda não ser totalmente conhecido, o exercício de analisar em profundidade o novo quadro regulatório será sempre limitado. Seguindo a estrutura da nova LCE, procura dar-se- aqui uma perspetiva resumida do novo regime regulatório do setor das comunicações.

1. A ANACOM E OUTRAS AUTORIDADES COMPETENTES

Na nova LCE, a Autoridade Nacional de Comunicações (“ANACOM”) continua a desempenhar o seu papel fulcral como Autoridade Reguladora Nacional (“ARN”) do setor das comunicações.

Embora, à semelhança do que sucedia na lei anterior, a definição de comunicações continue a abranger tanto comunicações eletrónicas como postais, a nova LCE, clarifica o seu âmbito de atuação passa a abranger os segmentos de mercado onde o seu papel era, por motivos conceptuais, menos claro.

Um dos exemplos mais evidentes deste alargamento é, provavelmente, o caso dos serviços OTT que, sendo baseados exclusivamente no nível de aplicação das redes de transmissão de dados, são, na nova LCE equiparados, para efeitos jurídicos (e.g., em matéria de direitos dos utilizadores finais) e de análise de mercados, aos serviços de rede propriamente ditos.

Assim, na LCE, em termos genéricos, compete à ANACOM o desempenho de funções de regulação, supervisão, fiscalização e sancionamento sobre todo o setor, cabendo-lhe designadamente:

  • Promover a concorrência na oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas;
  • Garantir o acesso a redes, infraestruturas, recursos e serviços;
  • Proteger os direitos e interesses dos consumidores e demais utilizadores finais; e
  • Assegurar o acesso ao serviço universal de comunicações eletrónicas e postal, designadamente garantindo o cumprimento das obrigações de serviço universal.

A LCE, apesar de não promover reformas muito profundas, por um lado, reforçou os seus poderes e atribuições, sobretudo no que se refere à gestão do espectro.

Nesta matéria, e.g., com a nova lei, a ANACOM passa a ter poderes para promover a utilização partilhada do espectro de radiofrequências, ou seja, o acesso por dois ou mais operadores às mesmas faixas, no âmbito da atribuição direitos de utilização de frequências (“DUF’s”) do espectro radioelétrico.

Por outro lado, a LCE clarifica que os regulamentos respeitantes a procedimentos de seleção concorrencial ou por comparação para atribuição de direitos de utilização do espectro de radiofrequências passam a ser aprovados pelo membro do Governo responsável pela área das comunicações.

Numa outra dimensão, a LCE prevê, seguindo de perto o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, a intervenção de «outras autoridades competentes» na regulação setorial, i.e., as entidades, para além da ARN, às quais a lei confira determinadas competências específicas como é o caso da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, especialmente em matéria de direitos dos utilizadores finais.

Para tal, e.g., a LCE incentiva a cooperação entre a ANACOM e as «outras entidades competentes» na elaboração de consultas e na troca de informações, em questões de interesse comum em matéria de comunicações de emergência.

1. AUTORIZAÇÃO GERAL, FREQUÊNCIAS, NÚMEROS E SEGURANÇA

1.1. Regime de Autorização Geral

Tal como sucedia desde 2004, prevalece o princípio da livre a oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas, que, desta forma, continua a estar apenas sujeita ao regime de autorização geral, não dependendo de decisão ou ato prévio do regulador, exceto no que se refere à atribuição de direitos de utilização de elementos como os já referidos DUF ou de direitos de utilização de numeração.

Todas as empresas que pretendam oferecer redes públicas de comunicações eletrónicas e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público estão, portanto, sujeitas a um dever de comunicação prévia de início de atividadecujo regime também não foi sujeito a alterações muito relevantes.

Quer isto dizer, em termos práticos, que estas empresas devem apenas comunicar, previamente, à ANACOM o início da sua atividade. Nos termos da lei, esta comunicação deve conter os seguintes elementos:

  • A declaração da intenção de iniciar a atividade;
  • Os elementos de identificação da empresa e o endereço do seu sítio na Internet associado à oferta de redes públicas de comunicações eletrónicas e de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público;
  • Os contactos para comunicações e notificações, incluindo obrigatoriamente um endereço de correio eletrónico;
  • A descrição sucinta da rede de suporte e do serviço cuja oferta pretendem iniciar; e
  • A data prevista para o início de atividade.

Note-se que as entidades não sujeitas, nos termos da LCE, ao regime de autorização geral, também não estão vinculadas ao cumprimento deste dever de comunicação prévia de início de atividade. Para além dessas, este dever também não é aplicável às empresas que pretendam oferecer serviços de comunicações eletrónicas não acessíveis ao público.

A ARN pode, também, através de regulamento, isentar certas empresas que ofereçam determinados tipos de redes públicas de comunicações eletrónicas e de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público do cumprimento deste dever.

1.2. Condições Gerais e Condições Específicas

As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas continuam a estar sujeitas, na sua atividade, a determinadas condições gerais já previstas na anterior legislação. De entre as várias condições, destacam-se as seguintes:

  • Obrigações de acesso;
  • Obrigações em matéria de tratamento de dados pessoais e da proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas;
  • Obrigações de instalação e disponibilização de sistemas de interceção legal às autoridades nacionais e fornecimento dos meios de decifragem sempre que ofereçam essas facilidades;
  • Condições de utilização do espectro de radiofrequências para serviços de comunicações eletrónicas; e
  • Condições de utilização para garantir as comunicações entre os serviços de emergência, as autoridades competentes e os agentes de proteção civil com o público em geral.

Por sua vez, as entidades que não sejam abrangidas pelo já mencionado regime de autorização geral, continuam a não estar sujeitas, também, a estas condições gerais.

As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas, para além das condições gerais elencadas, podem ser sujeitas a condições específicas, sobretudo em matéria de acesso e interligação, de controlos nos mercados retalhistas e de serviço universal.

Por fim, como aludido atrás, refere-se que, com as alterações introduzidas com a LCE, as entidades que ofereçam serviços de comunicações interpessoais independentes de número poderão, em determinados casos, ser sujeitas a obrigações de acesso e interligação.

1.3. Direitos dos Operadores

A LCE atribui às empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas, acessíveis ou não ao público, uma série de direitos, nomeadamente o de requerer a constituição de direitos de passagem e o de utilização do espectro de radiofrequências para a oferta de redes e serviços.

Para além destes, as empresas que oferecem redes públicas de comunicações eletrónicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público beneficiam de outros direitos, designadamente do direito de oferecer alguma das prestações do serviço universal ou cobrir diferentes zonas do território nacional.

Estes direitos podem ser alterados, consoante o caso, por lei, regulamento ou ato administrativo. Porém, a ocorrer uma eventual alteração, esta deve ser objetivamente justificada e respeitar exigências de proporcionalidade. Para além de ser necessário o consentimento do titular, as decisões de alteração seguem o regime do procedimento de consulta pública, ou seja, deve ser dada aos interessados a possibilidade de se pronunciar a não ser que em causa estejam alterações não muito significativas, i.e., que não afetem a natureza substancial dos direitos de utilização.

Sem prejuízo da possibilidade da sua alteração, os titulares dos direitos de utilização de frequências e dos recursos de numeração beneficiam de uma garantia geral de não restrição e de irrevogabilidade dos seus direitos, até ao termo do seu prazo de validade, fixando a lei os critérios, em que estes podem ser antecipadamente restringidos ou revogados pela ARN. Desta forma, os casos em que estes direitos podem ser restringidos ou revogados são:

  • Existência de consentimento por parte do titular;
  • Existência de situações justificadas, nomeadamente, para:

- Garantir a utilização efetiva e eficiente dos recursos de numeração ou do espectro de radiofrequências; e para

- Garantir a aplicação de medidas técnicas de execução adotadas nos termos do artigo 4.º da Decisão Espectro de Radiofrequências.

Caso a restrição ou revogação de direitos tenha lugar sem o consentimento do titular e/ou em casos não justificados, esta depende da existência de procedimento previamente estabelecido e claramente definido que respeite o princípio da proporcionalidade e o da não discriminação.  

Como não poderia deixar de ser, caso os direitos sejam restringidos ou revogados, haverá lugar a compensação (a apurar pela ANACOM), pelos encargos ou danos especiais e anormais sofridos pelos seus titulares. Nesta sede, aplicam-se as regras da indemnização pelo sacrifício previstas no contexto do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.

Em conclusão, a nova LCE não trouxe grandes novidades neste plano, mas, apesar de tudo, veio clarificar a aplicabilidade deste regime aos serviços OTT e às empresas que pretendam oferecer serviços de comunicações eletrónicas não acessíveis ao público.

1.4. O Espectro de Radiofrequências

O espectro de radiofrequências, espaço pelo qual se podem propagar as ondas eletromagnéticas com frequências entre os 3kHz e os 3000gHz, constitui o domínio público radioelétrico e é um recurso público essencial e escasso de inegável importância económica e social para o País, como bem o demonstram não só os valores pagos pelos direitos de o utilizar, como, também, pelo intenso debate público que sempre rodeia as questões com ele relacionado.  

A gestão eficiente do espectro é competência da ANACOM, que a deve promover com base no princípio da neutralidade tecnológica, i.e., todos os tipos de tecnologia utilizados na oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas podem ser utilizados nas faixas de frequências disponíveis para os serviços de comunicações eletrónicas e no princípio da neutralidade de serviços, ou seja, todos os tipos de serviços de comunicações eletrónicas podem ser prestados nas faixas de frequências disponíveis para os serviços de comunicações eletrónicas.

A LCE não alterou os pilares e estrutura fundamentais do anterior regime, tendo, no entanto, trazido algumas novidades, em especial ao nível dos poderes e atribuições do regulador. A ANACOM continua a ser titular de grande parte dos poderes de que, anteriormente, já beneficiava, como por exemplo o poder de atribuir, alterar ou renovar direitos de utilização e até o poder de autorizar a sua transmissão ou locação.

No entanto, a LCE faz alterações em dois planos: (i) num primeiro plano, são atribuídos novos poderes ao regulador, que vê o seu papel reforçado, designadamente, em matéria de proteção da utilização competitiva do espectro; e (ii) num segundo plano, são-lhe retirados outros poderes, em especial, com a nova lei, os regulamentos respeitantes a procedimentos de seleção concorrencial ou por comparação para atribuição de direitos de utilização de frequências devem, a partir de agora, ser aprovados pelo membro do Governo responsável pela área das comunicações.

1.4.1. Utilização do Espectro de Radiofrequências

Do ponto de vista jurídico, as condições da autorização geral, cabe ao regulador, em especial, definir as condições técnicas, mais adequadas para a sua utilização.

Numa lógica de continuidade face ao quadro anterior, a LCE realça que cabe à ANACOM atribuir os DUF para a oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas. Por natureza, os DUF estão sempre sujeitos um prazo de caducidade. Assim, e.g., nos termos da lei, os direitos de utilização de espectro para serviços de comunicações eletrónicas de banda larga sem fios, são atribuídos por um prazo mínimo de 15 anos, sem prejuízo de poderem ser renovados.

De forma semelhante ao que já resultava do anterior regime, cabe também ao regulador a definição das condições associadas aos direitos de utilização do espectro, cujo incumprimento habilita o regulador a revogar os direitos de utilização ou a impor outras medidas. As condições definidas devem ser proporcionais, transparentes e não discriminatórias, consistindo, por exemplo, no estabelecimento de durações máximas dos direitos.

A LCE inova com a introdução da possibilidade de utilização partilhada de espectro de radiofrequências.

A renovação dos direitos de utilização continua a ser permitida. O regime aplicável à renovação, no entanto, foi sujeito a alterações significativas com a LCE:

  • Anteriormente, a renovação dos direitos de utilização do espectro de radiofrequências dependia exclusivamente da iniciativa do titular dos direitos de utilização; e
  • Com a nova LCE, a ANACOM pode avaliar atempadamente, por sua própria iniciativa, a necessidade de renovação dos direitos de utilização do espectro de radiofrequências.

Os titulares dos direitos de utilização do espectro de radiofrequências podem, ainda, por sua própria iniciativa, requerer ao regulador a sua renovação, com uma antecedência mínima de 18 meses e máxima de cinco anos relativamente ao termo do prazo de validade. Importa referir, a este título que o anterior regime consagrava apenas uma antecedência mínima de um ano. Em todo o caso, o regulador deve dar resposta aos pedidos de renovação no prazo máximo de seis meses seguidos, contados desde a sua receção.

No caso de direitos de utilização cujo número tenha sido limitado, os interessados deverão ter a oportunidade de se pronunciarem sobre a sua renovação, no âmbito de um procedimento de consulta pública.

Tratando-se de um que é licenciado aos operadores, para além das taxas relacionadas com a sua atribuição inicial, estes encontram-se ainda sujeitos ao pagamento periódico de taxas que, salvo casos excecionais, têm como objetivo principal cobrir os encargos da fiscalização radioelétrica.

Por último, importa ainda referir que o instrumento de gestão técnica do espectro radioelétrico é o Quadro Nacional de Atribuição de Frequências (“QNAF”, que pode ser consultado através desta ligação) que, de forma detalhada, define todas as condições de utilização em função da sua finalidade.

1.4.2. Transmissão e Locação de Direitos de Utilização

A transmissão ou locação de direitos de utilização do espectro de radiofrequências continua a ser admitida com a LCE.

Por regra, caso o titular do direito pretenda transmiti-lo ou locá-lo poderá fazê-lo, mediante solicitação de transmissão ou locação dirigida ao regulador usando o procedimento menos oneroso possível, o qual se deverá pronunciar no prazo de 45 dias úteis.

No entanto, em determinados casos, a transmissão/locação dos direitos de utilização não é admitida. Entre estes casos contam-se, e.g., os direitos tenham sido atribuídos a título gratuito ou para a oferta de serviços de programas de rádio e de distribuição de serviços de programas televisivos e de rádio, no âmbito de procedimentos específicos, para o cumprimento de objetivos de interesse geral.

1.4.3. Concorrência

Refletindo uma das pedras de toque do regime de gestão de espectro do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, a LCE esclarece que a ARN, ao atribuir, alterar ou renovar os direitos de utilização de frequências, deve promover a concorrência efetiva no mercado interno da União Europeia, evitando, na medida do possível, distorções da concorrência.

Os poderes da ANACOM são reforçados, passando esta a poder adotar ou propor a outras autoridades competentes as medidas de correção que entenda adequadas para evitar distorções da concorrência. Nomeadamente, o regulador pode:

  • Limitar a quantidade de faixas do espectro para as quais são concedidos direitos de utilização ou associar condições a esses direitos;
  • Reservar parte de uma faixa ou de um grupo de faixas do espectro para atribuição a novos entrantes no mercado; e
  • Recusar atribuir novos direitos de utilização ou autorizar novas utilizações do espectro em determinadas faixas, bem como associar condições à atribuição de novos direitos de utilização ou a novas utilizações do espectro de radiofrequências, incluindo a transmissão ou locação, para evitar distorções da concorrência provocadas pela atribuição, transmissão ou acumulação de direitos de utilização.

A adoção destas «medidas adequadas», pelo regulador, deverá basear-se numa avaliação objetiva e prospetiva das condições de concorrência do mercado e da sua necessidade.

1.5. Recursos de Numeração

Para além da gestão dos direitos de utilização relacionados com o domínio público radioelétrico, a ANACOM é igualmente a entidade a quem cabe gerir os recursos de numeração em Portugal.

 Os chamados «recursos de numeração», ou seja, o conjunto estruturado de códigos usados pelas redes de comunicações eletrónicas para o encaminhamento de sinais, são recursos do Plano Nacional de Numeração (“PNN” que pode ser consultado através desta ligação), ou de um plano internacional de numeração, em relação aos quais o regulador dispõe de competências de administração e de notificação. Estes números são aptos a identificar redes, elementos de rede, bem como, utilizadores finais, serviços ou aplicações que usem estes serviços e redes.

Cabe à ANACOM, nos termos da LCE, assegurar a gestão eficiente dos recursos de numeração, garantindo que estes estão disponíveis à oferta de redes públicas de comunicações eletrónicas e de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público.

A utilização dos recursos de numeração está dependente da atribuição, pelo regulador dos respetivos direitos de utilização, que é feita mediante a apresentação de pedido específico e fundamentado à ANACOM.   

A ferramenta técnica usada pela ANACOM para a gestão da numeração, que inclui igualmente os critérios para cada gama de números, é o PNN.

1.6. Segurança e Emergência

Para além de estabelecer competências genéricas em matéria de coordenação das redes e serviços de comunicações eletrónicas em caso de crise ou guerra, acidente grave ou catástrofe e de grave ameaça à segurança interna, na LCE destacam-se duas das normas de maior interesse:

  • Em primeiro lugar, a lei esclarece que as empresas que oferecem serviços de comunicações interpessoais móveis com base em números devem transmitir (gratuitamente) à população avisos relativos a emergências ou a acidentes graves ou catástrofes, iminentes ou em curso; e
  • Em segundo lugar, resulta da LCE que é um direito de todos os utilizadores finais de serviços de comunicações a existência de um número europeu de emergência gratuito «112» para realização de comunicações de emergência.

2. ANÁLISE DE MERCADOS E CONTROLOS REGULATÓRIOS

2.1. Disposições Gerais

Tal como lei de 2004, também na LCE, a análise de mercados e a imposição de obrigações específicas têm necessariamente de obedecer ao princípio da fundamentação plena, ou seja, quer isso dizer que a fundamentação das decisões obedece aos pressupostos prescritos pela lei, que implicam obrigatoriamente procedimentos de consulta pública prévia.

Em termos gerais, compete à ANACOM definir, entre outros, os mercados de produtos e geográficos relevantes no setor das telecomunicações e que empresas devem considerar-se empresas com poder significativo.

2.2. Análise de Mercado

Compete à ARN definir e analisar os mercados relevantes de produtos e serviços do setor das comunicações eletrónicas, tendo em conta, o nível de concorrência em matéria de infraestruturas nessas áreas.

Depois de efetuada a análise de mercado pela ANACOM, poderá concluir-se que este requer a imposição de obrigações específicas quando:

  • Existam obstáculos à entrada no mercado;
  • A estrutura de mercado não permita a concorrência efetiva; e
  • O Direito da Concorrência não seja suficiente para colmatar as falhas identificadas.

Esta análise pode ser promovida, não apenas aos mercados nacionais de telecomunicações, mas também aos mercados transnacionais, mas, neste caso, em cooperação com as autoridades europeias.

2.3. Imposição de Obrigações a Operadores com Poder de Mercado Significativo  

A LCE não alterou o conceito de poder de mercado significativo, mantendo-se a definição tradicional que o associa à existência deuma posição de força económica que permite a uma entidade agir, em larga medida, independentemente dos seus concorrentes, clientes e utilizadores finais.  

De modo semelhante ao que sucedia anteriormente, embora com pequenas alterações, de forma geral, permite-se que o regulador sujeite as empresas com poder de mercado significativo a algumas obrigações:  

  • Em primeiro lugar, a obrigação de dar resposta aos pedidos razoáveis de acesso e utilização de infraestruturas, em especial ativos de engenharia civil detidos por elas detidos;
  • Em segundo lugar, na ausência de concorrência efetiva, o regulador poder impor obrigações de orientação de preços para os custos e obrigação de adotar sistemas de contabilização de custos, nos fornecimentos de tipos específicos de interligação e acesso.

No entanto, neste ponto em particular, a LCE impôs condições mais exigentes do que a anterior, para a sua aplicação. Desta forma, a ANACOM passou a ter de considerar na sua análise os benefícios associados à existência de preços grossistas previsíveis e estáveis que assegurem a entrada eficiente de empresas no mercado e assegurar que existem incentivos suficientes para que as empresas implementem redes novas e mais avançadas, nomeadamente em zonas de baixa densidade populacional; e

  • Em terceiro lugar, na senda do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, a LCE considera que, por vezes, o estabelecimento de um mercado grossista pode alavancar efeitos positivos na concorrência de mercados retalhistas, envolvendo menores riscos concorrenciais.

Assim, às empresas exclusivamente grossistas passa a ser aplicável um regime mais favorável: estas apenas podem ser sujeitas a obrigações de não discriminação, acesso e utilização de elementos de redes específicos e recursos conexos ou obrigações relativas a preços justos, equitativos e razoáveis.

No entanto, a aplicabilidade deste regime depende da subsunção da empresa em causa a rigorosos requisitos de aplicação cumulativa; circunstância que pode dificultar a aplicabilidade deste regime.

Tendo em conta a constante inovação e modernização que carateriza o setor, as empresas com poder de mercado significativo, no novo diploma, passam a estar sujeitas a obrigações específicas no plano da migração de infraestruturas. O legislador, considerando as consequências concorrenciais que podem resultar dos processos de migração das antigas redes de cobre para as redes de próxima geração, introduziu a necessidade de notificação prévia sempre que estas empresas planeiem desativar ou substituir, no todo ou em parte, a sua infraestrutura.

Por fim, as obrigações de acesso não se aplicam apenas às empresas com poder de mercado significativo. Precisamente, de modo a garantir algum nível de eficiência económica, o regulador adquiriu o poder de impor obrigações de acesso aos operadores ou proprietários de cablagem e de recursos conexos associados dentro dos edifícios ou até ao primeiro ponto de distribuição, quando este se encontre fora do edifício, independentemente de serem ou não empresas com poder de mercado significativo. Permite-se, assim, um reforço da regulação simétrica, aplicável a todos os operadores.

2.4. ACESSO E INTERLIGAÇÃO

2.4.1. Interligação

As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas são livres de negociar e celebrar entre si acordos de interligação.

No entanto, a lei permite que a ANACOM imponha, a empresas que tenham (ou não) poder de mercado significativo, obrigações de acesso e interligação desde que sejam objetivas, proporcionais, transparentes e não discriminatórias. Por exemplo, o regulador poderá impor obrigações de acesso e interligação a empresas que, estando sujeitas ao regime de autorização geral, controlem o acesso aos utilizadores finais.

2.4.2. Obrigações Regulatórias

Seguindo de perto o CECE, a nova lei mantém de forma geral as obrigações regulatórias que já resultavam da anterior legislação, acrescentando, todavia, algumas mais.

Em especial, com a LCE é reforçada a eventual imposição de obrigações regulatórias simétricas, nomeadamente de acesso, e.g., a obrigação de acesso a cablagem até ao primeiro ponto de distribuição, o poder para impor acesso a ativos de engenharia civil e a itinerância localizada. No entanto, e sem prejuízo do referido, a imposição de obrigações regulatórias está, com a nova lei, dependente da observação de ainda mais requisitos tornando-a consideravelmente mais complexa.

Assim, não obstante as intenções benignas do legislador ao conceber este regime, a sua complexidade levanta legítimas dúvidas de aplicabilidade.

2.4.3. Obrigação de ROAMING (Itinerância) Localizada

A LCE traz com ela um novo conceito: itinerância localizada. A itinerância localizada, ou roaming local, consiste, tal como resulta do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, num mecanismo regulatório fulcral ao suprimento de obstáculos físicos ou económicos intransponíveis para o fornecimento, aos utilizadores finais de serviços e de redes que dependem do acesso através de direitos de utilização de frequências do espectro de radiofrequências, ou seja, redes móveis.

Precisamente, o regulador poderá, quando o acesso e a partilha de infraestruturas passivas não for suficiente, por si só, para assegurar a disponibilização, num determinado local, de serviços que dependam da utilização do espectro de radiofrequências, impor obrigações de partilha de infraestruturas ativas ou a obrigação de celebração de acordos de acesso para fins de itinerância localizada. No entanto, a imposição destas obrigações depende do preenchimento de alguns requisitos (cumulativos), designadamente a existência de obstáculos físicos ou económicos insuperáveis, que resulte num acesso à rede ou acesso a serviços por parte dos utilizadores finais muito deficiente ou inexistente, e.g., caso existam limitações à edificação em zonas protegidas.

O recurso a este mecanismo só se justificará, nos termos da lei, perante a insuficiência fundamentada do acesso e partilha de infraestruturas passivas.

2.4.4. Roaming (Itinerância) Internacional

O roaming, ou itinerância, internacional, é um serviço introduzido pelas primeiras redes móveis de 2G que permite, aos utilizadores clientes de um operador utilizar os seus terminais (ou estações) móveis nas redes de operadores de outros países. Concretamente, este serviço, hoje considerado fundamental, permite fazer e receber chamadas de voz, enviar e receber mensagens de texto e multimédia ou aceder à Internet através dos respetivos equipamentos e tem sido considerado como um dos fatores fundamentais para a popularização a nível global dos serviços móveis através das redes de GSM.

Por definição, os custos associados às comunicações em roaming são mais elevados do que em território nacional, dado que o operador estrangeiro pode (quase) livremente fixar as tarifas aplicáveis aos utilizadores originários dos seus.

No entanto, no contexto do Espaço Económico Europeu, estes custos têm vindo a descer por força da aplicação das regras comunitárias, que culminaram com a implementação, em 2017, do conceito de Roam Like at Home, ou seja, as comunicações em roaming através das redes de qualquer operador nesse espaço, são, regra geral, taxadas nos termos do tarifário que o cliente subscreveu com o seu operador de origem.

Contudo, é de mencionar que as matérias referentes ao roaming internacional não se encontram reguladas na LCE, mas sim em regulamento europeu, designadamente no Regulamento (UE) n.º 2022/612 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de abril de 2022.

2.5. controlo nos mercados retalhistas

?A intervenção da ANACOM para imposição de obrigações específicas adequadas aos mercados retalhistas depende da:

  • Inexistência de concorrência efetiva; e
  • Circunstância de que a imposição de outras obrigações não cumpriria os objetivos gerais de regulação.

Com isto procura impedir-se, e.g., que os operadores pratiquem preços excessivos e que preferiram (indevidamente) entre utilizadores finais,

3. DIREITOS DOs UTILIZADORES, SERVIÇO UNIVERSAL E SERVIÇOS OBRIGATÓRIOS ADICIONAIS   

3.1. Direitos dos Utilizadores Finais

A LCE, tal como aliás o CECE determinou, reforçou substancialmente os direitos dos utilizadores finais. As empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas passaram a estar, na sua totalidade inclusivamente os serviços OTT, sujeitas às normas relativas aos direitos dos utilizadores finais, previstas na LCE.

Neste contexto existem poucas exceções. Uma das exceções mais notórias é o das microempresas que oferecem serviços de comunicações interpessoais independentes de números, que podem ser isentas do cumprimento destas normas. As microempresas estão obrigadas, contudo a informar isso mesmo aos utilizadores finais.

Seguindo a lógica desenhada pelo CECE, nos termos da LCE, beneficiam do regime aplicável aos direitos dos utilizadores finais, para além de consumidores finais que sejam consumidores, as microempresas, bem como, pequenas empresas ou organizações sem fins lucrativos desde que, não tenham renunciado expressamente à aplicação dessas disposições.

Quais são, afinal, os direitos dos utilizadores finais? Nos termos da LCE, são todos os utilizadores finais beneficiam, entre outros, dos seguintes direitos:

  • Dispor de informação escrita sobre os termos e condições de acesso e utilização dos serviços;
  • Ser informado, com a antecedência mínima de 15 dias, da cessação da oferta de um serviço;
  • Dispor de informação sobre a qualidade dos serviços prestados;
  • Receber informação sobre a faturação dos serviços prestados, nomeadamente sobre os custos de instalação e sobre o término do período de fidelização;
  • Proteção acrescida para casos de não autorização/contratação expressa;
  • Ter acesso a ferramentas de comparação de preços e outras condições;
  • Ter uma redução imediata e proporcional da mensalidade em casos de suspensão dos serviços por períodos iguais ou superiores a 24h consecutivas, sem prejuízo de eventuais compensações;
  • Aceder aos serviços contratados de forma contínua, devendo ter informação sobre a suspensão do serviço; e
  • Dispor de portabilidade de números.

A LCE introduziu, nesta sequência, uma novidade que merece ser destacada: as regras de não-discriminação. Ou seja, exceto quando tal seja “objetivamente justificado”, passa a não ser permitida a diferenciação de requisitos ou condições de utilização ou acesso em razão da nacionalidade, residência ou local de estabelecimento.

No entanto, com esta alteração, uma nova questão se abre (e à qual a nova lei não dá resposta): quando estaremos perante um caso em que é “objetivamente justificada” a diferenciação de requisitos?

Sem dúvida que o regime dos utilizadores finais é um dos mais importantes da nova LCE e mostra uma cada vez maior tendência para que o principal fundamento da regulação seja, efetivamente, a proteção dos utilizadores.

3.2. Requisitos de Informação sobre os Contratos

O regime da prestação de informações pré-contratuais é reforçado com a LCE.

As empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, com exceção dos serviços de transmissão utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina, devem, previamente à celebração de um contrato, disponibilizar ao consumidor as informações (resultantes da Lei de Defesa do Consumidor) relativas a, por exemplo:

  • As características principais dos bens ou serviços, tendo em conta o suporte utilizado para o efeito e considerando os bens ou serviços em causa;
  • A identidade do fornecedor de bens ou prestador de serviços, nomeadamente o seu nome, firma ou denominação social, endereço geográfico no qual está estabelecido e número de telefone;
  • O preço total dos bens ou serviços, incluindo os montantes das taxas e impostos, os encargos suplementares de transporte e as despesas de entrega e postais, quando for o caso; e
  • Modo de cálculo do preço, nos casos em que, devido à natureza do bem ou serviço, o preço não puder ser calculado antes da celebração do contrato.

A obrigação de adoção e disponibilização do modelo de resumo do contrato é, não só formalizada, como também é consideravelmente mais detalhada.

3.3. Mecanismos de Controlo de Contratação e Faturação

A faturação dos serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público é mensal, devendo as respetivas faturas – enviadas gratuitamente ao utilizador final – discriminar:

  • Os serviços prestados e os preços correspondentes;
  • A duração remanescente do período de fidelização; e
  • Informação sobre a existência da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet em banda larga e a sua aplicação aos consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais, quando aplicável.

3.4. Duração do Contrato

A LCE, no que se refere ao regime aplicável às fidelizações, aposta na continuidade; mas, sem prejuízo, traz algumas inovações, em especial no que se refere ao prolongamento de fidelizações e às re-fidelizações, introduzindo para tanto os conceitos de fidelização inicial e subsequente.

Todas as empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, com exceção dos serviços de comunicações interpessoais independentes de números e dos serviços de transmissão utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina, passam a ser obrigadas a disponibilizar serviços sem fidelizações associadas. Assim, a disponibilização de contratos com períodos de retenção mais curtos, de 12 ou 6 meses, deixa de ser obrigatória, definindo-se, contudo, uma duração máxima de 24 meses para o contrato.  

A LCE prevê também que a subscrição de serviços suplementares ou de equipamento terminal pelo consumidor não prolonga o período de fidelização inicial do contrato, exceto nos casos em que o próprio consumidor concorde com o respetivo prolongamento no momento da subscrição.

3.5. Cessação do Contrato

A suspensão da prestação de serviços a utilizadores finais que não são consumidores depende de pré-aviso adequado. A suspensão, no entanto, nunca implica o corte de acesso a serviços de emergência. A cessação do contrato só tem lugar quando a dívida se tornar exigível; mas nunca antes de oito dias corridos desde o aviso.

A suspensão de prestação de serviços a utilizadores finais que são consumidores depende de pré-aviso adequado, com antecedência mínima de 30 dias. A resolução do contrato ocorre automaticamente após 30 dias de suspensão da prestação de serviços, sem que a situação tenha sido regularizada.

A LCE prevê a redução proporcional da fatura em casos de indisponibilidade de serviço não imputável ao consumidor por períodos superiores a 24h (independentemente da sua solicitação). Caso a indisponibilidade se mantenha por superior a 15 dias, o utilizador final beneficia do direito a resolver o contrato sem qualquer custo. Com estas inovações, na prática, parece que se está a criar uma responsabilização dos operadores por atos que não lhes sejam diretamente imputáveis.

A LCE estabeleceu também outras causas de incumprimento do contrato. Por exemplo, qualquer discrepância significativa entre o desempenho real dos serviços de comunicações eletrónicas e o desempenho indicado no contrato passa a servir de base ao desencadeamento do processo de tomada das medidas corretivas, sem prejuízo da prerrogativa do utilizador poder resolver o contrato sem qualquer custo.

A este propósito, sem prejuízo das muitas outras formas de cessação do contrato que se aplicam nos termos gerais, e que não conhecem grandes especificidades a este propósito, é importante mencionar uma relevante inovação é trazida pela LCE com consequências práticas inegáveis. Nos termos do novo diploma, os operadores não podem exigir ao consumidor titular do contrato o pagamento de quaisquer encargos relacionados com o incumprimento do período de fidelização. Por outras palavras, a cobrança de encargos adicionais pela resolução antecipada do contrato está vedada nos seguintes casos:  

  • Em primeiro lugar, em caso de caso de mudança de morada pelo consumidor (entenda-se, da sua residência permanente). Precisamente, nestas situações, não podem ser exigidos encargos pelo incumprimento do período de fidelização caso a empresa não possa assegurar a prestação do serviço contratado ou de serviço equivalente, nomeadamente em termos de características e de preço, na nova morada;
  • Em segundo lugar, em caso de situação de desemprego por facto não imputável ao consumidor que implique perda do rendimento mensal disponível do consumidor, não podem ser cobrados encargos pela saída antecipada do contrato;
  • Em terceiro lugar, não poderá ser exigido o pagamento de valores pela resolução antecipada do contrato em caso de doença prolongada. Assim, a quem esteja em situação de incapacidade para o trabalho, permanente ou temporária, que implique perda do rendimento mensal disponível do consumidor poderá incumprir o período de fidelização sem que lhe seja exigido o pagamento de quaisquer encargos;
  • Por fim, em situação de emigração do consumidor para país terceiro, também não lhe poderão ser exigidos quaisquer encargos pela saída antecipada do contrato. Para estes efeitos, por emigração entende-se a mudança imprevisível da habitação permanente do titular do contrato para fora do território nacional.

No entanto, sem prejuízo da eventual boa intenção do legislador ao implementar estas normas protecionistas, o recurso a conceitos indeterminados deixa alguns pontos (de grande relevância prática) por esclarecer, e.g., uma interrogação legítima será: o que se deve entender por mudança imprevisível da habitação permanente?

À semelhança do que sucede no contexto da resolução antecipada do contrato, podem ser justificadas a sua suspensão ou caducidade sem quaisquer encargos para o titular, em especial em caso de:

  • Perda do local onde os serviços são prestados;
  • Alteração de residência para fora do território nacional;
  • Ausência da residência motivada por cumprimento de pena de prisão, doença prolongada, estado de dependência de cuidados prestados ou a prestar por terceira pessoa; ou
  • Situação de desemprego ou baixa médica.

Trata-se de um conjunto de normas com impacto muito significativo que irão certamente ser objeto de clarificação à medida que operadores e consumidores forem sendo confrontados com a sua aplicação quotidiana.

3.6. Serviço Universal

A LCE caracteriza o serviço universal como um conjunto mínimo de prestações que, a um preço acessível, deve estar disponível, no território nacional, a todos os consumidores, em função das condições nacionais específicas sempre que exista um risco de exclusão social decorrente da falta de tal acesso que impeça os cidadãos de participarem plenamente na vida social e económica da sociedade.

O serviço universal deverá assegurar a disponibilidade, a um preço acessível e com uma qualidade especificada, de:

  • Um serviço adequado de acesso à Internet de banda larga num local fixo;
  • Serviços de comunicações de voz, incluindo à ligação subjacente, num local fixo;
  • Medidas específicas para consumidores com deficiência, com o objetivo de assegurar um acesso equivalente às prestações que, no âmbito do serviço universal, estão disponíveis para os demais utilizadores.

Com a nova LCE surgem novas regras aplicáveis ao serviço universal que trazem algumas mudanças fundamentais: a regulação social passa a ser essencialmente promovida através da chamada tarifa social de Internet.  

3.7. Serviços obrigatórios Adicionais

A LCE esclarece que o Governo pode decidir tornar acessíveis ao público, no território nacional, serviços suplementares para além dos incluídos nas obrigações de serviço universal. No entanto, nessa circunstância não pode ser imposto qualquer mecanismo de compensação que envolva empresas específicas.

4. OBRIGAÇÕES DE TRANSPORTE, EQUIPAMENTOS E DISPOSITIVOS ILÍCITOS

Quando tal for necessário para a realização de objetivos de interesse geral, o regulador poderá impor obrigações de transporte às empresas no mercado de serviços de programas televisivos e de rádio, determinando, como contrapartida, uma remuneração adequada.?

Nos termos da LCE, os equipamentos de televisão digital de consumo deverão possuir capacidade para permitir a descodificação dos sinais de televisão digital, e reproduzir sinais que tenham sido transmitidos sem codificação, e os prestadores devem promover a interoperabilidade do equipamento para que este possa ser reutilizado. ?

Por fim, toda a atividade relacionada com dispositivos ilícitos, conceito que, entre outros, inclui o fabrico, importação, distribuição, venda, locação, instalação, manutenção, promoção, aquisição, utilização é considerada uma contraordenação muito grave. Um dispositivo ilícito será qualquer equipamento ou programa informático concebido ou adaptado com vista a permitir o acesso a um serviço protegido, sob forma inteligível, sem autorização do prestador do serviço.

5. TAXAS, SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO

5.1. Taxas

Os operadores que ofereçam redes e serviços de comunicações abrangidas pelo regime de autorização geral estão sujeitas ao pagamento de uma taxa anual, determinada essencialmente em função dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das condições específicas.

No entanto, também estão sujeitos ao pagamento de taxas:

  • A atribuição e a renovação de direitos de utilização de frequências;
  • A atribuição, incluindo a reserva, e a renovação de direitos de utilização dos recursos de numeração; e
  • A concessão de direitos de passagem.

5.2. SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO

5.2.1. Prestação de Informações

Aquelas empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações eletrónicas, recursos ou serviços conexos, devem prestar as informações necessárias em especial, de natureza financeira, que permitam à ANACOM exercer as suas competências.

Sem prejuízo da obrigação supramencionada, o regulador e as outras autoridades competentes podem solicitar às empresas informações adicionais, desde que proporcionais e objetivamente justificadas, relativas à autorização geral, aos direitos de utilização ou às obrigações específicas, e.g., para permitir verificar o cumprimento da obrigação de pagamento das taxas administrativas.

5.2.2. Fiscalização

Compete à ANACOM, regulador do setor das comunicações, a fiscalização do cumprimento da LCE, sem prejuízo das competências atribuídas a outras entidades, caso da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e da Autoridade Tributária e Aduaneira.

6. INTERNET ABERTA

O princípio da Internet aberta assegura que os cidadãos dos Estados-Membros da União Europeia possam aceder a conteúdos e serviços online sempre e quando quiserem, sem serem sujeitos a qualquer tipo de discriminação ou de interferência promovida pelos respetivos operadores.

A LCE incorpora este princípio europeu no ordenamento jurídico português ao dispor que as medidas destinadas a assegurar a qualidade do serviço de acesso à Internet devem respeitar o Regulamento (UE) 2015/2120 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015. Este princípio é fundamental na atual sociedade de informação, tanto para os utilizadores como para as próprias empresas, pois, efetivamente, é uma garantia de que estes podem aceder aos conteúdos e serviços disponíveis na Internet.

Por fim, é relevante esclarecer que, perante uma situação de incumprimento das disposições relativas à internet aberta, os Estados-Membros serão obrigados a aplicar sanções com carácter efetivo, proporcional e dissuasor, estando os prestadores de serviços sujeitos a sanções administrativas e pecuniárias.

2022-11-03

O potencial da energia eólica em Portugal está longe de estar esgotado, e a energia eólica offshore tem a possibilidade de contribuir para o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC2030) e para o Roteiro da Neutralidade do Carbono (2020-2050).

Recentemente, o Governo comprometeu-se a atingir uma produção de energia através de fontes renováveis de 80% até ao final de 2026 (quatro anos antes do objetivo estabelecido no PNEC2023). Foi criado, a 23 de Setembro, uma Task Force para o planeamento e operacionalização de centros eletroprodutores baseados em fontes de energia renováveis de origem oceânica. Este grupo de trabalho deve produzir um relatório, até 31 de Maio de 2023, contendo um conjunto de propostas que abrangem várias questões relativamente a este tipo de produção de energia, tais como: o mapeamento dos locais mais adequados; os títulos de modelo de utilização privada do espaço marítimo; o modelo técnico e de investimento para o desenvolvimento de infra-estruturas eléctricas no offshore.

Perante o Parlamento, o Governo assumiu ainda o objetivo de acelerar a produção de energia através de fontes renováveis. Daqui resulta o lançamento, em 2023, de um leilão eólico offshore para instalação de 10 GW de capacidade. Se atentarmos que em Portugal a produção de energia hidroéletrica e através de eólico onshore representam, respetivamente, 7.3 GW e 5.6 GW, melhor se compreende a dimensão que o leilão eólico offshore representa.

CONTROLO PRÉVIO 

Em geral, a produção de eletricidade está sujeita a um regime de controlo prévio nos seguintes termos:

  • Licença de Produção e Exploração: produção e armazenamento autónomo com potência instalada superior a 1 MW, ou caso se encontre sujeito a procedimento de AIA ou de avaliação de incidências ambientais.

  • Registo Prévio e Certificado de Exploração: produção com  capacidade instalada superior a 30 kW e igual ou inferior a 1 MW e armazenamento autónomo com potência instalada inferior a 1 MW.

  • Comunicação Prévia: produção com capacidade instalada superior a 700 kW e igual ou inferior a 30 kW.

  • Projetos de produção com capacidade instalada igual ou inferior a 700 W estão isentos de controlo prévio.

A emissão da Licença de Produção depende de prévia atribuição de título de reserva de capacidade de injeção na RESP (“TRC”). 

TRC pode ser obtido através de uma das seguintes três modalidades:

  • Acesso Geral: Aplicável caso haja capacidade de receção na RESPFica sujeito ao pagamento de uma caução à DGEG no montante de EUR10.000,00/MVA pelo prazo mínimo de 30 meses, ou até à entrada em funcionamento do centro eletroprodutor e/ou da instalação de armazenamento.

  • Acordo com o operador da RESP: Aplicável caso não exista capacidade de receção na RESP e tenha sido definida por despacho do Governo a capacidade máxima de injeção na RESP anual a atribuir nesta modalidade até ao dia 15 de janeiro de cada ano. Sujeito ao pagamento de uma caução ao operador da RESP no montante de EUR15.000,00/MVA pelo prazo mínimo de 24 meses. Após celebração do acordo, caução é devolvida, sendo obrigatório prestar nova caução à DGEG nos termos do Acesso Geral.

  • Procedimento Concorrencial: Aplicável caso tenha sido determinado pelo Governo a abertura de procedimento concorrencial para atribuição de TRCOs termos e condições da atribuição do TRC e da prestação da caução são estabelecidos nas peças do procedimento.

REGRAS GERAIS DE LICENCIAMENTO

A instalação de um centro eletroprodutor obedece a um processo de licenciamento com várias etapas, a saber:

  • Análise ambiental: projetos com mais de 20 torres ou 10 torres mas localizados em áreas sensíveis, ou localizados a uma distância inferior a 2 km de parques similares, e projetos suscetíveis de provocar impactes significativo no ambiente de acordo com análise caso a caso pela APA estão sujeitos a AIA, ou a procedimento de análise de incidências ambientais quando, independemente da capacidade instalada, estejam localizados em áreas sensíveis.
  • Licença de Produção (potência instalada superior a 1 MW): O processo é instruído com os elementos referidos no Anexo I do Decreto-Lei n.º 15/2022.
  • Registo Prévio (produção com potência instalada superior a 30 kW e igual ou inferior a 1 MW e armazenamento autónomo com potência instalada inferior a 1 MW): O processo é instruído com elementos referidos no Despacho 6/2020 da DGEG de 18 de fevereiro.
  • ?

    Controlo Municipal: Construção de centros eletroprodutores ou instalações de armazenamento estão sujeitas à obtenção de licença de construção ou comunicação prévia. Isento de controlo municipal a instalação de painéis fotovoltaicos que não excedam a área cobertura de edificações e a cércea deste em 1m.
  • Ligação à RESP: Ligação das infraestruturas de ligação à RESP construídas a expensas do promotor. Os promotores podem requerer a expropriação por utilidade pública, bem como a solicitar a constituição de servidões sobre os imóveis necessários à instalação das infraestruturas elétricas que farão parte integrante da RESP.
  • Licença de Exploração: Deve ser solicitada no prazo de um ano a contar da data de emissão da Licença de Produção, com possibilidade de prorrogação, por uma única vez, por mais um ano.
  • Certificado de Exploração: Deve ser solicitado no prazo de nove meses a contar da data de emissão do Registo Prévio, com possibilidade de prorrogação, por uma única vez, por mais metade do prazo inicial.

O ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO 

A Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional ("Lei de Bases"), aprovada pela Lei n.º 17/2014, de 10 de abril, determina que o ordenamento do espaço marítimo nacional é efetuado através de:

  • Planos de situação de uma ou mais áreas e ou de volumes das zonas do espaço marítimo nacional, com a identificação dos sítios de proteção e de preservação do meio marinho e da distribuição espacial e temporal dos usos e das atividades atuais e potenciais; e

  • Planos de afetação de áreas e ou de volumes das zonas do espaço marítimo nacional a diferentes usos e atividades.

Por sua vez, e no mesmo diploma, é afirmado que o espaço marítimo é, por regra, de uso e fruição comum, podendo, todavia, ser admissível a sua utilização privativa "mediante a reserva de uma área ou volume, para um aproveitamento meio ou dos recursos marinhos ou serviços de ecossistemas superior ao obtido por utilização comum e que resulte em vantagem para o interesse público".

A utilização privativa é desenvolvida ao abrigo de um título de utilização privativa do espaço marítimo ("TUPEM").

A Lei de Bases vem ainda prever de forma expressa de que a atribuição de um TUPEM "não concede ao seu titular o direito à utilização ou exploração de recursos do espaço marítimo", encontrando-se ainda sujeita a concessão, a qual pode ter duração máxima de 50 anos, e é atribuída pelo respetivo contrato de concessão.

OS PLANOS DE ORDENAMENTO DO ESPAÇO MARÍTIMO

A Lei de Bases é desenvolvida pelo Decreto-Lei n.º 38/2015, de 12 de março, a qual, em conjunto com o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, estabelece a articulação e a compatibilização dos programas e dos planos territoriais com os planos de ordenamento do espaço marítimo nacional.

Concretizando, de acordo com o DL 38/2015 o Plano de Situação representa e identifica a distribuição espacial e temporal dos usos e das atividades existentes e potenciais do espaço marítimo nacional, considerando-se aqueles que estão a ser desenvolvidos ao abrigo de um TUPEM. O seu conteúdo material inclui, entre outros elementos, recursos energéticos e energias renováveis.

O Plano de Situação foi aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 203-A/2019, de 30 de dezembro, 

Por sua vez, os planos de afetação procedem à afetação de áreas ou volumes do espaço marítimo nacional a usos e atividades não identificados no Plano de Situação, estabelecendo, quando aplicável, os respetivos parâmetros de utilização.

Os planos de afetação podem ser desencadeados por iniciativa pública (à semelhança do plano de situação), mas também por iniciativa particular.

Os interessados na elaboração de um plano de afetação podem apresentar ao membro do Governo responsável pela área do mar proposta de contrato para ordenamento que tenha por objeto a elaboração de um plano de afetação, a qual deve conter os objetivos e a fundamentação para a sua elaboração, bem como a representação geo-espacial com a identificação da distribuição espacial e temporal dos usos e das atividades a desenvolver. 

Faça o download do pdf completo no link abaixo. 
2022-10-17

The transition to an emission-neutral and environmentally sustainable economy is underway. The European "Green Deal", with the Portuguese PNEC, the European taxonomy, and green finance marks the beginning of a new approach to financial investments.

The environmental crisis represents one of humanity's greatest challenges today.

According to McKinsey to prevent a rise of more than 1.5°C, no more than 400 gigatons can be emitted, which means cutting present emissions levels by two-thirds over the course of the decade.

The first attempt to codify the environmental obligations of States at a global level was the Kyoto Protocol signed in 1997 and, more recently, the Paris Agreement of 2015 and the Glasgow Climate Pact of 2021.

At the European Union level, a set of sustainability policies, called the "Green New Deal", was approved in 2019, with the aim of transforming Europe’s economy, and setting the following objectives:

(1)  Neutral greenhouse gas emissions by 2050; and

(2)  Reduction of greenhouse gas emissions by at least 55% (compared to 1990) by 2030.

The Taxonomy Regulation, approved in 2020, establishes a European Union classification system in order to determine whether an economic activity is environmentally sustainable.

Portugal has joined the European Union’s and the World’s efforts to promote environmental sustainability since the beginning of the millennium, with aggressive investments in renewable energy, such as wind and hydroelectric power, and, more recently, in solar energy.

On 10 July 2019, Portugal approved the National Energy and Climate Plan (PNEC) which sets out Portugal’s agenda for the next decade in the environmental field and the country’s environmental goals to be achieved by 2030, of which we highlight:

(1) To reduce greenhouse gas emissions by 45% to 55%, in comparison with 2005 emissions;

(2) To increase to 47% the value of energy from renewable sources in the gross final consumption of energy; and

(3) To reduce primary energy consumption by 35% compared to 2005.

These goals can only be achieved through the development of renewable energy projects. The investments are large; therefore, sponsors should plan and use financing strategies appropriate to the projects they develop.

The "Green New Deal" highlighted the need to act in the field of financing green projects and announced the development of a renewed strategy in this area. To this end, a new European directive is under development that will standardize the issuing and negotiation of financing instruments for sustainable projects in Europe.

The issuance of so-called "green bonds" has become one of the new and most important financing instruments for sustainable projects. In this briefing, we describe what green bonds are, how they work and how they may be issued.

This briefing also describes the criteria used for qualifying bonds as "green" and also the process for issuing bonds under Portuguese law.

1. Looking for "Green" Investments

The case for a “green” revolution has been made in the economic press and general press since the beginning of the millennium, but “green” investments are only now beginning to make significant strides.

Global investors are beginning to demand that public and private companies and organizations make clear, precise, and measurable environmental commitments that can be verified and audited by the market. This movement extends to all types of financial assets: equities, government bonds, exchange-traded funds (ETFs), or hedge funds.

According to recent data from Bloomberg Intelligence, ETFs linked to ESG policies (an acronym for "Environmental, Social, Governance") cumulative assets accounted for more than $360 billion in 2021, almost 4% of global ETF assets.

Sustainable bonds accounted for 10% of overall global debt market activity, which exceeds the 6.6% of 2020 by large.

According to the 2021 Global ETF Investor Survey by US bank Brown Brothers Harriman, 82% of global investors plan to increase investment in ETFs linked to ESG policies, and over the next five years, nearly 56% of ETF investors plan to allocate at least 11% of their investments to funds that follow sustainable policies.

By 2021, a total of USD 500 billion was invested in green bonds, issued by companies, financial institutions, and governments to finance environmentally sustainable projects, reaching a new record high.

The global value of green bonds reached $488.8 billion, almost doubling 2020 levels. In several issues, green bonds have increased by 54% compared to 2020.

Europe accounted for 54% of the sustainable bond market, compared to 22% in America and 18% in the Asia Pacific region.

In 2020, European Union was the global leader in green bonds, responsible for 48 % of global issuances and 51 % of the global volume of green bonds being issued in the European Union.

2. What are green bonds?

As the name suggests, 'green bonds' are first and foremost bonds, i.e. financial instruments representing debt issued by a public or private entity, whose special feature, compared with other bonds, is that the bond proceeds are used exclusively for 'green' projects, i.e. projects that meet certain environmental objectives.

The first issue of green bonds was made in 2007, by the European Investment Bank, and served to finance, through loans, several projects developed by other entities. In the following years, other financial institutions, such as the World Bank, issued debt to finance environmental projects.

Since 2014, developers - usually private entities - have taken the initiative to directly issue green bonds in search of financial investors with an interest in this type of investment, and there are now numerous financial investors specializing in environmentally sustainable industries.

In general, a few types of green finance can be identified:

  • Bonds with recourse to the issuer: the same credit rating applies as for other bonds of the issuer;
  • Municipal or guaranteed bonds: the issuers' revenues arising from fees, taxes, etc. (e.g. on electricity) are pledged as collateral;
  • Project bonds: the resource is limited to the project's assets and balance sheet;
  • Securitised bonds: the resource is limited to a group of projects that have been pooled;
  • Covered bonds: with recourse to the issuer and, if the issuer cannot repay the bonds, to the portfolio provided as collateral;
  • Loans: with full recourse to the borrower(s) in the case of unsecured loans and to security interests in the case of secured loans;
  • Other debt instruments: Convertible bonds, Schuldschein, Commercial paper, Sukuk, Debentures.

3. The ICMA “Green Bond Principles”

In the absence of specific legal rules for green bonds, the contribution of the International Capital Markets Association (ICMA) has been of particular importance in defining the green bond principles, which cover the following aspects:

  • Use of proceeds;
  • Project evaluation and selection;
  • Management of proceeds; and
  • Reporting.

First, the ICMA Principles state that funds should be used to finance "Green Projects" defined as projects that provide clear environmental benefits.

For ICMA, the eligible green projects categories include:

  • Renewable energy, including production, transmission, appliances, and products;
  • Energy efficiency, including new and renovated buildings, energy storage, district heating, smart grids, appliances, and products;
  • Pollution prevention and control, including air emission reduction, greenhouse gas control, soil remediation, waste prevention, waste reduction, waste recycling, and energy-efficient waste;
  • Environmentally sustainable management of living natural resources and land use, including environmentally sustainable agriculture; environmentally sustainable animal husbandry; climate-smart farm inputs, such as biological crop protection or drip irrigation; environmentally sustainable fisheries and aquaculture; environmentally sustainable forestry, including afforestation or reforestation, and the preservation or restoration of natural landscapes;
  • Conservation of terrestrial and aquatic biodiversity (including protection of coastal, marine, and hydrographic environments);
  • Clean transport, including electric, hybrid, public, rail, and multimodal transport, infrastructure for clean energy vehicles, and reduction of pollutant emissions;
  • Sustainable water and wastewater management;
  • Climate change adaptation, including information support systems such as climate observation and early warning systems;
  • Eco-efficient and/or circular products, technologies, and adapted processes (such as development and introduction of environmentally sustainable, eco-labelled, or environmentally certified products, resource-efficient packaging, and distribution); and
  • Green buildings that meet regional, national, or internationally recognized standards or certifications.

Second, it is recommended that the green bond issuer communicates to investors:

  • the goals of environmental sustainability;
  • the process that led the issuer to integrate the project into the categories of eligible Green Projects;
  • the related eligibility criteria, including, where applicable, exclusion criteria, or any other process applied to identify and manage potentially material environmental and social risks associated with projects, notably by providing information on the internal objectives, strategy, and processes that make the project environmentally sustainable, which can and should include, where possible, the indication of green standards and/or certifications awarded to projects and make use of audits or certification by external and independent entities.

Compliance with this principle involves the technical assessment and provision to investors of information on the environmental sustainability goals that the green project will, in the specific case, promote.

Third, bond proceeds should be credited to sub-accounts or accounts controlled by a formal internal process to ensure that the proceeds are utilized in eligible green projects and can be audited by the issuer and external auditors.

Finally, and for reasons of transparency, the ICMA Principles establish that issuers should disclose and keep available information about the allocation of the proceeds, projects, and their impact, on an annual basis or whenever there is a material change, including qualitative and, where possible, quantitative performance indicators, to allow greater investor scrutiny of the use of funding and its management.

4. The EU Taxonomy Regulation

In 2020, the European Parliament approved Regulation (EU) 2020/852 ("Taxonomy Regulation"), which aims to promote sustainable investments and to create a secure, precise, and rigorous classification of eligible project types and the objectives of sustainable projects.

The Taxonomy Regulation defines as environmentally sustainable the economic activities that:

  • Contribute substantially to one or more environmental objectives, i.e. (i) climate change mitigation, (ii) adaptation to climate change, (iii) sustainable use, (iv) protection of water and marine resources, (v) transition to a circular economy, (vi) prevention and control of pollution and (v) protection and restoration of biodiversity and ecosystems;
  • Not significantly impair any of the environmental objectives listed in Article 17 of the Taxonomy Regulation;
  • Are developed by certain minimum safeguards; and
  • Satisfy the technical assessment criteria set by the Commission in Delegated Regulation (EU) 2021/2139.

The requirements set by the Taxonomy Regulation provide the basis for the concrete definition of the commitments that should be at the heart of green financing.

The Taxonomy Regulation requires projects to comply with the following requirements:

  • Identify the most relevant potential contributions to the environmental objective and the minimum requirements that must be met to avoid significant harm to any relevant environmental objectives;
  • Be quantifiable or, when this is not possible, use sustainability indicators;
  • Be based on conclusive scientific evidence and the precautionary principle;
  • Take life-cycle considerations into account by considering the environmental impact of the economic activity and the environmental impact of products and services resulting from that activity, the nature and scale of the economic activity, and the potential market impact of the transition to a more sustainable economy; and
  • Covering all relevant economic activities in a specific sector and ensuring that these activities are treated equally.

5. The Future Green Bond Regulation

In July 2021, the European Commission published a proposal for a Regulation on European Green Bonds (Green Bond Regulation).

The proposed Green Bonds Regulation foresees the creation of a standard for the issuance of European green bonds, available to all issuers, with the following features:

  • Inclusive and voluntary. European Green Bonds can be issued by any type of issuer, listed or unlisted, public or private, including the Member States voluntarily. The issue of green bonds complying with different standards is not prohibited, the only consequence being that such bonds may not be designated as European Green Bonds.
  • Alignment with Taxonomy regulation. European Green Bonds will require issuers to allocate 100% of the bond proceeds to activities that are compliant with the Taxonomy Regulation requirements.
  • Long-termrm projects. The proceeds of European Green Bonds can be used to fund long-term projects, up to 10 years, which involve an economic activity compliant with the Taxonomy Regulation.

Although the green bond regulation has not yet been approved it can already be used in the preparation of green bond issues.

The proposed Green Bond Regulation sets out the following requirements for the classification of bonds as "European Green Bond":

  • The proceeds of the bonds should be applied in activities that comply with the Taxonomy Regulation (Regulation (EU) 2020/852)
  • Before issuing, issuers must complete a factsheet following the model attached to the Regulation, obtain external certification, and publish both documents;
  • Issuers must prepare an annual report on the allocation of the proceeds until they are fully used and a report on the environmental impact of the use of the proceeds at least once during the lifetime of the bonds; and
  • Issuers should obtain a post-issuance verification of the report regarding the allocation of bond proceeds by an external entity.

6. Advantages of Green Bonds

6.1. Signaling

An advantage associated with the use of this type of instrument is the information transmitted to the market and investors.

In general, all investors today seek to understand whether the companies in which they invest are committed to pursuing environmental and social responsibility goals. Understanding these matters is now socially and economically very relevant because the future of the planet depends on them and the "environmental emergency" is now an unavoidable reality.

For this reason, it is now standard practice for listed companies to inform investors and other stakeholders of their environmental and social responsibility commitments.

By issuing green bonds, companies give a clear and credible signal to the market of their environmental responsibility.

6.2. Access to the "green money" market

Related to environmental responsibility is also access to the "green money" market, i.e., to a growing range of investors specialized in sustainable projects.

In practice, this means that companies committed to environmental goals will have access to investors that other companies do not have.

The actual size of the "green money" market is not yet exactly quantified, but it is already clear that a growing number of investors are fully committed to, or at least seeking to allocate a significant portion of their investments to, environmentally sustainable projects and companies.

This justifies the exponential growth of green bond issues, as well as the guarantee of origin certificates for renewable energy production.

It is estimated that green or socially relevant projects have attracted investment to the tune of €30 billion, particularly in Europe, where half of that amount has been concentrated.

6.3. More favorable financing conditions

Finally, there is a general perception that investors are willing to pay a premium when it comes to green products.

There are some studies to this effect. However, it seems too early to say with certainty that the same is true for bonds, i.e. that compared to other types of bonds, green bond issuers benefit from more favourable financial conditions.

The reasons for our uncertainty are that not enough green bonds have been issued to date.

7. The Issuance of Green Bonds

7.1. General framework for the issue of bonds

As stated above, bonds are designated green bonds because they are issued to finance projects or entities that comply with a set of environmental responsibility rules. For everything else, green bonds follow the general bond regime outlined in the Portuguese Companies Code.

It should be noted that bonds can only be issued by companies registered for more than one year, unless, in the case of private companies, they are the result of the merger or division of companies of which at least one has been registered for more than one year or the bonds are guaranteed by a credit institution, the State or a similar public entity.

The law also requires that investors are provided with financial information on the issuer, reported to a date not exceeding three months before the issue, audited by an independent auditor registered with the Portuguese Securities Market Commission (CMVM), and prepared by the applicable accounting standards.

7.2. Limits on issuance

The issuance of bonds depends on the issuer showing, after the issue, a financial autonomy ratio equal to or greater than 35%.

Compliance with the financial autonomy ratio must be confirmed by the opinion of the supervisory board, the sole supervisor, or the statutory auditor.

This limit will not apply to companies whose shares have been admitted to trading on a regulated market or companies with a rating assigned by a rating company registered with the CMVM.

This limit will not apply either to (i) bonds secured by special security interests in favour of bondholders, (ii) bonds with a unit par value of EUR 100,000 or more, or where subscription is carried out exclusively in minimum lots of EUR 100,000 or more, and (iii) bonds fully subscribed by qualified investors within the meaning of the Portuguese Securities Code, provided that the bonds issued are not subsequently placed, directly or indirectly, with non-qualified investors.

7.3. Approval and registration of the issue

The issue of bonds must be approved by the shareholders unless the articles of association authorize it to be approved by the board of directors, and no resolution to issue bonds may be taken until a previous issue has been subscribed to and carried out.

Shareholders may authorize a bond issue approved by them to be made in series, to be specified by them, or by the board of directors.

The issuance of bonds and the issue of each of its series, when made through a private offering, are subject to commercial registration, except if their admission to trading on a regulated market has occurred within the time limit for requesting registration.

7.4. Placement of bonds

Bond issues may be placed through:

  • a public offer; or
  • a private offer.

The offer is considered a public offer when it is preceded by the disclosure of a prospectus or another document required under EU law.

Under Regulation (EU) 2017/1129 (the “Prospectus Regulation”), as a rule, a prospectus is required when the securities are offered to the public or admitted to trading on a regulated market. However, the Prospectus Regulation exempts certain offers from this requirement, such as:

  • Offers addressed solely to qualified investors;
  • Offers addressed to fewer than 150 natural or legal persons per Member State, other than qualified investors;
  • Offers of securities whose denomination per unit amounts to at least EUR 100,000; and
  • Offers addressed to investors who acquire securities for a total consideration of at least EUR 100,000 per investor, for each separate offer.

In case of offers where a prospectus is required, the steps are as follows:

(1) Submission of prospectus approval request to the CMVM;

(2) Approval by the CMVM of the draft prospectus within 10 business days of submission (or 20 business days when the issuer does not have any securities admitted to trading on a regulated market and has not previously offered securities to the public); and

(3) Publication of the prospectus.

As of 2022, public offers where a prospectus is required have the right (but not the obligation) to engage a financial intermediary to provide assistance and placement services.

In private offers, a prospectus is not required and the issuer will enter into a subscription agreement with the investor(s) to regulate the terms and conditions of the subscription of the bonds.

7.5. Rights of bondholders

7.5.1. Remuneration of bonds

The subscription of bonds gives their holders a claim on the issuer.

Bonds may confer bondholders the right to (i) a fixed interest rate, additional interest, or a redemption premium, either fixed or dependent on the profits made by the company, (ii) a variable and dependent interest and redemption plan based on profits, to be convertible into shares, whether ordinary or preferred, with or without voting rights, or into other securities, or (iii) subscribe for one or more shares, whether ordinary or preferred, with or without voting rights.

The supplementary interest or repayment premium referred to above may be established as a fixed percentage of the profit of each financial year, regardless of the amount of the latter and of any fluctuations during the life of the loan, or as from a certain minimum limit to be established in the issue.

The additional interest or redemption premium may also be established based on a variable percentage based on the volume of profits produced each year or on profits to be considered more than the minimum threshold stipulated in the issue.

There may also be an allocation of profits to shareholders and bondholders in proportion to the nominal value of existing securities.

Where the terms of the issue provide for the distribution of supplementary interest or redemption premiums in the year of the issue, the amount thereof is calculated using the criteria established in the issue.

They may also be subordinated, that is to say, they may be reimbursable after the satisfaction of the common creditors, provided that this is expressly stated in the terms of issue and the documents, registers, and entries relating thereto, or they may offer special security over certain assets or income belonging to the issuer or a third party, provided that such special security is expressly stated in the terms of issue and the documents, registers, and entries relating thereto.

7.5.2. Bondholders' meeting

The bondholders may meet in a bondholders' meeting, convened by the common representative of the bondholders or, while he/she is not elected or while he/she refuses to convene it, by the chairman of the board of the general meeting of shareholders, or judicially when they refuse, provided that bondholders holding at least 5% of the nominal value of the bonds so request.

The bondholders' meeting deliberates on all matters assigned to it by law or that are of common interest to the bondholders, and in particular on:

  • appointment, remuneration, and removal of the common representative of the bondholders;
  • modification of the conditions of the bondholders' claims;
  • proposals for rescue or insolvency plans;
  • claims by bondholders in enforcement actions, except in cases of urgency;
  • establishment of a fund for the expenditure necessary to protect the common interests and the rendering of the respective accounts;
  • authorization of the common representative to bring legal proceedings.

The resolutions passed by the meeting are binding on absent or dissenting bondholders, which is particularly relevant when the meeting approves company recovery or insolvency plans that may result in a reduction in the value of the credits held by the bonds.

Download the pdf file below. 

 

2022-07-11

Novas realidades

O Regime Jurídico do Sistema Elétrico Nacional (SEN), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de Janeiro, estabelece regimes que não existiam ou que eram regulados de forma deficiente no anterior diploma.

Visam assegurar o cumprimento das metas nacionais de transição energética com  soluções que permitem contornar a escassez da capacidade da rede através do combate à sua ociosidade e de maximizar o potencial de receção da Rede Elétrica de Serviço Público (RESP).

Destes, destacamos:

  • A Hibridização: a adição a centro electroprodutor ou unidade de produção de autoconsumo (UPAC) já existente de novas unidades de produção que utilizem diversa fonte primária de energia renovável, sem alterar a capacidade de injeção de centro electroprodutor ou UPAC preexistente; e
  • Os Híbridos: os centros electroprodutores ou UPAC que, no procedimento de controlo prévio, apresentem em simultâneo mais do que uma unidade de produção que utiliza diversas fontes primárias de energia renovável.

De forma simples, o novo enquadramento facilita e promove a utilização do mesmo ponto de injeção na RESP por diversas tecnologias com diferente fonte primária. Permite a constituição de sistemas de produção híbridos ab initio ou posteriormente através de um procedimento de controlo prévio bastante simplificado de alteração da licença de produção.

A hipótese de hibridização pode ser colocada para qualquer central electroprodutora.

Em particular, a energia solar e a energia eólica apresentam características que, em função dos ciclos intranuais, potenciam a sua complementaridade e permitem maximizar o ponto de receção na RESP.

Face à dimensão da produção de energia eólica no SEN, a oportunidade torna-se mais óbvia, já que, nos últimos 5 anos, a eletricidade de origem eólica correspondeu, em média, a 24% do consumo de eletricidade em território continental, com uma capacidade instalada em 2021 de 5.628.00 MW e representado uma quota de produção dentro das energias renováveis de 55,71%.

 

Controlo prévio

A instalação de um centro eletroprodutor ou UPAC Híbrido ou a Hibridização de centro eletroprodutor ou UPAC já existente estão sujeitos a um regime de controlo prévio nos seguintes termos:

  • Licença de Produção e Exploração: capacidade instalada superior a 1 MW;
  • Registo Prévio e Certificado de Exploração: capacidade instalada superior a 30 kW e igual ou inferior a 1 MW;
  • Comunicação Prévia: capacidade instalada superior a 700 kW e igual ou inferior a 30 kW; 
  • Projetos com capacidade instalada igual ou inferior a 700 W estão isentos de controlo prévio.
A emissão da Licença de Produção depende de prévia atribuição de título de reserva de capacidade de injeção na RESP (TRC).
 
A Hibridização, independente da capacidade instalada, está sempre isenta de obtenção de TRC uma vez que não existe aumento da capacidade de injeção do centro eletroprodutor ou UPAC existente.
 

O TRC pode ser obtido através de uma das seguintes três modalidades:

  • Acesso Geral: Aplicável caso haja capacidade de receção na RESP. Fica sujeito ao pagamento de uma caução à DGEG no montante de EUR10.000,00/MVA pelo prazo mínimo de 30 meses, ou até à entrada em funcionamento do centro eletroprodutor ou UPAC.
  • Acordo com o operador da RESP: Aplicável caso não exista capacidade de receção na RESP e tenha sido definida por despacho do Governo a capacidade máxima de injeção na RESP anual a atribuir nesta modalidade até ao dia 15 de janeiro de cada ano. Sujeito ao pagamento de uma caução ao operador da RESP no montante de EUR15.000,00/MVA pelo prazo mínimo de 24 meses. Após celebração do acordo, caução é devolvida, sendo obrigatório prestar nova caução à DGEG nos termos do Acesso Geral.
  • Procedimento Concorrencial: Aplicável caso tenha sido determinado pelo Governo a abertura de procedimento concorrencial para atribuição de TRC. Os termos e condições da atribuição do TRC e da prestação da caução são estabelecidos nas peças do procedimento.

Na hibridização, o título de controlo prévio subsequente identifica expressamente a capacidade de injeção na RESP alocada à nova unidade de produção e implica a alteração em conformidade do título de reserva de capacidade de injeção na RESP preexistente, a promover pela DGEG ou, nos casos de modalidade de acordo com o operador da RESP, pelo respetivo operador.

No procedimento de controlo prévio, a entidade licenciadora informa o requerente dos elementos instrutórios já entregues que se mantêm válidos.

Nos casos em que a hibridização ocorra em centro eletroprodutor ou UPAC que disponha de título de utilização dos recursos hídricos ou de título de utilização do espaço marítimo, o título de controlo prévio subsequente e o título de controlo prévio preexistente podem existir de forma autónoma, desde que seja assegurada a prioridade de injeção ao centro eletroprodutor preexistente.

Contudo, a extinção do título de utilização dos recursos hídricos ou de título de utilização do espaço marítimo sempre determinará a caducidade do título de controlo prévio subsequente no caso em que a hibridização deles careça.

A cessação dos títulos de controlo prévio preexistente e/ou subsequente ocorre nos termos do Decreto Lei 15/2022 e produz os seus efeitos por caducidade (art. 38.º) ou por revogação (art. 39.º).

A cessação do título de controlo prévio implica a extinção automática da licença de exploração e/ou certificado de exploração e a caducidade do título de reserva de capacidade de injeção na RESP que lhe corresponde.

A cessação dos efeitos de título de controlo prévio:

  • Preexistente: determina a emissão pela DGEG de novo título de reserva de capacidade em nome do titular da nova unidade de produção, ficando assegurada a capacidade de injeção na RESP do título de controlo prévio subsequente e a capacidade de injeção na RESP remanescente disponível para nova atribuição.
  • Subsequente: determina o averbamento ao título de controlo prévio preexistente a cessação do título de controlo prévio subsequente, mantendo o título de reserva de capacidade de injeção que lhe corresponda.

 

Tranmissão do Título de Controlo Prévio

A transmissão do título de controlo prévio está sujeita a autorização da DGEG e depende da observância dos requisitos legais da sua atribuição e implica a transmissão de todos os elementos que integram ou estão averbados ao título transmitido.

O pedido de transmissão, a apresentar pelo respetivo titular deve ser acompanhado de:

  • Elementos relativos à identificação, idoneidade técnica e financeira do transmissário; e
  • Declaração de aceitação da transmissão e de todas as condições do título de controlo prévio.

A DGEG decide no prazo de 15 dias após a receção do pedido, podendo solicitar elementos adicionais, por uma única vez, que lhe devem ser prestados no prazo máximo de 30 dias, suspendendo-se, durante esse período, o prazo de decisão.

A decisão de autorização determina o averbamento do novo titular ao título de controlo prévio inicial.

Até à emissão da licença de exploração ou do certificado de exploração, consoante o caso:

  • A alteração, direta ou indireta, do controlo sobre o titular do título de reserva de capacidade de injeção na RESP é considerada uma alteração ao título de controlo prévio, sujeito a autorização da DGEG; e
  • O pedido de alteração da titularidade do título de controlo prévio depende de reforço da caução em metade do respetivo valor de acordo com a modalidade de TRC realizada.

A transmissão autónoma do título do controlo prévio subsequente emitido no âmbito da hibridização, depende de autorização do titular do centro eletroprodutor ou UPAC preexistente, a qual contém o acordo e as condições estabelecidas para a utilização da capacidade de injeção na RESP pelo transmissário.

O título de capacidade de injeção na RESP mantém-se na titularidade do titular do centro eletroprodutor ou UPAC preexistente sem prejuízo de emissão pela DGEG de novo título de reserva de capacidade em nome do titular da nova unidade de produção em case de cessação do título de controlo prévio preexistente.

 

Licenciamento

A instalação de um centro eletroprodutor ou UPAC Híbrido ou a Hibridização de centro eletroprodutor ou UPAC - em regra com uma capacidade instalada superior a 1 MVA - obedece a um processo de licenciamento com várias etapas.

A saber:

  • Análise ambiental: Projetos com uma capacidade instalada superior a 50 MW, ou com mais de 20 MW mas localizados em áreas sensíveis estão sujeitos a AIA, ou a procedimento de análise de incidências ambientais quando, independemente da capacidade instalada, estejam localizados em áreas sensíveis;
  • Licença de Produção: O processo é instruído com os elementos referidos no Anexo I do Decreto-Lei n.º 15/2022. No caso de Hibridização, a DGEG informa requerente dos elementos instrutórios inicialmente entregues e que se mantêm válidos;
  • Controlo Municipal: Construção de centros eletroprodutores ou UPAC sujeitas à obtenção de licença de construção. Isento de controlo municipal a instalação de painéis fotovoltaicos que não excedam a área cobertura de edificações e a cércea deste em 1m;
  • Ligação à RESP: Ligação das infraestruturas de ligação à RESP construídas a expensas do promotor. Os promotores podem requerer a expropriação por utilidade pública, bem como a solicitar a constituição de servidões sobre os imóveis necessários à instalação das infraestruturas elétricas que farão parte integrante da RESP; e
  • Licença de Exploração: Deve ser solicitada no prazo de um ano a contar da data de emissão da Licença de Produção, com possibilidade de prorrogação, por uma única vez, por mais um ano.

 

Separação jurídica

A hibridização pode ser concedida a requerente distinto do titular do centro eletroprodutor ou UPAC a hibridizar, sendo o título de controlo prévio subsequente emitido em nome de pessoa diferente do titular do título de controlo prévio preexistente, ou averbado o nome do novo titular no título de controlo prévio subsequente, consoante o caso.

Para o efeito, o titular do centro eletroprodutor deve apresentar à DGEG um contrato celebrado entre si e o titular do novo centro eletroprodutor ou UPAC que defina:

  • Os termos e condições da separação jurídica da hibridização;
  • Direitos e obrigações de cada uma das partes no respeitante à produção de eletricidade;
  • A injeção de eletricidade na rede;
  • Contagem e faturação;
  • Propriedade das instalações e equipamentos e partilha de informações.

Em qualquer caso o titular do centro electroprodutor subsequente e do centro electroprodutor preexistente respondem solidariamente perante as entidades licenciadoras e fiscalizadoras, os operadores de rede e o gestor global do SEN em tudo o que respeite ao cumprimento dos deveres e obrigações legais e regulamentares decorrentes do título de controlo prévio subsequente e inerentes à instalação e exploração do novo centro eletroprodutor e respetiva ligação à rede.

Em caso de cessação do contrato relativo à sepação jurídica e não ocorra, nos 30 dias subsequentes às cessação, a integração do centro electroprodutor subsequente no centro electroprodutor preexistente ou a sua transformação como centro eletroprodutor autónomo, cessam os efeitos do título de controlo prévio subsequente.

A integração do centro electroprodutor subsequente no centro electroprodutor preexistente ou a sua transformação como centro electroprodutor autónomo constituem alterações ao título de controlo prévio, seguindo o respetivo procedimento de alteração, dando no caso da transformação lugar à emissão de um novo título de reserva de capacidade.

 

Se quiser saber mais, faça download do PDF deste estudo, abaixo. 

2022-06-28

O presente documento contém uma súmula de normas e medidas incluídas no Orçamento do Estado para 20221 (“OE2022”) que impactam diretamente na administração local. 

I. Laboral

a) Mobilidade e cedência de interesse público  

 As situações de mobilidade cujo limite de duração ocorra durante o ano 2022 podem, por acordo entre as partes, ser prorrogadas até ao final do ano. 

No caso de acordo de cedência de interesse público, a prorrogação depende de parecer favorável do presidente da câmara municipal ou da junta de freguesia, consoante o caso.    

b) Contratação de trabalhadores por pessoas coletivas de direito público e empresas do setor público empresarial  

À semelhança do verificado no OE anterior, também para 2022 se prevê que as pessoas coletivas de direito público de natureza local e empresas do setor empresarial local que gerem sistemas de titularidade municipal de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas ou de gestão de resíduos urbanos podem proceder à contratação de trabalhadores, sem prejuízo de terem de assegurar o cumprimento das regras de equilíbrio financeiro aplicáveis.   

c) Vinculação dos trabalhadores contratados a termo colocados nas autarquias locais  

  • Mantém-se, para 2022, o regime excecional aprovado no OE 2021 que permite a conversão de vínculos de emprego público a termo resolutivo em vínculos de emprego público por tempo indeterminado, sempre que:
  •  A função para a qual o trabalhador haja sido contratado se encontre na esfera jurídica de competência da autarquia;
  • O termo resolutivo conste de protocolo, acordo de execução ou contrato interadministrativo para o exercício dessas competências, à data, na esfera jurídica de outra entidade administrativa.

Esta prerrogativa ocorre exclusivamente no âmbito do processo de transferência de competências em curso, através de concurso ao qual apenas podem ser opositores aqueles que cumpram os requisitos definidos. 

Em termos procedimentais, o aditamento aos mapas de pessoal deve ser efetuado de acordo com o estritamente necessário às necessidades permanentes reconhecidas pelo órgão executivo que propõe ao órgão deliberativo para deliberação.  

d) Recrutamento de trabalhadores nos municípios em situação de saneamento ou de rutura

A regra constante no OE 2021 é replicada integralmente no OE2022. 

 Assim, para os municípios que se encontrem em situação de saneamento ou de rutura, a abertura de procedimentos concursais para recrutamento de trabalhadores apenas pode ocorrer nas seguintes situações:  

  • Implementação do PREVPAP; 
  • Descentralização de competências - para substituição de trabalhadores. 

Mantém-se ainda a não sujeição destas limitações no caso de recrutamento no âmbito da descentralização de competências na área da educação, termos em que neste domínio os municípios podem reforçar (e não meramente substituir) o número de trabalhadores.

II. Contratação Pública  

a) Proibição de aumento dos valores gastos na contratação de serviços 

Mantém-se a regra que impede que as autarquias locais despendam montantes superiores aos gastos em 2021 em contratos que venham a renovar-se ou a celebrar-se com idêntico objeto vigente em 2021. 

Esta regra, como bem notou a ANMP no seu parecer, é especialmente difícil aplicar com o aumento da inflação (recorde-se que em maio atingiu 8%). 

Entendemos aliás que esta norma não pode deixar de ser interpretada no sentido de permitir gastos que não ultrapassem os montantes pagos, mas atualizados à inflação. Caso contrário, estaríamos perante a imposição de uma redução dos valores suportados para idêntico serviço adquirido. 

No entanto, e como veremos no ponto seguinte, o OE 2022 vem prever (apenas) uma situação concreta em que é permitida, excecionalmente, a atualização dos montantes em razão da inflação. 

 Assim, e à cautela, sugere-se que, no caso da renovação ou celebração com idêntico objeto que exija um valor superior ao despendido anteriormente, se recorra ao mecanismo de exceção previsto na Lei, devendo a deliberação pelo órgão competente ser antecedida de fundamentação pelos serviços. 

b) Adjudicação acima do preço base e revisão de preços 

Não consta no OE 2022, mas tendo sido incluído no Parecer da ANMP e tendo o Governo dado resposta recente, sublinha-se que foi aprovado o Decreto-Lei nº36/2022, de 20 de maio – Revisão Excecional de Preços nos Contratos Públicos.

 Esta revisão excecional configura, de forma clara, o reconhecimento dos impactos que a inflação gera na contratação por parte das autarquias, o que reforça o que referimos acima no que concerne à regra de proibição de aumento dos valores gastos na contratação de serviços e à necessidade de ter em conta os impactos da inflação. 

c) Redes de faixas de gestão de combustível 

 Tal como em 2021, a Lei vem prever a possibilidade dos municípios - para além do ICNF e das Infraestruturas de Portugal - recorreram ao ajuste direto, até aos limiares previstos no artigo 4.º da Diretiva 2014/24/UE e não se aplicando as limitações constantes dos númerios 2 a 5 do artigo 113.º do Código dos Contratos Públicos. 

Sendo a competência dos municípios neste domínio delegável nas freguesias, conforme resulta do Decreto-Lei n.º 82/2021, de 13 de outubro, teria sido adequado que a prerrogativa prevista no OE2022 referisse autarquias locais (assim abrangendo também as freguesias) e não apenas os municípios. 

Dessa forma, nenhuma dúvida resultaria relativamente à possibilidade de as freguesias, enquanto delegatárias, poderem também recorrer ao ajuste direto nos mesmos termos que o município delegante se encontra apto a fazer. 

Cumpre dar nota que, para efeitos dos trabalhos relativos às faixas de combustível, encontram-se as entidades referidas – com a mesma ressalva relativamente às freguesias – dispensadas de fiscalização prévia do Tribunal de Contas. 

III. Financeiro

a)  IVA nos projetos financiados pelo PRR   

O OE2022 autoriza o Governo a transferir para as autarquias locais e entidades intermunicipais o montante correspondente ao IVA que suportaram nos projetos exclusivamente financiados pelo PRR.   

b) Contratação de fornecimento e serviços para funcionamento dos estabelecimentos educativos   

O Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, diploma que concretiza a transferência de competências para os órgãos municipais e das entidades intermunicipais no domínio da educação, determinou que compete aos municípios a contratação de fornecimentos e serviços externos para o funcionamento dos estabelecimentos educativos. 

O OE2022 veio clarificar que esta competência deve ser exercida independentemente de o município ser (ou não) o titular do direito de propriedade das infraestruturas escolares ou das licenças de exploração das respetivas instalações.  

Entendendo que esta clarificação é, por questões de segurança jurídica, bem-vinda (não se poderia compreender, aliás, solução diversa), teria sido mais adequado que tivesse sido produzida diretamente no próprio DL n.º 21/2019.  

c) LCPA – Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em atraso 

O OE2022 mantém as regras relativas ao cálculo dos fundos disponíveis. 

Ainda, e à semelhança do verificado no OE 2021, a Lei do OE2022 determina a exclusão do âmbito da aplicação da Lei as autarquias locais que: 

i.   Já beneficiaram da exclusão no ano anterior, desde que, a 31 de dezembro de 2021, se encontrassem a cumprir os limites de envidamento; 

 ii. A 31 de dezembro de 2021, se encontrassem a cumprir as obrigações de reporte ao Tribunal de Contas e à DGAL, assim como os limites de endividamento. 

A exclusão está ainda dependente de, em 31 de dezembro de 2021 e face a setembro de 2020, não terem sido aumentados os respetivos pagamentos em atraso com mais de 90 dias, registados na plataforma eletrónica de recolha de informação da DGAL. 

d) Pagamentos em atraso  

No ano 2022, as entidades incluídas no subsetor da administração local reduzem no mínimo 10 % dos pagamentos em atraso com mais de 90 dias (registados na plataforma eletrónica de recolha de informação da DGAL à data de setembro de 2021), para além das reduções previstas no Programa de Apoio à Economia Local.

Ficam excecionados da redução em causa os municípios que se encontrem vinculados a um programa de ajustamento municipal.

 No mais, caso se observe o incumprimento desta obrigação, haverá lugar à retenção da receita proveniente das transferências do Orçamento do Estado, no montante equivalente ao do valor em falta, apurado pelo diferencial entre o objetivo estabelecido e o montante de pagamentos em atraso registados, acrescido do aumento verificado.

  O montante referente à contribuição de cada município para o Fundo de Apoio Municipal (“FAM”) não releva para o aferimento do limite da dívida total.? recolha de informação da DGAL à data de setembro de 2021.  

e) Endividamento Municipal 

i.Empréstimos no âmbito das obrigações assumidas pelos municípios no âmbito do processo de descentralização de competências  

O OE2022 vem replicar a norma já prevista no OE2021 que prevê a possibilidade, e em que condições, dos municípios contraírem novos empréstimos para pagamento de empréstimos ou locações vigentes, assim como transferir dívidas. 

Não podemos deixar de referir que é uma norma desnecessária. O OE é uma Lei que cria direitos e obrigações estáveis no tempo, com exceção daqueles que expressamente refira como tendo periodicidade determinada, por regra anual.  

A não aprovação da presente norma em nada afetaria a prerrogativa conferida pelo OE2021.  

Ainda assim, fica a nota de que a opção existe dos exatos termos já conhecidos. 

ii. Fundo de Apoio Municipal - empréstimos para financiar despesa corrente 

O OE2022 volta a prever que os municípios que cumpram, com referência a 31 de dezembro do ano anterior, o limite legal de endividamento possam recorrer a empréstimos junto do Fundo de Apoio Municipal para financiar a despesa corrente. 

Mas se no OE2021 esta prerrogativa tinha como condição a verificação de uma diminuição da receita corrente cobrada (deduzida dos montantes relativos ao processo de descentralização de competências) igual ou superior a 5%, face à média dos 24 meses precedentes, o OE2022 faz depender a possibilidade de contração de empréstimo para o fim referido à existência de uma diminuição das transferências de 2022 (FEF, FSM, Participação do IRS e do IVA) face às concretizadas no exercício de 2021. 

Refira-se que o montante global de redução de transferências para todo o universo municipal ascende a cerca de 102 milhões de euros. 

Como nota final, refira-se que os empréstimos a conceder podem ter uma maturidade máxima de 10 anos, sendo autorizados por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais, e tem limite máximo o valor da redução das transferências. 

iii. Para financiamento nacional de projetos cofinanciados na componente de investimento não elegível. 

Na fase de discussão do OE2022, foi aditada uma norma que duplica a “margem” de endividamento das autarquias. 

 A expressão “margem de endividamento” que o OE2022 acolhe não deve confundir-se com a de “margem disponível” prevista na Regime Jurídico Financeiro das Autarquias Locais (“RJFAL ou LFL”). 

Nos termos da LFL, os municípios podem aumentar anualmente a sua dívida no montante correspondente a 20% da sua margem disponível.  

O OE 2022 prevê e permite o aumento da dívida no montante correspondente a 40% da margem disponível, exclusivamente para assegurar o financiamento nacional de projetos cofinanciados na componente de investimento não elegível.  

 iv. Acordos de regularização das dívidas no setor do abastecimento de água e de saneamento 

É assegurada a possibilidade das autarquias locais, dos serviços municipalizados e intermunicipalizados e das empresas locais celebrarem acordos de regularização de dívidas no âmbito do setor da água e do saneamento de águas residuais. 

 A Proposta de Lei do OE replicou o preceituado na Lei do OE2021, contudo, e em sede de especialidade, foi aprovada, entre outras, uma alteração relevante:  

  • Passou a ser permitido – por despacho do Governo – a ultrapassagem do limite de endividamento não apenas para as dívidas que vierem a ser reconhecidas nos acordos a celebrar, mas também para as que já se encontravam contabilisticamente reconhecidas.  

 Caso o objetivo tenha sido, como se crê, ir ao encontro da reivindicação da ANMP de abranger também as situações em que as dívidas foram reconhecidas em acordos celebrados anteriormente, designadamente em 2019 e em 2020, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 5/2019, de 14 de janeiro, entende-se que a redação poderia e deveria ter sido mais clara – aproveitando a proposta tecnicamente correta da ANMP.  

Na verdade, a letra da lei, no que a esta alteração respeita, permite a interpretação de que embora passe a abranger as dívidas reconhecidas (contabilisticamente) em momento anterior a 31 de dezembro de 2021 apenas se aplica a acordos a celebrar em 2022, ou seja, não abrangendo aqueles que tenham sido celebrados anteriormente. 

Face ao exposto, e ainda que o mais avisado fosse aprovar, à semelhança do que ocorreu em 2020 (artigo 6.º da Lei n.º 4-B/2020, de 6 de abril com referência ao número 10 do artigo 128.º do OE 2020) uma norma interpretativa que dissipasse quaisquer dúvidas sobre esta matéria, entende-se que os municípios potencialmente beneficiários podem e devem solicitar o respetivo despacho de autorização.  

 v. Suspensão da regra de equilíbrio orçamental 

 A regra de equilíbrio orçamental prevista no número 2 do artigo 40.º da RJFAL, que determina que a receita corrente bruta cobrada deve ser pelo menos igual à despesa corrente acrescida das amortizações médias de empréstimos de médio e longo prazos, encontra-se suspensa em 2022, tal como sucede desde a eclosão da Pandemia Covid19.  

vi. Exceções ao limite da dívida: pagamento de regaste de concessões 

Mantém-se, desde 2015, a regra que permite que, respeitadas as demais condições previstas, o limite da dívida legalmente prevista seja ultrapassado nos casos em que os empréstimos em causa se destinem exclusivamente:  

  • Ao cumprimento de decisão judicial ou arbitral transitada em julgado, relativa a contrato de delegação ou concessão de exploração e gestão de serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas ou de gestão de resíduos urbanos; ou
  • Ao resgate de contrato de concessão que determine a extinção de todas as responsabilidades do município para com o concessionário, precedido de parecer do membro do Governo responsável pela área das finanças que ateste a sua compatibilidade com os limites de endividamento fixados pela Assembleia da República para o respetivo exercício orçamental.

No que respeita ao resgate de contrato de concessão, importa assinalar que já em sede de especialidade foi introduzida uma alteração no sentido de clarificar que, para efeitos desta norma, o valor indemnizatório devido ao concessionário em razão do resgate é determinado pelo concedente no ato administrativo correspondente. Assim, e conforme refere a nota justificativa da proposta de alteração, fica claro que este valor não fica dependente de “prévio acordo do concessionário ou de uma posterior decisão judicial”

vii. Habitação e Operações de Reabilitação Urbana  

Limite da dívida 

 O limite da dívida total pode ser excecionalmente ultrapassado para contração de empréstimos que se destinem exclusivamente ao financiamento do investimento em programas de arrendamento urbano e em soluções habitacionais a realizar até 25 de abril de 2024, bem como no caso de empréstimos financiados com fundos reembolsáveis do PRR destinados ao parque público de habitações a custos acessíveis.   

Isenção de fiscalização prévia do Tribunal de Contas 

A este respeito importa ainda assinalar que no decurso do processo de discussão da Proposta de OE foi aprovada uma alteração relevante, ao determinar que “os contratos de empréstimo celebrados entre os beneficiários finais e o IHRU, I.P., no âmbito do financiamento do PRR com fundos reembolsáveis, destinados ao parque público de habitações a custos acessíveis, estão isentos de fiscalização prévia do Tribunal de Contas”. 

A exigência de visto prévio do Tribunal de Contas constituiria, com efeito, uma redundância, atento que estes contratos são “contratos espelho” do contrato de empréstimo entre o Estado Português e o IHRU, o qual se encontra atualmente a ser apreciado pelo Tribunal de Contas.  

viii. Empréstimos BEI – dispensa de consulta a três instituições 

O OE2022 prevê que na contração de empréstimos pelos municípios, e no que respeita ao financiamento da contrapartida nacional no âmbito dos Programas Operacionais do Portugal 2020, através do empréstimo-quadro com o Banco Europeu de Investimento, a consulta a três instituições de crédito não é obrigatória. 

IV. Atividade Empresarial Local

a) Aquisição transitória de participações sociais detidas por empresas locais 

No decurso da discussão da Proposta do OE2022, foi aditada uma norma que permite, em 2022, a aquisição da totalidade das participações sociais de entidades detidas por empresas locais. 

A aquisição por parte da entidade pública participante determina a dissolução da sociedade cujas participações foram adquiridas, bem como e consequentemente a internalização da sua atividade na entidade adquirente. 

Esta situação permite que, caso seja demonstrado que constitui a opção que melhor defende o interesse público, as atividades desenvolvidas, designadamente por parceria público-privada (PPP), sejam internalizadas nos serviços das entidades públicas participantes. 

 Justificar-se-ia, a nosso ver, que esta alteração não fosse circunscrita ao ano 2022 e tivesse sido introduzida na própria Lei n.º 50/2022.  

b) Alterações à Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto 

A Lei do OE2022 introduz alterações a três artigos ao Regime Jurídico da Atividade Empresarial:  

  • Entidades públicas participantes com participação social inferior a 10% no âmbito dos sistemas multimunicipais de água ou saneamento e resíduos sólidos urbanos 

 A Lei n.º 50/2012 exige que as empresas locais apresentem resultados equilibrados, termos em que, sempre que os resultados líquidos se encontrem negativos devem as entidades participantes, na sua devida proporção, proceder a uma transferência financeira à empresa com vista ao equilíbrio exigido. 

O incumprimento deste dever, recorde-se, leva a que os empréstimos contraídos pelas empresas, assim como o seu endividamento líquido, relevem para os limites ao endividamento das entidades públicas participantes. 

Esta regra é também válida para o caso das participações locais, o que tem suscitado críticas por parte dos municípios que defendem que os empréstimos das empresas relativamente às quais não têm influência dominante no controlo da gestão não deveriam relevar para os limites ao seu próprio endividamento. 

O OE2021 veio atender parcialmente esta posição, mandando retirar do perímetro da dívida os empréstimos das empresas nas quais, e no âmbito dos sistemas multimunicipais de água ou saneamento e resíduos sólidos urbanos, as entidades públicas participantes tenham participações inferiores a 10%. 

Não deixa de se colocar a questão sobre se se mantém a obrigatoriedade legal dos municípios reporem o equilíbrio, na devida proporção, destas empresas quando apresentem resultados líquidos negativos. 

A resposta é, a nosso ver, afirmativa, uma vez que o legislador não afastou expressamente essa obrigatoriedade. Será, ainda assim, um dever sem consequência imediata em caso de incumprimento.  

  • Apoios e transferências para associações, fundações e cooperativas 

 Passa a ser possível aos municípios concederem subsídios a entidades não societárias nas quais não exerçam influência dominante. 

Assim, apenas se mantém a regra de proibição de celebração de contratos-programa com associações nas quais, de acordo com as regras legais, os municípios ou entidades intermunicipais exerçam influência dominante.  

  • Não obrigatoriedade de alienação de participações sociais 

Por via da aprovação do OE2022 deixa de ser obrigatório que as entidades públicas participantes alienem as suas participações sociais em sociedades no âmbito dos sistemas multimunicipais de água ou saneamento e resíduos sólidos urbanos quando essas empresas se encontrem numa das situações tipificadas no artigo 62.º - que determinaria para as empresas locais a sua própria dissolução. 

 Assim, e após a alteração que já havia sido introduzida em 2015, que determinou a desobrigatoriedade da alienação de participações em sociedades comerciais que exercem, a título principal, as atividades de ensino e formação profissional, temos agora igual dispensa para as sociedades no âmbito dos sistemas multimunicipais de água ou saneamento e resíduos sólidos urbanos. 

V. Outros

 a) Preferência de venda a municípios de imóveis penhorados 

 Passa a ser conferido aos municípios o direito de preferência sobre os prédios ou frações autónomas situados no seu território que se encontrem penhorados no âmbito de processo de execução fiscal. 

  • SNS e ADSE 

 Mantém-se a regra de financiamento relativa ao pagamento que às autarquias locais, serviços municipalizados e empresas locais cabe em razão das prestações de saúde efetuadas aos respetivos trabalhadores em instituições e serviços do SNS, bem como dos Serviços Regionais de Saúde. 

Desde 2010 que o sistema é de retenção por parte da DGAL das transferências do OE às autarquias locais. 

O montante a pagar por cada entidade corresponde ao valor resultante da multiplicação do número total dos respetivos trabalhadores registados na plataforma eletrónica de recolha de informação da DGAL, a 1 de janeiro de 2022, por 31,22% do custo per capita do SNS, publicado pelo INE, I. P., ascendendo, no que respeita aos municípios, a cerca de 37 milhões de euros anuais. 

Para além destes valores, e no que concerne à ADSE, os municípios suportam ainda cerca de 80 milhões de euros anuais. No regime convencionado, a parte não paga pelo beneficiário é suportada num primeiro momento pela ADSE, a qual tem o direito a ser reembolsada pelas autarquias. No regime livre, as autarquias locais reembolsam diretamente os beneficiários pela comparticipação a que têm direito. 

Ou seja, as autarquias locais não recebem um só euro de contribuições por parte dos beneficiários (esse valor é totalmente arrecadado pela ADSE) e suportam a totalidade dos valores comparticipados (quer no regime livre, quer no regime convencionado). 

É um modelo iníquo, de difícil compreensão e sustentação, e relativamente ao qual se entende que há legítimo fundamento para uma demanda judicial. 

2022-06-28

O Orçamento de Estado para 2022 foi aprovado pela Lei n.º 12/2022 (“OE 2022”) com algumas alterações face à proposta apresentada pelo Governo.

Nesta newsletter analisamos as principais alterações aprovadas pela Assembleia da República.

IRS

Em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRS”), destacam-se as seguintes novidades face à proposta do Governo:

  • Mais-valias. A lista de mais-valias sujeitas a IRS passa a incluir a cessão onerosa de direitos sobre estruturas fiduciárias, incluindo a cessão onerosa da posição de beneficiário.
  • Rendimentos obtidos em território português. Consideram-se obtidas em território português as mais-valias resultantes da cessão onerosa de direitos, de qualquer natureza, sobre uma estrutura fiduciária, desde que, em qualquer momento durante os 365 dias anteriores à transmissão, o valor dessa estrutura resulte, direta ou indiretamente, em mais de 50% de bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português.
  • Prazo de entrega da declaração.  Nas situações em que o sujeito passivo aufira rendimentos de fonte estrangeira relativamente aos quais tenha direito a crédito de imposto por dupla tributação internacional, cujo montante não esteja determinado no Estado da fonte até ao termo do prazo, o prazo de entrega da declaração é prorrogado até ao dia 31 de dezembro desse ano, independentemente de este dia ser útil ou não útil.

IVA

Quanto ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), destacam-se a seguintes alterações:

  • Regime forfetário dos produtores agrícolas.  Quando deixarem de se verificar as condições de aplicação do regime, os sujeitos passivos são obrigados a apresentar a declaração de alterações prevista no artigo 32.º do Código do IVA durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que tenha sido atingido um volume de negócios relativo ao conjunto das suas operações tributáveis superior a € 12.500 (em lugar de € 10.000).
  • Taxa reduzida de IVA. Passam a estar sujeitos à taxa reduzida de IVA todos os produtos de higiene menstrual.

IMPOSTO DO SELO

Quanto ao Imposto do Selo destacam-se a seguintes alterações:

  • Incidência objetiva. Deixam de estar excluídas de tributação em imposto do selo as transmissões gratuitas de valores aplicados em fundos de investimento mobiliário e imobiliário ou sociedades de investimento mobiliário e imobiliário.
  • Outras isenções.  Passam a estar isentos de imposto de selo:

-    As apólices de seguros de crédito à exportação, incluindo os seguros de crédito financeiros e os seguros caução na ordem externa, concedidos com ou sem garantia do Estado, desde que, em qualquer dos casos, o imposto constitua encargo do exportador e o mesmo esteja a atuar no âmbito da sua atividade de exportação;

-    As garantias das obrigações, sob a forma de garantias bancárias na ordem externa ou de seguros caução na ordem externa, desde que, em qualquer dos casos, o imposto constitua encargo do exportador e o mesmo esteja a atuar no âmbito da sua atividade de exportação; e

-    As garantias prestadas pelo Estado, direta ou indiretamente, no âmbito de instrumentos de direito internacional ou no âmbito das apólices de seguros referidas nas alíneas v) e w), emitidas, no caso das apólices de seguros, nos termos do artigo 15.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de maio, na sua redação atual.

  • Reestruturação e refinanciamento de créditos em moratória. A isenção de imposto do selo aplicável às operações de reestruturação ou refinanciamento dos créditos em moratória ao abrigo da Lei n.º 70/2021 vigorará entre 14 de setembro de 2021 e:

-    31 de dezembro de 2022; ou

-    31 de março de 2023, no caso de operações cujo capital seja exclusivamente pago no final do contrato.

IMPOSTOS ESPECIAIS DE CONSUMO

Em matéria sobre os Impostos Especiais de Consumo, destaca-se:

  • Redução de taxas. Aredução de taxas relativas aos seguintes produtos, quando produzidos e declarados para consumo na Região Autónoma da Madeira:

-    Rum que possua a denominação geográfica “Rum da Madeira” (redução em 40%);

-    Licores e os “crème de” produzidos a partir de frutos ou plantas regionais (redução em 28%).

IMPOSTO SOBRE OS VEÍCULOS

Em matéria sobre os Impostos sobre os Veículos (ISV), destacam-se as seguintes novidades face à proposta do Governo:

  • Dispensa de DAV.  Face ao período de guerra, os beneficiários do regime de proteção temporária previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-A/2022, de 1 de março, que sejam proprietários ou legítimos detentores de veículos matriculados na Ucrânia, podem circular no território nacional, durante o período de validade da autorização de residência temporária, sem o cumprimento da obrigação de apresentação da declaração aduaneira de veículos (DAV) prevista no artigo 20.º do Código do ISV.

IMI

No que diz respeito ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), destaca-se a seguinte alteração:

  • Edifícios afetos a produções pecuárias.  Os edifícios e construções diretamente afetos à produção de rendimentos pecuários situados em prédios rústicos não são avaliados.

IMT

Em matéria de  Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (“IMT”), destacam-se as seguintes alterações:

  • Direito à meação.  A alienação do direito à meação passa a estar sujeito a IMT, sendo o imposto liquidado sobre a parte do valor patrimonial tributário que lhe corresponder ou o valor constante do ato ou do contrato, consoante o que for maior.

BENEFÍCIOS FISCAIS

No que diz respeito aos Benefícios Fiscais, destaca-se a seguinte alteração:

  • Unidades de participação adquiridas gratuitamente. No caso de rendimentos decorrentes de unidades de participação adquiridas a título gratuito, o adquirente deve comunicar à entidade registadora ou depositária, ou, na ausência destas, à entidade responsável pela gestão ou ao organismo de investimento coletivo sob a forma societária, a data e o valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo ou que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.
  • Entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira até 31/12/2023. Passam a beneficiar da tributação em sede de IRC de 5%, não só as entidades licenciadas até 31 de dezembro de 2021, mas também as licenciadas até 31 de dezembro de 2023.  

ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS

  • Formalidades de penhora de rendimentos independentes. Os rendimentos auferidos no âmbito das atividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS aplica-se, nomeadamente, as seguintes especificidades:

-    São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos rendimentos totais;

-    A parte líquida dos rendimentos corresponde à aplicação do coeficiente 0,75 ao montante total pago ou colocado à disposição do executado, excluído o IVA liquidado;

-    O limite máximo e mínimo da impenhorabilidade é apurado globalmente, para cada mês, pela entidade que os deva pagar;

-    A entidade pagadora dos rendimentos deve comunicar ao órgão de execução, preferencialmente através do respetivo portal, previamente a qualquer pagamento ao executado, o montante total a pagar, o valor impenhorável apurado e o montante do valor a penhorar, tudo apurado de acordo com o presente artigo;

-    O órgão de execução fiscal, com base nas informações prestadas, confirma ou apura o valor a penhorar e comunica-o à entidade pagadora, no prazo de dois dias úteis a contar da comunicação referida na alínea anterior;

  • Diferimento e suspensão extraordinários de prazos. O prazo para cumprimento das obrigações no âmbito da relação jurídica contributiva e de regularização de dívida à segurança social que devam ser cumpridas no mês de agosto é estendido até ao último dia desse mês, independentemente de ser útil, sem quaisquer acréscimos ou penalidades, sem prejuízo do disposto no número seguinte. Estas obrigações são igualmente aplicáveis às obrigações de natureza similar decorrentes da Lei n.º 70/2013, de 30 de agosto, que regula o Fundo de Compensação do Trabalho e o Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho, com as necessárias adaptações.

Acresce-se que os prazos relativos aos atos praticados nos procedimentos contraordenacionais, bem como ao exercício do direito de audição ou de defesa em quaisquer procedimentos, exercício do direito à redução de coimas, dispensa de coima, bem como de pagamento antecipado de coimas, ou de esclarecimentos solicitados pelas instituições de segurança social ou ACT, que terminem no decurso do mês de agosto, são transferidos para o primeiro dia útil do mês seguinte e que os prazos relativos aos procedimentos de fiscalização resultantes da aplicação dos regimes contributivos do sistema previdencial de segurança social são suspensos durante o mês de agosto.

Sobre as demais alterações fiscais introduzidas pelo OE 2022 pode consultar aqui.

© MACEDO VITORINO

2022-06-28

O Orçamento de Estado para 2022 foi aprovado pela Lei n.º 12/2022 (“OE 2022”).

Nesta newsletter resumimos as principais alterações fiscais previstas na lei.

IRS

Em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRS), as principais alterações são as seguintes:

  • Programa Regressar. Prorrogação para os anos 2021, 2022 e 2023 do regime fiscal aplicável a ex-residentes que exclui de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que se tornem residentes entre os anos 2019 a 2023 e não tenham sido residentes nos 3 anos anteriores.
  • IRS Jovem.  Introdução de uma isenção parcial de IRS sobre os rendimentos do trabalho dependente e independente auferidos por sujeitos passivos entre os 18 e os 26 anos, que não sejam dependentes, após a conclusão de um nível de ensino igual ou superior ao nível 4 (no caso de nível 8, a isenção pode estender-se até aos 28 anos). A isenção é aplicável nos cinco primeiros anos após a conclusão do nível de habilitações e incide sobre:

-    30% nos primeiros dois anos, com o limite de 7,5 vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS);

-    20% nos dois anos seguintes, com o limite de 5 vezes o valor do IAS; e

-    10% no último ano, com o limite de 2,5 vezes o valor do IAS.

  • Afilhados civis. Limitação dos afilhados civis que podem ser considerados dependentes (e.g. sujeitos a tutela, até 25 anos e com rendimentos anuais não superiores ao valor da retribuição mínima mensal garantida).
  • Regime simplificado. Possibilidade de o sujeito passivo incluir, na declaração de rendimentos, o valor das despesas e encargos em lugar das despesas comunicadas, caso em que a AT terá em conta estes valores, sem prejuízo da obrigação geral de comprovar os montantes declarados.
  • Mais valias. A lista de mais-valia sujeitas a IRS passa a incluir a cessão onerosa de direitos sobre estruturas fiduciárias, incluindo a cessão onerosa da posição de beneficiário.
  • Englobamento de mais-valias mobiliárias *. Prevê-se o englobamento obrigatório do saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários detidos há menos de um ano, quando o sujeito passivo tenha um rendimento coletável, incluindo esse saldo, igual ou superior a €75.009, podendo o saldo negativo ser deduzido nos 5 anos seguintes. Esta alteração entrará em vigor a partir de 1 de janeiro de 2023.
  • Comunicação de mais-valias mobiliárias. Os intermediários financeiros ficam obrigados a comunicar aos seus clientes, até 20 de janeiro de cada ano, a quantidade, a data, o valor de aquisição e o valor de realização dos títulos transacionados. No caso de transferência de valores mobiliários, deve o intermediário financeiro do qual os valores mobiliários são transferidos indicar, sempre que possível, ao intermediário financeiro que os receciona a data de aquisição e o valor histórico de aquisição dos valores mobiliários transferidos.
  • Valor de aquisição de bens doados. No cálculo das mais-valias resultantes da venda de bens doados entre cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, o valor de aquisição a considerar deverá corresponder ao valor que serviria de base à liquidação do imposto do selo, caso fosse devido, até aos dois anos anteriores à doação.
  • Alteração dos escalões de IRS. Os atuais 7 escalões de IRS passarão a 9, criando-se um novo terceiro escalação (entre € 10.736 e € 15.216) sujeito a uma taxa de 26,5% (em lugar 28%) e um novo sétimo escalão (entre € 36.757 e € 48.033) sujeito a uma taxa de 43,5% (em lugar de 45%). No entanto, é reduzido o limite máximo do 8.º escalão de € 80.882 para € 75.009.
  • Deduções à coleta. É alterada a fórmula de cálculo da limitação dos € 1.000, por agregado familiar, e são aumentadas ligeiramente as deduções à coleta relativamente a dependentes.
  • Comunicação de rendimentos e retenções. A obrigação de emitir ao beneficiário a declaração de rendimentos sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias dependerá de solicitação expressa dos sujeitos passivos que pretendam optar pelo englobamento.
  • Rendimentos obtidos em território português*. Consideram-se obtidas em território português as mais-valias resultantes da cessão onerosa de direitos, de qualquer natureza, sobre uma estrutura fiduciária, desde que, em qualquer momento durante os 365 dias anteriores à transmissão, o valor dessa estrutura resulte, direta ou indiretamente, em mais de 50% de bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português.
  • Prazo de entrega da declaração*.  Nas situações em que o sujeito passivo aufira rendimentos de fonte estrangeira relativamente aos quais tenha direito a crédito de imposto por dupla tributação internacional, cujo montante não esteja determinado no Estado da fonte até ao termo do prazo, o prazo de entrega da declaração é prorrogado até ao dia 31 de dezembro desse ano, independentemente de este dia ser útil ou não útil.

IRC

Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), destacam-se as seguintes alterações:

  • Encargos não dedutíveis. Deixam de ser dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os encargos evidenciados em documentos emitidos por sujeitos passivos que não tenham entregado a declaração de inscrição no registo.
  • Direitos de autor e propriedade industrial. Aumento de 50% para 85% da exclusão de tributação dos rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou a utilização temporária de direitos de propriedade industrial sujeitos a registo.
  • Procedimento de liquidação. Alteração para 0,35 do coeficiente sobre o qual deverá a AT, na falta de entrega da declaração Modelo 22, emitir liquidação oficiosa sobre a matéria coletável apurada com base nos elementos que disponha, de acordo com as regras do regime simplificado.
  • Pagamento Especial por Conta (PEC). Eliminação do PEC, mantendo-se as normas que permitem a dedução e/ou o reembolso de PECs já efetuados em anos anteriores.
  • Tributação autónoma. Não aplicação do agravamento de 10% da tributação autónoma no período de 2022 para as cooperativas e as micro, pequenas e médias empresas quando (i) tenham obtido lucro tributável em um dos três períodos de tributação anteriores e (ii) tenham sido cumpridas as obrigações de entrega das Declarações Modelo 22 e IES dos dois períodos de tributação anteriores. O agravamento não é igualmente aplicável, nos períodos de tributação de 2020 e 2021, quando estes correspondam ao período de tributação de início de atividade ou a um dos dois períodos seguintes.

IVA

Quanto ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), destacam-se a seguintes alterações:

  • Taxa reduzida de IVA*. Sujeição a taxa reduzida de IVA dos seguintes produtos a partir de 1 de julho de 2022:

-    Produtos semelhantes a queijos, sem leite e lacticínios, produzidos à base de frutos secos, cereais, preparados à base de cereais, frutas, legumes ou produtos hortícolas;

-    As prestações de serviços de reparações de aparelhos domésticos;

-    Entrega e instalação de painéis solares térmicos e fotovoltaicos (até 30 de junho de 2025); e

-    *IVA todos os produtos de higiene menstrual.

  • Prazo de entrega das declarações periódicas. Alargamento do prazo de entrega das declarações periódicas para o dia 20 do 2.º mês seguinte ao mês ou ao trimestre a que respeitam as operações, consoante se aplique o enquadramento mensal ou trimestral.
  • Prazo de entrega do imposto. Alargamento do prazo de pagamento do IVA até o dia 25 do 2.º mês seguinte ao mês ou trimestre a que respeitam as operações, consoante se aplique o enquadramento mensal ou trimestral.
  • Pagamento do imposto indevidamente liquidado. Os sujeitos que mencionem indevidamente IVA em fatura devem entregar o correspondente imposto no prazo de 20 dias a contar da emissão da fatura e, no caso de prática de actos isolados, até ao final do mês seguinte ao da conclusão da operação.
  • Envio da IES / DA e submissão do ficheiro SAF-T. Adiamento da implementação das regras de submissão do ficheiro SAF-T (PT) relativo à contabilidade previstas na Portaria n.º 31/2019 para os períodos de 2023 e seguintes, devendo a entrega ocorrer a partir de 2024.
  • Suspensão do ATCUD em 2022. Adiamento para 2023 da aposição do código único de documento (ATCUD) nas faturas e outros documentos fiscalmente relevantes.
  • Localização das operações (Madeira e Açores). As prestações de serviços de transporte passem a ser tributáveis no local do estabelecimento estável a partir do qual são efetuadas.
  • Isenções nas importações/exportação. Prevêem-se isenções em algumas importações e exportações efetuadas pela Comissão Europeia, por outras agências ou organismos europeus e pelas forças armadas de outros Estados-membros.
  • Excedente de eletricidade. Prevê-se uma autorização ao Governo para introduzir uma derrogação à regra geral de incidência subjetiva do IVA relativamente a certas transmissões do excedente de eletricidade produzida em regime de autoconsumo de energia renovável, cuja autorização fica condicionada pela aprovação pelo Conselho Europeu do pedido de derrogação para o efeito nos termos da Diretiva IVA.
  • Regime forfetário dos produtores agrícolas.  Quando deixarem de se verificar as condições de aplicação do regime, os sujeitos passivos são obrigados a apresentar a declaração de alterações prevista no artigo 32.º do Código do IVA durante o mês de janeiro do ano seguinte àquele em que tenha sido atingido um volume de negócios relativo ao conjunto das suas operações tributáveis superior a € 12.500 (em lugar de € 10.000).

IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO

Em sede de impostos especiais sobre o consumo, destacam-se as seguintes alterações:

IMPOSTO SOBRE OS PRODUTOS PETROLÍFEROS E ENERGÉTICOS (ISPE)

  • Eletricidade produzida para autoconsumo*. Alargamento do âmbito da isenção de ISPE à eletricidade produzida para autoconsumo a partir de fontes de energia renovável, até ao limite de 1 MW de potência instalada.
  • Adicional às taxas do ISPE*. Mantém-se em vigor em 2022 o adicional às taxas do ISPE de 0,0035 euros/l para o gasóleo colorido e marcado, até ao limite de €30.000.000 anuais.
  • Gasóleo colorido e marcado. Mantém-se em vigor em 2022 a majoração relativa à utilização de gasóleo colorido e marcado pelos pequenos agricultores, detentores do estatuto de agricultura familiar, pequenos aquicultores e para a pequena pesca artesanal e costeira que utilizem gasóleo colorido e marcado com um consumo anual até 2.000 litros, de 0,06 euros por litro sobre a taxa reduzida aplicável aos equipamentos utilizados.
  • Pesca artesanal. Mantém-se em vigor em 2022 um subsídio correspondente ao desconto no preço final da gasolina ou do GPL consumidos equivalente ao que resulta da redução de taxa aplicável ao gasóleo consumido na pesca
  • Produtos utilizados na produção de eletricidade, eletricidade e calor ou gás de cidade:

-   Produtos abrangidos pelos códigos NC 2701, NC 2702 e NC 2704 utilizados nos processos de cogeração ou de gás de cidade, por entidades que desenvolvam essas atividades como a sua atividade principal, são tributados a 100% da taxa de ISPE e em 100% da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2;

-   Abrangidos pelos códigos NC 2710 19 61 a 2710 19 69 usados na produção de eletricidade em processos de cogeração ou de gás de cidade são tributados em 75% da taxa de ISP e em 75% da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2, quando usados e consumidos no continente;

-   Abrangidos pelos códigos NC 2710 19 41 a 2710 19 49 e NC 2710 19 61 a 2710 19 69 se utilizados e consumidos nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira para a produção de eletricidade, em sede de processos de cogeração ou de gás de cidade serão tributados em 37,5% da taxa de ISP e ema 37,5% da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2;

-   Abrangidos pelos códigos NC 2711 utilizados na produção de eletricidade, com exceção dos usados nas regiões autónomas, devem ser tributados em 20% da taxa de ISPE e em 20% da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2;

-   Abrangidos pelos códigos NC 2701, 2702, 2704, 2713 e 2711 12 11 e o fuelóleo com teor de enxofre igual ou inferior a 1%, classificado pelo código NC 2710 19 61, utilizados em instalações sujeitas a um acordo de racionalização dos consumos de energia (ARCE), sejam tributados em 10% da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2.

TAXAS SOBRE BEBIDAS

  • Taxa sobre as bebidas alcoólicas. Aumento das taxas de imposto aplicáveis sobre as (i) cervejas, passando estas a variar entre os 8,42 euros/hl e os 29,59 euros/hl, (ii) as Bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes, passando estas a ser de 10,54 euros/hl, (iii) os Produtos intermédios, passando estas a ser de 76,86 euros/hl e (iv) as Bebidas espirituosas, passando estas a ser de 1.400,80 euros/hl. No que se refere à taxa para consumo na Região Autónoma da Madeira a taxa aumenta para 1.253,70 euros/hl.
  • Taxa sobre as bebidas não alcoólicas. Incremento da unidade tributável, sendo que a taxa de imposto varia entre 1,01 euros/hl (teor de açúcar inferior a 25g/l), 6,08 euros/hl (teor de açúcar seja inferior a 50g/l e igual ou superior a 25g/l), 8,10 euros/hl (teor de açúcar inferior a 80g/l e igual ou superior a 50g/l) e de 20,26 euros/hl (teor de açúcar igual ou superior a 80g/l). Na forma líquida os valores aumentam para 6,08 euros/hl, 36,47 euros/hl, 48,62 euros/hl e 121,56 euros/hl, respetivamente; e sob a forma de pó, grânulos ou outras formas sólidas aumentam para 10,13 euros/hl, 60,78 euros/hl, 81,04 euros/hl e 202,61 euros/hl por 100 quilogramas de peso líquido, respetivamente.
  • Redução de taxas*. A redução de taxas relativas aos seguintes produtos, quando produzidos e declarados para consumo na Região Autónoma da Madeira:

-    Rum que possua a denominação geográfica “Rum da Madeira” (redução em 40%);

-    Licores e os “crème de” produzidos a partir de frutos ou plantas regionais (redução em 28%).

IMPOSTO SOBRE O TABACO

  • Tabaco normal. Aumento do elemento específico para 102,01 euros..
  • Tabaco aquecido. Aumento do elemento específico para 0,0845 euros/g. Eleva-se ainda o montante mínimo de imposto de 0,180 euros/g para 0,182 euros/g.
  • Charutos e cigarrilhas. O milheiro de charuto e cigarrilhas aumenta respetivamente para 416,22 euros e 62,43 euros.
  • Tabaco de corte fino, restantes tabacos de fumar, rapé, tabaco de mascar. Aumento do elemento específico para 0,082 euros/g, sendo que o valor do imposto não poderá ser inferior a 0,177 euros/g.
  • Tabaco para cachimbo de água. Aumento do elemento específico da tributação sobre o líquido contendo nicotina, em recipientes utilizados para carga e recarga de cigarros eletrónicos para 0,323 euros/ml.
  • Cigarros fabricados nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores. Aumento do elemento específico para 61,55 euros nos cigarros fabricados por pequenos produtores cuja produção anual não exceda, individualmente, 500 t e que sejam consumidos nestas regiões, o elemento específico.  Ainda assim, o limite mínimo de imposto é reduzido para 88%, sendo que as taxas de imposto a adicionar a todos os cigarros consumidos nestas regiões são elevadas no elemento específico para 21,61 euros.

IMPOSTO SOBRE VEÍCULOS (ISV)

  • Aumento das taxas. Aumento das taxas de ISV aplicáveis aos automóveis, motociclos, triciclos e quadriciclos, relativamente à sua componente cilindrada e ambiental.
  • Dispensa de DAV.  Face ao período de guerra, os beneficiários do regime de proteção temporária previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-A/2022, de 1 de março, que sejam proprietários ou legítimos detentores de veículos matriculados na Ucrânia, podem circular no território nacional, durante o período de validade da autorização de residência temporária, sem o cumprimento da obrigação de apresentação da declaração aduaneira de veículos (DAV) prevista no artigo 20.º do Código do ISV.

IMPOSTO ÚNICO DE CIRCULAÇÃO (IUC)

Aumento generalizado em cerca de 1% das taxas de IUC aplicáveis a todos os veículos e manutenção do adicional de IUC para os veículos a gasóleo das categorias A e B.

IMT

Em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), destacam-se as seguintes medidas:

  • Alagamento da incidência do IMT. Alargamento da incidência do IMT a (i) entradas dos sócios com bens imóveis para a realização de prestações acessórias, (ii) adjudicações de bens imóveis aos sócios na redução de capital, no reembolso de prestações acessórias ou outras formas de cumprimento de obrigações pelas sociedades, (iii) adjudicação de bens imóveis aos participantes de fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular decorrente do resgate das unidades de participação e da redução de capital e (iv)* alienação do direito à meação.
  • Alteração dos escalões. Atualização dos escalões do IMT aplicáveis na aquisição de prédios urbanos ou frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação.
  • Transmissão de partes de prédio. Prevê-se que na transmissão de partes de prédio, de figuras parcelares do direito de propriedade e da propriedade separada dessas figuras parcelares, ao valor tributável aplica-se a taxa correspondente ao valor global do prédio tendo em consideração a parte ou o direito transmitidos.
  • Incentivos à reabilitação urbana. A isenção de IMT na primeira transmissão de prédios urbanos ou frações autónomas sujeitos a intervenções de reabilitação urbana caduca se (i) aos imóveis for dado destino diferente daquele em que assentou o benefício (habitação própria e permanente / arrendamento para habitação permanente), no prazo de seis anos a contar da data da transmissão, (ii) os imóveis não forem afetos a habitação própria e permanente no prazo de seis meses a contar da data da transmissão ou (iii) os imóveis não forem objeto da celebração de um contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de um ano a contar da data da transmissão. Neste caso, a liquidação do IMT deverá ser solicitada no prazo de 30 dias.

IMI

Em matéria de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), destacam-se as seguintes medidas:

  • Segunda avaliação de prédios urbanos. O Valor Patrimonial Tributário (VPT) determinado em sede de segunda avaliação com base em distorção face ao valor normal de mercado passa a ser considerado também para efeitos de IMI e de Adicional ao IMI.
  • Prédios urbanos arrendados antes do RAU. A participação anual de rendas por parte de proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos, que estejam abrangidos por contratos de arrendamento celebrados antes da entrada em vigor do Regime do Arrendamento Urbano (RAU) deverá ser realizada entre 1 de janeiro e 15 de fevereiro do ano seguinte conforme modelo e procedimentos oficiais.
  • Isenção de IMI. O limite de € 153.300 aplicável na isenção de IMI sobre prédios construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos destinados a habitação passará a ter em conta o rendimento bruto total do agregado familiar em lugar do rendimento coletável para efeitos fiscais.
  • Edifícios afetos a produções pecuárias.  Os edifícios e construções diretamente afetos à produção de rendimentos pecuários situados em prédios rústicos não são avaliados.

IMPOSTO DO SELO

No que diz respeito às alterações em sede de imposto de selo, prevê-se:

  • Incidência objetiva. Deixam de estar excluídas de tributação em imposto do selo as transmissões gratuitas de valores aplicados em fundos de investimento mobiliário e imobiliário ou sociedades de investimento mobiliário e imobiliário.
  • Exclusão de isenção. Não aplicação da isenção de imposto de selo prevista no artigo 66.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais a instituições de crédito, sociedades financeiras, empresas de seguros e resseguros ou outras entidades a elas legalmente equiparadas.
  • Crédito ao consumo. Manutenção do agravamento em 50% das taxas de imposto aplicáveis à utilização de crédito concedido no âmbito de contratos de crédito a consumidores.
  • Outras isenções.  Passam a estar isentos de imposto de selo:

-    As apólices de seguros de crédito à exportação, incluindo os seguros de crédito financeiros e os seguros caução na ordem externa, concedidos com ou sem garantia do Estado, desde que, em qualquer dos casos, o imposto constitua encargo do exportador e o mesmo esteja a atuar no âmbito da sua atividade de exportação;

-    As garantias das obrigações, sob a forma de garantias bancárias na ordem externa ou de seguros caução na ordem externa, desde que, em qualquer dos casos, o imposto constitua encargo do exportador e o mesmo esteja a atuar no âmbito da sua atividade de exportação; e

-    As garantias prestadas pelo Estado, direta ou indiretamente, no âmbito de instrumentos de direito internacional ou no âmbito das apólices de seguros referidas nas alíneas v) e w), emitidas, no caso das apólices de seguros, nos termos do artigo 15.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 183/88, de 24 de maio, na sua redação atual.

  • Reestruturação e refinanciamento de créditos em moratória. A isenção de imposto do selo aplicável às operações de reestruturação ou refinanciamento dos créditos em moratória ao abrigo da Lei n.º 70/2021 vigorará entre 14 de setembro de 2021 e:

-    31 de dezembro de 2022; ou

-    31 de março de 2023, no caso de operações cujo capital seja exclusivamente pago no final do contrato.

CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS

De acordo com a Lei n.º 99/2021, de 31 de dezembro, em 2022  manter-se-ão em vigor as seguintes contribuições especiais:

-    Contribuição sobre o setor bancário;

-    Adicional de solidariedade sobre o setor bancário;

-    Contribuição sobre o audiovisual;

-    Contribuição sobre a Indústria Farmacêutica;

-    Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE);

-    Contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS); e

-    Contribuição sobre as embalagens de plástico ou alumínio de utilização única em refeições prontas.

Para além destas contribuições, a proposta de OE 2022 prevê a criação de uma contribuição especial para a conservação dos recursos florestais, estipulando-se um prazo de 90 dias para a regulamentação, por decreto-lei.

BENEFÍCIOS FISCAIS

A proposta do OE 2022 inclui as seguintes alterações:

  • IVA sobre donativos. A não sujeição a IVA das transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas, a título gratuito, passa a estar limitada a 25% (no seu conjunto) do montante do donativo recebido.
  • Incentivo Fiscal à Recuperação (IFR). É criado um Incentivo Fiscal à Recuperação aplicável aos sujeitos passivos de IRC que consiste numa dedução à coleta de IRC do período de tributação de 2022 de 70% das despesas de investimento em ativos afetos à exploração (até ao limite máximo acumulado de € 5.000.000), que sejam efetuadas nos primeiros 6 meses do período de tributação de 2022, correspondentes a:

-    10% das despesas elegíveis (e.g. ativos fixos tangíveis (com algumas exceções) adquiridas em estado novo e que entrem em funcionamento até ao final do período de tributação de 2022 ou intangíveis sujeitos a deperecimento), até ao valor correspondente à média aritmética simples das despesas de investimento elegíveis dos três períodos de tributação anteriores; e

-    25% das despesas elegíveis, na parte que exceda o limite acima referido.

Para beneficiar deste incentivo, além de outras condições, o sujeito passivo não poderá:

-    Cessar contratos de trabalho durante três anos, contados do início do período de tributação em que se realizem as despesas de investimento elegíveis, ao abrigo das modalidades de despedimento coletivo ou despedimento por extinção do posto de trabalho; e

-    Distribuir lucros durante três anos, contados do início do período de tributação em que se realizem as despesas de investimento elegíveis.

O IFR apurado, que não for passível de dedução no período de tributação de 2022, por insuficiência de coleta, poderá ser deduzido, nas mesmas condições, nos cinco períodos de tributação seguintes.

  • Apoio à implementação do SAF-T (PT) e do ATCUD. Mantém-se, relativamente às micro, pequenas e médias empresas, o apoio extraordinário correspondente à consideração, em 120% dos respetivos gastos contabilizados no período de tributação de 2022.
  • Alterações ao Código Fiscal do Investimento*. O Código Fiscal do Investimento é alterado, tendo em vista, nomeadamente:

-    A extensão dos benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo até 31 de dezembro de 2027; e

-    A atualização dos limites máximos dos benefícios fiscais contratuais ao investimento produtivo e do RFAI em conformidade com o mapa nacional de auxílios estatais com finalidade regional para o período de 1 de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2027, aprovado pela Comissão Europeia em 8 de fevereiro de 2022.

  • Unidades de participação adquiridas gratuitamente. No caso de rendimentos decorrentes de unidades de participação adquiridas a título gratuito, o adquirente deve comunicar à entidade registadora ou depositária, ou, na ausência destas, à entidade responsável pela gestão ou ao organismo de investimento coletivo sob a forma societária, a data e o valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de imposto do selo ou que serviria de base à liquidação de imposto do selo, caso este fosse devido.
  • Entidades licenciadas na Zona Franca da Madeira até 31/12/2023. Passam a beneficiar da tributação em sede de IRC de 5%, não só as entidades licenciadas até 31 de dezembro de 2021, mas também as licenciadas até 31 de dezembro de 2023. 

AUTORIZAÇÕES LEGISLATIVAS

A proposta do OE 2022 prevê as seguintes autorizações legislativas para que o Governo aprove as seguintes alterações:

  • Programa de Valorização do Interior. Criação de um regime de benefícios fiscais no âmbito do Programa de Valorização do Interior aplicável a sujeitos passivos de IRC, em função dos gastos resultantes da criação de posto de trabalho em territórios do interior, incluindo uma dedução à coleta de 20% dos gastos com a criação de postos de trabalho que excedam o valor da retribuição mínima nacional garantida.
  • Apoios às Start-up. Definição do conceito legal de “start-up” para efeitos de concessão de apoios financeiros ou fiscais, tendo em vista a promoção do ecossistema nacional de empreendedorismo e a definição de políticas específicas de investimento.
  • Deduções ambientais*. Dedução à coleta do IRS, com o limite de €500 por agregado familiar, de parte do IVA suportado em despesas com aumento da eficiência energética, tais como substituição de janelas não eficientes por eficientes, a aplicação ou substituição de isolamento térmico em coberturas, paredes ou pavimentos, sistemas de aquecimento e/ou arrefecimento ambiente, entre outros.

CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO

Ao nível do contencioso tributário, a principal alteração constante do OE 2022 reside naalteraçãoda Lei Geral Tributária (LGT): os prazos para o exercício do direito de audição ou de defesa em quaisquer procedimentos tributários, bem como para o exercício do direito à redução ou o pagamento antecipado de coimas, ou de esclarecimentos solicitados pela AT que terminem no decurso do mês de agosto são transferidos para o primeiro dia útil do mês de setembro.

De notar que as restantes alterações foram aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 125/2021, de 30 de dezembro, a saber:

  • Dispensa de prestação de garantia. As dívidas em execução fiscal de valor igual ou inferior (e não só inferior) a €5.000 para pessoas singulares e a €10.000 para pessoas coletivas, beneficiam de uma dispensa automática de prestação de garantia, criação de um plano oficioso de pagamento em prestações elaborado pela AT e disponibilizado no Portal das Finanças.
  • Pagamento em prestações e planos automáticos de pagamento. As dívidas provenientes de IMT, IVA ou IUC podem ser pagas em até 36 prestações mensais, mediante autorização do Diretor-Geral da AT. O pedido para pagamento em prestações deixa de estar condicionado à (i) existência de uma situação económica, devidamente comprovada, que não permita ao devedor solver as dívidas dentro dos prazos previstos ou (ii) à ocorrência de circunstâncias excecionais e razões de interesse público que o justifiquem.
  • Dívidas tributárias em execução fiscal. Nos processos de execução fiscal instaurados entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2022, é alargado o número de prestações mensais até cinco anos, independentemente do valor em dívida.
  • Diferimento de obrigações fiscais no primeiro semestre de 2022. No primeiro semestre de 2022 as obrigações de entrega de IRS e de IRC retido na fonte, e ainda obrigação de entrega do IVA podem ser cumpridas em três ou seis prestações mensais, de valor igual ou superior a € 25,00, sem juros ou penalidades, bastando, para tal, apresentar um pedido, por via eletrónica, até ao termo do prazo de pagamento voluntário. Este mesmo regime de pagamento é igualmente aplicável aos sujeitos passivos singulares ou coletivos que esteja numa das seguintes condições:

-  Obtenção em 2020 de um volume de negócios até ao limite máximo da classificação como micro, pequena e média empresa e que, cumulativamente, declarem e demonstrem uma diminuição da faturação comunicada através do e-fatura de, pelo menos, 10% da média mensal do ano civil completo de 2020 face ao período homólogo do ano anterior, através de declaração de contabilista certificado até três dias úteis após a data limite de pagamento voluntário, podendo ser substituída por declaração do requerente, sob compromisso de honra;

-  Tenham atividade principal enquadrada na classificação de atividade económica de alojamento, restauração e similares, ou da cultura; ou

-  Tenham iniciado ou reiniciado a atividade em ou após 1 de janeiro de 2021.

No que respeita à obrigação de entrega do IVA, no caso dos sujeitos passivos abrangidos pelo regime trimestral, no primeiro semestre de 2022 esta pode também ser cumprida em três ou seis prestações mensais de valor igual ou superior a 25,00 euros, sem juros ou penalidades.

  • Formalidades de penhora de rendimentos independentes. Os rendimentos auferidos no âmbito das atividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS aplica-se, nomeadamente, as seguintes especificidades:

-    São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos rendimentos totais;

-    A parte líquida dos rendimentos corresponde à aplicação do coeficiente 0,75 ao montante total pago ou colocado à disposição do executado, excluído o IVA liquidado;

-    O limite máximo e mínimo da impenhorabilidade é apurado globalmente, para cada mês, pela entidade que os deva pagar;

-    A entidade pagadora dos rendimentos deve comunicar ao órgão de execução, preferencialmente através do respetivo portal, previamente a qualquer pagamento ao executado, o montante total a pagar, o valor impenhorável apurado e o montante do valor a penhorar, tudo apurado de acordo com o presente artigo;

-    O órgão de execução fiscal, com base nas informações prestadas, confirma ou apura o valor a penhorar e comunica-o à entidade pagadora, no prazo de dois dias úteis a contar da comunicação referida na alínea anterior;

  • Diferimento e suspensão extraordinários de prazos*. O prazo para cumprimento das obrigações no âmbito da relação jurídica contributiva e de regularização de dívida à segurança social que devam ser cumpridas no mês de agosto é estendido até ao último dia desse mês, independentemente de ser útil, sem quaisquer acréscimos ou penalidades, sem prejuízo do disposto no número seguinte. Estas obrigações são igualmente aplicáveis às obrigações de natureza similar decorrentes da Lei n.º 70/2013, de 30 de agosto, que regula o Fundo de Compensação do Trabalho e o Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho, com as necessárias adaptações.

Acresce-se que os prazos relativos aos atos praticados nos procedimentos contraordenacionais, bem como ao exercício do direito de audição ou de defesa em quaisquer procedimentos, exercício do direito à redução de coimas, dispensa de coima, bem como de pagamento antecipado de coimas, ou de esclarecimentos solicitados pelas instituições de segurança social ou ACT, que terminem no decurso do mês de agosto, são transferidos para o primeiro dia útil do mês seguinte e que os prazos relativos aos procedimentos de fiscalização resultantes da aplicação dos regimes contributivos do sistema previdencial de segurança social são suspensos durante o mês de agosto.

* Medidas que sofreram alterações durante a discussão no Parlamento.

 © MACEDO VITORINO

 
2022-06-27

Já se encontra publicado no Boletim do Trabalho e Emprego o novo Acordo de Empresa, e respetivo Regulamento de Carreiras, da CP, permitindo, nomeadamente, a integração dos trabalhadores que transitaram da ex-EMEF e a valorização de todos os trabalhadores.

Os novos acordos foram celebrados com 11 dos 14 sindicatos que representam os trabalhadores da CP: (i) SNAQ; (ii) ASCEF; (iii) SINFB; (iv) SINFA; (v) SINAFE; (vi) SINDEFER; (vii) FE; (viii) STMEFE; (ix) SIFA; (x) FENTCOP e (x) SIOFA.

Sinteticamente, o novo Acordo de Empresa consagra as seguintes alterações:

(i) Aumento salarial, com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2022, para todos os trabalhadores;

(ii) Eliminação de um índice na base para todas as categorias, exceto para as de Técnicos Superiores e Especialistas;

(iii) Eliminação de um índice adicional na base das categorias de Assistente Comercial, Operador de Revisão e Operador de Venda;

(iv) Acréscimo de um índice no topo para todas as categorias, com exceção de Técnicos Superiores e Especialistas;

(v) Criação de tempos mínimos de permanência, para mudança de índice, com o máximo de quatro anos;

(vi) Eliminação de sobreposições de índices entre categorias profissionais e respetivas chefias;

(vii) Uniformização do subsídio de refeição para €7,74;

(viii) Aumento da percentagem fixa (irev) do prémio de revisão diário de 0.6€ para 0.8€;

(ix) Aumento do abono de falhas em postos de venda fixos em 6€ em cada escalão;

(x) Integração dos trabalhadores da ex EMEF com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2022;

(xi) Aplicação das regras de organização de trabalho, abonos e variáveis, na sua maioria, consagradas no anterior AE CP aos trabalhadores da ex EMEF; e

(xii) Reposição do subsídio de transporte existente no AE EMEF para os trabalhadores atualmente abrangidos pelo novo AE que à data da fusão o auferiam e não se encontram abrangidos pelo abono de transporte/disponibilidade do novo AE.

O novo AE contém um regime globalmente mais favorável para todos os trabalhadores.

O novo Acordo de Empresa abrange os trabalhadores filiados nos sindicatos outorgantes, bem como os trabalhadores não filiados em sindicato outorgante que a ele adiram, no prazo de três meses.

A celebração dos novos Acordos de Empresa enquadra-se no princípio da autonomia coletiva e no direito à contratação coletiva, consagrados entre os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, no artigo 56.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

 © MACEDO VTORINO

 

2022-05-25

Introdução

O dia 25 de maio de 2018, data que assinala a aplicação do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) na União Europeia (UE), constitui um importante marco para a privacidade e proteção de dados pessoais. Desde então, passaram quatro anos, que acrescem aos dois anos de vigência do RGPD e de (suposta) preparação para a sua aplicação.

É, por isso, inevitável, não só assinalar a data (que também é assinalada por ocasião do Dia da Proteção de Dados, a 29 de janeiro de cada ano), como fazer um ponto da situação da aplicação do RGPD na UE e em Portugal.

Os últimos anos foram anos sui generis, marcados pela pandemia Covid-19 e pelos desafios que esta trouxe para a privacidade e proteção de dados. Estes desafios fizeram sobretudo sentir-se no âmbito do tratamento de dados de saúde e da vida privada; em contexto de teletrabalho e de aulas online com a utilização massiva de plataformas informáticas como o Teams, Zoom, Webex, Google; ao nível da cibersegurança com um significativo aumento dos ataques cibernéticos; no comércio eletrónico (que ganhou uma nova dinâmica); no maior uso das redes sociais (e uso crescente de novas redes sociais) e na publicidade a estas associada. 

A estes desafios (não previsíveis) acrescem ainda outros associados a tecnologias de blockchain, reconhecimento facial e de voz, mineração de informação, inteligência artificial, que, segundo o pai do RGPD, Axel Voss, o RGPD não está preparado para acompanhar, devendo ser revisto. Embora esta opinião não reúna consenso, parece ser, todavia, inquestionável que será necessária uma aplicação rigorosa e eficaz do RGPD sobretudo nos domínios da publicidade em linha, do microdirecionamento e da definição algorítmica de perfis, da classificação, disseminação e amplificação de conteúdos nas plataformas digitais, em empresas integradas e outros serviços digitais. Estes serão certamente alguns dos desafios mais próximos.

 

Um fundamento jurídico para cada finalidade de tratamento

Os fundamentos que legitimam as operações de tratamento de dados são: (i) o consentimento do titular dos dados; (ii) a execução de um contrato ou de diligências pré-contratuais; (iii) o cumprimento de obrigações jurídicas; (iv) o interesse vital do titular dos dados; (v) o exercício de funções de interesse público ou o exercício de autoridade pública; e (vi) o interesse legítimo.

Quando esteja em causa o tratamento de categorias especiais de dados (origem racial ou étnica, convicções religiosas, dados genéticos, dados biométricos, dados relativos à saúde), é ainda necessário identificar uma condição específica de entre as previstas no artigo 9.º do RGPD, por exemplo, consentimento explícito, cumprimento de obrigações em matéria de legislação laboral, interesse público no domínio da saúde pública.

Todos os fundamentos são igualmente válidos (desde que aplicáveis).

Não existe um nível hierárquico entre os fundamentos jurídicos.

A mesma operação de tratamento pode basear-se em mais do que um fundamento. Por exemplo, os mesmos dados pessoais podem ser recolhidos para a execução de um contrato e, com base em consentimento, para efeitos de marketing direto. Só é, todavia, possível usar um fundamento para cada finalidade de tratamento. Se determinados dados pessoais são recolhidos, com base em consentimento, para a finalidade de marketing direto, não é possível recorrer ao interesse legítimo para justificar a mesma finalidade.

Esta ainda é uma prática comum e que deve ser revista.

Também é comum e deve ser melhorado o texto das políticas de privacidade, que usualmente mencionam todos os fundamentos, sem referir a que operação específica de tratamento cada fundamento se aplica.

É necessário especificar o fundamento aplicável às operações de tratamento. Caso contrário, não é possível saber que fundamentos legitimam que finalidades e cumprir, de forma cabal, o RGPD, em particular os fundamentos de licitude e o dever de informação.

 

O consentimento livre e o teste de equilíbrio do interesse legítimo

A versão em lígua portuguesa do conceito de consentimento (artigo 4.º ponto 11) do RGPD), deixou de conter a expressão explícita, com a publicação da declaração de retificação de 4 de março de 2021.

«Consentimento» é uma manifestação de vontade livre, específica, informada e inequívoca do titular dos dados. Isto não significa que o consentimento não tenha que ser explícito em determinadas situações, como acontece para o tratamento de categorias especiais de dados.

É ainda comum o consentimento ser posto em causa por práticas pouco transparentes ou a troco de contrapartidas. Por exemplo, a troco de descontos ou outras ofertas comerciais ou até mesmo como condição do acesso a um serviço.

Por outro lado, continuam a existir vários equívocos na utilização do fundamento «interesse legítimo», que se encontra sujeito a um teste individual de equilíbrio. Ou seja, tem de haver um equilíbrio entre os interesses do responsável pelo tratamento e dos titulares dos dados.

Este teste deve ser realizado por cada responsável que pretenda utilizar esse fundamento e requer uma avaliação cuidada, que nem sempre é realizada, tendo em conta (i) o objetivo pretendido, (ii) a necessidade e (iii) o equilíbrio, e que tem de ser feita antes da operação de tratamento.

Se, a partir deste teste, se concluir que (i) a utilização dos dados não é razoável; (ii) os titulares dos dados já não esperariam um tratamento adicional; ou (iii) o tratamento causa danos injustificados, o fundamento «interesse legítimo» não pode ser utilizado. Em contraposição, há situações em que o interesse legítimo pode ser justificado, por exemplo, em situações de marketing, quando estejam em causa produtos e serviços semelhantes a outros já adquiridos e desde que seja assegurado o direito de, a todo o tempo, deixar de receber comunicações («opt-out»), ou quando responsáveis pelo tratamento de um grupo empresarial pretendam transmitir dados no âmbito do grupo de empresas para fins administrativos.

 

Direitos de informação, acesso e portabilidade ainda por assegurar

Na elaboraçao das políticas de privacidade é de evitar a utilização de linguagem jurídica ou muito complexa. O texto deve ser o mais acessível e conciso possível, mas sem deixar de incluir todas as informações relevantes que são recomendadas pelo CEPD, incluindo, o que, na maioria dos casos não ocorre, uma lista das entidades com as quais a empresa partilha os dados.

Por outro lado, quando esteja em causa o tratamento de dados de crianças, a obrigação de prestação de informações, de forma simples e acessível, deve ser ainda mais rigorosa, sob pena de violação do dever de informação.

O exercício de direito de acesso aos dados pessoais encontra ainda vários entraves, havendo uma falta generalizada de mecanismos de acesso eficazes.

A iliteracia digital tão-pouco ajuda ao exercício de direitos pelos utilizadores, que desconhecem os direitos que lhes assistem e sem consciência que dados inferidos, por exemplo, através de visitas a sítios de Internet, da utilização de cookies intrusivos que permitam a geolocalização ou a definição de perfis de comportamento, são também dados pessoais.

O exercício dos direitos dos titulares dos dados deve ser facilitado, em particular o direito de acesso quando estejam em causa tratamentos de dados automatizados, incluindo definição de perfis. As plataformas de Internet têm, todavia, colocado entraves em divulgar perfis de comportamento de utilizadores. Espera-se, no entanto, que o Digital Services Act e o Digital Market Act, ainda em fase de proposta, possam vir a contribuir para alterar a atual realidade. 

Também existem reservas quanto à portabilidade dos dados com a criação de entraves à transmissão dos dados de uma entidade para outra, bem como à anonimização dos dados, em cumprimento dos princípios da minimização dos dados e da limitação da finalidade, mecanismo eficaz para previnir a divulgação não autorizada, a usurpação de identidade e outras formas de utilização abusiva dos dados pessoais.

 

Proteção desde a conceção e por defeito e avaliação de impacto

A adoção destas medidas deve ser acompanhada por uma clara definição do papel dos fabricantes de tecnlogias de informação, ou seja, se atuam como responsáveis pelo tratamento ou subcontrantes. Estes conceitos (de responsável pelo tratamento e subcontratante) são concretizados nas Orientações 07/2020 do CEPD de 2 de setembro de 2020.

A proteção de dados desde a conceção e por defeito pressupõe ainda uma supervisão pelas autoridades de controlo quanto a uma correta utilização de configurações predefinidas pelos principais prestadores de serviços em linha, que estão obrigados a assegurar que, por defeito, só são tratados os dados pessoais que forem necessários para cada finalidade específica do tratamento, bem como que o titular dos dados pode exercer o seu direito de oposição por meios automatizados, quando esteja em causa a utilização de serviços da sociedade da informação.

Sempre que o tratamento dos dados seja suscetível de resultar num elevado risco para os direitos e as liberdades dos indivíduos, é necessário a realizar uma avaliação de impacto sobre a proteção de dados (AIPD).

Um elenco (não taxativo) de operações de tratamento sujeitas a AIPD encontra-se previsto no Regulamento n.º 1/2018 da CNPD. De entre as quais: criação de perfis em grande escala; rastreamento da localização ou de comportamentos; tratamento de dados biométricos para identificação inequívoca de crianças ou trabalhadores; tratamento de categorias especiais de dados ou de dados altamente pessoais com recurso a novas tecnologias.

Uma AIPD pressupõe uma avaliação dos riscos para os direitos e liberdades dos indivíduos e identificar as medidas para fazer face aos riscos. Se a partir da AIPD se concluir que o tratamento resultaria num elevado risco na ausência de medidas, será necessário proceder a uma consulta prévia à CNPD.

Até à data, foram seis as deliberações da CNPD emitidas na sequência de consulta prévia – uma em 2019 e cinco em 2020 –, entre as quais a relativa ao uso da aplicação “StayAway Covid” (Deliberação 277/2020).

 

Transferências internacionais de dados

Na sequência de o Tribunal de Justiça da UE (TJUE) ter considerado inválidos os dois anteriores acordos estabelecidos entre a União Europeia e os Estados Unidos da América – o ”Safe Harbor”, em 2015, e o ”Privacy Shield” em 2020 –, os EUA e a UE anunciaram um acordo preliminar para as transferências de dados e que terá em consideração as preocupações levantadas pelo TJUE.

Em julho de 2020, o TJUE considerou que o Escudo de Privacidade, ao permitir intromissões desproporcionais nos direitos fundamentais dos indivíduos, nomeadamente por agências de segurança norte-americanas, como o FBI e a NSA, não assegurava uma proteção adequada dos dados.

Em questão estava o acesso a dados pessoais transferidos para a sede do Facebook Inc., na Califórnia, através do Facebook Ireland, pelas autoridades públicas dos Estados Unidos.

No mesmo acórdão, o TJUE pronunciou-se sobre a validade das cláusulas contratuais-tipo, uma das soluções alternativas ao Escudo de Privacidade. O TJUE considerou que as cláusulas-contratuais tipo são válidas, mas que a sua utilização, por si só, não asseguraria a licitude das transferências internacionais de dados. O que vale não apenas para as transferências para os Estados Unidos, mas para os países terceiros em geral.

Com este acordo preliminar, os EUA assumiram uma posição sem precedentes, ao introduzir reformas para reforçar a proteção da privacidade e as liberdades civis “aplicáveis a atividades de inteligência de sinais” (“Signal Intelligence Collection”), nomeadamente recolha de e-mails, mensagens de texto e outras comunicações eletrónicas por agências de inteligência.

Para os cidadãos e empresas, este acordo irá trazer claros benefícios, nomeadamente ao constituir uma solução jurídica fiável e duradoura para as transferências de dados entre a UE e os EUA, as quais representam anualmente mais de $1 trilião de Dólares para o comércio transfronteiriço, promovendo uma economia digital mais competitiva e uma forte cooperação económica entre ambos os lados do Atlântico.

 

Implementação do RGPD a diferentes velocidades

A implementação do RGPD não tem sido igual em todos os Estados-membros, variando o nível, grau de maturidade, inclusive das autoridades de controlo (em termos de orientações, prática decisória), e as sanções.

As cinco maiores coimas foram aplicadas pelas autoridades de controlo luxemburguesa (à AmazonEurope S.a.r.l.), irlandesa (ao Whatsapp) e francesa (à Google LLC, ao Facebook Ireland Ltd. e à Google Ireland Ltd.).

Estas cinco coimas perfazem o montante total de cerca € 1,1 mil milhões. 

A falta de fundamento de licitude do tratamento de dados foi a principal violação que motivou as coimas aplicadas, seguindo-se da falta de adoção das medidas técnicas e organizativas adequadas à segurança do tratamento.

Apesar de o RGPD conferir alguma margem de flexibilidade às empresas quanto à escolha dos fundamentos de licitude dos seis possíveis (por exemplo, consentimento ou interesse legítimo; consentimento ou execução de um contrato) ou quanto às medidas de segurança a adotar, é necessário fazer uma escolha consciente e ponderar o seu impacto para o dia-a-dia da empresa, assim como ter um plano de resposta bem definido em caso de violação de dados pessoais.

Se para uma organização de grande dimensão, com mais recursos financeiros e humanos (inclusive um Encarregado de Proteção de Dados), esta tarefa poderá revelar-se mais fácil, para as pequenas e médias empresas nem sempre será assim,

Por outro lado, há setores de atividade/indústrias mais propícias a escrutínio, nomeadamente, as que tratam um elevado volume de dados pessoais, como é o caso das telecomunicações e das plataformas digitais, o que explica, assim, que, de entre as dez maiores coimas aplicadas, três delas dizem respeito a plataformas digitais e uma delas à Telecom Italia. 

 

Ponto da situação em Portugal

Em Portugal, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) é a autoridade nacional de controlo. Nestes quatro últimos anos, a CNPD tem-se deparado com vários desafios, entre os quais: 

  • A tardia aprovação, mais de um ano depois da data de aplicação do RGPD, da lei nacional de execução – a Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto – e que alterou e republicou a lei de organização e funcionamento da CNPD, conferindo-lhe personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, para garantir o regime de independência da CNPD; 
  • Críticas a algumas normas da Lei n.º 58/2019, por considerar que contradizem o RGPD ao abrigo do princípio do primado do Direito da UE e que levaram a CNPD a emitir duas deliberações sobre a necessidade de não aplicação futura de algumas das normas da Lei n.º 58/2019 (Deliberação/2019/494) e a interpretação que faz do artigo 44.º, n.º 2, da Lei n.º 58/2019, quanto à dispensa de aplicação de coimas às entidades públicas (Deliberação/2019/495);
  • A falta de recursos humanos e de meios técnicos para assegurar o exercício cabal das suas competências de orientação prévia, fiscalização e de correção dos tratamentos dos dados; e
  • O contexto pandémico com um aumento exponencial de tratamentos de dados pessoais nas áreas da saúde, laboral e do ensino, em muitos casos sem enquadramento legal direto e com impacto significativo no dia-a-dia dos cidadãos, e que exigiu um acompanhamento e análise contínuos pela CNPD.
 

Em 2020, a CNPD aprovou sete orientações, em particular, sobre a recolha de dados de saúde dos trabalhadores, utilização de tecnologias de suporte do ensino à distância, medição da temperatura corporal, e emitiu três deliberações no âmbito da averiguação e de avaliação de impacto de proteção de dados, em particular quanto à aplicação de rastreio STAYAWAY COVID.

Estes números contrastam com os de 2021. Da informação disponível no sítio de Internet da CNPD não constam orientações e deliberações no âmbito da averiguação e de avaliação de impacto no último ano.

A CNPD emitiu, todavia, um regulamento relativo aos requisitos adicionais de acreditação para os organismos de certificação – o Regulamento n.º 834/2021 –, bem como uma diretriz sobre comunicações eletrónicas de marketing direto dado o número crescente de participações de cidadãos relacionadas com comunicações eletrónicas não solicitadas para fins de marketing direto – a Diretriz/2022/1.

 

Coimas aplicadas pela CNPD (2018-2021)

De acordo com dados recentemente divulgados pela CNPD, os processos de averiguações, violações de dados e coimas atingiram números máximos no quarto ano de aplicação do RGPD.

Em 2021, a autoridade de controlo registou um total de 318 notificações de violação de dados pessoais. De entre essas notificações, 250 foram no setor privado e 68 no setor público. No setor privado, a maior prevalência ocorreu na área de comércio e serviços (78 notificações), seguida da banca e seguros (42); e no setor público, relevaram os incidentes na administração local (27) e no ensino superior (24).

O maior aumento ocorreu, todavia, no âmbito da aplicação de coimas.

Em 2021, a CNPD aplicou 60 coimas, que representaram um valor total de 1,49 milhões de euros, o que incluiu sanções aplicadas ao abrigo do RGPD e da lei da privacidade nas comunicações eletrónicas, nomeadamente por violação das regras relativas a publicidade não solicitada e gravações de chamadas telefónicas.

Este valor contrasta com as 15 coimas aplicadas em 2020, no valor de 47 mil euros, e as 34 de 2019, num valor de cerca de 600 mil euros, sendo que apenas sete destas sanções foram infrações ao RGPD (410 mil euros) e as restantes foram aplicadas ao abrigo da anterior legislação. No ano de 2018 a contar da data de aplicação do RGPD, a CNPD aplicou 22 coimas, que ascenderam a 408 mil euros.

Desde 25 de maio de 2018, as coimas aplicadas pela CNPD representam um total de 131 coimas, que originaram mais de 2,54 milhões de euros.

Nos primeiros meses de aplicação do RGPD, a CNPD aplicou logo uma coima, no valor de € 400.000, ao Centro Hospital Barreiro-Montijo, deixando claro que as entidades públicas não ficariam a coberto de uma dispensa de aplicação de coimas ao abrigo do RGPD, embora a prática da infração em causa tivesse sido anterior à aplicação do RGPD. 

De forma coerente, o ano que passou ficou marcado por mais uma coima exemplar a uma entidade pública. Em janeiro de 2022, a CNPD aplicou uma coima no valor de 1,25 milhões de euros ao Município de Lisboa por envio de dados de ativistas às autoridades russas. Fazendo lembrar, mais uma vez, que nenhuma entidade se encontra “a salvo” da não aplicação do RGPD.

 

Próximos desafios – em geral

Ao longo dos últimos anos, as tecnologias digitais têm vindo a transformar a economia e a sociedade, afetando todos os setores de atividade e o dia-a-dia dos cidadãos à escala mundial. Os dados em geral e os dados pessoais em particular estão no centro desta transformação, que tem sido acompanhada por vários desafios, sobretudo no contexto de uma economia digital.

Adensa-se, por isso, a necessidade de uma rigorosa aplicação do RGPD e a sua inevitável articulação com legislação em domínios como os da publicidade em linha, do microdirecionamento e da definição algorítmica de perfis, da classificação, disseminação e amplificação de conteúdos pelas plataformas digitais, e o da cibersegurança.

O RGPD, que oferece as “linhas mestras” para a proteção dos dados pessoais e privacidade, não está (e não deve estar) isolado, como, alias, demonstram as recentes iniciativas legislativas da UE que, de uma forma ou outra, têm impactos na proteção de dados. Disso são exemplos as propostas de Regulamento de Governação de Dados, dos Serviços Digitais (Digital Services Act) e do Mercado Digital (Digital Market Act), do regulamento relativo à privacidade nas comunicações eletrónicas (e-privacy), do regulamento sobre a abordagem europeia para a inteligência artificial.

Um dos próximos desafios para a proteção de dados será o da articulação entre as diferentes iniciativas legislativas e o de conseguir alcançar a desejável coerência, que não será fácil com tantos interesses em jogo – o dos “utilizadores digitais” (consumidores), das plataformas digitais com diferentes dimensões e independências entre si, das empresas de marketing e publicidade e do mercado em geral – e a criação de entraves a uma sã concorrência.

A articulação entre o regime da proteção de dados e a defesa da concorrência será outro dos desafios, com a necessidade de adaptação das regras de concorrência à economia digital, em particular em matéria de acordos restritivos/práticas concertadas e abusos de posição dominante.

Estamos na “era dos dados”, pelo que velhos e novos desafios serão, de certo, uma constante e o difícil será mesmo a legislação de proteção de dados conseguir acompanhar o ritmo do desenvolvimento tecnológico.

 

Próximos desafios – no contexto nacional

A implementação do RGPD não é uma tarefa fácil e deve ser transversal a todas as organizações, não podendo ficar-se pela publicação de um conjunto de políticas e códigos e meras alterações formais, sem qualquer adesão ao contexto organizacional e envolvimento dos colaboradores.

Em qualquer circunstância, a implementação do RGPD nunca poderá ser resolvida por uma só pessoa – o Data Protection Officer (DPO) –, sem a participação ativa e proativa dos demais colaboradores e sem que a organização esteja ciente ou preparada para alterar padrões de comportamento, a sua cultura organizacional.

A função de DPO é difícil e exigente. Os DPOs têm de ter experiência, têm de ter formação, têm de se atualizar permanentemente, têm de ter ajuda externa, têm de ter a colaboração, o respeito e a ajuda dos demais colaboradores da organização.

Em muitos casos, a função de DPO é desempenhada por colaboradores da própria organização, que acumulam essa função com outras funções que já desempenhavam originalmente e que por uma questão de necessidade e de poupança de recursos se veem obrigados a aceitar.

Por contraposição, o papel dos restantes colaboradores é, não raras vezes, insuficiente ou quase inexistente em matéria de proteção de dados, correndo a organização o sério risco de acabar por falhar e, desta forma, todos falham.

Está em causa, sobretudo, um questão de falta de “cultura” das organizações. Ou seja, muitas organizações públicas e privadas habituaram-se a fazer o que sempre foi feito, porque sempre foi feito assim, o que lhes dá uma ilusão de segurança, que é, na verdade, uma falsa segurança. O facto de ter sido sempre assim, feito pelas mesmas pessoas ou por outras que as antecederam na função, acabando por se transformar num processo mecânico, sem qualquer espírito crítico (ou autocrítico), não está bem e acaba por contaminar a organização e uma cultura de impunidade.

As questões associadas à proteção de dados pessoais (que sempre existiram, mas para as quais as pessoas não estavam alerta ou não lhes davam a devida importância) são propícias a encaixar-se nesse padrão de comportamento ainda recorrente nas organizações nacionais, sem nunca fazerem uma avaliação independente ou sequer uma autoavaliação, e sujeitando-se, assim, a pesadas sanções (não apenas financeiras, mas também reputacionais), que poderiam ser, à partida, evitadas.

 

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