O Governo apresentou a proposta de Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021). Nesta newsletter resumimos as principais alterações fiscais previstas na proposta do OE 2021.

IRS

Em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRS”), as principais alterações são as seguintes:

  • Redução das retenções na fonte. O Governo pretende reduzir as taxas de retenção na fonte de IRS aplicáveis aos rendimentos de trabalho dependente em 2021, por forma a aproximar o imposto retido ao imposto a pagar a final.
  • Imóveis afetos a atividade empresarial e profissional

- Regra: Exclusão das mais-valias resultantes da afetação de imóvel do património particular do empresário à sua atividade empresarial e profissional e, igualmente, no momento da transferência do imóvel da sua atividade empresarial e profissional para o seu património particular. A mais-valia só é tributada quando o imóvel é alienado a terceiros.

- Exceção: Os ganhos obtidos com a alienação dos imóveis afetos à atividade empresarial e profissional são tributados de acordo com as regras da categoria B, caso a alienação ocorra antes de 3 anos após a transferência para o património particular do sujeito passivo, sendo o valor a considerar aquele que corresponde ao valor de aquisição.

- Exclusão das despesas e encargos com a valorização de bens imóveis suportados no período de afetação dos mesmos à atividade empresarial e profissional para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto.

  • Novas deduções à coleta. Alargamento da dedução de 15% do IVA suportado às atividades de ensino desportivo e recreativo, atividades dos clubes desportivos e de ginásio.
  • Apuramento de mais valias. Apuramento das mais ou menos-valias realizadas em operações entre um sujeito passivo e uma entidade com qual esteja numa situação de relações especiais, devem ser praticadas condições substancialmente idênticas às que normalmente seriam contratados entre entidades independentes em operações comparáveis («Arm's Lenght»).
  • Cálculo das deduções à coleta.Mantém-se o regime transitório que permite que se altere, face aos valores constantes no portal e-fatura, o valor das despesas de saúde, educação, imóveis e encargos com lares, aquando da entrega da declaração de IRS de 2020.

IRC

Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), destacam-se as seguintes alterações:

  • Estabelecimento Estável:

- Lucro tributável. Imputação ao lucro imputável do estabelecimento estável de não residentes de rendimentos derivados da venda a pessoas ou entidades com residência, sede ou direção efetiva em território português de bens ou mercadorias idênticos ou similares aos vendidos através desse estabelecimento estável.

- Prestações de Serviços. Inclusão de atividades de prestação de serviços (incluindo serviços de consultoria) no conceito de estabelecimento estável, desde que, prestados através dos seus próprios empregados/pessoas contratadas, em território nacional, num período que exceda 183 dias, num período de 12 meses com início ou termo no período de tributação em causa

- Agente independente:Inclusão no conceito de estabelecimento estável de quem não seja um agente independente e (i) exerça habitualmente poderes de intermediação e de conclusão de contratos que vinculem a empresa, (ii) exerça habitualmente um papel determinante para a celebração pela empresa de contratos ou (iii) mantenha em território português um depósito de bens ou mercadorias para entrega em nome da empresa.

  • Tributações autónomas. Eliminação do agravamento de 10% nos períodos de tributação de 2020 e 2021 para as cooperativas e micro, pequenas e médias empresas (i) quando tenham obtido lucro tributável em um dos três períodos de tributação anteriores e; (ii) tenham sido cumpridas tempestivamente as obrigações declarativas de entrega das Declarações Modelo 22 e IES dos dois períodos de tributação anteriores. O agravamento não é igualmente aplicável, nos períodos de tributação de 2020 e 2021, quando estes correspondam ao período de tributação de início de atividade ou a um dos dois períodos seguintes.

IVA

Quanto ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), destacam-se a seguintes alterações:

  • Taxas. Aplicação da taxa reduzida de IVA às Máscaras de proteção respiratória e gel desinfetante cutâneo com as especificidades constantes de despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia, das finanças e da saúde.
  • Restituição do IVA. As Instituições de Ensino Superior e entidades sem fins lucrativos do sistema nacional de ciência e tecnologia inscritas no IPTCN, quanto aos instrumentos, equipamentos e reagentes adquiridos no âmbito da sua atividade I&D, desde que o IVA das despesas não se encontre excluído do direito à dedução.
  • IVAucher. Criação de mecanismo que permite ao consumidor final acumular o valor correspondente à totalidade do IVA suportado em consumos nos setores do alojamento, cultura e restauração, durante um trimestre, e utilizar esse valor, durante o trimestre seguinte, em consumos nesses mesmos setores.
  • Isenção na aquisição de bens para combater a Covid-19: isenção de IVA para as transmissões e aquisições intracomunitárias de bens necessários para combater os efeitos do surto de COVID-19 conforme listados na Lei n.º 13/2020, de 7 de maio, quando efetuadas às entidades também aí previstas, até 30 de abril de 2021.

Imposto de Selo, IEC, ISV e IUC

No que diz respeito às alterações em sede de imposto de selo e tributação indireta, prevê-se:

  • Crédito ao Consumo. Aplicação da taxa agravada em 50% em créditos de prazo inferior a um ano, ou naqueles utilizados sob a forma de conta-corrente, descoberto bancário ou outra forma, com prazo de utilização indeterminado.
  • Taxas sobre o álcool nos Açores.Fixação em 50% das taxas em vigor no continente as taxas de imposto sobre licores e os «crème de», aguardentes e rum quando produzidos na Região Autónoma e declarados para consumo no continente.
  • Taxas sobre o álcool na Madeira. Fixação em 50% das taxas em vigor no continente as taxas de imposto sobre o «rum da madeira» e licores e «crème de» quando produzidos na Região Autónoma e declarados para consumo no continente.
  • Biocombustíveis.Isenção total do imposto os biocombustíveis avançados, desde que certificados com o Título de Biocombustível (TdB), bem como os gases de origem renovável, desde que certificados com Garantia de Origem (GO).
  • Cigarros. Alteração à fórmula de cálculo do imposto mínimo total de referência passando a levar em conta o preço médio ponderado dos cigarros introduzidos no consumo.
  • Produtos petrolíferos e energéticos. Exclusão parcial da tributação em sede de ISP de produtos utilizados na produção de eletricidade, calor ou de gás de; prevendo-se um progressivo aumento da taxa aplicável a partir do dia 1 de janeiro de cada ano.
  • ISV. A Taxa aplicável na admissão de veículos usados provenientes da União Europeia passa a levar em conta a componente ambiental. 
  • IUC.  Isenção de 50% do imposto os veículos de categoria C, com peso bruto superior a 3500 kg, desde que se encontrem exclusivamente afetos à atividade de artes do espetáculo.

IMT e IMI

Em matéria de IMT, destaca-se a integração no conceito de transmissão de bens imóveis a aquisição de ações em sociedades anónimas (desde que não sejam sociedades com ações admitidas à negociação em mercado regulamentado), quando esse ativo consubstancie mais de 50% de bens imóveis da sociedade situados em Portugal e:

  • Não estejam diretamente afetos a uma atividade agrícola, industrial ou comercial; e
  • A aquisição resulte na disposição, por algum dos acionistas, de pelo menos 75% do capital social, ou o número de sócios se reduza a dois casados/unidos de facto.

Passa também a estar sujeita a IMT a outorga de procuração irrevogável que confira poderes de alienação de 75% ou mais das partes de capital em sociedades anónimas, nas condições acima referidas.

Quanto ao IMI, aplica-se uma isenção deste imposto a prédios com um Valor Patrimonial Tributário igual ou inferior a €66.500, de sujeitos passivos com um rendimento bruto total do agregado familiar igual ou inferior a €15.295, relativamente aos prédios urbanos que estejam efetivamente afetos a habitação permanente dos herdeiros. A isenção é aplicada à quota-parte dos herdeiros que estejam identificados na matriz predial e, relativamente aos quais ou aos respetivos agregados familiares, se verifiquem os pressupostos.

Código Fiscal do Investimento

Em relação ao Código Fiscal do Investimento (“CFI”), a principal alteração proposta é a que se segue:

  • Despesas Dedutíveis: Consideram-se dedutíveis as participações no capital de instituições de investigação e desenvolvimento e contribuições para fundos de investimentos, que realizem investimentos de capital próprio e de quase-capital, em empresas dedicadas sobretudo a investigação e desenvolvimento.

Outras disposições de caráter fiscal

São introduzidas as seguintes alterações ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”):

  • Donativo a entidades hospitalares e artísticas. Consideração enquanto custos ou perdas do exercício, até ao limite de 8/1000 do volume de vendas ou dos serviços prestados, os donativos atribuídos às Entidades hospitalares, EPE. e a entidades que desenvolvam atividades predominantemente de caráter cultural e artístico.
  • Deduções à coleta. Quando o valor anual dos donativos seja superior a €50 000,00 e a dedução não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta ou por se ter atingido o limite máximo  de dedução aplicável (15% do valor da coleta ), a importância ainda não deduzida pode sê-lo nas liquidações dos três períodos de tributação seguintes, até ao limite de 10% da coleta de IRS apurada em cada um dos períodos de tributação.
  • Mecenato cultural extraordinário para 2021. Majoração em 10 ou 20 pontos percentuais (conforme tenham ou não conexão com territórios do interior) de donativos no Mecenato Cultural desde que (i) o montante anual seja de valor igual ou superior a €50.000,00 por entidade beneficiária; (ii) o donativo seja dirigido a ações ou projetos na área da conservação do património ou programação museológica; e (iii) as ações ou projetos sejam previamente reconhecidos por despacho dos membros do Governo.
  • Donativos atribuídos a favor da Estrutura de Missão para a Presidência do Conselho da União Europeia: Durante o respetivo mandato, são enquadráveis no regime do mecenato.
  • Incentivo às ações de eficiência coletiva na promoção externa. As despesas suportadas por micro, pequenas ou médias empresas residentes em território português e os não residentes com estabelecimento estável nesse território no âmbito de participação conjunta em projetos de promoção externa, concorrem para a determinação do lucro tributável em valor correspondente a 110% do total de despesas elegíveis incorridas nos períodos de tributação de 2021 e 2022.
  • Incentivo à manutenção de postos de trabalho. As Grandes empresas que exerçam a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial ou industrial, e que tenham registado um resultado líquido positivo no período contabilístico respeitante  ao ano civil de 2020, apenas podem beneficiar de apoios públicos e incentivos fiscais (tais como Remuneração Convencional do Capital Social, RFAI, SIFIDE II e CFEI II) caso, durante  o ano de 2021, mantenham o nível de emprego.

Autorizações legislativas

O OE 2021 prevê as seguintes autorizações legislativas:

  • Bens e serviços sujeitos a taxa reduzida: Fica o Governo autorizado a proceder à alteração das verbas 2.6, 2.8, 2.9 e 2.30 da Lista I anexa ao Código do IVA.
  • Programa de Valorização do Interior. Fica o Governo autorizado a criar um regime de benefícios fiscais no âmbito do «Programa de Valorização do Interior» aplicável a sujeitos passivos de IRC em função dos gastos resultantes de criação de postos de trabalho em territórios do interior.
  • Planos de Poupança Florestal. Fica ao Governo autorizado a criar um regime de benefícios fiscais que sejam regulamentados ao abrigo do «Programa para Estímulo ao Financiamento da Floresta» a que se refere a Resolução do Conselho de Ministros n.º 157-A/2017, de 27 de outubro.

No contexto da pandemia COVID-19, foram aprovadas em Conselho de Ministros um conjunto de orientações e recomendações relativas à organização do trabalho na Administração Pública.

O novo diploma prevê a implementação pelos empregadores públicos de medidas que proporcionem ao trabalhador condições de segurança e saúde adequadas à prevenção de riscos de contágio da doença, consagrando um regime excecional e temporário que contempla o desfasamento de horários.  

Medidas a adotar pelo empregador público

Entidades abrangidas

Órgãos, serviços e outras entidades com locais de trabalho, incluindo áreas comuns, instalações de apoio e zonas de acesso, em que se verifique a prestação de trabalho, em simultâneo por mais de 50 trabalhadores.

Medidas a adotar

Medidas técnicas e organizacionais que garantam o distanciamento físico e a proteção dos trabalhadores e que evitem a aglomeração, nomeadamente:

  1. Desfasamento de horas de entra e saída de diferentes equipas ou departamentos com horários semelhantes, com intervalos mínimos de 30 minutos entre si até ao limite de uma hora;
  2. Constituição de equipas de trabalho estáveis, evitando o contacto entre trabalhadores de equipas ou unidades orgânicas diferentes;
  3. Alternância de pausas para descanso, incluindo refeições entre equipas ou departamentos.
  4. Possibilidade de adoção do regime de teletrabalho, sendo possível a realização as funções fora do local de trabalho;
  5. Organização de escalas de rotatividade, diárias ou semanais, entre o regime de teletrabalho e o trabalho prestado no local de trabalho habitual.

Alteração de horários

Sendo necessário, o empregador público pode alterar os horários de trabalho, até ao limite máximo de uma hora, salvo se tal causar prejuízo sério ao trabalhador.

A alteração deve ser precedida de consulta prévia aos trabalhadores envolvidos e manter-se estável por períodos mínimos de uma semana, não podendo o empregador efetuar mais de uma alteração por semana e devendo fazê-lo sempre com pelo menos cinco dias de antecedência.

A alteração do horário de trabalho não pode implicar a alteração dos limites máximos do período normal de trabalho, diário e semanal, nem a alteração da modalidade de trabalho de diurno para noturno ou vice-versa.

O novo diploma considera que existe “prejuízo sério”, nomeadamente, nas seguintes situações:

  1. Inexistência de transporte coletivo de passageiros que permita cumprir o horário de trabalho em razão do desfasamento;
  2. Assistência inadiável e imprescindível à família.

Trabalhadores dispensados

A imposição dos horários de trabalho não será aplicável de forma obrigatória:

  1. Aos trabalhadores com menores de 12 anos a seu cargo, a quem é reconhecido o direito de dispensa da alteração; e
  2. À trabalhadora grávida, puérpera e lactante, ao trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica, a quem é reconhecido o direito de dispensa dos novos horários fixados pelo empregador público.

As novas orientações são aplicáveis ainda aos trabalhadores com vínculos de emprego público a termo resolutivo certo ou incerto, a trabalhadores a tempo parcial e a prestadores de serviço que estejam a prestar atividade nos órgãos, serviços e outras entidades da Administração Pública, incluindo a execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só podem ser efetuados fora do período de funcionamento dos serviços, sendo seu o cumprimento da responsabilidade dos empregadores públicos.

Em suma: com o novo diploma, o Governo procurou estender à Administração Pública as orientações fixadas em matéria de organização do trabalho no setor privado, por via de anteriores resoluções do Conselho de Ministros aprovadas no âmbito da pandemia.

Na sequência do conjunto de medidas adotadas no âmbito da pandemia COVID-19, foi aprovada em Conselho de Ministros uma proposta de alteração do Apoio Extraordinário à Retoma Progressiva, regulado pelo Decreto-Lei n.º 46-A/2020, de 30 de julho.

As principais alterações propostas são as seguintes:

(i) Novas percentagens de redução do período normal de trabalho

Ao contrário do regime atualmente em vigor que apenas permite uma redução máxima do período normal de trabalho de 60%, para empresas com quebra de faturação igual ou superior a 60%, a nova proposta estabelece a possibilidade de as empresas com quebras de faturação igual ou superior a 75% reduzirem o período normal de trabalho (PNT) até 100%. Ao trabalhador é sempre garantido o mínimo de 88% da retribuição, assegurando a Segurança Social o pagamento de 100% da compensação retributiva. Para as empresas que registem uma quebra de faturação igual ou superior a 75% está ainda prevista uma dispensa parcial de 50% da contribuição da entidade empregadora para a Segurança Social.

(ii) Novo conceito de crise empresarial

O regime passa a abranger empresas com as seguintes quebras de faturação relativamente ao mês homólogo do ano anterior ou face à média mensal dos dois meses anteriores:

  • Quebra de faturação ≥ a 25%: redução do PNT até 33%;
  •  Quebra de faturação ≥a 40%: redução do PNT até 40%;
  •  Quebra de faturação ≥a 60%: redução do período PNT até 60%;
  • Quebra de faturação ≥a 75%: redução do PNT até 100%.

(iii) Aumento dos apoios à formação dos trabalhadores

A proposta de alteração ao diploma consagra ainda um aumento do valor da bolsa para o plano de formação. Por um lado, o valor atualmente previsto para o empregador de €66,00 é aumentado para €132,00. Por outro lado, no que diz respeito ao trabalhador o valor é aumentado de €66,00 para €176,00.

Em suma: A nova proposta de alteração vai no sentido de reforçar os apoios aos setores em maior dificuldade, alargar o acesso a mais empregadores, fortalecer os incentivos à formação e os apoios complementares dirigidos aos empregadores.

O Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) pronunciou-se recentemente sobre o conceito de residência a levar em consideração perante sujeitos passivos cuja atividade, vínculo profissional e rendimentos não tenham ligação com o território português, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 6 de outubro de 2020.

Até agora, era frequente a Autoridade Tributária considerar que bastaria que algum dos elementos a quem incube a direção do agregado familiar tivesse a sua residência em Portugal, para que todos os restantes fossem considerados residentes, mesmo que não apresentasse qualquer outro tipo de vínculo para com este território.

No arresto em causa, debateu-se o critério de definição de residência a adotar, tendo sido discutido duas teses: por um lado, a prevalência do princípio da residência por dependência que implicava a residência do contribuinte quando os familiares residissem em Portugal, por outro a prevalência dos critérios definidos pelas convenções internacionais celebradas por Portugal.

O STA pronunciou-se no sentido de que as normas convencionais de direito internacional devem prevalecer sobre o direito interno, por força do primado do direito internacional, nos termos do número 1 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa e do número 1 do artigo 1.º da Lei Geral Tributária.

Considerou ainda o STA que o sentido conferido ao conceito de «residência por dependência», pelo antigo número 2 do artigo 16.º do Código do IRS não poderia sobrepor-se ao conceito de residência resultante de disposições convencionais, que seguem o artigo 4.º da Convenção Modelo da OCDE, dada a supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário.

Apesar de este artigo 4.º remeter a definição do conceito convencional de residência para a legislação interna dos Estados contratantes, entendeu o STA que esta não deverá ser feita de forma incondicional, na medida em que pressupõe que a análise da questão da residência seja feita individualmente, pessoa a pessoa, abstraindo-se da situação familiar do sujeito em causa.

Desta forma, o conceito de residência para efeitos de aplicação do direito interno só será aplicável nas situações em que apenas existem elementos de conexão com a ordem jurídica portuguesa ou nas situações em que, havendo  conexões com outros ordenamentos, não há vinculação por via de convenção celebrada entre o  Estado Português e o Estado com o qual essa conexão se verifica.

Terminada esta divergência jurisprudencial, a partir de hoje dúvidas não restam de que o conceito convencional de residência constante das Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas por Portugal se sobrepõe às normas de direito interno, pelo que a residência fiscal não poderá ser determinada exclusivamente pela situação familiar do contribuinte.

2020-10-06

Guilherme Machado Dray, sócio e advogado na Macedo Vitorino & Associados, foi nomeado e confirmado para o Board of Directors da Portuguese American Bar Association (PABA).

É o segundo ano consecutivo em que Guilherme Machado Dray é nomeado para um órgão desta associação.

A associação luso-americana de advogados e profissionais do Direito foi criada em 2018 e tem o intuito de aprofundar o Estado de Direito e as profissões jurídicas e garantir maior proximidade entre as comunidades jurídicas dos Estados Unidos da América e de Portugal, fortalecendo os laços de cooperação entre ambos os países.

Constituída no âmbito da PALCUS - The Portuguese-American Leadership Council of the United States, que tem por missão promover a comunidade luso-descendente dos Estados Unidos da América a nível económico, profissional, cultural e político, a PABA visa apoiar iniciativas em ambos os países que fortaleçam a cooperação e apoiem as próximas gerações de estudantes de Direito e de juristas luso-americanos.

Conheça a lista completa dos membros aqui

No contexto da pandemia COVID-19, foi publicado um novo diploma (Decreto-Lei n.º 79-A/2020, de 1 de outubro) que consagra regras de organização e minimização de riscos no âmbito das relações laborais.

O novo diploma prevê a implementação pelas empresas de medidas de desfasamento de horários de entrada e saída dos trabalhadores nos locais de trabalho, de modo a evitar ajuntamentos de pessoas na realização do trabalho presencial, bem como o desfasamento de horários de refeições e pausas, estabelecendo um regime excecional e transitório de reorganização do trabalho. Relativamente às áreas territoriais definidas pelo Governo em diploma próprio, o novo regime passa a ser obrigatório, salvo se tal situação se afigurar manifestamente impraticável.

EMPRESAS ABRANGIDAS

Empresas com locais de trabalho em que se verifique a prestação de trabalho em simultâneo por mais de 50 trabalhadores. No entanto, estão excluídas do âmbito de aplicação do diploma, os estabelecimentos de educação e ensino, bem como as creches.

MEDIDAS A ADOTAR

  • Organização de horas de entrada, saída, pausas, ou trocas de turno de forma desfasada;
  • Medidas técnicas e organizacionais que garantam o distanciamento físico e a proteção dos trabalhadores e que evitem a aglomeração, nomeadamente:
  1. Desfasamento de horas de entra e saída de diferentes equipas ou departamentos com horários semelhantes, com intervalos mínimos de 30 minutos entre si até ao limite de uma hora;
  2. Constituição de equipas de trabalho estáveis, evitando o contacto entre trabalhadores de equipas ou departamentos diferentes;
  3. Alternância de pausas para descanso, incluindo refeições entre equipas ou departamentos;
  4. Promoção do trabalho em regime de teletrabalho, sempre que a natureza da atividade o permita;
  5. Utilização de equipamento de proteção individual adequado, nas situações em que o distanciamento físico seja manifestamente impraticável em razão da natureza da atividade.

ALTERAÇÃO DE HORÁRIOS

Sendo necessário, o empregador pode alterar unilateralmente os horários de trabalho, salvo se tal causar prejuízo sério ao trabalhador.

A alteração deve ser precedida de consulta prévia aos trabalhadores envolvidos e à comissão de trabalhadores, afixando na empresa os novos horários com antecedência mínima de cinco dias relativamente ao início da sua aplicação.

A alteração do horário de trabalho não pode implicar a alteração dos limites máximos do período normal de trabalho, diário e semanal.

O empregador deve manter a alteração efetuada ao horário de trabalho estável por períodos mínimos de uma semana, não podendo efetuar mais de uma alteração por semana.

O novo regime considera a existência de “prejuízo sério”, nomeadamente nas seguintes situações:

  1. Inexistência de transporte coletivo de passageiros que permita cumprir o horário de trabalho em razão do desfasamento;
  2. Assistência inadiável à família.

TRABALHADORES DISPENSADOS

A imposição unilateral dos horários de trabalho não será aplicável de forma obrigatória:

  1. aos trabalhadores com menores de 12 anos a seu cargo, a quem é reconhecido o direito de recusar a alteração; e
  2. à trabalhadora grávida, puérpera e lactante, ao trabalhador menor, ao trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica, a quem é reconhecido o direito de dispensa dos novos horários fixados pelo empregador, quando os mesmos sejam possam prejudicar a sua saúde ou segurança no trabalho.

O novo regime é aplicável ainda aos trabalhadores temporários e prestadores de serviços, sendo a sua aplicação da responsabilidade da empresa utilizadora ou beneficiária final dos serviços prestados.  Incumprindo as novas medidas, as empresas incorrem numa contraordenação muito grave, punidas nos termos gerais do Código do Trabalho.

O novo regime é aplicável enquanto permanecer, em razão da pandemia, a declaração de estado de contingência, emergência ou calamidade em qualquer parcela do território nacional.

Em suma: com as novas medidas de desconfinamento, o Governo optou por adotar regras específicas e mais restritas para o regresso ao trabalho nas áreas com maior risco de contágio e determinadas em Conselho de Ministros (atualmente, as Metropolitanas de Lisboa e do Porto), determinando o desfasamento de horários de entrada e saída nos locais de trabalho, bem como dos horários e refeições, de forma a evitar a concentração de pessoas.

O Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 78-A/2020, através do qual procedeu a uma nova extensão do prazo da moratória pública para particulares e empresas, de 31 de Março de 2021 para 30 de setembro de 2021, alterando assim pela quarta vez o Decreto-Lei n.º 10-J/2020.

A nova extensão da moratória tem, porém, regras distintas no que se refere a capital e juros.

Assim, em regra, a partir de 1 de abril de 2021, apenas fica suspenso o pagamento do capital em dívida, o que significa que as entidades beneficiárias terão de suportar os juros a partir desse dia.

No entanto, os seguintes créditos poderão continuar a beneficiar da suspensão do pagamento de capital e de juros:

  • Crédito hipotecário, bem como a locação financeira de imóveis destinados à habitação;
  • Crédito aos consumidores, nos termos do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 junho, na sua redação atual, para educação, incluindo para formação académica e profissional; e
  • Créditos contratadas pelas empresas dos sectores mais afetados pela pandemia, cuja atividade principal esteja abrangida pela lista de CAE constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 78-A/2020.

As empresas cuja atividade principal esteja abrangida pela lista de CAE constante do anexo ao Decreto-Lei n.º 78-A/2020 beneficiam ainda de uma extensão da maturidade dos seus créditos, pelo período de 12 meses, que acresce ao período em que esses créditos foram diferidos por efeitos do regime da moratória.

Contudo, esta extensão da maturidade cessa imediatamente, retomando-se, nesse caso, o perfil original de reembolso acrescido do período em que esses créditos foram diferidos por efeito do decreto-lei, no caso de (i) incumprimento, por parte da entidade beneficiária, de qualquer obrigação pecuniária perante qualquer instituição, ou (ii) em caso de execução, por terceiro, de qualquer obrigação pecuniária da entidade beneficiária ou em caso de arresto ou qualquer ato de apreensão judicial dos bens da referida entidade.

A partir de 1 de outubro cessa o regime da moratória, sendo a partir dessa data devido o reembolso do capital e dos juros.

Apesar de a extensão suplementar se aplicar automaticamente às entidades já abrangidas pela moratória, aquelas que não pretendam beneficiar da moratória, deverão comunicar essa intenção à instituição bancária no prazo mínimo de 30 dias anteriores à data em que pretendem fazer cessar os respetivos efeitos.

Por outro lado, as novas regras estabelecem a cessação dos efeitos da moratória caso a entidade beneficiária distribua lucros, reembolse créditos aos sócios ou adquirira ações ou quotas próprias.

Não obstante a extensão da moratória, o prazo de adesão (30 de setembro de 2020) manteve-se inalterado.

A querela jurisprudencial sobre a questão de saber se a atividade de alojamento local exercida em fração de prédio em propriedade horizontal destinada a habitação no respetivo título constitutivo se enquadra no conceito de habitação ou configura uma atividade comercial que viola aquele título constitutivo, teve um novo desenvolvimento.

Em acórdão de 23 de janeiro deste ano, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a indicação, no título constitutivo da propriedade horizontal, do destino das frações como sendo habitação não deve ser visto como mera repetição do indicado na autorização de utilização – desde logo, porque é menção facultativa – e que, pelo contrário, significa “para qualquer potencial adquirente das referidas frações (…) que a sua função económico-social é a de servir de fogos ou de residência para pessoas e agregados familiares, proporcionando-lhes o sossego, a tranquilidade, a segurança e o conforto requeridos por qualquer economia doméstica, num envolvente espaço comum instrumental desse tipo de convivência coletiva”.

Na apreciação que faz da atividade de alojamento local, o STJ concluiu que se trata de uma atividade comercial, sendo “artificioso dizer que essa atividade não é exercida pelo condómino na respetiva fração, quando o é precisamente mediante a utilização económica dessa fração, ao proporcioná-la onerosamente a terceiros”, e salientando que “uma vivência habitacional é essencialmente diversa da sua utilização em alojamento de terceiros (…).” que se caracteriza pela existência de “sucessivos e diversos utilizadores, transitórios”.

O STJ entendeu, ainda, que o facto de, para efeitos de registo do alojamento local, apenas se exigir a autorização de utilização e não o título constitutivo da propriedade horizontal não significa que o alojamento local integre o conceito de habitação. Significa, apenas, “que o legislador, em sede de registo dos estabelecimentos de alojamento local, teve como compatível com a atividade de alojamento local a mera existência de licença de construção ou de autorização de utilização para habitação, enquanto uso urbanístico.” (sublinhado nosso).

Referiu ainda o STJ que é em função do fim ou destino das frações configurado no título constitutivo da propriedade horizontal que cada condómino tem o direito de se opor a que qualquer das frações dos restantes condóminos seja usada para fim diverso do que lhe é destinado naquele título e que o facto de um condómino não poder usar a sua fração para esse outro fim diverso não afeta o seu direito de propriedade privada, pois este não é um direito absoluto.

Pelas razões acima resumidas, concluiu o STJ que na fração em causa não poderia ser desenvolvida a atividade de alojamento local por ser contrária ao fim habitacional a que se destinava a fração previsto no título constitutivo da propriedade horizontal.

A Lei 45/2020, de 20 de agosto modificou  a Lei 4-C/2020, de 6 de abril com alterações ao regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida em contratos de arrendamento para fins não habitacionais. Este regime aplica-se também aos conjuntos comerciais em tudo o que não estiver abrangido pelo artigo 168-A, n.º 5 da Lei do Orçamento de Estado.

Os estabelecimentos abertos ao público encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas e que não se insiram em conjuntos comerciais, podem diferir o pagamento das rendas vencidas (i) nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente; (ii) nos meses em que seja determinado o encerramento das suas instalações ou suspensão da respetiva atividade; e (iii) nos três meses subsequentes ao mês em que ocorra o levantamento da imposição do encerramento das suas instalações ou da suspensão da respetiva atividade.  O diferimento não se aplica às rendas que se vençam após 31 de dezembro de 2020.

O período de regularização da dívida resultante do diferimento foi aumentado para 24 meses, tendo agora início em 1 de janeiro de 2021 e termino em 31 de dezembro de 2022. O pagamento dos montantes diferidos deverá, assim, ser efetuado em 24 prestações sucessivas no valor correspondente a 1/24 do montante diferido, as quais deverão ser liquidadas juntamente com a renda ou, nos casos de renda não mensal, até ao 8.º dia de cada mês.

O arrendatário que queira beneficiar deste regime, deverá comunicá-lo ao senhorio, por carta registada com aviso de receção, até 5 dias antes do vencimento da primeira renda a que pretenda aplicá-lo. Este dever de comunicação apenas existe para as rendas que se vençam entre 1 de julho de 2020 e 31 de dezembro de 2020, estabelecendo-se um prazo de 20 dias (que já decorreu, até 21 de agosto) para as rendas vencidas no mês de julho de 2020 (prazo que se pode aplicar também às renda vencidas em agosto). Em alternativa à comunicação, o arrendatário pode submeter ao senhorio uma proposta de acordo de pagamento das rendas vencidas e vincendas, devendo o senhorio comunicar a aceitação ou recusa da proposta do arrendatário no prazo de 10 dias após a respetiva receção, ou em, alternativa, apresentar uma contraproposta.

Deverá, ainda, ter-se em conta, que durante a situação epidemiológica por SARS-CoV-2, o senhorio não poderá executar garantias bancárias pelo incumprimento no pagamento de rendas não habitacionais. No entanto, os senhorios, cujos arrendatários deixem de pagar as rendas ao abrigo deste regime, podem solicitar a concessão de uma linha de crédito com custos reduzidos.

Por fim, prevê-se que os regimes mais favoráveis para o arrendatário resultantes da lei ou acordo celebrado entre as partes (como por exemplo acordos de perdão de dívida) prevaleçam sobre o presente regime.

A Lei 48/2020, de 24 de agosto, veio clarificar o âmbito de aplicação do artigo 74.º do Código do IRS, relativo aos rendimentos produzidos em anos anteriores e, em particular, à entrega de declarações de substituição de IRS.

Em suma, as novas regras vêm corrigir uma questão antiga, relacionada com a cobrança excessiva de IRS a pensionistas que tenham recebido pensões em atraso da Segurança Social.

Muito embora, através da Lei 119/2019, publicada em setembro do ano passado, já se tivesse procedido a uma alteração legislativa com vista a corrigir a situação em causa, permitindo aos lesados apresentar declarações de substituição, a Autoridade Tributária interpretou a norma no sentido de que esta seria apenas aplicável aos rendimentos obtidos a partir de outubro de 2019, vedando o regularização do imposto pago em excesso em anos anteriores.

Até à presente alteração legislativa, os pensionistas que tivessem recebido pensões em atraso em momento anterior a outubro de 2019 e que, por esse motivo, tenham pago não tinham possibilidade de regularizar a sua situação.

As novas normas vieram clarificar o anterior regime, permitindo imputar rendimentos recebidos em anos anteriores ao ano no qual foram recebidos, através da entrega de declarações de substituição relativamente aos anos em causa, regime que será aplicável a rendimentos de pensões pagos ou colocados à disposição também nos anos de 2017 e 2018.

Com vista a regularizar a situação, a nova Lei dispõe que, no prazo de 60 dias após a sua publicação, a Autoridade Tributária (após articulação com a Segurança Social) deverá comunicar por escrito a todos os pensionistas que tenham recebido pensões em atraso antes de outubro de 2019, a possibilidade de retificação das declarações de rendimentos referentes a anos anteriores.