2020-03-03
Guilherme Dray

Publicado na Advocatus.

 

O futuro da negociação coletiva não passa apenas, como tem sido prática, por sindicatos e trabalhadores.

O século passado consagrou a negociação coletiva como um instrumento de paz social e de dignificação do trabalho. O século XXI pode consagrá-la como um mecanismo de responsabilidade social das empresas.

No século passado, os países ocidentais assumiram que a negociação coletiva promove a melhoria das condições de trabalho e é um fator de competitividade económica, tendo os Estados Unidos da América (EUA) desempenhado um papel pioneiro nesse domínio.

Em 1935, quando ficou claro que sem negociação coletiva os tumultos laborais paralisariam a economia, o Congresso aprovou o National Labor Relations Act (NLRA), que consagrou o direito à negociação coletiva (Sec. 7. [§ 157.]). Seguiram-se os países da Europa continental, nomeadamente Portugal. Atualmente, o nosso Código do Trabalho (CT) assume a intenção de promover a negociação coletiva e afirma que as convenções devem ser aplicáveis ao maior número possível de trabalhadores e empregadores (art. 485.º).

Mais do que uma faculdade, a negociação coletiva passou a ser vista como uma obrigação.

Nos EUA, o NLRA consagra a obrigatoriedade de negociação coletiva; no nosso caso, o CT estabelece que o destinatário de uma proposta de convenção coletiva tem o dever de responder, tendo em vista o início das negociações. Em ambos os países, a lei não impõe a celebração de convenções, mas exige que as partes as negoceiem e que o façam de boa fé.

À luz destas regras, as negociações coletivas têm potenciado ao longo dos anos a autorregulamentação de interesses em diversas matérias – organização do tempo de trabalho, política retributiva, categoria e promoções na carreira, direito ao repouso e exercício da atividade sindical.

A segunda década do século XXI promete trazer uma nova dinâmica e um novo desafio à negociação coletiva: o de contribuir para a promoção do bem comum.

Mais uma vez, trata-se de um movimento com origem nos EUA.

No contexto da responsabilidade social das empresas, a sociedade civil e os sindicatos estado-unidenses têm unido esforços e criaram um novo conceito que se tem vindo a impor: o BCG – Bargaining for the Common Good (“negociar para o bem comum”).

O BCG assenta na seguinte premissa: mais do que beneficiar trabalhadores com salários e promoções na carreira, a convenção coletiva pode e deve trazer benefícios para outros stakeholders, nomeadamente a comunidade local, os mais desfavorecidos e o meio ambiente. Os exemplos de práticas adotadas por empresas que aderiram a este movimento são vários: bolsas para estudantes; requalificação de centros escolares; financiamento de obras municipais; práticas amigas do ambiente; ações de voluntariado; cedência de ativos imobiliários para arrendamento a preços sociais; promoção de minorias étnicas; novas políticas de equal pay; entre outras.

O futuro da negociação coletiva passa por aqui – pela conjugação de esforços entre empresas, sindicatos e sociedade civil, tendo em vista a obtenção de benefícios para toda a comunidade e não apenas, como tem sido prática, por sindicatos e trabalhadores.

Por força do BCG, a responsabilidade social das empresas e a negociação coletiva entrecruzaram-se, para (provavelmente) não mais se separarem. Tal como no passado, mais cedo ou mais tarde Portugal seguirá esta nova tendência.

Publicado na Advogar.

 

A adoção pelas empresas de sistemas de remunerações adicionais não pecuniárias aos seus colaboradores, associada à respetiva avaliação de desempenho, tem vindo a intensificar-se. No essencial, trata-se de mecanismos empresariais de valorização dos trabalhadores e de reconhecimento do seu esforço e dedicação através da concessão de benefícios não pecuniários, mas que em última instância os beneficiam.

A par da atribuição de remunerações adicionais, e numa época marcada recentemente por tempos de crise, é importante destacar que os incentivos não têm de ser necessariamente monetários para contribuírem para esse reconhecimento e valorização. É assim que surgem os “fringe benefits”, benefícios extra salariais.

Os fringe benefits que as empresas selecionam para os seus colaboradores têm de ser adaptados às necessidades de cada um. Isso implica a gestão de um grande leque de benefícios que são oferecidos aos colaboradores, muitas vezes mais do que uma vez ao ano.

Entre estes destacam-se, a título exemplificativo, a atribuição aos trabalhadores de planos de saúde, seguros, flexibilidade de horários de trabalho, formação profissional, equipamentos tecnológicos e promoção de exercício físico.

Noutros países, por exemplo na Dinamarca, foi adotada a sesta para quem trabalhe por turnos, em determinadas empresas. No Reino Unido, as empresas apostam no incentivo à bicicleta como meio de transporte dos trabalhadores, com o intuito de estabelecer hábitos de vida mais saudáveis e um menor impacto ambiental.

Estas medidas procuram, por um lado, o reconhecimento pelos trabalhadores de maior credibilidade na administração, o seu reconhecimento e, por outro lado, não implicam necessariamente um grande investimento por parte das empresas. Interiorizando práticas como estas, reduzem a saída de trabalhadores, “não deixando fugir os maiores talentos”, e melhoram a sua produtividade e competitividade.

Neste sentido, consideramos que, em certa medida, e tendo em conta a crescente aposta no equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, é possível que o futuro dos “fringe benefits” passe por uma aposta no reforço das políticas de trabalho parcial e/ou a partir de casa.

Em suma: as empresas procuram oferecer benefícios extrassalariais aos trabalhadores, procurando motivá-los, de modo a que sejam mais produtivos, reconhecendo que “o dinheiro não é tudo” e que mais medidas podem ser tomadas em benefício de ambas as partes, trabalhador e empregador.

Publicado na Advocatus (ECO)

Nos últimos dias, o caso “Luanda Leaks” tem feito correr muita tinta nos meios de comunicação social. Para além dos alegados contornos do caso em questão, o qual envolve várias empresas nacionais, em particular, a EFACEC, NOS, GALP, EuroBic, não se tratando, por conseguinte, de uma matéria do foro exclusivo das autoridades angolanas, uma das mensagens que tem passado é a de que como o óbvio acabou por passar despercebido.

O que falhou afinal? Ou melhor, se quisermos generalizar, o que está a falhar?

Infelizmente, começa a tornar-se hábito que as investigações jornalísticas se substituam a um trabalho que deveria ser feito, a título preventivo, pelas próprias empresas (utilizando recursos internos e externos), e, a título de controlo e supervisão, pelas autoridades competentes.

Para as empresas, não é certamente novidade a necessidade de implementação de princípios, práticas e procedimentos, ao abrigo dos quais se cumpram elevados padrões de ética e profissionalismo, por forma a evitar que possam ser utilizadas ou sujeitas a práticas ilícitas como é o caso, por exemplo, do branqueamento de capitais.

Na sua atuação, a lei impõe que as empresas fiquem sujeitas ao cumprimento de um conjunto de deveres preventivos de controlo, de identificação e diligência e de formação, obviamente, de forma proporcional à sua natureza, atividades, dimensão e complexidade.

Em geral, as empresas estão vinculadas a um dever de adotar medidas de controlo e gestão de riscos, o que pressupõe um prévio procedimento de “Customer Due Diligence” (CDD), para que se institua um procedimento adequado de “Know Your Customer” (KYC).

Um CDD consiste numa análise qualitativa dos riscos de branqueamento de capitais relativamente a determinada pessoa ou entidade, que implica: (i) a identificação e verificação da respetiva identidade; (ii) a identificação e verificação da identidade do seu beneficiário efetivo; (iii) traçar um perfil de risco; e (iv) um controlo contínuo por forma a preservar e atualizar a informação previamente recolhida e que permita identificar e proceder à denúncia de operações suspeitas.

Em complemento aos procedimentos de identificação, que, no caso, por exemplo, das instituições financeiras, devem ser mais rigorosos, é ainda imperativo proceder à obtenção de informação sobre a finalidade e a natureza da relação de negócio, a origem e o destino dos fundos movimentados (em particular, quando o perfil de risco ou as características da operação o justifiquem), bem como a manutenção de um acompanhamento contínuo da relação de negócio.

Há, inclusivamente, situações específicas que devem, de imediato, despoletar controlos reforçados, nomeadamente, quando estão em causa pessoas politicamente expostas (PEP – “Politically Exposed Persons”) e titulares de outros cargos políticos ou públicos, o que é extensível aos seus membros próximos da família, em particular, ascendentes e descendentes diretos em linha reta da PEP.

Todos estes controlos são necessários a fim de assegurar que as operações realizadas no decurso de determinada relação são consentâneas com o conhecimento que uma dada entidade tem das atividades e do perfil de risco da contraparte e, sempre que necessário, da origem e do destino dos fundos movimentados.

Com efeito, neste caso, a pergunta não é, provavelmente, o que falhou, mas antes como falhou? 

A resposta não é certamente unívoca, mas poderá ensaiar-se uma: não foram feitas as perguntas certas, seja lá porque razão foi, e poderão ter sido muitas, desde, por exemplo, a falta de adequação de mecanismos de “compliance”, em particular, nos casos em que há opacidade de informação ou até mesmo formação insuficiente ao nível das práticas instituídas; uma cultura de falta de rigor ou de inércia porque sempre assim foi e até aqui ninguém questionou – como se o decurso do tempo e o enraizamento de determinadas práticas conferissem um selo de validade (e de impunidade) ao que foi feito e será feito no futuro. 

Ora, se não se fazem as perguntas certas, muito dificilmente se obterão as respostas certas. Um sistema de controlo e, em particular, de controlo reforçado não se coaduna com o preenchimento de um formulário “standard”, com múltiplas opções (também elas “standard”), no qual se coloque uma cruz em determinada opção. Por exemplo, “Qual é a origem dos fundos” e de entre o elenco de respostas surge “Dividendos”, “Herança”, “Rendimentos Profissionais”, etc..

Esta prática traduz-se num verdadeiro controlo? Não, claro que não. Obviamente que, formalmente, a empresa pode dizer que cumpriu os deveres de controlo a que se estava obrigada, mas, materialmente, não é verdade.

O “compliance” não se pode limitar a um “compliance” formal, não é suficiente cumprir um conjunto de requisitos formais, que, na prática, desvirtuam o resultado da análise e que são isentos de preocupações de natureza ética, que são fundamentais em uma análise como a que estava em causa.

No caso concreto, estamos a falar de uma pessoa que por ser um descendente direto de uma PEP, era ela própria uma PEP e, portanto, com um perfil de risco que exigia controlos mais reforçados e que se tivessem feito questões mais rigorosas quanto à origem dos fundos e ido ao real cerne da questão. Ou seja, como foi afinal construída a fortuna de Isabel dos Santos?

Para procurar obter as respostas certas, o preenchimento de uma cruz numa opção pré-definida não era certamente, neste caso, como não é em muitos, o meio mais adequado. Isto obriga a que, cada vez mais, as empresas se vejam continuamente obrigadas a avaliar se as práticas adotadas são afinal adequadas.

Para isso, devem recorrer, de forma periódica, a auditorias externas realizadas por terceiras entidades, cujo objetivo não deve ser o de repetir a análise que já foi feita pela própria empresa ou por terceiros, mas identificar lacunas (“gaps”), que permitam à empresa não ficar limitada a uma única opinião e, portanto, viciada quanto à (in)adequação das práticas instituídas.

Anualmente, o objetivo das empresas deveria ser o de contratarem um terceiro isento para a realização de uma auditoria externa com o objetivo único de procurar lacunas. E todos os anos, deveriam repetir o mesmo procedimento, recorrendo sempre a uma terceira entidade distinta da do ano anterior. Só, assim, se garantido a imparcialidade necessária.

Questionar de forma crítica e isenta é importante, sendo caso para dizer que “Quatro olhos veem melhor do que dois”, mas, sem dúvida, que o “Pior dos cegos é aquele que não quer ver”.

 

O presente artigo reflete apenas a opinião pessoal do seu autor, não vinculando a Macedo Vitorino & Associados. As opiniões expressas neste artigo que versem sobre assuntos jurídicos são de carácter genérico, pelo que não deverão ser consideradas como aconselhamento profissional. Caso necessite de aconselhamento jurídico sobre estas matérias deverá contactar um advogado. Caso seja cliente da Macedo Vitorino & Associados, pode contactar-nos através de email dirigido a mva@macedovitorino.com.

A promoção do Desporto é um tema atual e em constante atualização. Historicamente, Portugal tem dedicado atenção à temática, tendo subscrito dois instrumentos internacionais relevantes: a Convenção contra o Doping, iniciativa do Conselho da Europa, em 1994, e a Convenção Internacional contra a Dopagem no Desporto, da UNESCO, em 2007, vinculando-se ao combate à dopagem no Desporto e às práticas antidesportivas.

No âmbito das mais recentes alterações aos instrumentos internacionais que regulam o combate à dopagem no contexto desportivo, foram identificadas necessidades de adequar as normas estabelecidas no ordenamento jurídico português ao Código Mundial Antidopagem, da World Anti-Doping Agency, de 2015.

Neste sentido, no dia 10 de outubro entrou em vigor o novo regime antidopagem no Desporto, a Lei n.º 111/2019, de 10 de setembro.

As recentes alterações permitem, por um lado, o reforço da autonomia das análises laboratoriais de dopagem e, por outro, que a autoridade nacional antidopagem – a Autoridade Antidopagem de Portugal – seja verdadeiramente independente. A lei prevê também a criação do Colégio Disciplinar Antidopagem, a que atribui competência disciplinar.

A legislação nacional acomoda as recomendações internacionais sobre a independência operacional das organizações nacionais antidopagem e sobre a garantia da independência dos órgãos de audição e promoção de decisões em casos antidopagem.

A par das alterações funcionais e de organização, o novo regime prevê maior eficiência nos processos disciplinares bem como a garantia de que as sanções aplicadas estão de acordo com o estabelecido nos instrumentos internacionais.

De entre as novas medidas aprovadas destacam-se ainda a obrigação de as federações desportivas possuírem disposições regulamentares sobre o combate ao doping e a obrigação de publicitação das decisões disciplinares, elemento dissuasor fundamental no combate às práticas antidesportivas.

A função ética e social do Desporto é incompatível com práticas antidesportivas, individuais ou coletivas, que desvirtuam a dignidade e finalidade do desportista e a corrupção da ordem desportiva pública. A lealdade é um valor essencial na prática desportiva e é nesse sentido que se deve compreender o novo regime antidopagem, instrumento relevante no combate ao doping, enquanto problema social relacionado com o Desporto e a atividade física.

Publicado na Advocatus (ECO)

A par do combate à precariedade laboral, a recente reforma do Código do Trabalho teve por objetivo conferir maior dinamismo à negociação coletiva. Isto porque, é reconhecido o papel cada vez mais importante desempenhado pela negociação coletiva na criação de paz social nas relações laborais, na promoção dos direitos dos trabalhadores e na adaptação das empresas à competitividade.

Paralelamente, para além de atribuir maior dinamismo à negociação coletiva, as recentes alterações pretendem também reforçar as estruturas de representação coletiva de trabalho e promover a dimensão coletiva da regulação laboral.

No âmbito desta temática, o pagamento do trabalho suplementar passa a estar incluído na lista de matérias abrangidas pelo “princípio do tratamento mais favorável”[1].

Os IRCT, com esta alteração, passam a só poder regular sobre esta matéria em sentido mais favorável ao trabalhador, ou seja, desde que disponham que o trabalho suplementar é pago pelo valor da retribuição horária com um acréscimo superior aos que estão previstos na lei -  25% pela primeira hora ou fração desta e 37,5% por hora ou fração subsequente, em dia útil, e 50% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em dia de feriado.

As recentes alterações permitem, por outro lado, em caso de caducidade de convenção coletiva, e na ausência de nova convenção ou decisão arbitral, e em caso de ausência de acordo das partes quanto aos efeitos da convenção que permanecem em vigor, que transitem para o contrato individual de trabalho os efeitos já produzidos pela convenção extinta em matéria de parentalidade e de segurança e saúde no trabalho.

A lei prevê também a obrigatoriedade de fundamentação da denúncia de convenção coletiva. A parte responsável pela denúncia passa assim a ter de apresentar à outra parte não só uma proposta negocial global, mas também uma fundamentação quanto a motivos de ordem económica, estrutural ou a desajustamentos do regime da convenção denunciada.

A legislação nacional altera também o regime da adesão individual a convenções coletivas, restringindo-o. Sendo aplicadas, numa empresa, uma ou mais convenções coletivas, o trabalhador não filiado em associação sindical passa a só poder escolher individualmente qual daqueles instrumentos lhe passa a ser aplicável num prazo (antes inexistente) de três meses a contar da entrada em vigor do instrumento escolhido ou do início da execução do contrato de trabalho, se este for posterior.

Para além disso, é estabelecido o prazo máximo de 15 meses para o IRCT escolhido pelo trabalhador lhe ser aplicável, sendo certo que o direito de escolha apenas pode ser exercido enquanto o trabalhador estiver ao serviço do mesmo empregador, ou seja, com contrato de trabalho em vigor, ou de outro a que sejam aplicáveis as mesmas convenções coletivas ou decisões arbitrais.

A par das alterações funcionais e de organização, o novo regime prevê os efeitos da extinção da associação sindical ou de empregadores na vigência dos IRCT que tenham celebrado. Caducam, mas subsistem os efeitos que se manteriam em caso de denúncia. Contudo, não haverá caducidade se for demonstrado que a extinção da associação sindical ou de empregadores ocorreu de modo voluntário para obter a cessação de vigência das convenções coletivas outorgadas.

Em suma: sendo reconhecida a importância da negociação coletiva que, quando equilibrada e bem-sucedida, garante a adaptabilidade da legislação laboral às especificidades das empresas e dos trabalhadores, o legislador procurou dinamizar a sua utilização, criando novas regras nesse sentido.



[1] Este princípio, basilar em Direito do Trabalho, refere-se à norma que estabelece quais as matérias da legislação que só podem ser alteradas através de IRCT, caso este fixe critérios mais favoráveis para o trabalhador do que aqueles que decorrem do Código do Trabalho.

2020-01-06

Publicado na Advogar

As pequenas empresas de base tecnológica (essencialmente chamadas startups) tipicamente empregam poucos trabalhadores. A tecnologia aliada ao esforço empreendedor e aos processos inventivos resulta por vezes em tensão quanto a quem pertencem as invenções que brotam do núcleo empresarial: se à empresa que emprega o inventor, se ao inventor, ou a ambos.

A atividade das empresas de base tecnológica geralmente comporta períodos de criação, confundindo-se a inovação que a empresa apregoa como sua e os direitos sobre as invenções de quem nelas trabalha. Afinal, quem é o titular dos direitos sobre uma invenção no âmbito de uma relação laboral?

A inovação, a invenção e a novidade são realidades que se tocam sem se confundirem. No plano do empreendedorismo, pode dizer-se que são nuancesde um objetivo transversal a todas as startups e mesmo scaleups, mas no plano jurídico os efeitos práticos de cada uma são diversos. Para este efeito, importam-nos as invenções patenteáveis.

A atividade inventiva e a relação laboral, que tem como elemento fundamental a relação de subordinação, são duas realidades aparentemente discordantes, pois que a autonomia criativa parece extrapolar a relação de subordinação e a utilização dos meios do empregador parece tolher a independência do criador.

Neste sentido, o Código da Propriedade Industrial estabelece um regime de exceção aplicável à atividade inventiva no âmbito da execução de um contrato de trabalho. Se, por um lado, a regra geral sobre o direito à patente dita que “[o] direito à patente pertence ao inventor ou seus sucessores por qualquer título”, nos termos do artigo 57.º do Código da Propriedade Industrial, o mesmo diploma estabelece, por outro, e por meio do seu artigo 58.º, que nos casos em que “a invenção [seja] feita durante a execução de contrato de trabalho em que a atividade inventiva esteja prevista, o direito à patente pertence à respetiva empresa”.

As invenções que se enquadrem num contrato de trabalho que preveja a atividade inventiva do trabalhador são usualmente e chamadas invenções de serviço e o empregador é o titular do direito à patente.

As invenções que se enquadrem num contrato de trabalho que não preveja a atividade inventiva do trabalhador são tradicionalmente chamadas invenções mistas e o empregador tem a opção de patentear a invenção quando esta se enquadre na sua atividade comercial. Em alternativa, no caso das invenções mistas o empregador pode optar pelo direito à exploração exclusiva da patente, à sua aquisição ou pedido de patente estrangeira.

Em qualquer caso, a lei prevê a remuneração do trabalhador, seja através da retribuição prevista pelo próprio contrato de trabalho, seja através de remuneração especial que naquele não esteja prevista.

Nos núcleos de criação tecnológica, a prestação de trabalho subordinado, bem como o conteúdo do contrato de trabalho, têm um impacto significativo na atribuição da titularidade do direito à patente. Ainda que tenham direito a remuneração adequada e que corresponda à relevância da sua criação, a utilização dos meios da empresa confere ao empregador prioridade sobre o que resulta da atividade dos seus trabalhadores.

As startups que empreguem trabalhadores subordinados devem, pois, assegurar-se de que os contratos de trabalho contemplam devidamente a atividade inventiva que se pretenda desenvolver.

Publicado na Advogar

Recentemente alterado pela Lei n.º 93/2019 de 4 de setembro, o Código do Trabalho manteve inalterada a redação do artigo 21.º (“Utilização de meios de vigilância à distância”), que dispõe no sentido da necessidade de autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados Pessoais (“CNPD”) para utilização de videovigilância no contexto laboral.

Não obstante, o novo o Regulamento Europeu 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril “(RGPD”), alterou o poder de fiscalização prévia atribuído às agências administrativas nacionais responsáveis pelo tratamento de dados pessoais, passando a dispor no sentido de lhes ser atribuído um mero poder de auditoria e fiscalização.

Tendo as referidas alterações sido concretizadas, entre nós, após a entrada em vigor da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto (“Lei de Execução do RGPD”), divergentes interpretações têm surgido quanto à (des)necessidade de manutenção daquela autorização prévia por parte da nossa Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), e da consequente manutenção em vigor do disposto no artigo 21.º do Código do Trabalho.

Na sequência das novas normas sobre proteção de dados pessoais, consideramos que o artigo 21.º do Código do Trabalho deve considerar-se tacitamente revogado, quanto à necessidade de autorização prévia da CNPD.

Com efeito, contrariamente ao que acontecia anteriormente,  quando a CNPD exercia um controlo a priori, com as mais recentes alterações do RGPD e da respetiva Lei de Execução esta agência passou a exercer apenas um controlo a posteriori. Ao invés de atuar a priori, esta entidade fica responsável, apenas, pelo enforcement das regras decorrentes do RGPD. Trata-se, na nossa opinião, de um poder de fiscalização, de inspeção e de auditoria sobre o cumprimento da conformidade de tratamento de dados pessoais, e não de autorização prévia. Foi nesse sentido e com esse propósito, aliás, que a Lei Orgânica da CNPD (Lei n.º 43/2004) foi alterada tendo em vista a criação de uma nova Unidade de Inspeção[1] .

Não podemos esquecer que os Regulamentos da União Europeia, tal como o RGPD, têm caráter geral, sendo obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis nos Estados-Membros. Simultaneamente, tornam inaplicáveis quaisquer normas nacionais que sejam incompatíveis com as disposições materiais neles contidas, ou seja, nesta situação, os números 1, 2 e 4 do artigo 21.º do Código do Trabalho.  

Nestes termos, consideramos que resulta clara uma revogação tacita daqueles preceitos, não sendo necessária revogação expressa das normas sobre videovigilância aquando da alteração do Código do Trabalho.

Para além disso, resulta claro do n.º 2 do artigo 62.º da Lei Execução do RGPD apenas ser admitida a subsistência das autorizações e notificações previstas na Lei de Execução do RGPD.[2]

Não restam dúvidas, portanto, de que o pedido de autorização prévia referido no artigo 21.º do Código do Trabalho se encontra revogado, apenas se continuando a aplicar o número 3 do mesmo preceito. De facto, nada obsta à sua aplicação, pelo que, mesmo não sendo necessária a autorização da CNPD a utilização dos meios de videovigilância apenas pode ser efetuada se for necessária, adequada e proporcional aos seus objetivos.

Neste momento, à luz das novas disposições legais, apenas está em vigor a autorização da CNPD para a videovigilância com captação de som em instalações que recolham imagem e som quando não estão encerradas e nos termos do n.º 4 do artigo 19.º da Lei de Execução do RGPD, também aplicável em contexto laboral.

Em suma: não obstante o regime da videovigilância previsto no Código do Trabalho não ter sido alterado pela Lei n.º 93/2019, a Lei de Execução do RGPD influenciou o legislador laboral, tendo como consequência imediata a não manutenção das normas anteriores ao RGPD que determinavam a sujeição ao controlo prévio pela CNPD. Os números 1, 2 e 4 do artigo 21.º do Código do Trabalho devem, em suma, considerar-se tacitamente revogados.



[1] Conforme consta do artigo 24.º-A da Lei 43/2004, de 18 de agosto de , alterada pela Lei 58/2019, de 8 de agosto, “Compete à Unidade de Inspeção realizar inspeções e auditorias no âmbito dos processos em curso, com mandato do presidente da CNPD, em especial: a) Fiscalizar a conformidade do tratamento de dados pessoais, podendo para tal aceder às instalações do responsável e do subcontratante, aos equipamentos, aos meios de tratamento de dados, bem como a toda a documentação que se revele necessária (….)”.

[2] Dispõe o artigo 62.º da Lei da Lei 43/2004, de 18 de agosto, alterada pela Lei 58/2019, de 8 de agosto o seguinte: “1. As normas relativas à proteção de dados pessoais previstas em legislação especial mantêm- -se em vigor, em tudo o que não contrarie o disposto no RGPD e na presente lei, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2. Todas as normas que prevejam autorizações ou notificações de tratamento de dados pessoais à CNPD, fora dos casos previstos no RGPD e na presente lei, deixam de vigorar à data de entrada em vigor do RGPD”.

Publicado na ECO-Online 

Nos últimos anos, a lei laboral Portuguesa assistiu a diversas alterações. Foi neste sentido que no decorrer do mês de setembro foram publicados diplomas legais que procederam a alterações ao Código do Trabalho.

A reforma laboral apresentou uma especial preocupação com os trabalhadores com doença oncológica.

Como é sabido, a doença oncológica tem um impacto notório na vida pessoal, profissional e social do trabalhador. É muito importante que o trabalhador com esta doença possa manter uma relação com o mundo do trabalho, adaptada à sua condição, o que implica que lhe sejam atribuídas condições de fazê-lo com horários e funções adaptados à sua realidade.

Os trabalhadores com doença oncológica em fase de tratamento, passam a ser equiparados aos trabalhadores com deficiência ou doença crónica.

Consequentemente, passam a beneficiar das prerrogativas atribuídas aqueles trabalhadores, nomeadamente ficando dispensados de trabalhar em horário organizado de acordo com o regime de adaptabilidade, de banco de horas ou horário concentrado, bem como de trabalhar entre as 20 horas de um dia e as sete horas do dia seguinte, se a prestação de trabalho nessas condições puder prejudicar a sua saúde ou segurança no trabalho.

Por outro lado, observa-se uma preocupação cada vez maior em adaptar a legislação laboral, no sentido de fomentar a natalidade e permitir conciliação a vida pessoal com a visa profissional dos trabalhadores.

Importa ter sempre presente que a nível constitucional, o artigo 68.º estabelece que a “maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes”.   

Foi nesse sentido reforçada, com a recente reforma laboral, a proteção na parentalidade.

A partir do próximo ano o pai passa a ter mais cinco dias de licença para gozar obrigatoriamente, o que representa um total de 20 dias úteis. Para além disso, tem ainda direito a três dispensas do trabalho para acompanhamento da grávida às consultas pré-natais.

Caso as mulheres grávidas residam na região insular e precisem de se deslocam para um hospital fora da área de residência para realizar o parto, terá direito a uma licença pelo período de tempo considerado necessário à sua deslocação.

O reforço do período obrigatório de licença do pai após o nascimento, contribui para o reforço da proteção dos direitos dos homens e da importância da sua presença na criação de laços com a criança. Embora ainda bastante distantes, cada vez mais se verifica uma tendência de aproximação entre os direitos dos dois progenitores.

No âmbito das recentes alterações não podemos deixar de referir, como principal objetivo, o reforço da segurança no emprego, valor constitucionalmente consagrado no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.

Consequentemente, e permitindo a redução da precariedade, estabeleceu-se a redução da duração máxima permitida para a celebração da contratação a termo, introduziu-se um limite máximo de renovações possíveis para o contrato de trabalho temporário, criou-se uma contribuição adicional para a Segurança Social, a ser paga pelas empresas que recorram a mais contratos a termo do que a média do setor em que se inserem, entre outras alterações que foram introduzidas.

Em suma: as alterações à lei laboral representam um “passo em frente” no sentido da proteção do trabalhador que se encontra numa situação mais fragilizada, seja por motivo de doença oncológica ou por nascimento de um filho. Para além disso, representam um esforço de diminuição da precariedade laboral e um reforço da segurança no emprego, revelando uma significativa preocupação social. 

2019-10-11
Guilherme Dray

Guilherme Machado Dray, especialista em Direito do Trabalho, explica à Advocatus o mecanismo da mediação laboral como forma de resolução de conflitos coletivos laborais.

Leia o artigo na íntegra no PDF.

2019-10-02
Estela Guerra

Muito se tem escrito sobre a reforma do Código do Trabalho e os seus diversos aspetos positivos. No entanto, não podemos esquecer os aspetos que ficaram pelo caminho, nomeadamente o tão falado Direito à Desconexão.

Na sequência da consagração do Direito à Desconexão em França no ano de 2017, muito se prometeu sobre a regulação deste direito no ordenamento jurídico português. Não obstante, nenhuma das propostas apresentadas pelos diversos partidos (uma do PS, outra do PCP, outra do Bloco de Esquerda e uma do PAN) foi aprovada.

O argumento que se tem defendido é o de que na lei constitucional e laboral já se encontra previsto, ainda que indiretamente, um direito à desconexão pelo que não será necessário estabelecer-se expressamente este direito. Efetivamente, a Constituição da República Portuguesa prevê o direito à "organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal", bem como "ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas" e o Código do Trabalho estabelece o direito ao descanso do trabalhador.

Cremos que o já previsto na legislação laboral e constitucional é demasiado genérico, não sendo suficiente para definir os limites do referido direito e as implicações que podem resultar da sua violação. Acresce que a referida legislação foi criada numa Era Não Digital, portanto não pensada para a atual geração da cloud, dos smartphones, dos tablets, isto é, para a geração do always on/always connected, ligada 24 sob 24horas à internet.

Se por um lado existem vantagens evidentes no uso das novas tecnologias (maior autonomia dos trabalhadores na gestão do seu tempo de trabalho) é também evidente que estas novas tecnologias levam a que os trabalhadores estejam cada vez mais disponíveis fora do período normal de trabalho, o que acaba por esbater a fronteira entre o tempo de trabalho e a vida privada e familiar do trabalhador.

Torna-se, assim, cada vez mais veemente a necessidade de se estabelecer um regime específico sobre o Direito à Desconexão.

Efetivamente, o legislador português poderia ter aproveitado a atual reforma ao Código do Trabalho para regulamentar esta temática. Não o tendo feito, apenas nos resta apelar aos parceiros sociais para que, através do diálogo, consigam atingir um tipo de compromisso sobre a “nova” flexibilidade temporal.

De acordo com o relatório anual do Centro das Relações Laborais sobre a evolução da contratação coletiva em 2018, em Portugal apenas duas convenções coletivas regulamentam o direito à desconexão: (i) o acordo de empresa celebrado entre o Banco de Portugal e o Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários e a Federação do Setor Financeiro; e (ii) o contrato coletivo de trabalho celebrado entre a Associação Nacional de Agentes Corretores de Seguros e o Sindicato dos Trabalhadores da Atividade Seguradora.

A escassa regulamentação coletiva sobre o tema demonstra que enquanto não surgir uma norma que preveja o Direito à Desconexão como um direito do trabalhador e que obrigue as empresas em sede de negociação coletiva a preverem e delimitarem a desconexão (à semelhança do que já acontece em França e Espanha), o tema continuará a ficar esquecido nas negociações e o direito ao repouso e à vida familiar e pessoal dos trabalhadores continuará a ser negativamente afetado.

Deste modo, é urgente regulamentar este direito e dar resposta às diversas questões que se vêm colocando, nomeadamente esclarecer-se se: (i) devem ser estabelecidas exceções para determinadas atividades (por exemplo as que operam em diversos fusos horários); (ii) devem ser estabelecidas exceções para determinadas categorias de trabalhadores; (iii) deve ser estabelecido um impedimento de os empregadores contactarem os seus trabalhadores fora do período normal de trabalho ou deverá antes estabelecer-se o direito do trabalhador de não responder às solicitações que receba; (iv) a conexão profissional do empregador com o trabalhador no seu período de descanso pode constituir uma situação de assédio moral.

Uma conclusão é certa, a atual incorporação das novas tecnologias constitui um constante desafio ao Novo Direito do Trabalho e é necessário que este saiba acompanhar tal evolução, combatendo as zonas cinzentas que vão surgindo e que reclamam um enquadramento específico, como é o caso do Direito à Desconexão.

Não foi desta, mas esperamos que seja para breve!