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Foi recentemente apresentada a nova proposta da Lei do Orçamento do Estado para 2023 (POE 2023). Eis as principais medidas com impacto laboral: Valorizações remuneratórias e atribuição de prémios
Situações de Mobilidade na Administração Pública
Novas contratações As empresas do setor público empresarial podem proceder ao recrutamento de trabalhadores, nos termos que vierem a ser definidos no DEO. No entanto, até à entrada em vigor do DEO, mantém-se em vigor as disposições aplicáveis (n.ºs 3 a 7 do artigo 40.º) da LEO 2022. Gastos operacionais das empresas públicas As empresas públicas devem prosseguir uma política de otimização dos gastos operacionais que promova o respetivo equilíbrio operacional, nos termos do disposto no DEO. Proteção social complementar dos trabalhadores A contratação de seguros de doença e acidentes pessoais por entidades públicas a cujos trabalhadores se aplique o regime do contrato individual de trabalho é possível, desde que destinados à generalidade dos trabalhadores. O mesmo sucede em relação a outros seguros obrigatórios por lei ou previstos em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Condição especial de acesso ao subsídio social de desemprego subsequente Para acesso ao subsídio social de desemprego subsequente, é considerado o referencial previsto no n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, na sua redação atual, acrescido de 25 %, para efeitos de condição de recursos, para os beneficiários isolados ou por pessoa para os beneficiários com agregado familiar que, cumulativamente, reúnam as seguintes condições: (i) À data do desemprego inicial, tivessem 52 ou mais anos; (ii) Preencham as condições de acesso ao regime de antecipação da pensão de velhice nas situações de desemprego involuntário de longa duração, previsto no do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro Caberá, agora, esperar pela aprovação e publicação do texto final do Orçamento do Estado para 2023. |
O Governo assinou com os parceiros sociais, com exceção da CGTP, o “Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade” (“Acordo”). O Acordo pretende alcançar dois grandes objetivos: (i) Aumentar o rendimento disponível das pessoas e famílias; e (ii) Criar condições para reforçar a competitividade das empresas e o crescimento da produtividade. Foram definidas cinco áreas temáticas de intervenção e as principais medidas com impacto laboral e em matéria de emprego, referentes a: (A) Valorização salarial (i) Valorização nominal das remunerações por trabalhador de 4,8%, em média, nos anos 2023 a 2026 (valorização de 5,1% em 2023; 4,8% em 2024; 4,7% em 2025 e 4,6% em 2026); e (ii) Aumento da remuneração mínima mensal garantida (“RMMG”) até, pelo menos, €900,00 em 2026 (aumento para €760,00 em 2023; €810,00 em 2024; €855,00 em 2025 e €900,00 em 2026). (B) Atração e fixação de talento jovem (i) Aumento do benefício anual do IRS Jovem para 50% no primeiro ano, 40% no segundo ano, 30% nos terceiro e quarto anos e 20% no quinto ano, e aumento dos limites máximos do benefício em cada ano; (ii) Criação de programa anual de apoio à contratação sem termo de jovens qualificados com salários iguais ou superiores a 1.320€, nível remuneratório de entrada de um licenciado na carreira geral de técnico superior; e (iii) Prorrogação extraordinária do “Programa Regressar” durante o período de vigência do Acordo, adaptando as regras de acesso ao Programa, com o objetivo de assegurar que o mesmo se destina ao incentivo ao regresso de quadros qualificados. (C) Trabalhadores: rendimentos não salariais (i) Atualização, no ano de 2023, dos escalões do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), com base no critério de valorização nominal das remunerações por trabalhador (5,1%); (ii) Eliminação da diferença entre a retenção na fonte de IRS e o imposto devido, evoluindo para um sistema de retenção na fonte que assegure que as valorizações salariais se traduzem em ganhos líquidos mensais para os trabalhadores; (iii) Alteração das regras de progressividade do IRS, passando de uma base de liquidação a final para uma lógica de abatimento a montante, beneficiando os rendimentos até 1.000€ por mês e eliminando a distorção atual de tributação a 100% dos rendimentos imediatamente acima da atual remuneração mínima mensal garantida; (iv) Criação de um incentivo de regresso ao mercado de trabalho, direcionado a desempregados de longa de duração, permitindo a junção parcial de subsídio de desemprego com o salário pago pela entidade empregadora; (v) Aumento da remuneração por trabalho suplementar a partir das 100 horas, de acordo com as seguintes regras: (i) 50% pela primeira hora ou fração desta; (ii) 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil; (iii) 100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado (vi) Aumento da redução da taxa de retenção na fonte de IRS para metade, nestas horas suplementares; (vii) Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (“IRCT”) que contenham disposições contrárias ao enquadramento legal estabelecido no Acordo dispõem de um período transitório, até 1 de janeiro de 2024, para efeitos de negociação e alteração destas disposições; (viii) Aumento do valor de isenção do subsídio de refeição para €5,20; (ix) Avaliação do modelo que estabelece a isenção e valor do subsídio de refeição; (x) Avaliação e operacionalização do enquadramento fiscal próprio para bonificar ao trabalhador a frequência de formação profissional certificada, a implementar na vigência do Acordo; (xi) Aumento da compensação por cessação de contrato de trabalho para 14 dias nas situações de despedimento coletivo ou extinção do posto de trabalho; (D) Entidades Empregadoras (i) Majoração em 50% dos custos com a valorização salarial (remunerações e contribuições sociais), em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), para todas as empresas que: (i) tenham contratação coletiva dinâmica, considerando-se para o efeito a outorga ou renovação de Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho há menos de três anos; (ii) valorizem anualmente os salários em linha ou acima dos valores constantes no Acordo e no quadro de Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho; (iii) reduzam o leque salarial, considerando-se para o efeito o rácio entre a parcela da remuneração base dos 10% de trabalhadores mais bem remunerados em relação ao total e a parcela de remuneração base dos 10% de trabalhadores menos bem remunerados em relação ao total. (E) Simplificação administrativa e custos de contexto (i) Reconversão (nos termos ainda a definir) do Fundo de Compensação do Trabalho (“FCT”) para permitir às empresas que para ele tenham contribuído, nomeadamente: (i) financiar a qualificação e a formação certificada dos trabalhadores; (ii) apoiar a autonomização dos jovens trabalhadores, suportando uma parte dos encargos com Habitação; (ii) Reforço do Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho (“FGCT”) com transferência excecional do FCT, de forma a garantir capacidade de resposta face ao histórico de sinistralidade; (iii) Fim das contribuições para o FCT e, durante a vigência do acordo, a suspensão das contribuições mensais para o FGCT; (iv) Eliminação da obrigação de comunicação mensal das declarações retributivas à Segurança Social por parte das entidades empregadoras passando a existir o princípio de necessidade de comunicação à Segurança Social, somente em caso de alterações; O Acordo pode ser objeto de revisão sempre que ocorra alteração substancial das condições económicas e sociais que lhe estão subjacentes. |
O Governo apresentou a proposta do Orçamento de Estado para 2023 (OE 2023), em que se resumem as principais alterações fiscais previstas: IRS Em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), as principais alterações são as seguintes:
- 50% com limite de 12,5 vezes o valor do IAS no primeiro ano; - 40% com limite de 10 vezes o valor do IAS no segundo ano; - 30% com limite de 7,5 vezes o valor do IAS no terceiro e no quarto ano; e - 20% com limite de 5 vezes o valor do IAS no quinto ano.
IRC Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), destacam-se as seguintes alterações:
- Produção, transporte, distribuição e comércio de eletricidade ou gás; ou - Fabricação de produtos petrolíferos, refinados ou a partir de resíduos, e de aglomerados de combustíveis;
- Adubos, fertilizantes e corretivos orgânicos e minerais; - Farinhas, cereais e sementes, incluindo misturas, resíduos e desperdícios das indústrias alimentares, e quaisquer outros produtos próprios para alimentação de gado, aves e outros animais, referenciados no Codex Alimentarius, independentemente da raça e funcionalidade em vida, destinados à alimentação humana; e - Água para rega.
IVA Quanto ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), não se verificam quaisquer propostas de alteração. IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO Em sede de impostos especiais sobre o consumo, destacam-se as seguintes alterações: IMPOSTO SOBRE OS PRODUTOS PETROLÍFEROS E ENERGÉTICOS (ISPE)
- Produtos abrangidos pelos códigos NC 2710 19 62 a 2710 19 67 e NC 2710 20 32 e 2710 20 38, utilizados na produção de eletricidade e na cogeração, ou de gás de cidade no continente, são tributados com uma taxa correspondente a 100 % da taxa de ISP e com uma taxa correspondente a 100 % do adicionamento sobre as emissões de CO2; - Abrangidos pelos códigos NC 2710 19 43 a 2710 19 48, NC 2710 20 11 a 2710 20 19, NC 2710 19 62 a 2710 19 67, NC 2710 20 32 e 2710 20 38, consumidos nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e utilizados na produção de eletricidade, de eletricidade e calor (cogeração), ou de gás de cidade, por entidades que desenvolvam essas atividades como sua atividade principal, são tributados com uma taxa correspondente a 50 % da taxa de ISP e com uma taxa correspondente a 50 % da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2. Determina-se a sua subida para 75 % e 100% a 1 de janeiro de 2024 e 2025, respetivamente; - Abrangidos pelo código NC 2711, utilizados na produção de eletricidade, de eletricidade e calor (cogeração), ou de gás de cidade, por entidades que desenvolvam essas atividades como sua atividade principal, com exceção dos usados nas regiões autónomas, são tributados com uma taxa correspondente a 40 % da taxa de ISP e com uma taxa correspondente a 40 % da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2. Determina-se a sua subida para 50% a partir de 1 de janeiro de 2024; - Abrangidos pelos códigos NC 2701, 2702, 2704, 2713 e 2711 12 11 que sejam utilizados em instalações sujeitas a um acordo de racionalização dos consumos de energia (ARCE), e fuelóleo com teor de enxofre igual ou inferior a 0,5 %, classificado pelos códigos NC 2710 19 62 e 2710 19 66, são tributados com uma taxa correspondente a 30 % da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2. Determina-se a sua subida para 65 % e 100% a 1 de janeiro de 2024 e 2025, respetivamente; TAXAS SOBRE BEBIDAS
IMPOSTO SOBRE O TABACO
TAXA DE CARBONO Mantém-se em vigor em 2023 a taxa de carbono para o consumidor de viagens aéreas, marítimas e fluviais em vigor desde 1 de julho de 2021. IMPOSTO SOBRE VEÍCULOS (ISV) Aumento das taxas de ISV aplicáveis aos automóveis, motociclos, triciclos e quadriciclos, relativamente à sua componente cilindrada e ambiental. IMPOSTO ÚNICO DE CIRCULAÇÃO (IUC) Aumento generalizado das taxas de IUC aplicáveis a todos os veículos. IMT Em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), destacam-se as seguintes medidas:
IMPOSTO DO SELO Em sede de imposto de selo, destacam-se as novas regras sobre a tributação de criptoativos:
CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS A proposta de OE 2023 prorroga para 2023 as seguintes contribuições especiais:
BENEFÍCIOS FISCAIS A proposta do OE 2023 inclui as seguintes alterações:
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1. Due diligence: noção e funções Uma due diligence é um processo que visa identificar as questões jurídicas de um target – empresa-alvo ou conjunto de empresas-alvo – e analisar quais os riscos e as contingências do seu negócio, podendo ser feita pelo vendedor (vendor due diligence) ou potencial comprador (purchaser due diligence). A realização de due diligences é muito comum em operações de M&A (fusões e aquisições), no intuito de determinar as precedent conditions de um negócio e avaliar se vale a pena avançar com um processo de aquisição ou fusão e quais os riscos e contingências associados. Tanto em Portugal como no Brasil, há várias formas de qualificar um processo de due diligence, a qual será feita de acordo com o tema das investigações ou negócio a realizar. Cada tipo de due diligence apresenta uma finalidade específica, pelo que as diligências devem ser realizadas por uma equipa especializada com expertise técnica em diferentes áreas do conhecimento. A due diligence é ainda um dos pilares de um programa de compliance, pois, permite realizar um diagnóstico à empresa-alvo, identificando possíveis riscos de compliance, que terão de ser mitigados, bem como pode evitar que a empresa-alvo crie vínculos com terceiros que possam praticar atos prejudiciais para o seu negócio. Desta forma, constitui um importante mecanismo para evitar que sejam implementadas “ferramentas de crise” e que obstem à realização de uma determinada transação face à situação da empresa-alvo. 2. Tipos de due diligence As due diligences podem ser de diferentes tipos consoante a(s) matéria(s) objeto de análise. Assim: Due diligence societária Uma due diligence de âmbito societário visa aferir os principais aspetos da organização e gestão societária da empresa-alvo e identificar possíveis contigências associadas, as quais devem ser revistas antes da realização da transação ou, não sendo possível, consideradas para efeitos da transação, dependendo do tipo de matéria e possíveis riscos associados, sob pena de inviabilizar a transação. Due diligence financeira Numa due diligence financeira, analisam-se informações que envolvem o histórico e o desempenho financeiro da empresa, incluindo os balanços recentes, ativo e passivo, bens, dívidas, lucros, projeções futuras, entre outros fatores de cunho financeiro. Esta modalidade de due diligence tem por objetivo compreender todo o fluxo de capital que gira dentro da empresa, tendo como propósito final analisar a saúde financeira do negócio e sua projeção para o futuro. Due diligence comercial |
Uma due diligence de âmbito comercial visa analisar as relações contratuais da empresa-alvo com clientes, prestadores de serviços, parceiros e de que forma uma alteração na estrutura acionista
da empresa-alvo ou uma separação de ativos poderá ter impacto nos contratos em vigor. Neste âmbito, podem, por exemplo, ser relevantes as cláusulas relativas a obrigações de exclusividade, de duração, de change of control, e quais as possíveis medidas a adotar com vista à continuação ou cessação da relação contratual e possíveis consequências, por exemplo, pagamento de uma indemnização por cessação antecipada. Due diligence laboral Uma due diligence laboral tem como objetivo interpretar a composição do quadro funcional da empresa, principalmente para compreender como esse quadro contribui para a saúde financeira da empresa, e quais potenciais riscos se apresentam, sendo analisada a questão contratual e legislativa dos trabalhadores, além de verificar qual é a distribuição dos mesmos nas funções, qual é contencioso trabalhista da empresa e possíveis riscos na área para o futuro. Due diligence contabilística e fiscal Uma due diligence conatbilística e fiscal envolve a coleta e avaliação de informações tributárias e fiscais, bem como de dados contabilísticos da empresa. Esse tipo, é sem dúvida, uma das partes mais técnicas e que demandam muita atenção da equipe responsável pela análise. Do ponto de vista operacional, através da due diligence, obtêm-se informações relevantes que podem auxiliar no processo de tomada de decisões, garantindo assim, maior proteção financeira, necessária para apurar se as finanças da empresa estão sendo controladas em conformidade com a legislação vigente. Due diligence ambiental É de extrema relevância a análise prévia de qualquer eventual impacto ao meio ambiente. Por isso, a legislação ambiental é bastante rigorosa e é muito importante investir nesse tipo de due diligence. Comumente, esse tipo de diligência é realizado quando uma empresa visa expandir ou gerar leads B2B, a fim de realizar atividades de alto impacto no ambiente, sendo crucial atentar à legislação específica. Due diligence em tecnologias de informação (TI) A due diligence na área de tecnologia da informação tem-se intensificado, principalmente, em razão do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) na Europa, incluindo Portugal, e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil. Nessa área, a diligência prévia requer uma avaliação de questões referentes a integração dos processos, fluxos de trabalho, segurança de informações, avaliação detalhada dos ativos, dos sistemas, das políticas e dos procedimentos de TI, com o intuito de identificar e avaliar os principais riscos do ramo e indicar os pontos que podem impactar no negócio. 3. Principais etapas de uma due diligence 3.1. Acesso ao data room A due diligence envolve o acesso a informações confidenciais da empresa-alvo. Atualmente, a informação é, em regra, organizada e disponibilizada numa plataforma eletrónica criada para o efeito, a que se dá o nome de data room virtual, e cujo acesso é concedido pelo target. 3.2. Obrigação de confidencialidade e de proteção de dados pessoais A due diligence envolve o acesso a informações confidenciais, incluindo segredos de negócio, bem como o acesso a dados pessoais que são objeto de tratamento pelo target. Considerando que a divulgação de informações confidenciais pode ser prejudicial à empresa-alvo, é prática comum as partes assinarem um Non-Disclosure Agreement (NDA) ou Confidentiality Agreement.
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Foi recentemente alterado o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. O mesmo diploma que alterou o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional criou ainda as condições para a implementação do Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). As alterações visam atrair uma nova vaga de imigração para o país, de forma regulada e integrada, que pode contribuir para o respetivo desenvolvimento e mitigar a falta de mão de obra que se sente em Portugal. Entre as principais medidas destacam-se as seguintes:
O novo visto para a procura de trabalho permite a entrada de estrangeiros em Portugal para procurarem novos postos de trabalho. O visto tem a duração máxima de 120 dias, prorrogável por mais 60 dias. Tendo em vista a simplificação de procedimentos, o visto integra o agendamento junto dos serviços competentes pela concessão de autorizações de residência, dentro dos 120 dias de duração do visto, conferindo o direito a requerer uma autorização de residência, após a constituição e formalização da relação de trabalho naquele período.
Nas situações em que o requerente de um visto seja nacional de um Estado em que esteja em vigor o Acordo sobre Mobilidade entre os Estados Membros da CPLP, o procedimento para emissão de vistos é facilitado. Para a maior agilização do processo contribuíram as seguintes alterações: (i) dispensa do parecer prévio do Serviço de Estrageiros e Fronteiras (“SEF”); (ii) Consulta direta e imediata das bases de dados do Sistema de Informação Schengen pelos serviços competentes; (iii) recusa da emissão de vistos limitada às situações nas quais exista indicação de proibição de entrada e permanência no Sistema de Informação Shengen.
O novo visto aplica-se ao trabalho remoto realizado por pessoas que trabalham em Portugal (v.g. nómadas digitais), em regime laboral ou independente, em benefício de entidades com domicílio ou sede fora do nosso país.
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Nesta terça-feira, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) decidiu, no âmbito dos processos C?793/19 e C?794/19, que uma legislação nacional que imponha aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas uma conservação indiscriminada de dados de tráfego e de localização dos seus clientes é contrária ao direito da União Europeia (UE), salvo quando haja uma séria ameaça à segurança nacional. No caso em análise, foram apresentados dois pedidos de decisão prejudicial ao TJUE pelo Supremo Tribunal Administrativo Federal alemão, no âmbito dos litígios que opõem a República Federal da Alemanha, representada pela Bundesnetzagentur für Elektrizität, Gas, Telekommunikation, Post und Eisenbahnen (Agência Federal das Redes de Eletricidade, do Gás, das Telecomunicações, dos Correios e dos Caminhos de ferro, Alemanha), aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas alemães, SpaceNet AG e Telekom Deutschland GmbH. Estas duas empresas alemães contestaram junto do Tribunal Administrativo de Colónia a obrigação que lhes é imposta pelas disposições conjugadas do § 113a, n.° 1, e do § 113b da Lei das Comunicações Eletrónicas alemã (TKG) de conservarem os dados de tráfego e os dados de localização relativos às telecomunicações dos seus clientes a partir de 1 de julho de 2017. Por acórdãos de 20 de abril de 2018, o Tribunal Administrativo de Colónia declarou que a SpaceNet e a Telekom Deutschland não eram obrigadas a conservar os dados de tráfego relativos às telecomunicações dos seus clientes. A República Federal da Alemanha interpôs recursos para o Supremo Tribunal Administrativo Federal que decidiu suspender a instância e submeter questão prejudicial ao TJUE. O Supremo Tribunal Administrativo Federal pretende saber se o artigo 15.° da Diretiva 2002/58/CE, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas (Diretiva Relativa à Privacidade e às Comunicações Eletrónicas), deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que obriga os prestadores de serviços de comunicações eletrónicas a conservarem os dados de tráfego e de localização dos seus clientes. Em sede de decisão prejudicial, o TJUE considerou que o artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2002/58 deve ser interpretado no sentido de que: - Se opõe a medidas legislativas nacionais que preveem, a título preventivo, para efeitos da luta contra a criminalidade grave e da prevenção de ameaças graves contra a segurança pública, uma conservação generalizada e indiferenciada dos dados de tráfego e dos dados de localização; - Não se opõe a medidas legislativas nacionais que: |
Permitem, para efeitos da salvaguarda da segurança nacional, impor aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas que procedam a uma conservação generalizada e
indiferenciada de dados de tráfego e de dados de localização, em situações em que o Estado?Membro em causa enfrenta uma ameaça grave para a segurança nacional que se revela real e atual ou previsível, desde que a decisão que prevê tal imposição possa ser objeto de fiscalização efetiva quer por um órgão jurisdicional quer por uma entidade administrativa independente, cuja decisão produza efeitos vinculativos, destinada a verificar a existência de uma dessas situações e o respeito pelos requisitos e pelas garantias que devem estar previstos, bem como da referida imposição apenas possa ser aplicada por um período temporalmente limitado ao estritamente necessário, mas renovável em caso de persistência dessa ameaça; Preveem, para efeitos da salvaguarda da segurança nacional, da luta contra a criminalidade grave e da prevenção de ameaças graves contra a segurança pública os seguintes: - uma conservação seletiva dos dados de tráfego e dos dados de localização que seja delimitada, com base em elementos objetivos e não discriminatórios, em função das categorias de pessoas em causa ou através de um critério geográfico, por um período temporalmente limitado ao estritamente necessário, mas renovável; - uma conservação generalizada e indiferenciada dos endereços IP atribuídos à fonte de uma ligação, por um período temporalmente limitado ao estritamente necessário; - uma conservação generalizada e indiferenciada de dados relativos à identidade civil dos utilizadores de meios de comunicações eletrónicos; e - permitem, para efeitos da luta contra a criminalidade grave e, a fortiori, da salvaguarda da segurança nacional, impor aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas, através de uma decisão da autoridade competente sujeita a fiscalização jurisdicional efetiva, que procedam, por um determinado período, à conservação rápida dos dados de tráfego e dos dados de localização de que esses prestadores de serviços dispõem, desde que essas medidas assegurem, através de regras claras e precisas, que a conservação dos dados em causa está sujeita ao respeito das respetivas condições materiais e processuais e que as pessoas em causa dispõem de garantias efetivas contra os riscos de abuso. O TJUE confirma, assim, que o direito da União impede a retenção geral e indiscriminada de dados de tráfego e localização, salvo em casos excecionais de ameaça grave à segurança nacional. A fim de combater a criminalidade, os Estados-Membros podem, no estrito respeito pelo princípio da proporcionalidade, prever, inter alia, a retenção específica ou rápida de tais dados e a retenção geral e indiscriminada de endereços IP (Internet Protocol). Esta decisão poderá vir, assim, a constituir um revés para os Estados-membros que apostem em leis de retenção de dados em massa para combater o crime e salvaguardar a segurança nacional. |
Entrou em vigor a Lei n.º 17/2022 de 17 de agosto (“Lei n.º 17/2022” ou “Lei”), que transpõe a Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018 (“Diretiva ECN+” ou “Diretiva”), que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno. No quadro da transposição da Diretiva cujo prazo foi, aliás, largamente ultrapassado, o Governo apresentou um conjunto de alterações mais profundas quer ao Regime Jurídico da Concorrência (ou “RJC”), aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, quer aos Estatutos da Autoridade da Concorrência (“AdC”). O processo foi longo, participado e controvertido. O resultado, embora aquém do que havia sido inicialmente projetado pelos seus autores materiais (a AdC foi encarregue de apresentar um anteprojeto de Lei ao Governo), impacta de forma substancial na atividade das empresas. O diploma final beneficiou da reflexão e dos alertas da comunidade jurídica, tendo por isso sido substancialmente alterado face à proposta inicial, designadamente, foi retirada a possibilidade de a AdC apreender correspondência por meios eletrónicos para utilização como meio de prova em processo não criminal. Esta possibilidade suscitou forte oposição, com fundadas dúvidas de constitucionalidade, designadamente por eventual violação do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa, embora não se ignorando que, nesta sede, se pode discutir se não se tratava de decorrência direta (e vinculativa) da Diretiva beneficiária do primado do Direito da União sobre o direito interno, incluindo Constitucional. O legislador deu respaldo às dúvidas sobre a constitucionalidade da solução preconizada, ficando vedado à AdC o acesso, com ou sem aviso prévio, a correspondência não lida ou apagada. Adiante, sumariza-se, sem exaustividade, as principais alterações introduzidas ao Regime Jurídico da Concorrência. 1. Reforço dos poderes da AdC Como já referido, a Lei, ao não prever a possibilidade de apreensão de correspondência por meios eletrónicos, para utilização como meio de prova, limitou o reforço de poderes pretendido pela AdC. Ainda assim, sublinham-se dois aspetos relevantes de reforço: |
Buscas, exame, recolha e apreensão:a Lei vem prever a possibilidade de a AdC, devidamente autorizada pela autoridade judiciária competente, aceder sem aviso prévio a todas as instalações, terrenos, meios de transporte, dispositivos ou equipamentos da empresa, ou à mesma afetos. A expressão “à mesma afetos” suscitará dúvidas e um
- risco de litigância significativos. A prudência e a certeza jurídica desaconselhariam a inclusão desta expressão; - Buscas domiciliárias: passaram também a ser possíveis para as situações relativas a abusos de dependência económica (a anterior lei permitia “apenas” para as práticas restritivas da concorrência e abusos de posição dominante). 2. Transação A Lei altera o paradigma da transação, afastando-o de uma decisão condenatória e aproximando-o de uma decisão compromissória.Com efeito, deixam de se considerar factos confessados para factos aceites pelo visado ou a que este renunciou contestar, deixando, consequentemente, de existir uma decisão condenatória para passar a ser uma decisão definitiva quanto à transação. 3. Prazos O RJC revisto veio proceder a alterações de prazos para um conjunto de situações, designadamente: - Regra geral: mantém-se a possibilidade de a prorrogação ocorrer por única vez, mas agora limita-se a 30 dias e já não por período igual, o que tem impacto nos casos em que por decisão da AdC o prazo prorrogado era superior; - Pronúncia à nota de ilicitude: passou de um mínimo de 20 para 30 dias úteis; - Recursos de decisões interlocutórias: fica claro que o prazo é de 20 dias úteis; - Recurso de decisões finais: passou de 30 dias úteis para 60 dias. Como nota final sobre esta matéria, desde já se refere que teria sido aconselhável que, não obstante as naturezas diversas das entidades envolvidas, tivesse sido harmonizado o critério para a contagem dos prazos. 4. Prescrição O legislador veio determinar a suspensão, sine die, da prescrição do procedimento por infração. Esta solução constitui, como bem referiu o Supremo Tribunal Administrativo, “um desvio ao regime da prescrição” previsto no diploma que institui o Ilícito de mera ordenação social que determina que a “prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade, com o inerente sacrifício dos princípios da certeza e segurança jurídicas”. 5. Recursos No que concerne aos recursos das decisões da AdC, assinala-se, por um lado, que se mantém a regra geral do seu efeito meramente devolutivo. Por outro lado, nos casos em que ao visado sejam impostas coimas ou outras sanções, deixa de ser exigida a demonstração de que a execução da decisão final lhe causaria prejuízo considerável, para além da prestação da caução. No novo regime, o visado pode requerer a suspensão da decisão desde que preste caução no valor de metade da coima aplicada.
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A Autoridade da Concorrência (AdC) sancionou a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) por ter realizado uma operação de concentração sem notificação prévia, ou seja, sem antes obter a necessária decisão de não oposição da AdC.
A operação de concentração consistiu na aquisição de 54,98% do capital social da CVP – Sociedade de Gestão Hospitalar, S.A. (SG CVP), sociedade gestora do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, pela SCML.
A Lei da Concorrência impõe a notificação prévia das operações de concentração quando esteja preenchida uma das seguintes condições:
- Critério da quota de mercado: Em consequência da sua realização se adquira, crie ou reforce uma quota igual ou superior a 50% no mercado nacional de determinado bem ou serviço, ou numa parte substancial deste;
- Critério do volume de negócios: O conjunto das empresas que participam na concentração tenha realizado em Portugal, no último exercício, um volume de negócios superior a 100 milhões de euros, líquidos dos impostos com este diretamente relacionados, desde que o volume de negócios realizado individualmente em Portugal por pelo menos duas dessas empresas seja superior a cinco milhões de euros; ou
- Critério combinado: Em consequência da sua realização se adquira, crie ou reforce uma quota igual ou superior a 30% e inferior a 50% no mercado nacional de determinado bem ou serviço, ou numa parte substancial deste, desde que o volume de negócios realizado individualmente em Portugal, no último exercício, por pelo menos duas das empresas que participam na operação de concentração seja superior a cinco milhões de euros, líquidos dos impostos com estes diretamente relacionados.
No caso concreto, a obrigatoriedade de notificação prévia por parte da SCML prende-se ao critério do volume de negócios, em particular, se a parcela afeta à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa decorrente dos resultados líquidos realizados com a exploração dos Jogos Sociais deve, ou não, ser contabilizada como volume de negócios consolidado.
Sobre este aspeto, o entendimento da SCML e da AdC é divergente. A SCML considerou que as receitas referidas resultantes da exploração dos jogos sociais não integravam o respetivo volume de negócios aquando da concretização da transação em causa, pelo que não estaria preenchido nenhum dos critérios de notificação prévia (volume de negócios ou quota de mercado).
Pelo contrário, a AdC considerou que o volume de negócios gerado pela atividade de exploração dos jogos sociais deveria ser imputado ao Departamento de Jogos e, numa perspetiva de grupo, à SCML, ainda que contabilizando apenas a parcela correspondente e afeta à atividade da SCML – em concreto, no que se refere ao ano de 2019, o montante de €[>100 milhões de euros], a que acrescia ainda o valor relativo a vendas e prestação de serviços da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (€ [100 milhões de euros].
As operações de concentração que preencham um dos critérios acima referidos – no caso, segundo a AdC, o critério do volume de negócios –, devem ser notificadas à AdC, o mais tardar, após a conclusão do acordo, mas ainda antes de realizadas. Desta forma, a AdC exerce um controlo efetivo de todas as operações de concentrações que sejam de notificação obrigatória. O sistema de notificação ex ante e a não realização de operações antes de aprovadas pela AdC (a denominada obrigação de “standstill”) constitui o pilar de todo o sistema e a garantia imprescindível para a sua eficácia.
No caso concreto, a operação de concentração (de aquisição de controlo exclusivo) realizou-se no dia 14 de dezembro de 2020, tendo a SCML procedido à respetiva notificação à AdC no dia 28 de maio de 2021, já depois de concretizada. O processo de notificação foi objeto de decisão de não oposição da AdC em 6 de julho de 2021.
Em consequência, a AdC entendeu que a SCML praticou duas infrações: (i) violação à obrigação de notificar a concentração antes da sua realização; e (ii) violação à obrigação de não realizar essa concentração antes de uma decisão de não oposição proferida pela AdC.
A AdC considerou que a SCML tinha à sua disposição todos os meios que lhe permitiriam cumprir a lei, uma vez que todas as questões sobre a operação poderiam ter sido colocadas à AdC antes de a operação ser realizada.
A SCML foi condenada ao pagamento de uma coima no valor total de €2.5 milhões de euros, mas poderá ainda recorrer desta decisão.
Este caso é, sem dúvida, um caso merecedor de nota, pois, não são raras as vezes que se colocam questões quanto ao preenchimento dos critérios de notificação prévia à AdC. Quando assim for, é recomendável fazer uso do mecanismo de avaliação prévia, o qual não deverá, à partida, ser excluído pelas partes a coberto de uma conclusão mais expedita da operação.
Se a operação estiver sujeita a notificação prévia e não for notificada, o risco de uma coima elevada (para além de outras consequências, como a suspensão dos direitos de voto), poderá ser bastante prejudicial, uma vez que, sendo desnecessária a notificação, a AdC poderá emitir decisão de inaplicabilidade.
O acórdão do STJ n.º 2/2022, no âmbito do processo n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, uniformizou jurisprudência quanto à prova da perda de chance processual como dano autónomo, num caso de violação de deveres profissionais por parte de mandatário forense, por falta de apresentação de recurso.
Quer o acórdão recorrido quer o acórdão fundamento sub judice no caso admitiram a ressarcibilidade autónoma do dano da perda de chance processual, reconduzível à perda da oportunidade/possibilidade de ganhar ou não perder uma determinada ação (e não ao dano final de obtenção de um resultado desfavorável na ação), em razão do comportamento lesivo do mandatário que omite a apresentação de peças processuais num determinado juízo (in casu,alegações de recurso e requerimento probatório, respetivamente).
A contradição jurisprudencial recaía sobre a questão do ónus e da própria possibilidade de prova da perda da oportunidade de ganhar a ação (ou de a não perder):
- O acórdão fundamento considerava não ser possível determinar o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, não fosse a conduta lesiva do mandatário, pelo que impenderia sobre o réu o ónus de demonstrar que a não apresentação de certa peça processual seria absolutamente indiferente para o desfecho da ação, à luz do artigo 342.º, n.º 2, do CC. Na ausência dessa demonstração, deveria ser fixada uma indemnização a favor do lesado com recurso à equidade, artigo 566.º, n.º 3, do CC.
- O acórdão recorrido exigia ao autor a prova da elevada probabilidade de êxito da ação, à luz dos artigos 342.º, n.º 1 e 564.º, n.º 2, do CC, sem a qual não seria devida qualquer indemnização pela perda de chance processual por banda do réu.
O acórdão do STJ n.º 2/2022 considerou que seria sobre o autor que recairia o ónus da prova de uma probabilidade suficiente de verificação do resultado favorável, não fosse o comportamento lesivo do mandatário, e não ao réu que incumbiria provar a irrelevância da perda de chance.
Na tentativa de preenchimento do conceito de probabilidade do dano – tão indeterminado como o conceito normativo de previsibilidade do dano constante do artigo 564.º, n.º 2, do CC – o acórdão do STJ n.º 2/2022 avança a necessidade de consistência e seriedade da perda de chance.
Na ligação entre a consistência e seriedade e os pressupostos do dano e do nexo de causalidade, o STJ começa por equacionar uma distinção entre o standard probatório necessário à demonstração da existência de uma hipótese de ganhar a ação (que não é o dano em si) e o standard probatório para demonstração do nexo causal entre a perda da hipótese de ganhar a ação (o dano) e a conduta do lesante (in casu, a falta de apresentação de alegações de recurso).
Considera, de seguida, que não deve haver distinção entre a probabilidade exigida para considerar verificado o nexo causal e a probabilidade exigida para a demonstração da hipótese de ganhar a causa, não fosse o evento lesivo.
O STJ acaba por concluir, de forma confusa, que a probabilidade da verificação do nexo causal confere consistência – logo, probabilidade – à chance de ganhar a causa e essa consistência alicerça o standard probatório, i.e., que o próprio standard alicerça o standard…
A circularidade é aqui evidente, resultando também manifesto, da leitura da fundamentação do acórdão, que o STJ não logra tornar operativos os conceitos de consistência e seriedade que avança. Pelo que a exigência da prova da consistência e seriedade da perda de chance para atribuição do direito indemnizatório ao lesado acaba por abrir a porta à arbitrariedade da decisão e à sua insuficiente fundamentação.
Em rigor, o problema fundamental do acórdão do STJ n.º 2/2022 é que parece obnubilar que a probabilidade de um evento danoso não se ter verificado se não fosse determinado facto danoso é uma questão de interpretação de normas jurídicas – in casu, de preenchimento do conceito indeterminado previsibilidade do dano constante do artigo 564.º, n.º 2, do CC – e não de prova de factos.
Efetivamente, em primeiro lugar, é sabido que o conceito de dano, que é pressuposto normativo do artigo 564.º, n.º 2, do CC, tem um significado jurídico preciso (eliminação ou diminuição de uma vantagem conferida e tutelada pela Ordem Jurídica), pelo que a conclusão pela ocorrência de certos eventos danosos, originados em determinados factos dados como provados (nexo de causalidade) e a conclusão segundo a qual um certo evento danoso não se teria verificado se não fosse um determinado facto, são juízos que importam a aplicação de critérios normativos.
Em segundo lugar, é essa comparação entre a afirmada situação do lesado em consequência do evento lesivo e a afirmada situação hipotética que o lesado estaria futuramente se não fosse o evento lesivo que permite preencher a previsão normativa do artigo 564.º, n.º 2, do CC.
Em terceiro lugar, a aferição das hipóteses de ganhar uma determinada ação já perdida, não fosse um dado facto lesivo, depende da análise da defesa apresentada nessa ação e do possível sentido da decisão do tribunal em que a defesa foi preterida (o vulgarmente chamado julgamento sobre o julgamento). O que importa, pelo tribunal em que a indemnização é peticionada, a realização de um juízo sobre elementos de incerteza fáctica e elementos de incerteza jurídica, já que a possibilidade de procedência de uma determinada ação depende não apenas da prova apresentada no processo e dos factos depois dados como provados, como também dos potenciais regimes jurídicos aplicáveis ao caso.
Assim, a probabilidade da perda de chance, a que o acórdão do STJ n.º 2/2022 se refere para preencher o conceito normativo de previsibilidade constante do artigo 564.º, n.º 2, do CC não é um standard de prova, nem os standards de prova podem ser transpostos para o campo de interpretação de normas jurídicas, não sendo aptos a resolver questões de discricionariedade judicial no preenchimento de conceitos indeterminados.
A introdução da exigência de consistência ou seriedade da perda de oportunidade em nada faz avançar a resolução do problema, mantendo a inoperatividade dos conceitos no arbitramento concreto de indemnizações fundadas na perda de chance processual.