2022-10-20

O Decreto-Lei nº 72/2022 altera o Decreto-Lei n.º 30-A/2022, introduzindo novas medidas destinadas a acelerar e simplificar os procedimentos de produção e armazenamento de energia a partir de fontes renováveis.

1. Controlo Prévio Municipal

  • A instalação de centros electroprodutores de fontes de energia renováveis, de instalações de armazenamento, de UPAC e de instalações de produção de hidrogénio por eletrólise da água está agora sujeito ao procedimento de comunicação prévia, sem necessidade de decisão expressa de licenciamento e de obtenção de alvará para dar início às obras de construção;

  • A comunicação prévia apenas pode ser rejeitada por motivos relacionados com a falta de elementos instrutórios, se desrespeitar normas legais e regulamentares aplicáveis ou se a instalação afetar negativamente o património paisagístico. No entanto, neste último caso, a rejeição não pode ocorrer se (i) o projeto tiver sido objeto de declaração de impacte ambiental favorável ou favorável condicionada, (ii) ou se o território municipal tiver uma área inferior a 2% da área total afeta a este tipo de instalações produtivas.

  • Instalações com potência instalada igual ou inferior a 1 MW ficam isentas de controlo prévio por parte dos municípios

2. Compensação aos Municípios

  • A instalação de centros electroprodutores de fontes renováveis e de instalações de armazenamento que obtenha ou tenham sido isentos de título de controlo prévio passam a estar sujeitos a uma compensação aos Municípios no valor único de € 13.500 por MVA de potência de ligação atribuída. Esta compensação será suportada pelo Fundo Ambiental.

3. Acordos a celebrar com os Operadores de Rede

  • Os projetos referentes à celebração de acordos com o operador da Rede Elétrica de Serviço Público para a construção ou reforço de infraestruturas de rede, que já disponham de declaração de impacte ambiente favorável ou favorável condicionada, têm agora andamento prioritário em relação à ordenação na lista publicada pela DGEG.

4. Período Experimental

  • Os projetos dos procedimentos concorrenciais para a atribuição de reserva de capacidade de 2019, 2020 e 2021 podem beneficiar de um período adicional de 12 meses para exploração em período experimental (que acresce ao período de 12 meses já previsto no regime geral).

5. Atualização das tarifas dos procedimentos concorrenciais

  • A remuneração aplicável aos projetos dos procedimentos concorrenciais de 2019, 2020 e 2021 que corresponda a: (i) Desconto à tarifa de referência, (ii) Prémio variável por diferenças, ou (iii) Prémio fixo por flexibilidade, fica sujeita a atualização pelo valor da inflação, desde o ano da adjudicação até à entrada em funcionamento do centro electroprodutor.

  • A entrada em funcionamento do centro electroprodutor e a aplicação do regime remuneratório específico ocorre nos prazos estabelecidos nas peças dos procedimentos concorrenciais acrescidos das prorrogações atribuídas e, caso seja requerida autorização para o efeito, após o decurso do período experimental.

Estas regras entram em vigor no dia de hoje, 20 de outubro de 2022 e vigoram até ao dia 19 de abril de 2024.

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2022-10-14

Foi recentemente apresentada a nova proposta da Lei do Orçamento do Estado para 2023 (POE 2023).

Eis as principais medidas com impacto laboral:

Valorizações remuneratórias e atribuição de prémios

  • Os órgãos e serviços da Administração pública são responsáveis pela apresentação de um plano de valorização dos seus trabalhadores, que respeitem os limites e condicionalismos.
  • Os prémios de desempenho da Administração Pública podem ser atribuídos até ao montante legalmente estabelecido e o equivalente a até uma remuneração base mensal do trabalhador, sem prejuízo do disposto nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (“IRCT”).
  • As valorizações remuneratórias dos trabalhadores do Setor Empresarial do Estado (“SEE”) devem ser efetuadas de acordo com o previsto nos IRCT, outros instrumentos legais ou contratuais vigentes ou, na falta destes, pelo disposto no DEO.
  • A atribuição de prémios de desempenho dos trabalhadores do SEE deve cumprir com os IRCT e os demais instrumentos legais ou contratuais vigentes, ou na sua falta, o disposto no DEO.

Situações de Mobilidade na Administração Pública

  • Possibilidade de prorrogação até 31 de dezembro de 2023, por acordo entre as partes, das situações de mobilidade existentes à data de entrada em vigor da LOE 2023, cujo limite de duração máxima ocorra durante o ano de 2023.
  • Nos casos referidos no ponto anterior em que exista um acordo de cedência de interesse público, a prorrogação depende de parecer favorável do membro do Governo que exerça poderes de direção, superintendência ou tutela sobre o empregador público, com comunicação trimestral ao membro do Governo responsável pela área da Administração Pública.

Novas contratações

As empresas do setor público empresarial podem proceder ao recrutamento de trabalhadores, nos termos que vierem a ser definidos no DEO.

No entanto, até à entrada em vigor do DEO, mantém-se em vigor as disposições aplicáveis (n.ºs 3 a 7 do artigo 40.º) da LEO 2022.

Gastos operacionais das empresas públicas

As empresas públicas devem prosseguir uma política de otimização dos gastos operacionais que promova o respetivo equilíbrio operacional, nos termos do disposto no DEO.

Proteção social complementar dos trabalhadores

A contratação de seguros de doença e acidentes pessoais por entidades públicas a cujos trabalhadores se aplique o regime do contrato individual de trabalho é possível, desde que destinados à generalidade dos trabalhadores. O mesmo sucede em relação a outros seguros obrigatórios por lei ou previstos em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

Condição especial de acesso ao subsídio social de desemprego subsequente

Para acesso ao subsídio social de desemprego subsequente, é considerado o referencial previsto no n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, na sua redação atual, acrescido de 25 %, para efeitos de condição de recursos, para os beneficiários isolados ou por pessoa para os beneficiários com agregado familiar que, cumulativamente, reúnam as seguintes condições:

(i) À data do desemprego inicial, tivessem 52 ou mais anos;

(ii) Preencham as condições de acesso ao regime de antecipação da pensão de velhice nas situações de desemprego involuntário de longa duração, previsto no do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro

Caberá, agora, esperar pela aprovação e publicação do texto final do Orçamento do Estado para 2023.

2022-10-12

O Governo assinou com os parceiros sociais, com exceção da CGTP, o “Acordo de Médio Prazo de Melhoria dos Rendimentos, dos Salários e da Competitividade” (“Acordo”).

O Acordo pretende alcançar dois grandes objetivos:

(i)  Aumentar o rendimento disponível das pessoas e famílias; e

(ii) Criar condições para reforçar a competitividade das empresas e o crescimento da produtividade.

Foram definidas cinco áreas temáticas de intervenção e as principais medidas com impacto laboral e em matéria de emprego, referentes a:

(A) Valorização salarial

(i) Valorização nominal das remunerações por trabalhador de 4,8%, em média, nos anos 2023 a 2026 (valorização de 5,1% em 2023; 4,8% em 2024; 4,7% em 2025 e 4,6% em 2026); e

(ii) Aumento da remuneração mínima mensal garantida (“RMMG”) até, pelo menos, €900,00 em 2026 (aumento para €760,00 em 2023; €810,00 em 2024; €855,00 em 2025 e €900,00 em 2026).

(B) Atração e fixação de talento jovem

(i) Aumento do benefício anual do IRS Jovem para 50% no primeiro ano, 40% no segundo ano, 30% nos terceiro e quarto anos e 20% no quinto ano, e aumento dos limites máximos do benefício em cada ano;

(ii) Criação de programa anual de apoio à contratação sem termo de jovens qualificados com salários iguais ou superiores a 1.320€, nível remuneratório de entrada de um licenciado na carreira geral de técnico superior; e

(iii) Prorrogação extraordinária do “Programa Regressar” durante o período de vigência do Acordo, adaptando as regras de acesso ao Programa, com o objetivo de assegurar que o mesmo se destina ao incentivo ao regresso de quadros qualificados.

(C) Trabalhadores: rendimentos não salariais

(i) Atualização, no ano de 2023, dos escalões do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), com base no critério de valorização nominal das remunerações por trabalhador (5,1%);

(ii) Eliminação da diferença entre a retenção na fonte de IRS e o imposto devido, evoluindo para um sistema de retenção na fonte que assegure que as valorizações salariais se traduzem em ganhos líquidos mensais para os trabalhadores;

(iii) Alteração das regras de progressividade do IRS, passando de uma base de liquidação a final para uma lógica de abatimento a montante, beneficiando os rendimentos até 1.000€ por mês e eliminando a distorção atual de tributação a 100% dos rendimentos imediatamente acima da atual remuneração mínima mensal garantida;

(iv) Criação de um incentivo de regresso ao mercado de trabalho, direcionado a desempregados de longa de duração, permitindo a junção parcial de subsídio de desemprego com o salário pago pela entidade empregadora;

(v) Aumento da remuneração por trabalho suplementar a partir das 100 horas, de acordo com as seguintes regras: (i) 50% pela primeira hora ou fração desta; (ii) 75% por hora ou fração subsequente, em dia útil; (iii) 100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado

(vi) Aumento da redução da taxa de retenção na fonte de IRS para metade, nestas horas suplementares;

(vii) Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (“IRCT”) que contenham disposições contrárias ao enquadramento legal estabelecido no Acordo dispõem de um período transitório, até 1 de janeiro de 2024, para efeitos de negociação e alteração destas disposições;

(viii) Aumento do valor de isenção do subsídio de refeição para €5,20;

(ix) Avaliação do modelo que estabelece a isenção e valor do subsídio de refeição;

(x) Avaliação e operacionalização do enquadramento fiscal próprio para bonificar ao trabalhador a frequência de formação profissional certificada, a implementar na vigência do Acordo;

(xi) Aumento da compensação por cessação de contrato de trabalho para 14 dias nas situações de despedimento coletivo ou extinção do posto de trabalho;

(D) Entidades Empregadoras

(i) Majoração em 50% dos custos com a valorização salarial (remunerações e contribuições sociais), em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), para todas as empresas que: (i) tenham contratação coletiva dinâmica, considerando-se para o efeito a outorga ou renovação de Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho há menos de três anos; (ii) valorizem anualmente os salários em linha ou acima dos valores constantes no Acordo e no quadro de Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho; (iii) reduzam o leque salarial, considerando-se para o efeito o rácio entre a parcela da remuneração base dos 10% de trabalhadores mais bem remunerados em relação ao total e a parcela de remuneração base dos 10% de trabalhadores menos bem remunerados em relação ao total.

(E) Simplificação administrativa e custos de contexto

(i) Reconversão (nos termos ainda a definir) do Fundo de Compensação do Trabalho (“FCT”) para permitir às empresas que para ele tenham contribuído, nomeadamente: (i) financiar a qualificação e a formação certificada dos trabalhadores; (ii) apoiar a autonomização dos jovens trabalhadores, suportando uma parte dos encargos com Habitação;

(ii) Reforço do Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho (“FGCT”) com transferência excecional do FCT, de forma a garantir capacidade de resposta face ao histórico de sinistralidade;

(iii) Fim das contribuições para o FCT e, durante a vigência do acordo, a suspensão das contribuições mensais para o FGCT;

(iv) Eliminação da obrigação de comunicação mensal das declarações retributivas à Segurança Social por parte das entidades empregadoras passando a existir o princípio de necessidade de comunicação à Segurança Social, somente em caso de alterações;

O Acordo pode ser objeto de revisão sempre que ocorra alteração substancial das condições económicas e sociais que lhe estão subjacentes.

2022-10-12

O Governo apresentou a proposta do Orçamento de Estado para 2023 (OE 2023), em que se resumem as principais alterações fiscais previstas:

IRS

Em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), as principais alterações são as seguintes:

  • Atualização dos escalões e redução da taxa do 2.º escalão. Os escalões de IRS serão atualizados. A título de exemplo, o primeiro escalão passa de €7.116 para €7.479 e o último escalão de €75.009 para €78.834, o que corresponde a uma atualização de 5,1%. Para além disso, é reduzida a taxa aplicável ao segundo escalão de 23% para 21%.
  • Isenção parcial de IRS para jovens. As isenções do “IRS Jovem” passam a ser as seguintes:

- 50% com limite de 12,5 vezes o valor do IAS no primeiro ano;

- 40% com limite de 10 vezes o valor do IAS no segundo ano;

- 30% com limite de 7,5 vezes o valor do IAS no terceiro e no quarto ano; e

- 20% com limite de 5 vezes o valor do IAS no quinto ano.

  • Dedução com dependentes. A dedução pelo segundo dependente e seguintes que não ultrapassem os 6 anos de idade até 31 de dezembro aumenta €300 ou, em caso de guarda conjunta, €150.
  • Trabalho suplementar. A taxa de retenção autónoma aplicável à remuneração de trabalho suplementar é reduzida em 50% a partir da 101.ª hora, inclusive.
  • Redução das retenções na fonte para titulares de crédito à habitação. A retenção na fonte sobre os rendimentos de categoria A é reduzida para a taxa do escalão inferior para sujeitos passivos que são devedores de um crédito à habitação para habitação própria e que, cumulativamente, aufira uma remuneração mensal não superior a €2.700.
  • Atividades comerciais/industriais sobre criptoativos. As operações relacionadas com a emissão de criptoativos, incluindo a mineração, ou a validação de transações de criptoativos através de mecanismos de consenso serão qualificadas e tributadas como atividades comerciais e industriais.
  • Mais-valias resultantes da venda de criptoativos. Os ganhos que resultem da alienação onerosa de criptoativos são qualificados e tributados como mais-valias, exceto quando sejam considerados rendimentos empresariais e profissionais ou de capitais. Contudo, as mais-valias ficam isentas quando tenham por objeto criptoativos detidos por um período igual ou superior a 365 dias.
  • Obrigações de reporte de operações sobre criptoativos. As pessoas singulares ou coletivas, os organismos e outras entidades sem personalidade jurídica, que prestem serviços de custódia e administração de criptoativos por conta de terceiros ou tenham a gestão de uma ou mais plataformas de negociação de criptoativos, devem comunicar à Autoridade Tributária e Aduaneira, até ao final do mês de janeiro de cada ano, relativamente a cada sujeito passivo, através de modelo oficial, as operações efetuadas com a sua intervenção, relativamente a criptoativos.
  • Isenção parcial de rendimentos da venda de energia. São excluídos, até ao limite de €1.000, os rendimentos anuais resultantes da transação da energia excedente produzida para autoconsumo a partir de fontes de energia renovável, por unidades de produção para o autoconsumo, até ao limite de 1 MW da respetiva potência instalada e da transação da energia produzida em unidades de pequena produção a partir de fontes de energia renovável, até ao limite de 1 MW da respetiva potência instalada.

IRC

Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), destacam-se as seguintes alterações:

  • Taxa de IRC aplicável a PMEs. O valor a qual está sujeita a taxa de IRC de 17% (aplicável a PMEs) aumenta de €25.000 para €50.000. Acresce-se que esta taxa é aplicável nos dois exercícios posteriores a operações de fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de partes sociais, realizadas entre 1 de janeiro de 2023 e 31 de dezembro de 2026, em que a totalidade dos sujeitos passivos se qualifique como pequena, média empresa ou empresa de pequena-média capitalização.
  • Majoração dos encargos suportados com eletricidade e gás. Os custos de eletricidade e gás poderão ser majorados em 20% desde que verificadas determinadas condições. Ficam excluídos deste apoio os sujeitos passivos que desenvolvam atividades económicas que gerem, pelo menos, 50 % do volume de negócios no domínio da:

- Produção, transporte, distribuição e comércio de eletricidade ou gás; ou

- Fabricação de produtos petrolíferos, refinados ou a partir de resíduos, e de aglomerados de combustíveis;

  • Majoração dos encargos suportados na produção agrícola. Com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2022 e desde que verificadas determinadas condições, poderãoser majorados em 40% os gastos e perdas incorridos ou suportados pelos sujeitos passivos com a aquisição de:

- Adubos, fertilizantes e corretivos orgânicos e minerais;

- Farinhas, cereais e sementes, incluindo misturas, resíduos e desperdícios das indústrias alimentares, e quaisquer outros produtos próprios para alimentação de gado, aves e outros animais, referenciados no Codex Alimentarius, independentemente da raça e funcionalidade em vida, destinados à alimentação humana; e

- Água para rega.

  • Limites ao reporte de prejuízos fiscais. É eliminada o limite temporal aplicável ao reporte de prejuízos fiscais nos anos seguintes à sua obtenção, reduzindo-se o limite percentual da dedução anual de 70% para 65%.
  • Limites ao reporte de gastos de financiamento. O reporte de gastos de financiamento líquidos não dedutíveis deixa de ser aplicável quando se verificar uma alteração da titularidade de mais de 50% do capital social ou da maioria dos direitos de voto do sujeito passivo, salvo quando se conclua que a alteração não teve como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que a operação tenha sido realizada por razões económicas válidas.
  • Regime especial de tributação de grupos. Em casode alteração de controlo, quando a nova sociedade dominante opte pela continuidade da aplicação do regime especial de tributação dos grupos, deixa de ser necessária a autorização do membro do Governo responsável pela área das finanças para a dedução dos prejuízos fiscais do grupo registados durante os períodos de tributação anteriores, salvo quando se conclua que a alteração não teve como principal objetivo ou como um dos principais objetivos a evasão fiscal, o que pode considerar-se verificado, nomeadamente, nos casos em que a operação tenha sido realizada por razões económicas válidas.
  • Tributação de rendimentos relativos a criptoativos (regime simplificado). Os rendimentos relativos a criptoativos que não sejam considerados rendimentos de capitais, nem resultem do saldo positivo das mais e menos-valias e dos restantes incrementos patrimoniais, são tributados em 15% no regime simplificado de tributação.
  • Tributação de lucros de estabelecimento estável fora de Portugal. Casoas empresas tenham deduzido prejuízos fiscais relativos a um estabelecimento estável fora de Portugal nos últimos 12 anos não poderão excluir do IRC os lucros tributáveis até ao montante desses prejuízos.

IVA

Quanto ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), não se verificam quaisquer propostas de alteração.

IMPOSTOS ESPECIAIS SOBRE O CONSUMO

Em sede de impostos especiais sobre o consumo, destacam-se as seguintes alterações:

IMPOSTO SOBRE OS PRODUTOS PETROLÍFEROS E ENERGÉTICOS (ISPE)

  • Reembolso parcial para o gasóleo e gás profissional. Alterações para enquadramento do gás profissional e do transporte coletivo de passageiros no reembolso, seguindo os mesmos requisitos gerais. Alteram-se os códigos de classificação do gasóleo para NC 2710 19 43 a 2710 19 48 e 2710 20 11 a 2710 20 19 e alarga-se ao gás NC 2711 11 00 e 2711 21 00. Além do requisito do peso total em carga permitido das viaturas não ser inferior a 7,5 toneladas, é adicionada o requisito de uma lotação não inferior a 22 lugares quando se trate de empresas de transporte coletivo de passageiros. Limitação do valor máximo de abastecimento anual elegível para reembolso de gás entre 25.000 e 40.000 gigajoules.
  • Gasóleo colorido e marcado. Mantém-se em vigor em 2023 a majoração relativa à utilização de gasóleo colorido e marcado pelos pequenos agricultores, detentores do estatuto de agricultura familiar, pequenos aquicultores e para a pequena pesca artesanal e costeira que utilizem gasóleo colorido e marcado com um consumo anual até 2.000 litros, de 0,06 euros por litro sobre a taxa reduzida aplicável aos equipamentos utilizados.
  • Pesca artesanal. Mantém-se em vigor em 2023 um subsídio correspondente ao desconto no preço final da gasolina consumida equivalente ao que resulta da redução de taxa aplicável ao gasóleo consumido na pesca.
  • Produtos utilizados na produção de eletricidade, eletricidade e calor ou gás de cidade (com exceção dos biocombustíveis, biometano, hidrogénio verde e outros gases renováveis):

- Produtos abrangidos pelos códigos NC 2710 19 62 a 2710 19 67 e NC 2710 20 32 e 2710 20 38, utilizados na produção de eletricidade e na cogeração, ou de gás de cidade no continente, são tributados com uma taxa correspondente a 100 % da taxa de ISP e com uma taxa correspondente a 100 % do adicionamento sobre as emissões de CO2;

- Abrangidos pelos códigos  NC 2710 19 43 a 2710 19 48, NC 2710 20 11 a 2710 20 19, NC 2710 19 62 a 2710 19 67, NC 2710 20 32 e 2710 20 38, consumidos nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e utilizados na produção de eletricidade, de eletricidade e calor (cogeração), ou de gás de cidade, por entidades que desenvolvam essas atividades como sua atividade principal, são tributados com uma taxa correspondente a 50 % da taxa de ISP e com uma taxa correspondente a 50 % da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2. Determina-se a sua subida para 75 % e 100% a 1 de janeiro de 2024 e 2025, respetivamente;

- Abrangidos pelo código NC 2711, utilizados na produção de eletricidade, de eletricidade e calor (cogeração), ou de gás de cidade, por entidades que desenvolvam essas atividades como sua atividade principal, com exceção dos usados nas regiões autónomas, são tributados com uma taxa correspondente a 40 % da taxa de ISP e com uma taxa correspondente a 40 % da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2. Determina-se a sua subida para 50% a partir de 1 de janeiro de 2024;

- Abrangidos pelos códigos NC 2701, 2702, 2704, 2713 e 2711 12 11 que sejam utilizados em instalações sujeitas a um acordo de racionalização dos consumos de energia (ARCE), e fuelóleo com teor de enxofre igual ou inferior a 0,5 %, classificado pelos códigos NC 2710 19 62 e 2710 19 66, são tributados com uma taxa correspondente a 30 % da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2.  Determina-se a sua subida para 65 % e 100% a 1 de janeiro de 2024 e 2025, respetivamente;

TAXAS SOBRE BEBIDAS

  • Taxa sobre as bebidas alcoólicas. Aumento das taxas de imposto aplicáveis sobre as (i) cervejas, passando estas a variar entre os 8,76 euros/hl e os 30,77 euros/hl, (ii) as Bebidas fermentadas, tranquilas e espumantes, passando estas a ser de 10,96 euros/hl, (iii) os Produtos intermédios, passando estas a ser de 79,93 euros/hl e (iv) as Bebidas espirituosas, passando estas a ser de 1.456,83 euros/hl. No que se refere à taxa para consumo na Região Autónoma da Madeira a taxa aumenta para 1.303,85 euros/hl.
  • Taxa sobre as bebidas não alcoólicas. Incremento da unidade tributável, sendo que a taxa de imposto varia entre 1,05 euros/hl (teor de açúcar inferior a 25g/l), 6,32 euros/hl (teor de açúcar seja inferior a 50g/l e igual ou superior a 25g/l), 8,42 euros/hl (teor de açúcar inferior a 80g/l e igual ou superior a 50g/l) e de 21,07 euros/hl (teor de açúcar igual ou superior a 80g/l). Na forma líquida os valores aumentam para 6,32 euros/hl, 37,93 euros/hl, 50,56 euros/hl e 126,42 euros/hl, respetivamente; e sob a forma de pó, grânulos ou outras formas sólidas aumentam para 10,54 euros/hl, 63,21 euros/hl, 84,28 euros/hl e 210,71 euros/hl por 100 quilogramas de peso líquido, respetivamente.

IMPOSTO SOBRE O TABACO

  • Tabaco normal. Aumento do elemento específico para 112,5 euros, bem como do elemento ad valorem, para 12%.
  • Tabaco aquecido. Aumento do elemento específico para 0,0896 euros/g do elemento ad valorem para 15,15%. Eleva-se ainda o montante mínimo de imposto de 0,193 euros/g para 0,182 euros/g.
  • Charutos e cigarrilhas. Mantém-se a componente ad valorem de ambos para 25%. O milheiro de charuto e cigarrilhas aumenta respetivamente para 432,87 euros e 64,93 euros.
  • Tabaco de corte fino, restantes tabacos de fumar, rapé, tabaco de mascar. Aumento do elemento específico para 0,087 euros/g, sendo que o valor do imposto não poderá ser inferior a 0,188 euros.
  • Tabaco para cachimbo de água. Aumento do elemento ad valorem para 50,50%, e do elemento específico da tributação sobre o líquido contendo nicotina, em recipientes utilizados para carga e recarga de cigarros eletrónicos para 0,336 euros/ml.
  • Cigarros fabricados nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores. Aumento do elemento específico para 64,01 euros e manutenção do ad valorem em 9,1%, nos cigarros fabricados por pequenos produtores cuja produção anual não exceda, individualmente, 500 t e que sejam consumidos nestas regiões, o elemento específico.  O limite mínimo de imposto é reduzido para 87% sendo que as taxas de imposto a adicionar a todos os cigarros consumidos nestas regiões são elevadas no elemento específico para 22,47 euros, mantendo o ad valorem em 9%.
  • Cigarros fabricados nas Regiões Autónomas dos Açores.  Diminuição do elemento específico para 35.36 euros e manutenção do ad valorem em 42%, nos cigarros fabricados por pequenos produtores cuja produção anual não exceda, individualmente, 500 t e que sejam consumidos nestas regiões.  O limite mínimo de imposto é reduzido para 80%.

TAXA DE CARBONO

Mantém-se em vigor em 2023 a taxa de carbono para o consumidor de viagens aéreas, marítimas e fluviais em vigor desde 1 de julho de 2021.

IMPOSTO SOBRE VEÍCULOS (ISV)

Aumento das taxas de ISV aplicáveis aos automóveis, motociclos, triciclos e quadriciclos, relativamente à sua componente cilindrada e ambiental.

IMPOSTO ÚNICO DE CIRCULAÇÃO (IUC)

Aumento generalizado das taxas de IUC aplicáveis a todos os veículos.

IMT

Em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), destacam-se as seguintes medidas:

  • Transações envolvendo criptoativos. O valor dos criptoativos dados em troca na transmissão do imóvel passam a ser considerados para efeitos de determinação do valor tributável.
  • Atualização dos escalões de incidência. As taxas de IMT mantém-se inalteradas, mas são aumentandos os valores dos escalões de incidência, na aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano.

IMPOSTO DO SELO

Em sede de imposto de selo, destacam-se as novas regras sobre a tributação de criptoativos:  

  • Transmissões gratuitas. Passam a considerar-se transmissões gratuitas, para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral (aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião, a acrescer, sendo caso disso, à da verba 1.1 sobre o valor), as que tenham por objeto criptoativos.
  • Comissões relativas a prestações de serviços. As comissões e contraprestações cobradas por ou com intermediação de prestadores de serviços de criptoativos ficam sujeitos a imposto do selo à taxa de 4%. O imposto do selo é um encargo dos clientes, mas deverá ser cobrado pelos prestadores de serviços de criptoativos, salvo se estes não forem domiciliados em território nacional, caso em que os sujeitos passivos do imposto são (i) os prestadores de serviços de criptoativos domiciliados em território nacional que tenham intermediado as operações ou (ii) os representantes que, para o efeito, são obrigatoriamente nomeados em Portugal.
  • Valor tributável dos criptoativos. O valor tributável dos criptoativos determina-se da seguinte forma por aplicação de regras específicas previstas no Código do Imposto do Selo, pelo valor da cotação oficial, quando exista ou pelo valor declarado pelo cabeça-de-casal ou pelo beneficiário, devendo, tanto quanto possível, aproximar-se do valor de mercado. Contudo, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem a faculdade de proceder à determinação do valor tributável com base no valor de mercado quando considere fundamentadamente que possa haver uma divergência entre o valor declarado e o valor de mercado.

CONTRIBUIÇÕES ESPECIAIS

A proposta de OE 2023 prorroga para 2023 as seguintes contribuições especiais:

  • Contribuição especial para a conservação dos recursos florestais;
  • Contribuição sobre o setor bancário;
  • Adicional de solidariedade sobre o setor bancário;
  • Contribuição sobre a Indústria Farmacêutica;
  • Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE);
  • Contribuição extraordinária sobre os fornecedores da indústria de dispositivos médicos do Serviço Nacional de Saúde (SNS); e
  • Contribuição sobre as embalagens de plástico ou alumínio de utilização única em refeições prontas.

BENEFÍCIOS FISCAIS

A proposta do OE 2023 inclui as seguintes alterações:

  • Benefícios aplicáveis às empresas situadas no Interior. A taxa de 12,5% aplicável às empresas que exerçam  atividade económica em territórios do interior passa a ser aplicável aos primeiros €50.000 de matéria colectável, ao invés dos primeiros €25.000. Para determinação da matéria colectável, passam a ser considerados  os encargos com a criação líquida de trabalho em 120% dos seu montante. Apenas são considerados os postos de trabalho a tempo indeterminado que aufiram rendimentos de trabalho dependente e que residam, para efeitos fiscais, em territórios do interior, ficando excluídos os trabalhadores cedidos por empresas de trabalho temporário, os trabalhadores em cedência ocasional (relativamente à entidade cessionária) e os trabalhadores em regime de pluralidade de empregadores.
  • Benefícios aplicáveis aos estudantes de estabelecimentos de ensino no Interior ou nas Regiões Autónomas. Os estudantes que frequentem estabelecimentos de ensino situados em território do Interior ou nas Regiões Autónomas gozam de uma majoração de 10 pontos percentuais ao valor suportado a título de despesas de educação e formação, para efeitos de IRS, sendo o limite global dessas despesas elevado para €1.000 quando a diferença seja relativa a estas despesas. Em sede de IRS, a dedução de encargos com imóveis passa a ter como limite o valor de €1.000, durante três anos, relativamente aos estudantes que transfiram a sua residência para território do Interior.
  • Incentivo à valorização salarial. Os encargos correspondentes ao aumento salarial determinado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho dinâmica relativos a trabalhadores com contrato de trabalho por tempo indeterminado passam a ser considerados em 150% do respetivo montante para efeitos de determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e de IRS com contabilidade organizada. Em todo o caso, apenas são considerados os encargos relativos a trabalhadores cuja remuneração tenha aumentado em pelo menos 5,1% e acima da remuneração mínima mensal garantida. O montante máximo dos encargos majoráveis, por trabalhador, está limitado a 4 vezes a retribuição mínima mensal garantida.
  • Incentivo à capitalização das empresas. Ao lucro tributável das empresas passa a ser dedutível uma importância correspondente a 4,5% do montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios. Esta taxa passa a 5% quando esteja em causa micro, pequena ou média empresa ou empresa de pequena-média capitalização. A dedução não pode exceder €2.000.000 ou 30% do resultado. O beneficiário deve dispor de contabilidade regularmente organizada e situação fiscal e contributiva regularizada, não podendo o seu lucro ser determinado por métodos indiretos. Este benefício não é aplicável a instituições de crédito, sociedades financeiras ou legalmente equiparadas.

 

2022-10-03

1. Due diligence: noção e funções

Uma due diligence é um processo que visa identificar as questões jurídicas de um target – empresa-alvo ou conjunto de empresas-alvo – e analisar quais os riscos e as contingências do seu negócio, podendo ser feita pelo vendedor (vendor due diligence) ou potencial comprador (purchaser due diligence).

A realização de due diligences é muito comum em operações de M&A (fusões e aquisições), no intuito de determinar as precedent conditions de um negócio e avaliar se vale a pena avançar com um processo de aquisição ou fusão e quais os riscos e contingências associados.

Tanto em Portugal como no Brasil, há várias formas de qualificar um processo de due diligence, a qual será feita de acordo com o tema das investigações ou negócio a realizar.

Cada tipo de due diligence apresenta uma finalidade específica, pelo que as diligências devem ser realizadas por uma equipa especializada com expertise técnica em diferentes áreas do conhecimento.

A due diligence é ainda um dos pilares de um programa de compliance, pois, permite realizar um diagnóstico à empresa-alvo, identificando possíveis riscos de compliance, que terão de ser mitigados, bem como pode evitar que a empresa-alvo crie vínculos com terceiros que possam praticar atos prejudiciais para o seu negócio. Desta forma, constitui um importante mecanismo para evitar que sejam implementadas “ferramentas de crise” e que obstem à realização de uma determinada transação face à situação da empresa-alvo.

2. Tipos de due diligence

As due diligences podem ser de diferentes tipos consoante a(s) matéria(s) objeto de análise. Assim:

Due diligence societária

Uma due diligence de âmbito societário visa aferir os principais aspetos da organização e gestão societária da empresa-alvo e identificar possíveis contigências associadas, as quais devem ser revistas antes da realização da transação ou, não sendo possível, consideradas para efeitos da transação, dependendo do tipo de matéria e possíveis riscos associados, sob pena de inviabilizar a transação.

Due diligence financeira

Numa due diligence financeira, analisam-se informações que envolvem o histórico e o desempenho financeiro da empresa, incluindo os balanços recentes, ativo e passivo, bens, dívidas, lucros, projeções futuras, entre outros fatores de cunho financeiro.

Esta modalidade de due diligence tem por objetivo compreender todo o fluxo de capital que gira dentro da empresa, tendo como propósito final analisar a saúde financeira do negócio e sua projeção para o futuro.

Due diligence comercial

Uma due diligence de âmbito comercial visa analisar as relações contratuais da empresa-alvo com clientes, prestadores de serviços, parceiros e de que forma uma alteração na estrutura acionista 

da empresa-alvo ou uma separação de ativos poderá ter impacto nos contratos em vigor. Neste âmbito, podem, por exemplo, ser relevantes as cláusulas relativas a obrigações de exclusividade, de duração, de change of control, e quais as possíveis medidas a adotar com vista à continuação ou cessação da relação contratual e possíveis consequências, por exemplo, pagamento de uma indemnização por cessação antecipada.

Due diligence laboral

Uma due diligence laboral tem como objetivo interpretar a composição do quadro funcional da empresa, principalmente para compreender como esse quadro contribui para a saúde financeira da empresa, e quais potenciais riscos se apresentam, sendo analisada a questão contratual e legislativa dos trabalhadores, além de verificar qual é a distribuição dos mesmos nas funções, qual é contencioso trabalhista da empresa e possíveis riscos na área para o futuro.

Due diligence contabilística e fiscal

Uma due diligence conatbilística e fiscal envolve a coleta e avaliação de informações tributárias e fiscais, bem como de dados contabilísticos da empresa. Esse tipo, é sem dúvida, uma das partes mais técnicas e que demandam muita atenção da equipe responsável pela análise.

Do ponto de vista operacional, através da due diligence, obtêm-se informações relevantes que podem auxiliar no processo de tomada de decisões, garantindo assim, maior proteção financeira, necessária para apurar se as finanças da empresa estão sendo controladas em conformidade com a legislação vigente.

Due diligence ambiental

É de extrema relevância a análise prévia de qualquer eventual impacto ao meio ambiente. Por isso, a legislação ambiental é bastante rigorosa e é muito importante investir nesse tipo de due diligence. Comumente, esse tipo de diligência é realizado quando uma empresa visa expandir ou gerar leads B2B, a fim de realizar atividades de alto impacto no ambiente, sendo crucial atentar à legislação específica.

Due diligence em tecnologias de informação (TI)

A due diligence na área de tecnologia da informação tem-se intensificado, principalmente, em razão do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) na Europa, incluindo Portugal, e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil.

Nessa área, a diligência prévia requer uma avaliação de questões referentes a integração dos processos, fluxos de trabalho, segurança de informações, avaliação detalhada dos ativos, dos sistemas, das políticas e dos procedimentos de TI, com o intuito de identificar e avaliar os principais riscos do ramo e indicar os pontos que podem impactar no negócio.

3. Principais etapas de uma due diligence

3.1. Acesso ao data room

A due diligence envolve o acesso a informações confidenciais da empresa-alvo.

Atualmente, a informação é, em regra, organizada e disponibilizada numa plataforma eletrónica criada para o efeito, a que se dá o nome de data room virtual, e cujo acesso é concedido pelo target.

3.2. Obrigação de confidencialidade e de proteção de dados pessoais

A due diligence envolve o acesso a informações confidenciais, incluindo segredos de negócio, bem como o acesso a dados pessoais que são objeto de tratamento pelo target.

Considerando que a divulgação de informações confidenciais pode ser prejudicial à empresa-alvo, é prática comum as partes assinarem um Non-Disclosure Agreement (NDA) ou Confidentiality Agreement.

O objetivo deste acordo é o da não divulgação de informações pelo potencial adquirente a terceiros ou a sua utilização em benefício próprio, ainda que o negócio não seja efetivado. Complementarmente, são comuns disposições referentes à devolução e/ou destruição de documentação, incluindo de dados pessoais, disponibilizada com a due diligence.

O tratamento de dados pessoais no âmbito de uma due diligence tem de assentar num fundamento jurídico válido (em regra, o interesse legítimo), circunscrever-se a uma finalidade específica (a da realização da due diligence) e apenas ser conservada pelo tempo estritamente necessário à realização da due diligence, razão pela qual a informação deverá ser devolvida ou destruída após a sua conclusão e encerramento do data room.

Por vezes, para uma maior eficácia da salvaguarda da confidencialidade, consta do acordo a obrigatoriedade de a auditoria ser efetuada num data room físico (com documentação em suporte físico) num local específico, evitando-se, assim, que a documentação “circule” para além das instalações do vendedor.

Quando, no entanto, o data room seja virtual, torna-se também relevante considerar se o seu acesso poderá ser feito a partir de um país terceiro (fora da União Europeia e do Espaço Económico Europeu) e se assim for acautelar a questão das transferências de dados internacionais através de uma das soluções específicas previstas no Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD – GDPR), por exemplo, com recurso a cláusulas contratuais tipo da Comissão Europeia.

O incumprimento do NDA ou Confidentiality Agreement, incluindo do tratamento de dados pessoais em violação do RGPD, é gerador de responsabilidade para a parte faltosa, que poderá ficar obrigada a ressarcir a contraparte, bem como a pesadas coimas.

Em suma, a necessidade de obter uma visão global e detalhada de todo o negócio por parte do potencial adquirente encontra-se sujeita a alguns limites, nomeadamente quanto às informações que podem ser utilizadas pelo potencial adquirente e para que finalidades e a correlativa obrigação de devolução ou destruição da informação partilhada uma vez concluída a due diligence

3.3. Pedidos de esclarecimento

Com vista a acautelar possíveis contingências durante o processo de análise da informação e documentação prestada, a interação com a empresa-alvo revela-se necessária de forma a esclarecer aspetos não percetíveis ou, até mesmo, incongruentes detetados durante a due diligence.

Por exemplo, numa due diligence laboral, sucede, por vezes, o contrato de trabalho identificar um determinado instrumento de regulamentação coletiva aplicável à empresa-alvo e no “Relatório Único” mencionar um instrumento diferente. Aspetos como este têm de ser objeto de um pedido de esclarecimento adicional para que se identifique o concreto instrumento aplicável e, em consequência, os respetivos direitos e deveres conferidos aos trabalhadores.

Normalmente, a prestação de informações adicionais ocorre por escrito, em formato “Q&A” (pergunta e resposta), sendo, porém, também possível o esclarecimento por via telefónica de eventuais questões.

3.4. Relatório de due diligence

A análise da informação será refletida no relatório de due diligence, o qual, dependendo do grau de detalhe pretendido, poderá seguir a forma de um red flag report, no qual apenas se identifiquem os red flags (principais riscos materiais), consequências associadas e recomendações a adotar, que possam ter um impacto relevante para a transação.

O relatório de due diligence também poderá ser mais detalhado, por forma a refletir a atual situação integral da empresa-alvo nas diferentes matérias objeto de análise e possíveis medidas a adotar.

 

1. Due diligence: noção e funções

Uma due diligence é um processo que visa identificar as questões jurídicas de um target – empresa-alvo ou conjunto de empresas-alvo – e analisar quais os riscos e as contingências do seu negócio, podendo ser feita pelo vendedor (vendor due diligence) ou potencial comprador (purchaser due diligence).

A realização de due diligences é muito comum em operações de M&A (fusões e aquisições), no intuito de determinar as precedent conditions de um negócio e avaliar se vale a pena avançar com um processo de aquisição ou fusão e quais os riscos e contingências associados.

Tanto em Portugal como no Brasil, há várias formas de qualificar um processo de due diligence, a qual será feita de acordo com o tema das investigações ou negócio a realizar.

Cada tipo de due diligence apresenta uma finalidade específica, pelo que as diligências devem ser realizadas por uma equipa especializada com expertise técnica em diferentes áreas do conhecimento.

A due diligence é ainda um dos pilares de um programa de compliance, pois, permite realizar um diagnóstico à empresa-alvo, identificando possíveis riscos de compliance, que terão de ser mitigados, bem como pode evitar que a empresa-alvo crie vínculos com terceiros que possam praticar atos prejudiciais para o seu negócio. Desta forma, constitui um importante mecanismo para evitar que sejam implementadas “ferramentas de crise” e que obstem à realização de uma determinada transação face à situação da empresa-alvo.

2. Tipos de due diligence

As due diligences podem ser de diferentes tipos consoante a(s) matéria(s) objeto de análise. Assim:

Due diligence societária

Uma due diligence de âmbito societário visa aferir os principais aspetos da organização e gestão societária da empresa-alvo e identificar possíveis contigências associadas, as quais devem ser revistas antes da realização da transação ou, não sendo possível, consideradas para efeitos da transação, dependendo do tipo de matéria e possíveis riscos associados, sob pena de inviabilizar a transação.

Due diligence financeira

Numa due diligence financeira, analisam-se informações que envolvem o histórico e o desempenho financeiro da empresa, incluindo os balanços recentes, ativo e passivo, bens, dívidas, lucros, projeções futuras, entre outros fatores de cunho financeiro.

Esta modalidade de due diligence tem por objetivo compreender todo o fluxo de capital que gira dentro da empresa, tendo como propósito final analisar a saúde financeira do negócio e sua projeção para o futuro.

Due diligence comercial

Uma due diligence de âmbito comercial visa analisar as relações contratuais da empresa-alvo com clientes, prestadores de serviços, parceiros e de que forma uma alteração na estrutura acionista da empresa-alvo ou uma separação de ativos poderá ter impacto nos contratos em vigor. Neste âmbito, podem, por exemplo, ser relevantes as cláusulas relativas a obrigações de exclusividade, de duração, de change of control, e quais as possíveis medidas a adotar com vista à continuação ou cessação da relação contratual e possíveis consequências, por exemplo, pagamento de uma indemnização por cessação antecipada.

Due diligence laboral

Uma due diligence laboral tem como objetivo interpretar a composição do quadro funcional da empresa, principalmente para compreender como esse quadro contribui para a saúde financeira da empresa, e quais potenciais riscos se apresentam, sendo analisada a questão contratual e legislativa dos trabalhadores, além de verificar qual é a distribuição dos mesmos nas funções, qual é contencioso trabalhista da empresa e possíveis riscos na área para o futuro.

Due diligence contabilística e fiscal

Uma due diligence conatbilística e fiscal envolve a coleta e avaliação de informações tributárias e fiscais, bem como de dados contabilísticos da empresa. Esse tipo, é sem dúvida, uma das partes mais técnicas e que demandam muita atenção da equipe responsável pela análise.

Do ponto de vista operacional, através da due diligence, obtêm-se informações relevantes que podem auxiliar no processo de tomada de decisões, garantindo assim, maior proteção financeira, necessária para apurar se as finanças da empresa estão sendo controladas em conformidade com a legislação vigente.

Due diligence ambiental

É de extrema relevância a análise prévia de qualquer eventual impacto ao meio ambiente. Por isso, a legislação ambiental é bastante rigorosa e é muito importante investir nesse tipo de due diligence. Comumente, esse tipo de diligência é realizado quando uma empresa visa expandir ou gerar leads B2B, a fim de realizar atividades de alto impacto no ambiente, sendo crucial atentar à legislação específica.

Due diligence em tecnologias de informação (TI)

A due diligence na área de tecnologia da informação tem-se intensificado, principalmente, em razão do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) na Europa, incluindo Portugal, e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil.

Nessa área, a diligência prévia requer uma avaliação de questões referentes a integração dos processos, fluxos de trabalho, segurança de informações, avaliação detalhada dos ativos, dos sistemas, das políticas e dos procedimentos de TI, com o intuito de identificar e avaliar os principais riscos do ramo e indicar os pontos que podem impactar no negócio.

3. Principais etapas de uma due diligence

3.1. Acesso ao data room

A due diligence envolve o acesso a informações confidenciais da empresa-alvo.

Atualmente, a informação é, em regra, organizada e disponibilizada numa plataforma eletrónica criada para o efeito, a que se dá o nome de data room virtual, e cujo acesso é concedido pelo target.

3.2. Obrigação de confidencialidade e de proteção de dados pessoais

A due diligence envolve o acesso a informações confidenciais, incluindo segredos de negócio, bem como o acesso a dados pessoais que são objeto de tratamento pelo target.

Considerando que a divulgação de informações confidenciais pode ser prejudicial à empresa-alvo, é prática comum as partes assinarem um Non-Disclosure Agreement (NDA) ou Confidentiality Agreement.

O objetivo deste acordo é o da não divulgação de informações pelo potencial adquirente a terceiros ou a sua utilização em benefício próprio, ainda que o negócio não seja efetivado. Complementarmente, são comuns disposições referentes à devolução e/ou destruição de documentação, incluindo de dados pessoais, disponibilizada com a due diligence.

O tratamento de dados pessoais no âmbito de uma due diligence tem de assentar num fundamento jurídico válido (em regra, o interesse legítimo), circunscrever-se a uma finalidade específica (a da realização da due diligence) e apenas ser conservada pelo tempo estritamente necessário à realização da due diligence, razão pela qual a informação deverá ser devolvida ou destruída após a sua conclusão e encerramento do data room.

Por vezes, para uma maior eficácia da salvaguarda da confidencialidade, consta do acordo a obrigatoriedade de a auditoria ser efetuada num data room físico (com documentação em suporte físico) num local específico, evitando-se, assim, que a documentação “circule” para além das instalações do vendedor.

Quando, no entanto, o data room seja virtual, torna-se também relevante considerar se o seu acesso poderá ser feito a partir de um país terceiro (fora da União Europeia e do Espaço Económico Europeu) e se assim for acautelar a questão das transferências de dados internacionais através de uma das soluções específicas previstas no Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD – GDPR), por exemplo, com recurso a cláusulas contratuais tipo da Comissão Europeia.

O incumprimento do NDA ou Confidentiality Agreement, incluindo do tratamento de dados pessoais em violação do RGPD, é gerador de responsabilidade para a parte faltosa, que poderá ficar obrigada a ressarcir a contraparte, bem como a pesadas coimas.

Em suma, a necessidade de obter uma visão global e detalhada de todo o negócio por parte do potencial adquirente encontra-se sujeita a alguns limites, nomeadamente quanto às informações que podem ser utilizadas pelo potencial adquirente e para que finalidades e a correlativa obrigação de devolução ou destruição da informação partilhada uma vez concluída a due diligence

3.3. Pedidos de esclarecimento

Com vista a acautelar possíveis contingências durante o processo de análise da informação e documentação prestada, a interação com a empresa-alvo revela-se necessária de forma a esclarecer aspetos não percetíveis ou, até mesmo, incongruentes detetados durante a due diligence.

Por exemplo, numa due diligence laboral, sucede, por vezes, o contrato de trabalho identificar um determinado instrumento de regulamentação coletiva aplicável à empresa-alvo e no “Relatório Único” mencionar um instrumento diferente. Aspetos como este têm de ser objeto de um pedido de esclarecimento adicional para que se identifique o concreto instrumento aplicável e, em consequência, os respetivos direitos e deveres conferidos aos trabalhadores.

Normalmente, a prestação de informações adicionais ocorre por escrito, em formato “Q&A” (pergunta e resposta), sendo, porém, também possível o esclarecimento por via telefónica de eventuais questões.

3.4. Relatório de due diligence

A análise da informação será refletida no relatório de due diligence, o qual, dependendo do grau de detalhe pretendido, poderá seguir a forma de um red flag report, no qual apenas se identifiquem os red flags (principais riscos materiais), consequências associadas e recomendações a adotar, que possam ter um impacto relevante para a transação.

O relatório de due diligence também poderá ser mais detalhado, por forma a refletir a atual situação integral da empresa-alvo nas diferentes matérias objeto de análise e possíveis medidas a adotar.

Atualmente, o formato de red flag report tem ganhado uma prática generalizada, assinalando-se os aspetos materiais que possam ter impacto na transação e que devem ficar refletidos nos contratos relativos à transação, sob a forma, por exemplo, de representations and warranties.

É comum que o relatório conheça várias versões até se chegar à versão final, uma vez que se trata de um documento dinâmico, que é elaborado à medida que a informação é disponibilizada no data room e esclarecida no “Q&A” pela empresa-alvo.

4. Due diligence laboral: perspetiva luso-brasileira

4.1. Regime português

4.1.1. Principais elementos a considerar

Uma due diligence laboral versa sobre a identificação da estrutura e organização laboral do target (empresa-alvo), bem como dos procedimentos e documentos que comprovam a contratação individual de trabalhadores, de forma a verificar o cumprimento dos riscos jurídicos associados, bem como aferir as consequências associadas a um eventual incumprimento pelo target e que podem traduzir-se em riscos/contingências para o comprador.

A análise a efetuar deve considerar, entre outros, os seguintes principais aspetos:

(i)    Número de trabalhadores do target;

(ii)   Vínculo contratual de cada trabalhador e respetiva validade;

(iii)  Remuneração base e outros complementos auferidos;

(iv)  Cumprimento das obrigações jurídicas pelo target, nomeadamente, no que diz respeito a segurança e saúde no trabalho, horário de trabalho e seguro de acidentes de trabalho;

(v)   Análise de eventuais acidentes de trabalho;

(vi)  Cessação de contratos de trabalho ocorridas recentemente (em regra, com referência aos últimos dois anos), bem como eventuais pactos de não concorrência e acordos de confidencialidade e respetivas contingências, nomeadamente, compensações acordadas;

(vii) Litígios judiciais ou extrajudiciais (potenciais ou existentes) com trabalhadores e respetivas contingências.

Para realizar a análise será necessário obter um conjunto de documentação/informação junto do target, nomeadamente: (i) listagem dos trabalhadores com indicação da existência de contrato de trabalho verbal ou escrito, a termo certo, incerto ou por tempo indeterminado, categoria, remuneração e qualidade de representante sindical; (ii) cópia dos contratos de trabalho padrão vigentes; (iii) comprovativos de cumprimento das respetivas obrigações, entre as quais, de informação à Autoridade para as Condições de Trabalho, de higiene, segurança e saúde no trabalho, horário de trabalho (designadamente, isenção de horário de trabalho e trabalho por turnos) e seguro de acidentes de trabalho; e (iv) informação relativa a adiantamentos de salários ou empréstimos efetuados a trabalhadores da sociedade.

4.1.2. Análise dos contratos de trabalho

Os contratos de trabalho estão sujeitos ao cumprimento de requisitos específicos, devendo regular determinadas matérias, como a remuneração, horário de trabalho, férias, duração, entre outras.

De acordo com a lei portuguesa, os contratos de trabalho não têm de respeitar a forma escrita, salvo os contratos a termo, contratos a tempo parcial e contratos com trabalhadores estrangeiros.

Todos os contratos que não revistam a forma escrita são tidos como contratos sem termo. Por outro lado, sempre que os contratos a termo não determinem o motivo justificativo para o termo, convertem-se em contratos sem termo.

Por esta razão, numa due diligence é importante confirmar os tipos de contratos, analisar os termos dos contratos e verificar se cumprem todos os requisitos para que sejam válidos. O incumprimento dos requisitos, como seja a inexistência de fundamento para a contratação a termo, terá como consequência a conversão dos contratos em contratos sem termo, o que poderá impactar na reestruturação prevista pelo potencial comprador.?

Por fim, outro aspeto de grande relevância é a análise dos contratos de prestação de serviços, onde se deve verificar se estes não consubstanciam, na realidade, verdadeiros contratos de trabalho. Se for esse o caso, o empregador é obrigado a reconhecer o prestador como um trabalhador e, consequentemente, a converter o contrato de prestação de serviços num contrato de trabalho, bem como a cumprir com todas as obrigações contributivas perante a Autoridade Tributária e Segurança Social.

4.1.3. IRTC’s aplicáveis

As relações de trabalho são, por regra, regidas pelo Código do Trabalho.

Para além do Código do Trabalho, as relações de trabalho podem ser reguladas por um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT), em especial uma convenção coletiva de trabalho. Trata-se de um acordo celebrado por uma ou mais associações sindicais de determinado setor de atividade com a correspondente associação patronal ou com uma empresa. A sua principal caraterística é o facto de ser um fenómeno de autorregulamentação e de prevalecer, em determinadas matérias, sobre a lei.

Por essa razão, ao se iniciar uma due diligence é importante aferir se é aplicável alguma convenção coletiva de trabalho à empresa-alvo e verificar se os contratos de trabalho estão de acordo com as normas dessa convenção coletiva.

A convenção coletiva contém matérias como horário de trabalho, período de descanso, férias, retribuição, benefícios sociais, igualdade entre homens e mulheres, segurança e saúde no trabalho, entre outros assuntos de interesse comum. Por regra, todas estas disposições são mais favoráveis que as previstas na legislação laboral.

É, assim, importante aferir se a empresa-alvo cumpre com as disposições da convenção coletiva face aos respetivos trabalhadores.

A partir de uma análise da informação obtida, o potencial comprador conseguirá obter uma “fotografia” da empresa-alvo, passando a conhecer eventuais contingências que o poderão vir a afetar no futuro, caso a transação se venha a concretizar. Essas contingências devem ser acauteladas, nomeadamente numa cláusula de representations and warranties, do contrato de compra e venda relativo target.

4.2. Regime brasileiro

A realização de due diligence em relação a questões trabalhistas – como a classificação de funcionários, horas de trabalho, faixas salariais e outros benefícios prometidos aos trabalhadores – pode ser essencial para que o potencial adquirente de uma companhia garanta sua conformidade regulatória antes de entrar ou finalizar um acordo de M&A.

Como parte de seu processo de due diligence, e com o objetivo de garantir o compliance regulatório, os compradores podem investigar as relações trabalhistas passadas e atuais da empresa-alvo, seus funcionários e seus parceiros de negócios, a fim de identificar quaisquer práticas trabalhistas injustas. Da mesma forma, o processo deve envolver uma análise de quaisquer acordos de negociação coletiva existentes, de forma a verficiar como é que devem ser cumpridos, ou se devem ser renegociados.

Mais especificamente quanto à due diligence laboral, analisam-se instrumentos coletivos, regulamentos, rotinas internas da empresa e os próprios contratos individuais de trabalho e/ou de prestação de serviços, para além do levantamento de dados sobre os processos judiciais e administrativos envolvendo a organização.

Com a diligência pretende-se chegar a um diagnóstico, o mais preciso possível, sobre a conformidade de todas as relações trabalhistas mantidas pela empresa, apontando para soluções que possam se aproximar do objetivo de desenvolvimento dos trabalhadores e do próprio estabelecimento.

A due diligence laboral tem a função de identificar fragilidades nas operações de contratação, gestão e desligamento de trabalhadores (empregados ou não), visando, entre alguns exemplos, reduzir os riscos de multas administrativas, número de ações trabalhistas, identificar pagamentos indevidos e outras irregularidades, diminuindo os custos da empresa.

A diligência também envolve geralmente uma investigação de litígios passados e em andamento, bem como outras reivindicações – e ameaças de processo – comunicadas pelos funcionários. Isso pode não apenas conscientizar o comprador sobre as questões legais com as quais ele pode lidar, mas também ajudar a entender o histórico de compliance da empresa que está sendo adquirida.

Entende-se que o realinhamento das práticas trabalhistas impacta no clima organizacional, assim como melhora o posicionamento da empresa em relação ao público externo (concorrência, clientes e até mesmo potenciais adquirentes interessados na operação).

Dessa forma, a equipe a ser formada para a realização do due diligence deve ser multidisciplinar, reunindo diferentes saberes, e deve focar os seus esforços nas áreas que apontem maiores riscos para aquele determinado empreendimento, otimizando a sua atuação a garantindo maior eficiência no seu trabalho.

Como exemplo, podemos mencionar uma empresa que atua com elementos de alto grau tóxico, a qual apresenta elevados riscos de poluição e degradação ambiental, os quais devem receber maior atenção e relevância pela equipe que realiza o due diligence.

Por outro lado, uma empresa que atua apenas na atividade inventiva, sem relevantes repercussões no meio ambiente, deve ter seu foco em questões de propriedade industrial e intelectual, dispensando menor esforço nas questões ambientais.

Isso demonstra que a due diligence não possui uma receita fechada de aspectos a serem analisados e diligências a serem colocadas em prática, vez que depende da área de atuação da organização sob exame.

5. Considerações finais

Ao longo da due diligence são identificadas diversas contingências, associadas ao incumprimento ou desconformidade com a legislação laboral. Essas contingências devem, no relatório final da due diligence, ser classificadas em função do seu grau de gravidade e de tipo de contraordenação aplicável (leve, grave ou muito grave), numa síntese conclusiva.

No essencial, a maioria das contingências identificadas numa due diligence laboral estão associadas às seguintes matérias:

(i)    Contratos de prestação de serviço: têm associado o risco de serem considerados contratos de trabalho por se encontrarem verificados os índices da presunção de “laboralidade;

(ii)   Contratos de trabalho a termo: têm associado o risco de serem considerados contratos de trabalho sem termo por não demonstrem a existência de uma necessidade temporária ou por não serem cumpridos os limites das renovações;

(iii)  Organização do tempo de trabalho: o incumprimento do período normal de trabalho (8 horas por dia e 40 horas por semana, em Portugal) e dos períodos de descanso (período mínimo de 11 horas seguidas entre dois períodos diário de trabalho consecutivo, em Portugal);

(iv)  Violação do princípio da igualde remuneratória: detetam-se vários trabalhadores com a mesma categoria profissional e com a mesma antiguidade e experiência na função, mas que auferem uma retribuição distinta.

Com uma due diligence é possível auxiliar empresas que buscam ampliar o conhecimento sobre o negócio e desejem aplicar o compliance nas suas mais diversas operações, trazendo segurança à gestão e ao processo de tomada de decisões.

A existência de um Manual de Compliance que estabeleça regras que orientem a disciplina dos trabalhadores e empregador; bem como a prestação de formação profissional a empregadores e trabalhadores, são ótimos recursos para que muitas das contingências comumente detetadas nas empresas possam desaparecer.

Contudo, cada vez mais, a due diligence não pode deter-se unicamente sobre as operações próprias da empresa, devendo ser consideradas as operações da sua cadeia de valor, nomeadamente, a nível dos direitos humanos e impacto climático e ambiental.

Ao nível da cadeia de valor podem ocorrer efeitos negativos, com repercussões para a própria empresa, os seus stakeholders e terceiros, que são relevantes considerar e devem estar refletidos no relatório de due diligence. Por exemplo, ao nível do aprovisionamento de matérias-primas ou do fabrico de produtos, podem ocorrer efeitos negativos em matéria de direitos humanos, como o trabalho forçado, o trabalho infantil, situações inadequadas de saúde e segurança no local de trabalho, ou a exploração de trabalhadores.

Considerando a nova proposta de Diretiva da Comissão Europeia sobre os deveres de diligência das empresas na sua cadeia de valor, acabará por ser inadiável atender às operações da cadeia de valor no âmbito de uma due diligence jurídica, incluindo de que forma o target incorpora os critérios “ESG” na sua atividade e operações, com especial relevância, no contexto das relações laborais, para o “S” (Social) e o “G” (Governance). E, no caso brasileiro, também não será exceção.

 

2022-09-26

Foi recentemente alterado o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.

O mesmo diploma que alterou o regime de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional criou ainda as condições para a implementação do Acordo sobre a Mobilidade entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

As alterações visam atrair uma nova vaga de imigração para o país, de forma regulada e integrada, que pode contribuir para o respetivo desenvolvimento e mitigar a falta de mão de obra que se sente em Portugal.

Entre as principais medidas destacam-se as seguintes:

  • Visto para a procura de trabalho

O novo visto para a procura de trabalho permite a entrada de estrangeiros em Portugal para procurarem novos postos de trabalho.

O visto tem a duração máxima de 120 dias, prorrogável por mais 60 dias.

Tendo em vista a simplificação de procedimentos, o visto integra o agendamento junto dos serviços competentes pela concessão de autorizações de residência, dentro dos 120 dias de duração do visto, conferindo o direito a requerer uma autorização de residência, após a constituição e formalização da relação de trabalho naquele período.

  • Agilização do procedimento de emissão de vistos para nacionais de países da CPLP

Nas situações em que o requerente de um visto seja nacional de um Estado em que esteja em vigor o Acordo sobre Mobilidade entre os Estados Membros da CPLP, o procedimento para emissão de vistos é facilitado.

Para a maior agilização do processo contribuíram as seguintes alterações: (i) dispensa do parecer prévio do Serviço de Estrageiros e Fronteiras (“SEF”); (ii) Consulta direta e imediata das bases de dados do Sistema de Informação Schengen pelos serviços competentes; (iii) recusa da emissão de vistos limitada às situações nas quais exista indicação de proibição de entrada e permanência no Sistema de Informação Shengen.

  • Visto para prestação de trabalho remoto

O novo visto aplica-se ao trabalho remoto realizado por pessoas que trabalham em Portugal (v.g. nómadas digitais), em regime laboral ou independente, em benefício de entidades com domicílio ou sede fora do nosso país.

Com base neste novo visto, estes trabalhadores já não necessitam de se candidatarem a outros tipos de visto para iniciarem processos de residência em Portugal.

Com as novas medidas podem começar o processo apenas com o novo visto de trabalho remoto.

  • Possibilidade de exercício de atividade profissional complementar para cidadãos com visto de investigação, estudo, estágio profissional ou voluntariado

Os titulares de autorização de residência para investigação, estudo, estágio profissional ou voluntariado passam a ter a possibilidade exercer atividade profissional, subordinada ou independente, complementarmente à atividade que deu origem ao visto.

  • Alargamento da duração das autorizações de residência para estagiários 

Os estagiários passam a ter autorizações de residência válidas por: (i) 6 meses; (ii) duração do programa de estágio, acrescida de três meses, caso aquele seja inferior a seis meses; (iii)  2 anos em caso de estágio de longa duração, podendo neste caso ser renovada, uma vez, pelo período remanescente do estágio.

As alterações em causa, que vão certamente contribuir para a falta de mão-de-obra que se sente na economia portuguesa, já se encontram em vigor.

2022-09-21

Nesta terça-feira, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) decidiu, no âmbito dos processos C?793/19 e C?794/19, que uma legislação nacional que imponha aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas uma conservação indiscriminada de dados de tráfego e de localização dos seus clientes é contrária ao direito da União Europeia (UE), salvo quando haja uma séria ameaça à segurança nacional.

No caso em análise, foram apresentados dois pedidos de decisão prejudicial ao TJUE pelo Supremo Tribunal Administrativo Federal alemão, no âmbito dos litígios que opõem a República Federal da Alemanha, representada pela Bundesnetzagentur für Elektrizität, Gas, Telekommunikation, Post und Eisenbahnen (Agência Federal das Redes de Eletricidade, do Gás, das Telecomunicações, dos Correios e dos Caminhos de ferro, Alemanha), aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas  alemães, SpaceNet AG e Telekom Deutschland GmbH.

Estas duas empresas alemães contestaram junto do Tribunal Administrativo de Colónia a obrigação que lhes é imposta pelas disposições conjugadas do § 113a, n.° 1, e do § 113b da Lei das Comunicações Eletrónicas alemã (TKG) de conservarem os dados de tráfego e os dados de localização relativos às telecomunicações dos seus clientes a partir de 1 de julho de 2017.

Por acórdãos de 20 de abril de 2018, o Tribunal Administrativo de Colónia declarou que a SpaceNet e a Telekom Deutschland não eram obrigadas a conservar os dados de tráfego relativos às telecomunicações dos seus clientes. A República Federal da Alemanha interpôs recursos para o Supremo Tribunal Administrativo Federal que decidiu suspender a instância e submeter questão prejudicial ao TJUE.

O Supremo Tribunal Administrativo Federal pretende saber se o artigo 15.° da Diretiva 2002/58/CE, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas (Diretiva Relativa à Privacidade e às Comunicações Eletrónicas), deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que obriga os prestadores de serviços de comunicações eletrónicas a conservarem os dados de tráfego e de localização dos seus clientes.

Em sede de decisão prejudicial, o TJUE considerou que o artigo 15.°, n.° 1, da  Diretiva 2002/58 deve ser interpretado no sentido de que:

- Se opõe a medidas legislativas nacionais que preveem, a título preventivo, para efeitos da luta contra a criminalidade grave e da prevenção de ameaças graves contra a segurança pública, uma conservação generalizada e indiferenciada dos dados de tráfego e dos dados de localização;

- Não se opõe a medidas legislativas nacionais que:

Permitem, para efeitos da salvaguarda da segurança nacional, impor aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas que procedam a uma conservação generalizada e 

indiferenciada de dados de tráfego e de dados de localização, em situações em que o Estado?Membro em causa enfrenta uma ameaça grave para a segurança nacional que se revela real e atual ou previsível, desde que a decisão que prevê tal imposição possa ser objeto de fiscalização efetiva quer por um órgão jurisdicional quer por uma entidade administrativa independente, cuja decisão produza efeitos vinculativos, destinada a verificar a existência de uma dessas situações e o respeito pelos requisitos e pelas garantias que devem estar previstos, bem como da referida imposição apenas possa ser aplicada por um período temporalmente limitado ao estritamente necessário, mas renovável em caso de persistência dessa ameaça;

Preveem, para efeitos da salvaguarda da segurança nacional, da luta contra a criminalidade grave e da prevenção de ameaças graves contra a segurança pública os seguintes:

- uma conservação seletiva dos dados de tráfego e dos dados de localização que seja delimitada, com base em elementos objetivos e não discriminatórios, em função das categorias de pessoas em causa ou através de um critério geográfico, por um período temporalmente limitado ao estritamente necessário, mas renovável;

- uma conservação generalizada e indiferenciada dos endereços IP atribuídos à fonte de uma ligação, por um período temporalmente limitado ao estritamente necessário;

- uma conservação generalizada e indiferenciada de dados relativos à identidade civil dos utilizadores de meios de comunicações eletrónicos; e

- permitem, para efeitos da luta contra a criminalidade grave e, a fortiori, da salvaguarda da segurança nacional, impor aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas, através de uma decisão da autoridade competente sujeita a fiscalização jurisdicional efetiva, que procedam, por um determinado período, à conservação rápida dos dados de tráfego e dos dados de localização de que esses prestadores de serviços dispõem,

desde que essas medidas assegurem, através de regras claras e precisas, que a conservação dos dados em causa está sujeita ao respeito das respetivas condições materiais e processuais e que as pessoas em causa dispõem de garantias efetivas contra os riscos de abuso.

O TJUE confirma, assim, que o direito da União impede a retenção geral e indiscriminada de dados de tráfego e localização, salvo em casos excecionais de ameaça grave à segurança nacional. A fim de combater a criminalidade, os Estados-Membros podem, no estrito respeito pelo princípio da proporcionalidade, prever, inter alia, a retenção específica ou rápida de tais dados e a retenção geral e indiscriminada de endereços IP (Internet Protocol).

Esta decisão poderá vir, assim, a constituir um revés para os Estados-membros que apostem em leis de retenção de dados em massa para combater o crime e salvaguardar a segurança nacional.

 

2022-09-19

Entrou em vigor a Lei n.º 17/2022 de 17 de agosto (“Lei n.º 17/2022” ou “Lei”), que transpõe a Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018 (“Diretiva ECN+” ou “Diretiva”), que visa atribuir às autoridades da concorrência dos Estados-Membros competência para aplicarem a lei de forma mais eficaz e garantir o bom funcionamento do mercado interno.

No quadro da transposição da Diretiva cujo prazo foi, aliás, largamente ultrapassado, o Governo apresentou um conjunto de alterações mais profundas quer ao Regime Jurídico da Concorrência (ou “RJC”), aprovado pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio, quer aos Estatutos da Autoridade da Concorrência (“AdC”).

O processo foi longo, participado e controvertido. O resultado, embora aquém do que havia sido inicialmente projetado pelos seus autores materiais (a AdC foi encarregue de apresentar um anteprojeto de Lei ao Governo), impacta de forma substancial na atividade das empresas.

O diploma final beneficiou da reflexão e dos alertas da comunidade jurídica, tendo por isso sido substancialmente alterado face à proposta inicial, designadamente, foi retirada a possibilidade de a AdC apreender correspondência por meios eletrónicos para utilização como meio de prova em processo não criminal.

Esta possibilidade suscitou forte oposição, com fundadas dúvidas de constitucionalidade, designadamente por eventual violação do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa, embora não se ignorando que, nesta sede, se pode discutir se não se tratava de decorrência direta (e vinculativa) da Diretiva beneficiária do primado do Direito da União sobre o direito interno, incluindo Constitucional.

O legislador deu respaldo às dúvidas sobre a constitucionalidade da solução preconizada, ficando vedado à AdC o acesso, com ou sem aviso prévio, a correspondência não lida ou apagada.

Adiante, sumariza-se, sem exaustividade, as principais alterações introduzidas ao Regime Jurídico da Concorrência.

1. Reforço dos poderes da AdC

Como já referido, a Lei, ao não prever a possibilidade de apreensão de correspondência por meios eletrónicos, para utilização como meio de prova, limitou o reforço de poderes pretendido pela AdC.

Ainda assim, sublinham-se dois aspetos relevantes de reforço:

Buscas, exame, recolha e apreensão:a Lei vem prever a possibilidade de a AdC, devidamente autorizada pela autoridade judiciária competente, aceder sem aviso prévio a todas as instalações, terrenos, meios de transporte, dispositivos ou equipamentos da empresa, ou à mesma afetos.  A expressão “à mesma afetos” suscitará dúvidas e um 

- risco de litigância significativos. A prudência e a certeza jurídica desaconselhariam a inclusão desta expressão;

Buscas domiciliárias: passaram também a ser possíveis para as situações relativas a abusos de dependência económica (a anterior lei permitia “apenas” para as práticas restritivas da concorrência e abusos de posição dominante).

2. Transação

A Lei altera o paradigma da transação, afastando-o de uma decisão condenatória e aproximando-o de uma decisão compromissória.Com efeito, deixam de se considerar factos confessados para factos aceites pelo visado ou a que este renunciou contestar, deixando, consequentemente, de existir uma decisão condenatória para passar a ser uma decisão definitiva quanto à transação.

3. Prazos

O RJC revisto veio proceder a alterações de prazos para um conjunto de situações, designadamente:

Regra geral: mantém-se a possibilidade de a prorrogação ocorrer por única vez, mas agora limita-se a 30 dias e já não por período igual, o que tem impacto nos casos em que por decisão da AdC o prazo prorrogado era superior;

Pronúncia à nota de ilicitude: passou de um mínimo de 20 para 30 dias úteis;

Recursos de decisões interlocutórias: fica claro que o prazo é de 20 dias úteis;

Recurso de decisões finais: passou de 30 dias úteis para 60 dias.

Como nota final sobre esta matéria, desde já se refere que teria sido aconselhável que, não obstante as naturezas diversas das entidades envolvidas, tivesse sido harmonizado o critério para a contagem dos prazos.

4. Prescrição

O legislador veio determinar a suspensão, sine die, da prescrição do procedimento por infração.

Esta solução constitui, como bem referiu o Supremo Tribunal Administrativo, “um desvio ao regime da prescrição” previsto no diploma que institui o Ilícito de mera ordenação social que determina que a “prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade, com o inerente sacrifício dos princípios da certeza e segurança jurídicas”.

5. Recursos

No que concerne aos recursos das decisões da AdC, assinala-se, por um lado, que se mantém a regra geral do seu efeito meramente devolutivo.

Por outro lado, nos casos em que ao visado sejam impostas coimas ou outras sanções, deixa de ser exigida a demonstração de que a execução da decisão final lhe causaria prejuízo considerável, para além da prestação da caução. No novo regime, o visado pode requerer a suspensão da decisão desde que preste caução no valor de metade da coima aplicada.

6. Limite máximo de coimas – o volume de negócios mundial

Este é, sem dúvida, um dos pontos potencialmente mais impactantes decorrentes da revisão do RJC.

A AdC passa a poder aplicar coimas correspondentes a 10% do volume de negócios da empresa ou associação de empresas registado a nível mundial.

A introdução desta solução poderá levar a coimas muito superiores ao volume de negócios resultante da atividade de uma empresa em Portugal, o que é manifestamente desproporcional.

6. Aplicação no tempo

As alterações introduzidas aplicam-se aos processos iniciados após a entrada em vigor do diploma.

A Autoridade da Concorrência (AdC) sancionou a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) por ter realizado uma operação de concentração sem notificação prévia, ou seja, sem antes obter a necessária decisão de não oposição da AdC.

A operação de concentração consistiu na aquisição de 54,98% do capital social da CVP – Sociedade de Gestão Hospitalar, S.A. (SG CVP), sociedade gestora do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, pela SCML.

A Lei da Concorrência impõe a notificação prévia das operações de concentração quando esteja preenchida uma das seguintes condições:

  • Critério da quota de mercado: Em consequência da sua realização se adquira, crie ou reforce uma quota igual ou superior a 50% no mercado nacional de determinado bem ou serviço, ou numa parte substancial deste;
  • Critério do volume de negócios: O conjunto das empresas que participam na concentração tenha realizado em Portugal, no último exercício, um volume de negócios superior a 100 milhões de euros, líquidos dos impostos com este diretamente relacionados, desde que o volume de negócios realizado individualmente em Portugal por pelo menos duas dessas empresas seja superior a cinco milhões de euros; ou
  • Critério combinado: Em consequência da sua realização se adquira, crie ou reforce uma quota igual ou superior a 30% e inferior a 50% no mercado nacional de determinado bem ou serviço, ou numa parte substancial deste, desde que o volume de negócios realizado individualmente em Portugal, no último exercício, por pelo menos duas das empresas que participam na operação de concentração seja superior a cinco milhões de euros, líquidos dos impostos com estes diretamente relacionados.

No caso concreto, a obrigatoriedade de notificação prévia por parte da SCML prende-se ao critério do volume de negócios, em particular, se a parcela afeta à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa decorrente dos resultados líquidos realizados com a exploração dos Jogos Sociais deve, ou não, ser contabilizada como volume de negócios consolidado.

Sobre este aspeto, o entendimento da SCML e da AdC é divergente. A SCML considerou que as receitas referidas resultantes da exploração dos jogos sociais não integravam o respetivo volume de negócios aquando da concretização da transação em causa, pelo que não estaria preenchido nenhum dos critérios de notificação prévia (volume de negócios ou quota de mercado).

Pelo contrário, a AdC considerou que o volume de negócios gerado pela atividade de exploração dos jogos sociais deveria ser imputado ao Departamento de Jogos e, numa perspetiva de grupo, à SCML, ainda que contabilizando apenas a parcela correspondente e afeta à atividade da SCML – em concreto, no que se refere ao ano de 2019, o montante de €[>100 milhões de euros], a que acrescia ainda o valor relativo a vendas e prestação de serviços da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (€ [100 milhões de euros].

As operações de concentração que preencham um dos critérios acima referidos – no caso, segundo a AdC, o critério do volume de negócios –, devem ser notificadas à AdC, o mais tardar, após a conclusão do acordo, mas ainda antes de realizadas. Desta forma, a AdC exerce um controlo efetivo de todas as operações de concentrações que sejam de notificação obrigatória. O sistema de notificação ex ante e a não realização de operações antes de aprovadas pela AdC (a denominada obrigação de “standstill”) constitui o pilar de todo o sistema e a garantia imprescindível para a sua eficácia.

No caso concreto, a operação de concentração (de aquisição de controlo exclusivo) realizou-se no dia 14 de dezembro de 2020, tendo a SCML procedido à respetiva notificação à AdC no dia 28 de maio de 2021, já depois de concretizada. O processo de notificação foi objeto de decisão de não oposição da AdC em 6 de julho de 2021.

Em consequência, a AdC entendeu que a SCML praticou duas infrações: (i) violação à obrigação de notificar a concentração antes da sua realização; e (ii) violação à obrigação de não realizar essa concentração antes de uma decisão de não oposição proferida pela AdC.

AdC considerou que a SCML tinha à sua disposição todos os meios que lhe permitiriam cumprir a lei, uma vez que todas as questões sobre a operação poderiam ter sido colocadas à AdC antes de a operação ser realizada.

SCML foi condenada ao pagamento de uma coima no valor total de €2.5 milhões de euros, mas poderá ainda recorrer desta decisão.

Este caso é, sem dúvida, um caso merecedor de nota, pois, não são raras as vezes que se colocam questões quanto ao preenchimento dos critérios de notificação prévia à AdC. Quando assim for, é recomendável fazer uso do mecanismo de avaliação prévia, o qual não deverá, à partida, ser excluído pelas partes a coberto de uma conclusão mais expedita da operação.

Se a operação estiver sujeita a notificação prévia e não for notificada, o risco de uma coima elevada (para além de outras consequências, como a suspensão dos direitos de voto), poderá ser bastante prejudicial, uma vez que, sendo desnecessária a notificação, a AdC poderá emitir decisão de inaplicabilidade. 

2022-09-09

O acórdão do STJ n.º 2/2022, no âmbito do processo n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2-A, uniformizou jurisprudência quanto à prova da perda de chance processual como dano autónomo, num caso de violação de deveres profissionais por parte de mandatário forense, por falta de apresentação de recurso.

Quer o acórdão recorrido quer o acórdão fundamento sub judice no caso admitiram a ressarcibilidade autónoma do dano da perda de chance processual, reconduzível à perda da oportunidade/possibilidade de ganhar ou não perder uma determinada ação (e não ao dano final de obtenção de um resultado desfavorável na ação), em razão do comportamento lesivo do mandatário que omite a apresentação de peças processuais num determinado juízo (in casu,alegações de recurso e requerimento probatório, respetivamente).

A contradição jurisprudencial recaía sobre a questão do ónus e da própria possibilidade de prova da perda da oportunidade de ganhar a ação (ou de a não perder):

  • O acórdão fundamento considerava não ser possível determinar o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação, não fosse a conduta lesiva do mandatário, pelo que impenderia sobre o réu o ónus de demonstrar que a não apresentação de certa peça processual seria absolutamente indiferente para o desfecho da ação, à luz do artigo 342.º, n.º 2, do CC. Na ausência dessa demonstração, deveria ser fixada uma indemnização a favor do lesado com recurso à equidade, artigo 566.º, n.º 3, do CC.
  • O acórdão recorrido exigia ao autor a prova da elevada probabilidade de êxito da ação, à luz dos artigos 342.º, n.º 1 e 564.º, n.º 2, do CC, sem a qual não seria devida qualquer indemnização pela perda de chance processual por banda do réu.

O acórdão do STJ n.º 2/2022 considerou que seria sobre o autor que recairia o ónus da prova de uma probabilidade suficiente de verificação do resultado favorável, não fosse o comportamento lesivo do mandatário, e não ao réu que incumbiria provar a irrelevância da perda de chance.

Na tentativa de preenchimento do conceito de probabilidade do dano – tão indeterminado como o conceito normativo de previsibilidade do dano constante do artigo 564.º, n.º 2, do CC – o acórdão do STJ n.º 2/2022 avança a necessidade de consistência e seriedade da perda de chance.

Na ligação entre a consistência e seriedade e os pressupostos do dano e do nexo de causalidade, o STJ começa por equacionar uma distinção entre o standard probatório necessário à demonstração da existência de uma hipótese de ganhar a ação (que não é o dano em si) e o standard probatório para demonstração do nexo causal entre a perda da hipótese de ganhar a ação (o dano) e a conduta do lesante (in casu, a falta de apresentação de alegações de recurso).

Considera, de seguida, que não deve haver distinção entre a probabilidade exigida para considerar verificado o nexo causal e a probabilidade exigida para a demonstração da hipótese de ganhar a causa, não fosse o evento lesivo.

O STJ acaba por concluir, de forma confusa, que a probabilidade da verificação do nexo causal confere consistência – logo, probabilidade – à chance de ganhar a causa e essa consistência alicerça o standard probatório, i.e., que o próprio standard alicerça o standard

A circularidade é aqui evidente, resultando também manifesto, da leitura da fundamentação do acórdão, que o STJ não logra tornar operativos os conceitos de consistência e seriedade que avança. Pelo que a exigência da prova da consistência e seriedade da perda de chance para atribuição do direito indemnizatório ao lesado acaba por abrir a porta à arbitrariedade da decisão e à sua insuficiente fundamentação.

Em rigor, o problema fundamental do acórdão do STJ n.º 2/2022 é que parece obnubilar que a probabilidade de um evento danoso não se ter verificado se não fosse determinado facto danoso é uma questão de interpretação de normas jurídicas – in casu, de preenchimento do conceito indeterminado previsibilidade do dano constante do artigo 564.º, n.º 2, do CC – e não de prova de factos.

Efetivamente, em primeiro lugar, é sabido que o conceito de dano, que é pressuposto normativo do artigo 564.º, n.º 2, do CC, tem um significado jurídico preciso (eliminação ou diminuição de uma vantagem conferida e tutelada pela Ordem Jurídica), pelo que a conclusão pela ocorrência de certos eventos danosos, originados em determinados factos dados como provados (nexo de causalidade) e a conclusão segundo a qual um certo evento danoso não se teria verificado se não fosse um determinado facto, são juízos que importam a aplicação de critérios normativos.

Em segundo lugar, é essa comparação entre a afirmada situação do lesado em consequência do evento lesivo e a afirmada situação hipotética que o lesado estaria futuramente se não fosse o evento lesivo que permite preencher a previsão normativa do artigo 564.º, n.º 2, do CC.

Em terceiro lugar, a aferição das hipóteses de ganhar uma determinada ação já perdida, não fosse um dado facto lesivo, depende da análise da defesa apresentada nessa ação e do possível sentido da decisão do tribunal em que a defesa foi preterida (o vulgarmente chamado julgamento sobre o julgamento). O que importa, pelo tribunal em que a indemnização é peticionada, a realização de um juízo sobre elementos de incerteza fáctica e elementos de incerteza jurídica, já que a possibilidade de procedência de uma determinada ação depende não apenas da prova apresentada no processo e dos factos depois dados como provados, como também dos potenciais regimes jurídicos aplicáveis ao caso.

Assim, a probabilidade da perda de chance, a que o acórdão do STJ n.º 2/2022 se refere para preencher o conceito normativo de previsibilidade constante do artigo 564.º, n.º 2, do CC não é um standard de prova, nem os standards de prova podem ser transpostos para o campo de interpretação de normas jurídicas, não sendo aptos a resolver questões de discricionariedade judicial no preenchimento de conceitos indeterminados.

A introdução da exigência de consistência ou seriedade da perda de oportunidade em nada faz avançar a resolução do problema, mantendo a inoperatividade dos conceitos no arbitramento concreto de indemnizações fundadas na perda de chance processual.