Esta resposta foi parte de uma edição especial do Jornal Económico, entitulada "Reestruturação de Empresas", em Julho de 2022. 

 

Os grandes desafios que se podem colocar num processo de reestruturação empresarial são de natureza estratégica, operacional e financeira.

Um processo de reestruturação impõe uma análise o mais fidedigna possível do valor estratégico da empresa, ou seja, do valor agregado do seu negócio face ao mercado.

Esta análise deve também realizar-se a nível operacional e financeiro. É necessário perceber como estão a ser utilizados os recursos humanos e financeiros, qual a estrutura de financiamento, a relação entre ativos e passivos, a operacionalização do negócio, a sua cadeia de valor, etc.

Isto permitirá identificar as razões e a natureza da atual situação da empresa e definir as medidas a adotar no processo de reestruturação, que, em regra, implicará alterar um ou vários dos aspetos referidos, por exemplo, necessidade de renegociar financiamentos, contratos com fornecedores, redução de pessoal, e com as resistências associadas, que poderão até conduzir à necessidade de mudança do órgão de gestão.

É, por isso, aconselhável que o modelo a seguir seja o mais profissionalizante possível (esta é, aliás, a tendência), com a partilha da gestão do processo de reestruturação entre a empresa e consultores financeiros (por exemplo, fundos de “private equity”) e assessores jurídicos, inclusive quando a reestruturação seja ditada por uma prévia declaração de insolvência, que não tem necessariamente de implicar a liquidação da empresa, desde que esta seja económica e financeiramente viável e a reestruturação seja bem conduzida.

Por exemplo, num processo de insolvência, quanto menor for o número de credores necessários para aprovar o plano de reestruturação, mais fácil poderá ser negociá-lo e controlar o seu resultado, mas sem menosprezar a posição daqueles credores de menor dimensão, pois os seus votos poderão ser críticos para se alcançar as maiorias de aprovação estatutária estabelecidas pelo Código de Insolvência.

O maior desafio é, portanto, o de saber onde deve ser feita a mudança e como mudar, de forma estratégica, para se atingir o objetivo pretendido, o que poderá implicar ter capacidade de negociação, flexibilidade e pouca resistência à mudança, o que mais facilmente se conseguirá através de uma reestruturação assente num modelo profissionalizante.

Já se encontra publicado no Boletim do Trabalho e Emprego o novo Acordo de Empresa da CP e respetivo Regulamento de Carreira aplicável aos maquinistas de comboios, representados pelo Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses (SMAQ).

Sinteticamente, o novo Acordo de Empresa e respetivo Regulamento de Carreiras consagram as seguintes alterações:

  • Aumento salarial, com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2022;
  • Eliminação de um índice na base para todas as categorias da carreira de condução;
  • Acréscimo de um índice no topo para todas as categorias da carreira de condução;
  • Criação de tempos mínimos de permanência, para mudança de índice, com o máximo de quatro anos;
  • Eliminação de sobreposições de índices entre categorias profissionais e respetivas chefias;
  • Integração do Abono de Agente Único na retribuição;
  • Aumento do subsídio de refeição para €7,74;
  • Criação de uma tabela indiciária autónoma para os trabalhadores abrangidos pela carreira de condução;
  • Consagração do regime de teletrabalho, nos termos previstos no Código do Trabalho, quando as funções assim o permitam; e
  • Consagração de acesso automático à categoria de Assistente de Tração. 

O novo AE contém um regime globalmente mais favorável para os trabalhadores, e também abrange os trabalhadores filiados no SMAQ, bem como os trabalhadores não filiados em sindicato outorgante que a ele adiram, no prazo de três meses, nos termos das regras previstas no Acordo de Empresa.

A celebração deste novo Acordo de Empresa enquadra-se no princípio da autonomia coletiva e no direito à contratação coletiva, consagrados entre os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, no artigo 56.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.

O Decreto-Lei n.º 45/2022, de 8 de julho (“DL 45/2022”) altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (“RJIGT”) e os princípios e normas a que deve obedecer a produção cartográfica no território nacional definidos no Decreto-Lei n.º 130/2019, de 30 de agosto.

O Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio (“DL 80/2015”) reviu o RJIGT e estabeleceu um prazo máximo de cinco anos para que fossem incluídas as novas regras de classificação e qualificação do solo nos planos municipais e intermunicipais. Exigiu, portanto, aos municípios que revissem estes planos até 13 de julho de 2020, sob pena de suspensão das normas dos planos territoriais em vigor na área em causa e de não poderem ser praticados, nessa área, atos ou operações que implicassem a ocupação, uso e transformação do solo.

Este prazo foi primeiro suspenso por 180 dias, através do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, e posteriormente prolongado até 31 de dezembro de 2022, através do Decreto-Lei n.º 25/2021, de 29 de março. Este diploma estabeleceu também que, caso até 31 de março de 2022 e por facto imputável ao município ou, no caso dos planos intermunicipais, à associação respetiva, não tivesse tido lugar a primeira reunião da comissão consultiva ou conferência procedimental, os municípios veriam o seu direito de se candidatar a apoios financeiros comunitários e nacionais suspenso, ficando apenas salvaguardadas as candidaturas nas áreas da saúde, educação, habitação ou apoio social.

O DL 45/2022 hoje publicado prolonga o prazo para a alteração dos planos até 31 de dezembro de 2023 e o prazo para a primeira reunião da comissão consultiva ou conferência procedimental até 31 de outubro de 2022.

Adicionalmente, estabelece que, após disponibilização pelos municípios dos documentos que determinam o início dos trabalhos da comissão consultiva ou com vista à promoção da conferência procedimental, consoante o caso, e pedido das respetivas reuniões, terminará a suspensão do acima referido direito de candidatura a apoios financeiros comunitários e nacionais.

De notar, por último, que as alterações introduzidas pelo DL 45/2022 se aplicam aos procedimentos pendentes e aos que haviam caducado e que o diploma produz efeitos a 31 de março de 2022, atendendo a que, como referido, este era o prazo relevante para evitar a suspensão do direito de candidatura a apoios comunitários ou nacionais por parte dos municípios.

 

O Tribunal Constitucional (“TC”) declarou, através do Acórdão n.º 468/2022, de 28 de junho, a inconstitucionalidade parcial do número 5 do artigo 168.º-A da Lei do Orçamento do Estado para 2020, vulgarmente denominada “Lei das Rendas Variáveis”. Esta norma estabeleceu que, no período entre 13 de março e 31 de dezembro de 2020, as rendas devidas pelos lojistas em centros comerciais fossem exclusivamente calculadas de acordo com a componente variável da renda, ou seja, aplicando a percentagem prevista no contrato ao valor das vendas efetivamente realizadas em cada mês. A norma mantinha também a obrigação dos lojistas, independentemente das restrições a que foram sujeitos, designadamente o seu encerramento, pagarem integralmente as despesas ou encargos comuns.

O processo de fiscalização sucessiva da norma junto do TC foi suscitado pela Provedoria de Justiça por entender que as restrições produzidas violariam o princípio da proporcionalidade e da igualdade.

Na análise do princípio da proporcionalidade, o TC concluiu que, pese a norma se tenha revelado apta a apoiar os lojistas perante os efeitos económicos gerados pela pandemia (primeiro teste), a norma não passou os testes seguintes: o da necessidade, na medida em que seria possível ao legislador criar um medida menos lesiva e tão eficaz para o fim a proteger; e o da proporcionalidade em sentido estrito ou da “desrazoabilidade”, porquanto a norma determinou “um excesso de proteção dos lojistas instalados em centros comerciais”.

O TC reconheceu a existência de uma “grande alteração das circunstâncias” e que o recurso aos institutos gerais do direito civil constituiria uma “solução onerosa, morosa e incerta para os interessados, além de manifestamente desadequada ao cenário de massificação” tendo, consequentemente, entendido que a intervenção legislativa constituiu um imperativo constitucional.

Face a esta posição, e com vista a evitar um “risco sério” de criar um défice de proteção dos lojistas, o TC entendeu não eliminar integralmente a norma tendo, ao invés, reduzido o seu âmbito. Assim, tendo como base legislação aprovada para vigorar no primeiro semestre de 2021, o TC determinou que os montantes das rendas mínimas mensais (RMM) devem ser reduzidas na mesma proporção da redução das vendas dos estabelecimentos comerciais face ao “mês homólogo do ano de 2019 ou, na sua falta, ao volume médio de vendas dos seis meses antecedentes ao Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março, ou de período inferior, se aplicável".

O TC não interveio quanto à obrigatoriedade de pagamento integral das despesas comuns.

A decisão do TC teve o voto vencido de 6 Juízes (em 13), que consideraram que a norma apreciada não padecia de qualquer inconstitucionalidade.

 

2022-07-04
Guilherme Dray

Introdução

O Compliance laboral obriga não só ao cumprimento das normas legais aplicáveis (hard law), mas também à adoção de boas práticas empresariais (soft law) que não decorrem da lei estrita e que, em contexto laboral, podem incidir sobre questões como a igualdade e não discriminação, assédio moral e sexual, cidadania no trabalho, entre outros aspetos. Em regra, estas boas práticas decorrem de códigos de conduta, regulamentos internos e convenções coletivas de trabalho.

As empresas têm, naturalmente, maior resistência em adotar regras que não lhes são impostas por lei. No entanto, esta complementaridade entre o que decorre da lei e aquilo que resulta da chamada soft law é essencial para o cumprimento da legislação laboral, para colmatar eventuais lacunas existentes na relação entre trabalhador e empregador e para promover bons ambientes de trabalho e o bem-estar dos trabalhadores.

Nas últimas décadas, assistimos a uma grande consciencialização das empresas na sua responsabilidade social, moral e ambiental, à luz do conceito de “ESG – Environment, Social, and Governance”, o que melhorou a aplicação da igualdade no local de trabalho e a defesa de outros temas ligados aos direitos de cidadania, como sejam a prevenção do assédio e a implementação de políticas de privacidade e de proteção de dados pessoais.

Com o estabelecimento de políticas de compliance e, consequentemente, com a preocupação das empresas em assegurar o “bem comum”, os efeitos reputacionais são imediatos, na medida em que as empresas se tornam mais apelativas no mercado laboral, construindo um bom ambiente de trabalho que, indiscutivelmente, levará à atração de talento e a um aumento de produtividade.

O Compliance laboral tem passado, nomeadamente, pela implementação de códigos de conduta contra o assédio, de políticas de igualdade de género, nomeadamente salarial, pela criação de canais de denúncia para proteger os denunciantes de infrações conhecidas em ambiente de trabalho, bem como pela criação de códigos de ética e conduta e de programas de cumprimento normativo para prevenir o branqueamento de capitais e práticas de corrupção.

A obrigação de implementação destes instrumentos de soft law, em certos casos, decorre da legislação laboral ou de alguns diplomas legais avulsos. Noutros casos, estas políticas decorrem das convenções coletivas de trabalho negociadas entre as empresas e os sindicatos.

 

Compliance digital laboral no Brasil

No Brasil, a Lei nº 12.846/13, denominada Lei Anticorrupção, regulamentada pelo Decreto nº 8.420/15, evidencia a importância da adoção de um adequado programa de Compliance para as empresas brasileiras e da prática de um sistema efetivo de governança corporativa capaz de implementar uma cultura de prevenção e de fortalecimento da transparência e da ética, ao dispor sobre a responsabilidade das pessoas jurídicas pela prática de actos (lesivos) contra a administração pública.  

O Programa de Integridade, instituído pelo Decreto nº 8.420/15 no seu capítulo IV, artigo 41, ao prever um conjunto de procedimentos e ferramentas de integridade a serem aplicados internamente nas empresas com o objetivo de combater a corrupção, trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro os primeiros indícios da necessidade de adoção de um autêntico programa de Compliance.

Nesse sentido, a Lei nº 12.846/13 impulsionou, ainda mais, a adoção de mecanismos inerentes ao Compliance pelas organizações, estabelecendo a redução das sanções previstas para as empresas que comprovarem a sua cooperação no apuramento e análise de infrações, incluindo a aplicação de procedimentos internos de integridade e auditoria. A Lei também estimulou a implementação de canais de denúncia e códigos de ética, consoante incisos VII e VIII, do art 7º, ferramentas estas comuns ao programa de Compliance.

 

Principais normas e instrumentos estruturantes dos programas de Compliance digital laboral, com destaque para a LGPD

A fim de garantir a permanência dos dados e atividades dentro dos ditames legais, o Compliance acentuou-se no meio digital a partir da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709/2018, que evidenciou ser imprescindível a adoção de mecanismos específicos (e eficazes) nos programas de integridade.

Observa-se que a abrangência da incidência da LGPD enseja a adaptação não somente dos setores relativos à coleta de informações, mas também das demais operações que demandem a utilização de dados relacionados ou relacionáveis a pessoais singulares, repercutindo-se, também e, portanto, nas relações de trabalho.

No Brasil, a privacidade e a intimidade são direitos fundamentais (art. 5º, LXXIX, da CF/88), mas, diferentemente do RGPD (Regulamento Geral de Proteção de Dados), a LGPD não contempla expressa disposição sobre sua aplicação às relações de trabalho, o que, todavia, é indiscutível. A relação de trabalho sequer teria como se iniciar e desenvolver sem o tratamento dos dados pessoais coletados nas diversas fases do contrato individual de trabalho dos trabalhadores ou de candidatos a emprego. A lacuna legal apontada, entretanto, permite que o sistema normativo brasileiro se abra ao direito comparado (art. 8º da CLT) e, com isto, ao revés da aparente desproteção, os padrões internacionais passam a ser de possível utilização nas relações laborais brasileiras.

Nesse sentido, verifica-se que o Compliance digital laboral assume um papel fundamental, tornando-se necessário rever os padrões de conduta estabelecidos para o cumprimento de outras normas, de modo a evitar, por exemplo, a recolha de dados dispensáveis ou cujo tratamento possa ser considerado discriminatório.

 

Métodos privacy by design e privacy by default

O RGPD foi pioneiro ao introduzir dois novos conceitos chamados de Privacy by Design e Privacy by Default. A LGPD não adotou tais princípios expressamente, mas traz alguns conceitos similares ao descrever as medidas que as empresas devem tomar para proteção dos dados, especialmente no artigo 46, § 2º, da LGPD.

Privacy by Design significa garantir a proteção dos dados desde a concepção do projeto e pode ser melhor compreendido analisando-se os seus sete princípios informadores. São eles: (i) atuação proativa e não reativa, preventivas e não corretivas; (ii) privacidade incorporada ao design; (iii) funcionalidade completa; (iv) segurança de ponta a ponta; (v) visibilidade e transparência; (vi) respeito pela privacidade do utilizador o e (vii) privacidade como configuração padrão (Privacy by Default).

Pode-se dizer que o Privacy by Default é uma decorrência do Privacy by Design. A ideia de Privacy by Default é de que a privacidade deve ser sempre a configuração padrão em qualquer sistema ou mesmo prática de negócio, e que o usuário deve liberar o acesso à coleta de mais informações se preferir, de modo a que os aplicativos coletariam somente o necessário. Em outras palavras, deve ser sempre respeitada a decisão do usuário (direito à autodeterminação informativa), já que os dados são propriedade dele.

As metodologias citadas permitem começar um projeto já de forma aderente à LGPD, reduzindo custos com adequação posterior à lei.

 

Possibilidades de inserção de cláusulas de Compliance laboral digital aplicáveis aos contratos de trabalho

A LGPD introduziu a função de “encarregado de dados” (também conhecido como Data Protection Officer - DPO) no Brasil, sendo este a pessoa que actua como canal de comunicação entre a instituição, os titulares dos dados e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Porém, o legislador preferiu ser mais flexível quanto à função do encarregado, se comparado com outras legislações como, por exemplo, o RGPD.

Em se tratando de Compliance de dados no âmbito laboral, não há um modelo único de implementação a ser seguido, porém, há três pilares que o auxiliam: a prevenção, a detecção e a correcção.

O pilar de prevenção é considerado o mais importante, cabendo ao empregador investir a maior parte de seus recursos para garantir a segurança das informações dos trabalhadores. O segundo pilar, da detecção, relaciona-se com a existência de canais de denúncia como forma de controlo no local de trabalho. Já o pilar da correcção estabelece que, ocorrendo uma falha, deve esta ser corrigida de imediato.

Sabe-se da presunção de assimetria na relação empregador-trabalhador, o que torna improvável que o consentimento possa ser única e exclusiva considerado fundamento jurídico para o tratamento de dados no local de trabalho, a menos que os trabalhadores possam retirá-lo a qualquer momento e sem consequências adversas, conforme o Parecer nº 2/2017 sobre o tratamento de dados no local de trabalho, do Grupo de trabalho do artigo 29º para a proteção de dados. A execução de um contrato e o interesse legítimo podem, por vezes, ser invocados como suporte para o tratamento de dados nas relações de emprego, desde que o tratamento seja estritamente necessário para uma finalidade legítima e respeite os princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade.

Ressalta-se que as empresas de pequeno porte possuem um tratamento diferenciado, mas não estão isentas do cumprimento de dispositivos da legislação em questão. A flexibilização da legislação para os pequenos negócios, em resumo, refere-se à simplificação quanto ao tratamento de dados e à comunicação de incidentes de segurança (comunicação que poderá ser feita a partir de modelo disponibilizado pela própria Autoridade Nacional de Proteção de Dados - conforme a Resolução CD/ANPD no 2, de 27 e janeiro de 2022, a qual regula a aplicação da LGPD para agentes de tratamento de pequeno porte).

 

Portugal

Compliance digital e proteção de dados

A palavra compliance tem origem no verbo inglês “to comply (with)”, que significa “agir de acordo (com)”, “em conformidade (com)”. Podemos, assim, dizer (de forma simples) que o “Compliance” é o mecanismo utilizado para se atingir a conformidade e se estar conforme, pelo que pode ser simultaneamente um meio (para atingir a conformidade) e um fim em si mesmo (o estar conforme).

A conformidade pode ser jurídica, tecnológica, de gestão, entre outras, e é transversal a qualquer organização, independentemente da sua natureza pública ou privada, área de atividade e até dimensão.

O processo de conformidade, quando seja direcionado ao ambiente ciberespacial e digital, não é mais nem menos do que aquilo a podemos designar por Compliance digital. Ou seja, a adoção de um conjunto de regras, processos e procedimentos pelas empresas para proteger os seus dados e que constituem um dos seus activos mais valiosos ou se se quiser um dos seus activos estratégicos.

Por essa razão, é essencial integrar o Compliance digital na estratégia de negócio das organizações. Qualquer atividade empresarial pressupõe necessariamente operações de tratamento de dados pessoais e não pessoais, o que deve ser feito em cumprimento da legislação europeia e nacional.

No âmbito da proteção de dados não pessoais, o Parlamento Europeu adotou o Regulamento n.º 2018/1807, de 14 de novembro de 2018, que visa promover a livre circulação dos dados eletrónicos não pessoais na União Europeia. Por contraposição a “dados pessoais”, os dados não pessoais são informações que não se reportam diretamente a uma pessoa singular (indivíduo) identificada ou identificável. Exemplos de dados não pessoais são conjuntos de dados agregados e anonimizados utilizados para a análise de grandes volumes de dados, no atual contexto de forte expansão da internet das coisas, da inteligência artificial, dos sistemas autónomos e do 5G.

No âmbito da proteção de dados pessoais, é aplicável em Portugal o Regulamento da União Europeia n.º 2016/679, de 27 de abril de 2016, que aprovou o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), e a Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, que assegura a execução do RGPD em Portugal.

A lei portuguesa, de resto, contém disposições sobre a proteção de dados pessoais especificamente aplicáveis ao contexto laboral, incluindo regras sobre a utilização de dados biométricos e sobre os meios de vigilância à distância, os quais estão regulamentados.

Para possibilitar a implementação destes diplomas são criadas e modificadas normas de padrões internacionais, criando uma correspondência entre as normas técnicas e jurídicas.

A norma ISO 27001 é um dos exemplos.

A norma visa permitir que ambientes organizacionais públicos e privados se encontrem adequados à proteção de dados exigida pelo RGPD, procurando sintetizar a união entre o diploma, a segurança da informação e gestão e a tecnologia de informação, o que representa uma evidência de Compliance digital.

Em Portugal, com o cenário recente de pandemia vivido recentemente, os ataques cibernéticos tornaram-se mais frequentes, motivados pelo crescimento exponencial do aumento do tráfego na Internet e pela adoção do regime de teletrabalho.

Perante isto, e em acréscimo à preocupação de cumprimento da legislação sobre proteção de dados, o Compliance digital tem sido uma preocupação cada vez maior das empresas, que se procuram proteger a si, aos seus colaboradores, clientes, fornecedores e a todos aqueles que com a empresa interajem.

 

Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 (MENAC)

Em Portugal, muitas foram as medidas adotadas para prevenir e reprimir a corrupção e a fraude nos últimos anos.

Contudo, a constatação de que apenas uma visão de longo prazo, congregadora de esforços e geradora de dinâmicas ao nível dos diferentes poderes do Estado, das distintas áreas de governação e dos setores privados e social, teria capacidade para enfrentar o fenómeno da corrupção, determinou a necessidade de conceção de uma Estratégia Nacional Anticorrupção 2024 (“Estratégia”), a qual consagrou como prioridade a prevenção e detecção dos “riscos de corrupção no setor público, através, entre outras medidas, da adoção de Programas de Cumprimento Normativo no Setor Público, com base na experiência do setor privado” (Prioridade 2), bem como a necessidade de “Comprometer o setor privado na prevenção, detecção e repressão da corrupção” (Prioridade 3).

Tendo por base essas prioridades, foram criados alguns diplomas legislativos, nomeadamente, o Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, que criou o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) e o Regime Geral da Prevenção da Corrupção (RGPC).

O MENAC assume a natureza de entidade administrativa independente, cuja missão é a promoção da transparência e da integridade na ação pública e a garantia da efetividade de políticas de prevenção da corrupção e de infrações conexas.

O MENAC detém poderes de iniciativa, de controle e de sanção, competindo-lhe, nomeadamente: (i) desenvolver, em conjunto com o Governo, programas e iniciativas com o objetivo de criar uma cultura de integridade e transparência, abrangendo todas as áreas da gestão pública e todos os níveis de ensino; (ii) desenvolver campanhas de prevenção da corrupção; (iii) recolher e organizar informação relativa à prevenção e repressão da corrupção e crimes conexos; (iv) emitir orientações e diretivas a que deve obedecer a conceção e termos de execução dos programas de cumprimento normativo; (v) avaliar a aplicação do RGPC; (vi) fiscalizar o cumprimento das normas previstas no RGPC.

Em suma: a criação do MENAC, decorrente da Estratégia, visa prevenir e detectar os riscos de corrupção no setor público, bem como comprometer o setor privado na prevenção, detecção e repressão da corrupção.

 

O futuro do trabalho e o direito à privacidade

Face à utilização crescente de novas tecnologias, como a inteligência artificial, a chamada “internet das coisas” (Internet of Things - IoT) e a análise de big data, as preocupações com a privacidade, proteção de dados e riscos digitais têm aumentado de forma significativa.

A revolução digital e os impactos no mercado de trabalho são suscetíveis de gerar riscos ao nível da privacidade e da proteção de dados pessoais, particularmente no teletrabalho e no trabalho à distância, bem como nas plataformas digitais.

Com efeito, as novas tecnologias de informação e comunicação colocam à disposição do empregador novos meios de vigilância da atividade laboral, permitindo um controle mais intrusivo e permanente, bem como o tratamento quase ilimitado de dados pessoais.

Em face desta realidade, importa proteger a tutela do direito à privacidade e os dados pessoais.

Em Portugal, a Constituição da República Portuguesa prevê o direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.º) e o direito à proteção de dados pessoais (artigo 35.º).

A nível europeu, a tutela da vida privada resulta da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (artigo 7.º) e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 8.º).

A proteção de dados pessoais, por sua vez, resulta do RGPD, que contém uma regra específica no que diz respeito ao tratamento de dados em contexto laboral (artigo 88.º), assim como da Lei n.º 58/2019, que prevé situações específicas de tratamento de dados pessoais, em particular, no âmbito das relações laborais (artigo 28.º).

A nível estritamente laboral, importa ainda ter em conta os artigos 14.º a 22.º do Código do Trabalho, que incluem o direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 16.º) e a proteção de dados pessoais (artigo 17.º).

Tendo em conta, em qualquer caso, os riscos acrescidos decorrentes do incremento e massificação das novas tecnologias, o Livro Verde Sobre o Futuro do Trabalho, aprovado pelo Governo português em 2021, estabeleceu novas recomendações, relativas à privacidade no contexto laboral, nomeadamente as seguintes:

  • Prevenir e regulamentar de modo restritivo a prática do employment background check, evitando que a avaliação do perfil e curriculum profissional do candidato a emprego seja feita com recurso a dados pessoais do próprio que não têm ligação direta com o tipo de actividade para a qual o mesmo se está a candidatar e que interferem com a sua esfera pessoal ou íntima;
  • Prevenir o recurso a ferramentas que permitem monitorar e-mails, sites visitados, a quantidade de mensagens enviadas e de chamadas/reuniões realizadas, originando um significativo risco de vigilância remota dos trabalhadores em tempo real, assim como possibilitando a criação de perfis de comportamentos.

O Futuro do Trabalho passa, em suma, pela proteção da privacidade e dos dados pessoais de todas as partes envolvidas, em particular dos trabalhadores.

 

Conclusão

Conclui-se que, para garantir a efetividade de um programa de Compliance, torna-se fundamental avaliar os riscos envolvidos, bem como reavaliá-los de forma contínua, porquanto os negócios também estão em constante transformação, assim como a tecnologia, no fito de evitar ou mitigar danos decorrentes do mau uso ou do uso abusivo dos dados dos trabalhadores.

No Brazil, no âmbito do Compliance digital laboral, depreende-se que, muito embora a LGPD não estabeleça, expressamente, previsões aplicáveis às relações de trabalho, o tratamento de dados pesoais é fundamental nas diversas fases do contrato de trabalho, revelando-se, portanto, uma área delicada para a sua implantação e efetivo cumprimento. Pode, inclusive, ser vista como uma oportunidade para o sistema normativo brasileiro se abrir ao direito comparado, nomeadamente, ao RGPD.

Em Portugal, o RGPD e a lei nacional que assegura a sua execução (a Lei n.º 58/2019) têm disposições específicas para o contexto laboral, que se aplicam a par do Código de Trabalho, e cujo cumprimento é indispensável à implementação de um programa de Compliance.

Para além disso, os stakeholders têm exigido paridade de cuidado no tratamento de dados, uma vez que a responsabilidade por danos decorrentes de incidentes é solidária e, mais, a conformidade no tocante aos dados dos titulares constitui-se em um valor corporativo e activo estratégico das organizações. 

É importante que os profissionais da área aboral tenham especial atenção às obrigações impostas pela legislação e se prepararem para adequar as rotinas /práticas laborais às exigências de proteção de dados, principalmente através de um sistema de gestão de riscos a integrar em um eficiente programa de Compliance digital no contexto laboral.

2022-06-28

O presente documento contém uma súmula de normas e medidas incluídas no Orçamento do Estado para 20221 (“OE2022”) que impactam diretamente na administração local. 

Laboral

a) Mobilidade e cedência de interesse público  

 As situações de mobilidade cujo limite de duração ocorra durante o ano 2022 podem, por acordo entre as partes, ser prorrogadas até ao final do ano. 

No caso de acordo de cedência de interesse público, a prorrogação depende de parecer favorável do presidente da câmara municipal ou da junta de freguesia, consoante o caso.    

b) Contratação de trabalhadores por pessoas coletivas de direito público e empresas do setor público empresarial  

À semelhança do verificado no OE anterior, também para 2022 se prevê que as pessoas coletivas de direito público de natureza local e empresas do setor empresarial local que gerem sistemas de titularidade municipal de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas ou de gestão de resíduos urbanos podem proceder à contratação de trabalhadores, sem prejuízo de terem de assegurar o cumprimento das regras de equilíbrio financeiro aplicáveis.   

c) Vinculação dos trabalhadores contratados a termo colocados nas autarquias locais  

  • Mantém-se, para 2022, o regime excecional aprovado no OE 2021 que permite a conversão de vínculos de emprego público a termo resolutivo em vínculos de emprego público por tempo indeterminado, sempre que:
  • A função para a qual o trabalhador haja sido contratado se encontre na esfera jurídica de competência da autarquia;
  • O termo resolutivo conste de protocolo, acordo de execução ou contrato interadministrativo para o exercício dessas competências, à data, na esfera jurídica de outra entidade administrativa.

Esta prerrogativa ocorre exclusivamente no âmbito do processo de transferência de competências em curso, através de concurso ao qual apenas podem ser opositores aqueles que cumpram os requisitos definidos. 

Em termos procedimentais, o aditamento aos mapas de pessoal deve ser efetuado de acordo com o estritamente necessário às necessidades permanentes reconhecidas pelo órgão executivo que propõe ao órgão deliberativo para deliberação.  

d) Recrutamento de trabalhadores nos municípios em situação de saneamento ou de rutura

A regra constante no OE 2021 é replicada integralmente no OE2022. 

 Assim, para os municípios que se encontrem em situação de saneamento ou de rutura, a abertura de procedimentos concursais para recrutamento de trabalhadores apenas pode ocorrer nas seguintes situações:  

  • Implementação do PREVPAP; 
  • Descentralização de competências - para substituição de trabalhadores. 

Mantém-se ainda a não sujeição destas limitações no caso de recrutamento no âmbito da descentralização de competências na área da educação, termos em que neste domínio os municípios podem reforçar (e não meramente substituir) o número de trabalhadores.

Contratação Pública  

a) Proibição de aumento dos valores gastos na contratação de serviços 

Mantém-se a regra que impede que as autarquias locais despendam montantes superiores aos gastos em 2021 em contratos que venham a renovar-se ou a celebrar-se com idêntico objeto vigente em 2021. 

Esta regra, como bem notou a ANMP no seu parecer, é especialmente difícil aplicar com o aumento da inflação (recorde-se que em maio atingiu 8%). 

Entendemos aliás que esta norma não pode deixar de ser interpretada no sentido de permitir gastos que não ultrapassem os montantes pagos, mas atualizados à inflação. Caso contrário, estaríamos perante a imposição de uma redução dos valores suportados para idêntico serviço adquirido. 

No entanto, e como veremos no ponto seguinte, o OE 2022 vem prever (apenas) uma situação concreta em que é permitida, excecionalmente, a atualização dos montantes em razão da inflação. 

 Assim, e à cautela, sugere-se que, no caso da renovação ou celebração com idêntico objeto que exija um valor superior ao despendido anteriormente, se recorra ao mecanismo de exceção previsto na Lei, devendo a deliberação pelo órgão competente ser antecedida de fundamentação pelos serviços. 

b) Adjudicação acima do preço base e revisão de preços 

Não consta no OE 2022, mas tendo sido incluído no Parecer da ANMP e tendo o Governo dado resposta recente, sublinha-se que foi aprovado o Decreto-Lei nº36/2022, de 20 de maio – Revisão Excecional de Preços nos Contratos Públicos.

 Esta revisão excecional configura, de forma clara, o reconhecimento dos impactos que a inflação gera na contratação por parte das autarquias, o que reforça o que referimos acima no que concerne à regra de proibição de aumento dos valores gastos na contratação de serviços e à necessidade de ter em conta os impactos da inflação. 

c) Redes de faixas de gestão de combustível 

 Tal como em 2021, a Lei vem prever a possibilidade dos municípios - para além do ICNF e das Infraestruturas de Portugal - recorreram ao ajuste direto, até aos limiares previstos no artigo 4.º da Diretiva 2014/24/UE e não se aplicando as limitações constantes dos númerios 2 a 5 do artigo 113.º do Código dos Contratos Públicos. 

Sendo a competência dos municípios neste domínio delegável nas freguesias, conforme resulta do Decreto-Lei n.º 82/2021, de 13 de outubro, teria sido adequado que a prerrogativa prevista no OE2022 referisse autarquias locais (assim abrangendo também as freguesias) e não apenas os municípios. 

Dessa forma, nenhuma dúvida resultaria relativamente à possibilidade de as freguesias, enquanto delegatárias, poderem também recorrer ao ajuste direto nos mesmos termos que o município delegante se encontra apto a fazer. 

Cumpre dar nota que, para efeitos dos trabalhos relativos às faixas de combustível, encontram-se as entidades referidas – com a mesma ressalva relativamente às freguesias – dispensadas de fiscalização prévia do Tribunal de Contas. 

Financeiro

a) IVA nos projetos financiados pelo PRR   

O OE2022 autoriza o Governo a transferir para as autarquias locais e entidades intermunicipais o montante correspondente ao IVA que suportaram nos projetos exclusivamente financiados pelo PRR.   

b) Contratação de fornecimento e serviços para funcionamento dos estabelecimentos educativos   

O Decreto-Lei n.º 21/2019, de 30 de janeiro, diploma que concretiza a transferência de competências para os órgãos municipais e das entidades intermunicipais no domínio da educação, determinou que compete aos municípios a contratação de fornecimentos e serviços externos para o funcionamento dos estabelecimentos educativos. 

O OE2022 veio clarificar que esta competência deve ser exercida independentemente de o município ser (ou não) o titular do direito de propriedade das infraestruturas escolares ou das licenças de exploração das respetivas instalações.  

Entendendo que esta clarificação é, por questões de segurança jurídica, bem-vinda (não se poderia compreender, aliás, solução diversa), teria sido mais adequado que tivesse sido produzida diretamente no próprio DL n.º 21/2019.  

c) LCPA – Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em atraso 

O OE2022 mantém as regras relativas ao cálculo dos fundos disponíveis. 

Ainda, e à semelhança do verificado no OE 2021, a Lei do OE2022 determina a exclusão do âmbito da aplicação da Lei as autarquias locais que: 

  • Já beneficiaram da exclusão no ano anterior, desde que, a 31 de dezembro de 2021, se encontrassem a cumprir os limites de envidamento;
  • A 31 de dezembro de 2021, se encontrassem a cumprir as obrigações de reporte ao Tribunal de Contas e à DGAL, assim como os limites de endividamento. 

A exclusão está ainda dependente de, em 31 de dezembro de 2021 e face a setembro de 2020, não terem sido aumentados os respetivos pagamentos em atraso com mais de 90 dias, registados na plataforma eletrónica de recolha de informação da DGAL. 

d) Pagamentos em atraso  

No ano 2022, as entidades incluídas no subsetor da administração local reduzem no mínimo 10 % dos pagamentos em atraso com mais de 90 dias (registados na plataforma eletrónica de recolha de informação da DGAL à data de setembro de 2021), para além das reduções previstas no Programa de Apoio à Economia Local.

Ficam excecionados da redução em causa os municípios que se encontrem vinculados a um programa de ajustamento municipal.

 No mais, caso se observe o incumprimento desta obrigação, haverá lugar à retenção da receita proveniente das transferências do Orçamento do Estado, no montante equivalente ao do valor em falta, apurado pelo diferencial entre o objetivo estabelecido e o montante de pagamentos em atraso registados, acrescido do aumento verificado.

  O montante referente à contribuição de cada município para o Fundo de Apoio Municipal (“FAM”) não releva para o aferimento do limite da dívida total.? recolha de informação da DGAL à data de setembro de 2021.  

e) Endividamento Municipal 

i. Empréstimos no âmbito das obrigações assumidas pelos municípios no âmbito do processo de descentralização de competências  

O OE2022 vem replicar a norma já prevista no OE2021 que prevê a possibilidade, e em que condições, dos municípios contraírem novos empréstimos para pagamento de empréstimos ou locações vigentes, assim como transferir dívidas. 

Não podemos deixar de referir que é uma norma desnecessária. O OE é uma Lei que cria direitos e obrigações estáveis no tempo, com exceção daqueles que expressamente refira como tendo periodicidade determinada, por regra anual.  

A não aprovação da presente norma em nada afetaria a prerrogativa conferida pelo OE2021.  

Ainda assim, fica a nota de que a opção existe dos exatos termos já conhecidos. 

ii. Fundo de Apoio Municipal - empréstimos para financiar despesa corrente 

O OE2022 volta a prever que os municípios que cumpram, com referência a 31 de dezembro do ano anterior, o limite legal de endividamento possam recorrer a empréstimos junto do Fundo de Apoio Municipal para financiar a despesa corrente. 

Mas se no OE2021 esta prerrogativa tinha como condição a verificação de uma diminuição da receita corrente cobrada (deduzida dos montantes relativos ao processo de descentralização de competências) igual ou superior a 5%, face à média dos 24 meses precedentes, o OE2022 faz depender a possibilidade de contração de empréstimo para o fim referido à existência de uma diminuição das transferências de 2022 (FEF, FSM, Participação do IRS e do IVA) face às concretizadas no exercício de 2021. 

Refira-se que o montante global de redução de transferências para todo o universo municipal ascende a cerca de 102 milhões de euros. 

Como nota final, refira-se que os empréstimos a conceder podem ter uma maturidade máxima de 10 anos, sendo autorizados por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e das autarquias locais, e tem limite máximo o valor da redução das transferências. 

iii. Para financiamento nacional de projetos cofinanciados na componente de investimento não elegível. 

Na fase de discussão do OE2022, foi aditada uma norma que duplica a “margem” de endividamento das autarquias. 

A expressão “margem de endividamento” que o OE2022 acolhe não deve confundir-se com a de “margem disponível” prevista na Regime Jurídico Financeiro das Autarquias Locais (“RJFAL ou LFL”). 

Nos termos da LFL, os municípios podem aumentar anualmente a sua dívida no montante correspondente a 20% da sua margem disponível.  

O OE 2022 prevê e permite o aumento da dívida no montante correspondente a 40% da margem disponível, exclusivamente para assegurar o financiamento nacional de projetos cofinanciados na componente de investimento não elegível.  

iv. Acordos de regularização das dívidas no setor do abastecimento de água e de saneamento 

É assegurada a possibilidade das autarquias locais, dos serviços municipalizados e intermunicipalizados e das empresas locais celebrarem acordos de regularização de dívidas no âmbito do setor da água e do saneamento de águas residuais. 

 A Proposta de Lei do OE replicou o preceituado na Lei do OE2021, contudo, e em sede de especialidade, foi aprovada, entre outras, uma alteração relevante:  

  • Passou a ser permitido – por despacho do Governo – a ultrapassagem do limite de endividamento não apenas para as dívidas que vierem a ser reconhecidas nos acordos a celebrar, mas também para as que já se encontravam contabilisticamente reconhecidas.  

 Caso o objetivo tenha sido, como se crê, ir ao encontro da reivindicação da ANMP de abranger também as situações em que as dívidas foram reconhecidas em acordos celebrados anteriormente, designadamente em 2019 e em 2020, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 5/2019, de 14 de janeiro, entende-se que a redação poderia e deveria ter sido mais clara – aproveitando a proposta tecnicamente correta da ANMP.  

Na verdade, a letra da lei, no que a esta alteração respeita, permite a interpretação de que embora passe a abranger as dívidas reconhecidas (contabilisticamente) em momento anterior a 31 de dezembro de 2021 apenas se aplica a acordos a celebrar em 2022, ou seja, não abrangendo aqueles que tenham sido celebrados anteriormente. 

Face ao exposto, e ainda que o mais avisado fosse aprovar, à semelhança do que ocorreu em 2020 (artigo 6.º da Lei n.º 4-B/2020, de 6 de abril com referência ao número 10 do artigo 128.º do OE 2020) uma norma interpretativa que dissipasse quaisquer dúvidas sobre esta matéria, entende-se que os municípios potencialmente beneficiários podem e devem solicitar o respetivo despacho de autorização.  

v. Suspensão da regra de equilíbrio orçamental 

 A regra de equilíbrio orçamental prevista no número 2 do artigo 40.º da RJFAL, que determina que a receita corrente bruta cobrada deve ser pelo menos igual à despesa corrente acrescida das amortizações médias de empréstimos de médio e longo prazos, encontra-se suspensa em 2022, tal como sucede desde a eclosão da Pandemia Covid19.  

vi. Exceções ao limite da dívida: pagamento de regaste de concessões 

Mantém-se, desde 2015, a regra que permite que, respeitadas as demais condições previstas, o limite da dívida legalmente prevista seja ultrapassado nos casos em que os empréstimos em causa se destinem exclusivamente:  

  • Ao cumprimento de decisão judicial ou arbitral transitada em julgado, relativa a contrato de delegação ou concessão de exploração e gestão de serviços municipais de abastecimento público de água, de saneamento de águas residuais urbanas ou de gestão de resíduos urbanos; ou
  • Ao resgate de contrato de concessão que determine a extinção de todas as responsabilidades do município para com o concessionário, precedido de parecer do membro do Governo responsável pela área das finanças que ateste a sua compatibilidade com os limites de endividamento fixados pela Assembleia da República para o respetivo exercício orçamental.

No que respeita ao resgate de contrato de concessão, importa assinalar que já em sede de especialidade foi introduzida uma alteração no sentido de clarificar que, para efeitos desta norma, o valor indemnizatório devido ao concessionário em razão do resgate é determinado pelo concedente no ato administrativo correspondente. Assim, e conforme refere a nota justificativa da proposta de alteração, fica claro que este valor não fica dependente de “prévio acordo do concessionário ou de uma posterior decisão judicial”

vii. Habitação e Operações de Reabilitação Urbana  

Limite da dívida 

 O limite da dívida total pode ser excecionalmente ultrapassado para contração de empréstimos que se destinem exclusivamente ao financiamento do investimento em programas de arrendamento urbano e em soluções habitacionais a realizar até 25 de abril de 2024, bem como no caso de empréstimos financiados com fundos reembolsáveis do PRR destinados ao parque público de habitações a custos acessíveis.   

Isenção de fiscalização prévia do Tribunal de Contas 

A este respeito importa ainda assinalar que no decurso do processo de discussão da Proposta de OE foi aprovada uma alteração relevante, ao determinar que “os contratos de empréstimo celebrados entre os beneficiários finais e o IHRU, I.P., no âmbito do financiamento do PRR com fundos reembolsáveis, destinados ao parque público de habitações a custos acessíveis, estão isentos de fiscalização prévia do Tribunal de Contas”. 

A exigência de visto prévio do Tribunal de Contas constituiria, com efeito, uma redundância, atento que estes contratos são “contratos espelho” do contrato de empréstimo entre o Estado Português e o IHRU, o qual se encontra atualmente a ser apreciado pelo Tribunal de Contas.  

viii. Empréstimos BEI – dispensa de consulta a três instituições 

O OE2022 prevê que na contração de empréstimos pelos municípios, e no que respeita ao financiamento da contrapartida nacional no âmbito dos Programas Operacionais do Portugal 2020, através do empréstimo-quadro com o Banco Europeu de Investimento, a consulta a três instituições de crédito não é obrigatória. 

Atividade Empresarial Local

a) Aquisição transitória de participações sociais detidas por empresas locais 

No decurso da discussão da Proposta do OE2022, foi aditada uma norma que permite, em 2022, a aquisição da totalidade das participações sociais de entidades detidas por empresas locais. 

A aquisição por parte da entidade pública participante determina a dissolução da sociedade cujas participações foram adquiridas, bem como e consequentemente a internalização da sua atividade na entidade adquirente. 

Esta situação permite que, caso seja demonstrado que constitui a opção que melhor defende o interesse público, as atividades desenvolvidas, designadamente por parceria público-privada (PPP), sejam internalizadas nos serviços das entidades públicas participantes. 

Justificar-se-ia, a nosso ver, que esta alteração não fosse circunscrita ao ano 2022 e tivesse sido introduzida na própria Lei n.º 50/2022.  

b)  Alterações à Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto 

A Lei do OE2022 introduz alterações a três artigos ao Regime Jurídico da Atividade Empresarial:  

Entidades públicas participantes com participação social inferior a 10% no âmbito dos sistemas multimunicipais de água ou saneamento e resíduos sólidos urbanos 

 A Lei n.º 50/2012 exige que as empresas locais apresentem resultados equilibrados, termos em que, sempre que os resultados líquidos se encontrem negativos devem as entidades participantes, na sua devida proporção, proceder a uma transferência financeira à empresa com vista ao equilíbrio exigido. 

O incumprimento deste dever, recorde-se, leva a que os empréstimos contraídos pelas empresas, assim como o seu endividamento líquido, relevem para os limites ao endividamento das entidades públicas participantes. 

Esta regra é também válida para o caso das participações locais, o que tem suscitado críticas por parte dos municípios que defendem que os empréstimos das empresas relativamente às quais não têm influência dominante no controlo da gestão não deveriam relevar para os limites ao seu próprio endividamento. 

O OE2021 veio atender parcialmente esta posição, mandando retirar do perímetro da dívida os empréstimos das empresas nas quais, e no âmbito dos sistemas multimunicipais de água ou saneamento e resíduos sólidos urbanos, as entidades públicas participantes tenham participações inferiores a 10%. 

Não deixa de se colocar a questão sobre se se mantém a obrigatoriedade legal dos municípios reporem o equilíbrio, na devida proporção, destas empresas quando apresentem resultados líquidos negativos. 

A resposta é, a nosso ver, afirmativa, uma vez que o legislador não afastou expressamente essa obrigatoriedade. Será, ainda assim, um dever sem consequência imediata em caso de incumprimento.  

Apoios e transferências para associações, fundações e cooperativas 

 Passa a ser possível aos municípios concederem subsídios a entidades não societárias nas quais não exerçam influência dominante. 

Assim, apenas se mantém a regra de proibição de celebração de contratos-programa com associações nas quais, de acordo com as regras legais, os municípios ou entidades intermunicipais exerçam influência dominante.  

Não obrigatoriedade de alienação de participações sociais 

Por via da aprovação do OE2022 deixa de ser obrigatório que as entidades públicas participantes alienem as suas participações sociais em sociedades no âmbito dos sistemas multimunicipais de água ou saneamento e resíduos sólidos urbanos quando essas empresas se encontrem numa das situações tipificadas no artigo 62.º - que determinaria para as empresas locais a sua própria dissolução. 

 Assim, e após a alteração que já havia sido introduzida em 2015, que determinou a desobrigatoriedade da alienação de participações em sociedades comerciais que exercem, a título principal, as atividades de ensino e formação profissional, temos agora igual dispensa para as sociedades no âmbito dos sistemas multimunicipais de água ou saneamento e resíduos sólidos urbanos. 

Outros

a) Preferência de venda a municípios de imóveis penhorados 

 Passa a ser conferido aos municípios o direito de preferência sobre os prédios ou frações autónomas situados no seu território que se encontrem penhorados no âmbito de processo de execução fiscal. 

  • SNS e ADSE 

 Mantém-se a regra de financiamento relativa ao pagamento que às autarquias locais, serviços municipalizados e empresas locais cabe em razão das prestações de saúde efetuadas aos respetivos trabalhadores em instituições e serviços do SNS, bem como dos Serviços Regionais de Saúde. 

Desde 2010 que o sistema é de retenção por parte da DGAL das transferências do OE às autarquias locais. 

O montante a pagar por cada entidade corresponde ao valor resultante da multiplicação do número total dos respetivos trabalhadores registados na plataforma eletrónica de recolha de informação da DGAL, a 1 de janeiro de 2022, por 31,22% do custo per capita do SNS, publicado pelo INE, I. P., ascendendo, no que respeita aos municípios, a cerca de 37 milhões de euros anuais. 

Para além destes valores, e no que concerne à ADSE, os municípios suportam ainda cerca de 80 milhões de euros anuais. No regime convencionado, a parte não paga pelo beneficiário é suportada num primeiro momento pela ADSE, a qual tem o direito a ser reembolsada pelas autarquias. No regime livre, as autarquias locais reembolsam diretamente os beneficiários pela comparticipação a que têm direito. 

Ou seja, as autarquias locais não recebem um só euro de contribuições por parte dos beneficiários (esse valor é totalmente arrecadado pela ADSE) e suportam a totalidade dos valores comparticipados (quer no regime livre, quer no regime convencionado). 

É um modelo iníquo, de difícil compreensão e sustentação, e relativamente ao qual se entende que há legítimo fundamento para uma demanda judicial. 

Foi aprovada a Proposta de Lei n.º 79/XXIII/2022, que visa alterar o Código do Trabalho.

A Proposta contém diversas medidas, que vão agora ser discutidas e votadas na Assembleia da República.

Eis as principais alterações:

 

Definição de “dependência económica”

Considera-se que há “dependência económica” sempre que o prestador de trabalho seja uma pessoa singular que presta, diretamente e sem intervenção de terceiros, uma atividade para o mesmo beneficiário, e dele obtém mais de 50% do produto da sua atividade, num ano civil (10.º/2).

 

Direitos coletivos para os economicamente dependentes

As pessoas em situação de dependência económica passam a ter direito: (i) à representação dos seus interesses socioprofissionais por associação sindical e por comissão de trabalhadores, ainda que delas não possam ser membros; (ii) à negociação de instrumentos de regulamentação coletivas de trabalho negociais, específicos para trabalhadores independentes, através de associações sindicais; (iii) à aplicação dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho negociais já existentes e aplicáveis a trabalhadores, nos termos neles previstos (10.º-A).

 

Plataformas digitais – presunção de laboralidade

Cria-se uma nova presunção de laboralidade para o trabalho prestado nas plataformas digitais, presumindo-se a existência de contrato de trabalho quando se verifiquem determinados requisitos: a retribuição é fixada pelo operador da plataforma; o operador dirige a forma de atuação e apresentação do prestador; o operador controla a atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos; o operador restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos ou através da aplicação de sanções beneficiária que nela opere; restringe a possibilidade de escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma; os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem ao operador de plataforma digital. A presunção pode ser ilidida pelo operador de plataforma (artigo 12.º-A).

 

“Falsos recibos verdes” – novas sanções acessórias

Reforço da sanção acessória para as situações de “falsos” contratos de prestação de serviços, determinando, em caso de reincidência: (i) a privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, ou proveniente de fundos europeus; e (ii) a privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos (12.º/3).

 

Algoritmos e Inteligência Artificial

Em matéria de uso de algoritmos, inteligência artificial e matérias conexas, os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho apenas podem afastar as normas legais em sentido mais favorável para os trabalhadores (3.º/3).
Igualdade e não discriminação também se aplica no caso de tomada de decisões baseadas em algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial (24.º/3).

 

Alargamento de “práticas discriminatórias”

São consideradas práticas discriminatórias as discriminações remuneratórias relacionadas com a atribuição de prémios de assiduidade e produtividade, bem como afetações desfavoráveis em termos de avaliação e progressão na carreira (25.º/6 e 7).

 

Faltas por adoção e acolhimento familiar

Processos de adoção e de acolhimento famílias são considerados ausências justificadas ao trabalho que não determinam a perda de quaisquer direitos e que são consideradas como prestação efetiva de trabalho, exceto quanto à retribuição (65.º/1, k).


Dever de informação ao trabalhador

Empregador passa a ter de informar o trabalhador sobre novos aspetos, nomeadamente: (i) a identificação do utilizador, no caso de trabalhador temporário; (ii) o direito individual a formação continua; (iii) no caso de trabalho intermitente, a informação prevista no regime legalmente estabelecido; (iv) os parâmetros, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial (106.º/3).

 

Período experimental

O período experimental de 180 dias aplicável aos trabalhadores com contrato por tempo indeterminado que estejam à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração é reduzido e ou excluído consoante a duração de anterior contrato de trabalho a termo, celebrado com empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias (112.º/5).

Consagração da possibilidade de redução do período experimental consoante a duração do estágio profissional com avaliação positiva, para a mesma atividade e empregador diferente, tenha sido igual ou superior a 90 dias, nos últimos 12 meses (112.º/6).

O prazo de aviso prévio para denúncia do contrato durante o período experimental, depois de decorridos mais de 120 dias, passa a ser 30 dias (114.º/3).

Obrigação de comunicação à CITE da denúncia do contrato durante o período experimental estende-se ao trabalhador cuidador (114.º/5).

Obrigação de comunicação à ACT, no prazo de 15 dias, da denúncia do contrato durante o período experimental aplicável a contratos sem termo de pessoas à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração (114.º/6).

As novas regras passam a prever que apesar de a denúncia não depender de justa causa, não pode ser abusiva, nos termos do artigo 334.º do Código Civil (114.º/7).

 

Contratação a termo

Reforço das regras relativas à sucessão de contratos a termo evitando o recurso abusivo a esta forma de contratação, designadamente impedindo nova admissão ou afetação de trabalhador através de contrato (a termo, temporário ou prestação de serviços) cuja execução se concretize, no mesmo posto de trabalho, para o mesmo objeto ou na mesma atividade profissional (143.º/1).

Obrigação de comunicação obrigatória à CITE, com a antecedência mínima de cinco dias úteis a contar da data do aviso prévio, do motivo da não renovação de contrato de trabalho a termo, estende-se ao trabalhador cuidador (144.º/3).

Alargamento da compensação para 24 dias por ano em caso de cessação de contrato de trabalho a termo (certo ou incerto) (344.º/2).

 

Trabalho temporário

No caso de se ter completado a duração máxima de contrato de utilização de trabalho temporário, é proibida a sucessão no mesmo posto de trabalho de trabalhador temporário ou de trabalhador contratado a termo, celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes de decorrer um período de tempo igual a um terço da duração do referido contrato, incluindo renovações (179.º/1).

Em caso de celebração ou renovação de contrato de utilização com empresa de trabalho temporário (ETT) não licenciada, a integração é feita com contrato sem termo na empresa utilizadora (180.º/5).

A duração de contratos de trabalho temporário sucessivos em diferentes utilizadores, celebrados com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, não pode ser superior a quatro anos. Ultrapassado tal limite, o contrato converte-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária (180.º/4 e 5).

 

Relações coletivas de trabalho e da negociação coletiva

Admite-se o exercício da atividade sindical na empresa ainda que não existam trabalhadores sindicalizados, mediante condições específicas aplicáveis e desde que não se afete o normal funcionamento da atividade produtiva (460.º/2).

A escolha da convenção coletiva não ser possível se o trabalhador já se encontrar abrangido por portaria de extensão (497.º/5) e a emissão da portaria de extensão afasta a aplicação de convenção que tenha, eventualmente, sido escolhida (515.º/5).

Em caso de denúncia de convenção coletiva a parte destinatária pode requerer ao Presidente do Conselho Económico e Social arbitragem para apreciação da fundamentação da denúncia, a qual suspende os seus efeitos, impedindo a convenção de entrar em regime de sobrevigência (500.º-A).

O Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 40/2022, de 6 de junho, que cria o mapa das coberturas das redes de comunicações eletrónicas fixas e móveis. Trata-se um dos instrumentos previstos no Plano de Ação para a Transição Digital que permitirá não só ao Governo, mas também aos cidadãos e às empresas, ter informações mais detalhadas sobre qual a disponibilidade de conectividade à rede móvel e fixa de internet nas mais diversas regiões do país.

Nesta plataforma deverão constar, entre outras, informações relativas: (i) à cobertura das redes fixas para o serviço de banda larga, com resolução ao nível do endereço e indicação das tecnologias e velocidades disponibilizadas; (ii) à cobertura das redes móveis para os serviços de voz, SMS e MMS e para os serviços de acesso à Internet, com uma resolução de 100 por 100 metros e indicação das tecnologias e velocidades disponibilizadas; e (iii) a cobertura via satélite. Competirá à ANACOM disponibilizar a plataforma onde constem os dados sobre a informação relativa à cobertura das redes fixas e móveis. Caberá aos operadores das redes de comunicações eletrónicas atualizá-la com as suas próprias informações.

O mapa permitirá identificar as “zonas brancas” do território nacional, as áreas que ainda não beneficiam de redes de última geração (redes de Gigabit), nas quais os operadores privados não investiram ou não têm planos para investir em infraestruturas. Aliás, as zonas brancas já podem ser observadas no mapa das áreas sem cobertura de redes de elevada capacidade, publicado pela ANACOM no seu website: de acordo com este mapa, existem zonas brancas em 299 concelhos (97% dos concelhos em Portugal). As operadoras de comunicações dizem que correspondem a cerca de 7% da população.

Com a informação obtida, o Governo avançou que pretende, no último trimestre do ano, promover um concurso de conectividade de fibra ótica. Este concurso terá como objetivo garantir o futuro acesso de toda a população a redes Gigabit, de forma a assegurar a cobertura em todo o território nacional e a todos os agregados familiares de redes de alta velocidade até 2030. O Governo espera que seja uma nova e diferente oportunidade de promover a coesão territorial, a valorização dos territórios do interior e de incentivar o investimento privado, através da entrega de uma base de dados e informações sobre as zonas mais frágeis do país. Com a lembrança em malogrados projetos passados de criação de redes de alta velocidade para o interior do país, haverá que esperar para ver se é desta, e a que custo, se eliminam as zonas brancas do mapa das redes de comunicações de Portugal.

2022-05-30
Guilherme Dray

Introdução

Com o avanço das tecnologias e a adoção de modelos económicos globalizados e compartilhados, surgiram novas formas de prestação de trabalho, que trazem novos desafios quanto à regulação e enquadramento dessas relações.

O trabalho prestado em plataformas digitais é uma dessas novas realidades. Caracteriza-se pela descentralização de atividades e de atores, pela gestão algorítmica do trabalho e pela flexibilidade nas relações laborais. Em regra, envolve três partes: o provedor de plataforma, o fornecedor e o demandante.

Perante estes novos modelos de trabalho, assentes nas tecnologias de informação e comunicação e no recurso a plataformas digitais, o Direito procura dar novas respostas, de forma a regular esta nova forma de trabalhar.

O Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, que foi elaborado pelo Governo português e publicado em março de 2022, é um exemplo de como essas inquietações estão a merecer a atenção dos decisores políticos.

Nesta newsletter, os especialistas dos escritórios MACEDO VITORINO (Lisboa, Portugal) e DENISE FINCATO (Porto Alegre, Brasil) apresentam, de forma sintética, as recentes iniciativas legislativas e decisões judiciais relativos à regulação e ao enquadramento dado ao trabalho prestado em plataformas digitais, sob uma ótica comparada, envolvendo os sistemas jurídicos de Portugal, Brasil e Itália.

 

Proposta de Diretiva da União Europeia

Há muito que era aguardada uma Proposta de Diretiva que regulasse as condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas digitais e que clarificasse o estatuto destes trabalhadores. Essa Proposta chegou em 9 de dezembro de 2021, devendo agora ser negociada entre Conselho (Estados-membros) e Parlamento Europeu. Se aprovada, deverá ser transposta no prazo máximo de 2 anos.

A Diretiva cria uma lista de critérios de controlo para determinar se a plataforma é (ou não) um empregador, sendo que caso se verifique a existência de pelo menos 2 critérios, presume-se juridicamente que a plataforma é uma entidade empregadora. Os critérios a ter em conta são, designadamente, os seguintes: (i) supervisão da execução do trabalho pela plataforma; (ii) restrição da liberdade de escolha do horário de trabalho e/ou dos períodos de ausência; (iii) impedimentos à realização de trabalhos para terceiros; (iv) imposição de regras de conduta e aparência aos funcionários que trabalham nas plataformas; e (v) fixação dos níveis de remuneração (artigo 4.º). Nos termos do artigo 5.º da Proposta, a plataforma pode afastar a presunção legal de vínculo laboral, cabendo-lhe fazer prova de que não existe uma relação de trabalho.

A Proposta pretende ainda aumentar a transparência na utilização de algoritmos pelas plataformas, assegurando a monitorização humana e o direito de contestar decisões automatizadas (artigo 6.º).

A par do mencionado, a Proposta reforça os poderes das autoridades inspetivas e obriga as plataformas a cumprirem um conjunto de deveres de informação sobre a forma como o trabalho é prestado, o número de trabalhadores e as condições contratuais aplicáveis (artigos 11.º e 12.º).

Por fim, no artigo 18.º, estabelece-se a proteção dos trabalhadores das plataformas contra despedimentos ilícitos. Com este passo, podemos afirmar que em breve teremos uma Europa totalmente preparada para a Era Digital.

 

Portugal 

Recentemente o Governo Português, no âmbito da “Agenda do Trabalho Digno", aprovou uma proposta de lei que altera o Código do Trabalho e que vai de encontro ao previsto na Proposta de Diretiva acima referida, isto é, cria uma presunção de vínculo laboral para o trabalho desenvolvido nas plataformas digitais (artigo 12.º-A).

A presunção assenta na existência de um conjunto de indícios, que passam, nomeadamente, pelos seguintes: (i) o operador de plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na mesma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela; (ii) o operador de plataforma digital processa o pagamento entre os utilizadores e o prestador da atividade das plataformas; (iii) o prestador da atividade não atua em nome próprio, antes presta a sua atividade inserido na organização do operador de plataforma digital; (iv) a comunicação entre os utilizadores e prestador da atividade é realizada e gerida pelo operador de plataforma digital; (v) o operador de plataforma digital controla a qualidade dos resultados atingidos pelo prestador da atividade fornecendo aos seus utilizadores a avaliação ou o rating dos mesmos; (vi) o operador de plataforma digital controla em tempo real a atividade realizada pelo prestador da atividade, nomeadamente através de um sistema de geolocalização contínuo e de uma gestão algorítmica; (vii) o operador de plataformas digitais exerce poderes sobre o prestador da atividade, nomeadamente o disciplinar, podendo excluí-lo de futuras atividades através da desativação da conta quando têm uma avaliação considerada como insuficiente. A presunção pode ser ilidida pelo operador da plataforma.

A proposta de lei, que ainda não foi aprovada, salvaguarda regimes especiais que já têm regras próprias, como é o caso dos TVDE, mantendo-se, neste caso, a figura do operador, que limita o reconhecimento do vínculo laboral entre motoristas e plataformas.

Em Portugal, a Lei n.º 45/2018, de 10 de agosto, prevê o regime jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaraterizados a partir de plataforma eletrónica. De forma inovadora, a lei portuguesa introduziu um quarto interveniente no processo. Para além da plataforma eletrónica, do motorista e do passageiro, surge o operador TVDE, que é quem presta o serviço remunerado de passageiros e que, por sua vez, celebra o contrato com os motoristas.

Esta lei acabou com o “vazio regulatório” existente no ordenamento português, estabelecendo um conjunto de requisitos para o exercício das atividades económicas em causa. O início da atividade, quer do operador de TVDE, quer do operador de plataformas, está sujeito ao licenciamento do IMT. No que diz respeito aos motoristas, a lei define um sistema de pré-qualificação obrigatória, a qual inclui um contrato escrito que titula a sua relação e o operador de TVDE, ao qual se aplica a presunção de contrato de trabalho consagrada no artigo 12.º do Código do Trabalho.

 

Brasil 

No Brasil, não há nenhuma norma específica que regule as relações de trabalho mediadas por plataformas digitais. Existem diversos projetos de lei em andamento, alguns estabelecendo e outros excluindo a presunção do vínculo laboral (conforme os artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT), que possui como elementos essenciais à sua caracterização: a subordinação, a pessoalidade, a habitualidade e a onerosidade.

O reconhecimento do vínculo de emprego envolvendo os recentes modelos de contratação acordados entre motoristas das aplicações e empresas provedoras de plataformas de tecnologia é ainda um tema novo no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho (TST) brasileiro. Embora algumas “Turmas” do TST já tenham proferido decisões que reconhecem o vínculo laboral entre o motorista e a Uber, outras proferiram decisões em sentido diverso, demonstrando que não há entendimento consolidado acerca do tema na Justiça Laboral Brasileira.

Durante a pandemia causada pela COVID-19, em 2020, os prestadores de serviço de plataformas digitais no país organizaram o “Breque dos Apps”, uma espécie de greve nacional dos prestadores de serviço, que contou com grupos organizados em várias cidades do Brasil. As manifestações tiveram a participação dos prestadores de serviço que desligaram as suas aplicações durante algumas horas como forma de protesto. De entre as reivindicações que pautaram essa mobilização, destacava-se o aumento do valor mínimo por viagem, a solicitação de benefícios como vale-refeição e seguros (de vida, contra acidentes e roubos), o fim dos bloqueios nas aplicações e o fornecimento de equipamentos de proteção contra o vírus, tais como máscaras e álcool-gel.

Em janeiro de 2022 foi aprovada a Lei n.º 14.297, que trata especificamente da proteção de prestadores que prestam seus serviços por intermédio das plataformas digitais, durante período pré-fixado e qualificado como “estado de emergência em saúde pública”. Entre as medidas, a lei prevê que as plataformas devem ter seguro contra acidentes com previsão de indemnização ao trabalhador, assim como a obrigação de os prestadores de serviço diagnosticados com Covid-19 receberem auxílio financeiro da plataforma por um período inicial de 15 dias. O incumprimento das regras de proteção pelas empresas pode resultar em sanções que vão desde advertências até o pagamento de multas.

Contudo, no dia 22 de abril de 2022, o Ministério da Saúde brasileiro publicou uma portaria em que declarou o fim do estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin). A entrada em vigor da referida portaria afetará diretamente algumas regras laborais, modificadas temporariamente em razão da situação excecional enfrentada nos últimos dois anos. Entre elas estão obrigações impostas a empresas e direitos de trabalhadores que foram flexibilizados e, nesse mesmo sentido, a cessação da referida Lei n.º 14.297/22.

O desafio da regulação do trabalho mediado por plataformas passa por encontrar um equilíbrio: por um lado, importa proteger quem exerce sua atividade laboral através de meios telemáticos; por outro, importa estimular as empresas que, alicerçadas na livre iniciativa e no avanço tecnológico, procuram desenvolver a sua atividade com base na digitalização.

Em suma, o cenário brasileiro ainda se apresenta juridicamente inseguro face ao desenvolvimento de relações de trabalho em plataformas, quer por inexistência de legislação específica, quer por divergência jurisprudencial, facto que gera insegurança jurídica aos trabalhadores da nova economia.

 

Itália

Em 2015, o Tribunale di Milano pronunciou-se relativamente a um litígio entre várias entidades representativas da categoria de taxistas e a UBER POP (procedimento cautelare n.º 16612). Tendo em conta que o serviço disponibilizado por meio da plataforma digital da Uber concede a possibilidade, a quem não tem carteira de motorista de táxi, de realizar um serviço de transporte pago, usando a aplicação da empresa (que funciona como intermediário entre motoristas e clientes), o Tribunal de Milão considerou que a atividade da UBER POP era um caso de concorrência desleal, nos termos do art. 2598 n. 3 do Código Civil italiano.

Recorde-se que o Codice Civile, no parágrafo terceiro do art. 2598.º, estabelece que quem fizer uso, direta ou indiretamente, de qualquer outro meio que não cumpra os princípios da idoneidade profissional e que possa causar prejuízo a empresa alheia, pratica actos de concorrência desleal.

Por outro lado, o artigo 82.º do Código da Estrada Italiano define os limites da utilização do veículo a favor de terceiros, sancionando a proibição de utilização do veículo para fins diversos dos indicados nos documentos de matrícula.

Recentemente, o Decreto-Legge n.º 143, de 29 de dezembro de 2018, que regula, para além do setor dos táxis, o do noleggio con conducente (NCC), criou novas regras para o sistema de transporte público não regular, como por exemplo, o facto de os NCC serem obrigados a regressar à sua sede após cada viagem. Ao contrário dos táxis, que param em zonas públicas especialmente marcadas, o NCC pode operar em todo o território nacional, sem dispor de zonas de estacionamento assinaladas.

O diploma, todavia, nada previu sobre o fenómeno Uber e, em geral, sobre o trabalho desenvolvido nas plataformas digitais.

Essa previsão caberá agora ao legislador que terá de tomar em consideração a muito recente diretiva da UE.

A Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) publicou ontem a minuta do contrato de adesão ao Estatuto do Cliente Eletrointensivo (“ECE”), a celebrar entre a DGEG e o os consumidores eletrointensivos que desejem aceder ao estatuto.

1. ADESÃO AO ESTATUTO

Os pedidos de adesão ao ECE deverão ser apresentados no portal da DGEG até ao dia 15 de junho de cada ano, acompanhado de informação relativa à identificação das instalações de produção do requerente. Em caso de decisão favorável pela DGEG, a minuta do contrato de adesão ao ECE será facultado ao requerente para assinatura.

2. OBRIGAÇÕES

O titular das instalações ficará sujeito ao cumprimento de algumas obrigações técnicas, tais como: 

  • Instalação de equipamentos de medida, registo e controlo que garantam a monitorização e verificação do consumo médio anual de energia elétrica; e
  • Implementação, num prazo máximo de três anos após a assinatura do contrato, de um sistema de gestão de energia, auditável e certificado segundo a norma EN ISO 50001:2018.

3. MEDIDAS DE APOIO

Com a adesão ao estatuto, o titular das instalações beneficia das seguintes medidas de apoio:

  • Redução parcial (mínimo desconto de 75%) dos CIEG que incidem sobre a tarifa de uso global do sistema, relativo ao consumo de energia proveniente da RESP; 
  • Isenção total dos encargos correspondentes aos CIEG que incidem sobre a tarifa de uso global do sistema, relativo à energia autoconsumida e veiculada através da RESP;
  • Acesso a um mecanismo de cobertura de risco (mínimo 10%) do consumo de eletricidade de fontes renováveis adquirida através de contratos de longa duração, com uma duração mínima de cinco anos; e
  • Isenção da aplicação dos critérios de proximidade entre a UPAC e a localização da instalação de consumo.

4. DURAÇÃO DO CONTRATO

O contrato tem início no ano civil subsequente ao da data da sua assinatura e pelo período de 1 ano, findo o qual é suscetível de renovação por igual período, mediante requerimento à DGEG até ao dia 15 de junho de cada ano.

5.ENQUADRAMENTO LEGAL

O ECE foi estabelecido no Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, que reformulou o Sistema Elétrico Nacional, para as instalações expostas ao comércio internacional e que cumpram os seguintes requisitos:

A regulamentação do ECE está vertida na Portaria n.º 112/2022, de 14 de março, que define os requisitos de elegibilidade para a adesão dos operadores das instalações de consumo e as obrigações e medidas de apoio às instalações que por este venham a ser abrangidas.