Joana Fuzeta da Ponte, advogada da MACEDO VITORINO, partilha a sua opinião na revista digital Advocatus da ECO, sobre o «Reforço das relações coletivas de trabalho e da negociação coletiva na nova legislação laboral», publicado hoje, 27 de dezembro de 2022.
A Agenda do Trabalho Digno, que visa alterar o Código do Trabalho, tem como um dos seus principais objetivos conferir maior dinamismo à negociação coletiva, bem como reforçar as relações coletivas de trabalho.
Isto porque é reconhecido o papel desempenhado pela negociação coletiva na promoção dos direitos dos trabalhadores, na adaptação das empresas à competitividade e na criação de paz social. Por outro lado, a negociação coletiva foi também fortemente impactada pela pandemia provocada pela doença Covid-19.No âmbito desta temática, a Agenda do Trabalho Digno prevê direitos coletivos para os economicamente dependentes. As pessoas em situação de dependência económica passam a ter direito: (i) à representação dos seus interesses socioprofissionais por associação sindical e por comissão de trabalhadores, ainda que delas não possam ser membros; (ii) à negociação de instrumentos de regulamentação coletivas de trabalho negociais, específicos para trabalhadores independentes, através de associações sindicais; (iii) à aplicação dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho negociais já existentes e aplicáveis a trabalhadores, nos termos neles previstos.
A Agenda do Trabalho Digno admite também o exercício da atividade sindical na empresa ainda que não existam trabalhadores sindicalizados, mediante condições específicas aplicáveis e desde que não se afete o normal funcionamento da atividade produtiva.
A escolha da convenção coletiva pode não ser possível se o trabalhador já se encontrar abrangido por portaria de extensão e a emissão da portaria de extensão afasta a aplicação de convenção que tenha, eventualmente, sido escolhida.
A par das referidas alterações, o novo regime prevê que em caso de denúncia de convenção coletiva a parte destinatária pode requerer ao Presidente do Conselho Económico e Social arbitragem para apreciação da fundamentação da denúncia, a qual suspende os seus efeitos, impedindo a convenção de entrar em regime de sobrevigência.
As medidas previstas na Agenda do Trabalho Digno permitem, por outro lado, reforçar de modo inovador o papel dos instrumentos já existentes na lei, e nomeadamente das decisões resultantes de arbitragem necessária, tornando-os mais efetivos na prevenção de vazios de cobertura da negociação coletiva, reforçando-se, ainda, o papel da arbitragem na apreciação da fundamentação invocada para a denúncia de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho
Cada vez mais, as alterações pretendem caminhar para uma negociação coletiva que, quando equilibrada e bem-sucedida, garante a adaptabilidade da legislação laboral às especificidades do setor ou da empresa e o aumento da produtividade empresarial.
Em suma: sendo reconhecida a importância da negociação coletiva, a Agenda do Trabalho Digno procurou dinamizar a sua utilização, criando novas regras nesse sentido.
Guilherme Dray, sócio da MACEDO VITORINO, partilha a sua opinião no jornal Expresso sobre o «Algorithm Management e a Necessidade de Humanização da Gestão», publicado no dia 23 de dezembro de 2022.
A gestão algorítmica do trabalho veio para ficar.
Seja ao nível da seleção de trabalhadores, em matéria de distribuição de tarefas ou em sede de cessação do contrato de trabalho, o recurso a algoritmos para substituir a ação humana e para efeitos de exercício do poder de direção por parte das empresas é um hoje um dado incontornável.
Em matéria de seleção de trabalhadores, os algoritmos já são atualmente utilizados no habitualmente denominado employment background check. Ou seja, os algoritmos são utilizados para selecionar perfis de candidatos a emprego com base em determinados critérios, tais como, o facto de alguém estar (ou não) empregado, as suas qualificações, a Universidade onde estudou, a idade, o género, a nacionalidade, o local de residência, o passado criminal ou mesmo questões mais íntimas, como sejam as convicções políticas, religiosas, a orientação sexual ou a situação familiar do candidato(a) a emprego.
Em matéria de execução do contrato de trabalho, os algoritmos são utilizados para distribuir tarefas, criar escalas e horários de trabalho, avaliar a performance do trabalhador, criar ratings sobre o respetivo desempenho, determinar a sua progressão (ou não) na carreira e a atribuição de prémios de produtividade, bem como, em particular no âmbito das plataformas digitais, para desconectar e afastar o trabalhador caso o seu desempenho não seja considerado o mais adequado.
Em matéria de cessação do contrato de trabalho, os algoritmos já são utilizados para efeitos de seleção dos trabalhadores a despedir, seja em processos de despedimento por extinção do posto de trabalho, seja em despedimentos coletivos, com base em parâmetros que medem, nomeadamente, a assiduidade e o absentismo do trabalhador.
Os algoritmos vieram para ficar e a digitalização e automação do trabalho parece irreversível.
Podem ser benéficos, em matéria de gestão laboral, por garantirem maior eficiência e objetividade nas decisões, mas podem também ser perniciosos, discriminatórios e profundamente injustos na abordagem dos temas acima referidos.
Por essa razão, atenta a falta de transparência que lhes está associada, a falta de controlo humano que lhes está subjacente e, acima de tudo, a injustiça que pode resultar do facto de no futuro sermos exclusivamente “controlados” e “geridos” por algoritmos, diversas instâncias internacionais têm reclamado a necessidade de os regulamentar e “humanizar”, garantindo justiça, transparência e responsabilização.
A União Europeia, na proposta de Diretiva do Parlamento e do Conselho sobre a melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais, de 9/12/2021, preconiza a regulamentação dos algoritmos, através das seguintes regras:
- Artigo 6.º: estabelece um dever de transparência, determinando que o empregador deve informar o trabalhador sobre a utilização de algoritmos para controlar, supervisionar ou avaliar o seu desempenho;
- Artigo 7.º: impõe a necessidade de as empresas garantirem o controlo humano sobre a gestão algorítmica, devendo ser assegurada a existência de um profissional capacitado e com autoridade que fique responsável por controlar as decisões tomadas por algoritmos;
- Artigo 8.º: confere aos trabalhadores o direito de reclamarem perante uma pessoa qualificada da empresa sobre decisões tomadas com base em algoritmos, podendo pedir-lhe explicações e requerer a sua eventual revisão.
A nível nacional, a “Agenda Para o Trabalho Digno”, que deverá ser aprovada ainda este ano na Assembleia da República e que altera o Código do Trabalho, também consagra novas regras sobre o tema, que deverão entrar em vigor em 1 de janeiro de 2023, a saber:
- Artigo 3.º, n.º 3: estabelece que os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho apenas podem dispor sobre gestão algorítmica se o fizerem em sentido mais favorável ao trabalhador;
- Artigo 24.º: determina que as decisões tomadas com base em algoritmos não podem ser discriminatórias;
- Artigo 106.º: estabelece que o empregador deve informar o trabalhador sobre os parâmetros, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões sobre o acesso e a manutenção do emprego, assim como as condições de trabalho, incluindo a elaboração de perfis e o controlo da atividade profissional; e
- Artigo 424.º: estabelece que as comissões de trabalhadores têm também o direito de ser informadas sobre as mesmas questões.
A ideia é clara: mais do que assistir ao seu crescimento sem nada fazer, importa regular a gestão algorítmica, de modo a combater a sua opacidade, a impedir práticas discriminatórias e a garantir a revisão humana das decisões tomadas com base em algoritmos.
O ano de 2023 vai trazer novidades sobre esta matéria. E as novidades apontam num sentido único: garantir a “humanização” da gestão empresarial.
Este artigo foi publicado no Jornal de Negócios no dia de hoje, 20-10-2022.
Depois de um prolongado e complexo processo legislativo, a Diretiva (UE) 2019/1 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018[1], também conhecida por “Diretiva ECN+”, foi (tardiamente) transposta pela Lei n.º 17/2022, de 17 de agosto.
A Lei n.º 17/2022 introduz significativas alterações à Lei da Concorrência (aprovada pela Lei n.º 19/2012, de 8 de maio), assim como aos Estatutos da Autoridade da Concorrência (“AdC”). Essas alterações são aplicáveis aos procedimentos desencadeados a partir de 16 de setembro de 2022, data da sua entrada em vigor.
Para uma melhor perceção do contexto da Diretiva ECN+ e da (tão) aguardada lei nacional de transposição, deve salientar-se que a Diretiva ECN+ apenas se aplica aos artigos 101.º (práticas restritivas da concorrência) e 102.º (abusos de posição dominante) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), que são suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros.
A aplicação destas regras de concorrência é assegurada pelas autoridades nacionais da concorrência (“ANC”), como é o caso da AdC, em paralelo com a Comissão Europeia, ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 1/2003[2], integrando a designada “Rede Europeia da Concorrência”.
A Diretiva ECN+ visa assegurar que as ANC dispõem de garantias de independência, de meios e de competência de execução e aplicação das coimas necessárias de modo a conseguirem aplicar, de forma eficaz, os artigos 101.º e 102.º do TFUE, mas acabará necessariamente por influenciar o Direito nacional da concorrência, em particular, quando este seja aplicado em paralelo, o que ocorre na maioria dos casos.
O objetivo fundamental da Diretiva ECN+ é a harmonização processual e procedimental, fruto do modelo descentralizado trazido pelo Regulamento (CE) n.º 1/2003 e de uma crescente integração (não isenta de críticas) do “public enforcement” das regras de Direito da concorrência entre os 27 Estados-membros.
De entre as alterações introduzidas à Lei da Concorrência, destacam-se as alterações relativas:
(i) Ao reforço dos poderes de investigação da AdC, em particular no âmbito dos poderes de busca, exame, recolha e apreensão, incluindo buscas domiciliárias;
(ii) Aos prazos de recurso de decisões finais, que passam de 30 dias úteis para 60 dias, e ao efeito dos recursos de decisões sancionatórias, que terão efeito suspensivo quando o visado efetue o pagamento do valor total da coima ou de uma caução no valor de 50% da coima;
(iii) À prescrição do procedimento por infração, que passa a suspender-se pelo prazo que a decisão da AdC for objeto de recurso judicial, sem que exista uma limitação temporal, o que constitui uma alteração, no mínimo, discutível, por excessiva e desproporcional, e em violação dos princípios de segurança e certeza jurídica; e
(iv) Às coimas, passando a aplicar-se um limite máximo de 10% do volume de negócios total, a nível mundial (e não nacional), das empresas infratoras.
Nem todas as alterações introduzidas resultam da transposição da Diretiva ECN+, verificando-se, em alguns aspetos, um extravasar do previsto na Diretiva.
Assiste-se a uma reforma do regime de concorrência vigente, que surge, quase como despercebida (pelo menos, para já), suscitando diversas dúvidas ao nível da sua certeza e segurança jurídica. Antecipa-se assim um aumento da litigância, com um efeito contraproducente em relação ao objetivo último de integração do “public enforcement” das regras de concorrência nos diversos Estados-membros.
É, por isso, muito importante que as empresas se preparem para fazer face a estas novas alterações, com a adoção de programas de compliance no âmbito do Direito da concorrência, que devem consciencializar e sensibilizar os seus colaboradores para as práticas permitidas e proibidas, com uma enumeração de “To-Do and To-Don’t” e realçar as possíveis consequências de uma infração, nomeadamente, sanções financeiras, danos reputacionais, perda de clientela e de mercado, responsabilidade contraordenacional e criminal, incluindo dos seus órgãos de direção. Mas não só!
As empresas devem estar preparadas para reagir em casos de inspeções (dawn raids) da AdC, conhecendo quais são os seus direitos e deveres, que meios de tutela têm à sua disposição, que informação deve e pode ser transmitida à AdC.
Só um programa de compliance robusto, mas simultaneamente simples, direto e acessível, conseguirá responder eficazmente a estas exigências e às novas alterações, que terão repercussões, quer, na parte de deteção, bem como na parte de repressão de infrações, com um reforço dos poderes da AdC e um previsível aumento das coimas aplicáveis.
Poderá, assim, ser caso para dizer que, a coberto da transposição da Diretiva ECN+, a Lei da Concorrência tornar-se-á uma “Lei da Concorrência +”.
O Secretário de Estado da Energia português anunciou recentemente um aumento da tarifa paga aos produtores pela eletricidade (FiT) resultante dos leilões de 2019 e 2020. Este aumento corresponderá à taxa de inflação de 2022 e 2023. A lógica desta medida consiste em salvar até 700MW de projetos de PV adjudicados nos leilões que, devido ao seu FiT muito baixo, não são financiáveis e, por conseguinte, correm o risco de não serem concluídos. O governo português argumenta que as atuais circunstâncias inflacionistas excecionais justificam esta medida, mas apenas para os projetos com tarifas muito baixas (começando no histórico mínimo de 11,14Eur /MWh!). Esta situação mostra que, em certa medida, o modelo de leilão 2019-2022 teve as suas falhas, uma vez que privilegiou a fixação de preços arrojados, aceitando o risco de ter projetos não financiáveis. Entendemos que o aumento dos benefícios para as energias renováveis não é politicamente fácil de vender quando as energias renováveis estão no centro das atenções e a receber "benefícios de excecionais" do mercado da eletricidade. Mas, ao resgatar alguns desses projetos que não cumprem as suas obrigações de leilão devido aos preços anormalmente baixos oferecidos pelos seus promotores, o governo português está a absorver o risco de inflação para alguns, mas não para todos os projetos fotovoltaicos adjudicados nesses leilões.
Por isso, a primeira questão que se põe é a seguinte: "Onde é que vamos traçar a linha para este resgate?". Parece que a linha será traçada abaixo de um determinado preço para permitir poupar 700MWh em projetos. Qual é o preço e quais são os critérios para defini-lo? Sabemos que a viabilidade não depende apenas do preço, mas também, entre outros, dos custos de desenvolvimento que são diferentes de um projeto para o outro. Se a ideia é resgatar todos os projetos, independentemente de outros aspetos (incluindo a própria “bancabilidade” do promotor), estamos a distorcer o mercado e, mais do que isso, estamos a distorcer as condições do leilão, bem como as regras de contratação pública. Nestes casos, os termos e condições de um leilão só podem ser alterados se essas alterações não afetarem a concorrência entre todos os proponentes.
Pela mesmo motivo, podemos questionar por que razão excluímos qualquer ajustamento àqueles que optaram por pagar uma indemnização ao sistema elétrico e pagaram um montante elevado para corresponder às ofertas equivalentes da FiT. Em regra, especialmente depois de terem sido adjudicados os projetos, não deve ser permitido à entidade adjudicante favorecer os proponentes que fizeram ofertas mais baixas contra aqueles que prudentemente ofereceram preços mais elevados ou escolheram o mecanismo de compensação (que supostamente tem um peso financeiro idêntico ao correspondente das ofertas de preços fixos). Outros licitadores, se pudessem ter antecipado esta correção da inflação, poderiam ter feito ofertas FiT mais baixas.
Parece, portanto, claro que, a menos que as bases para esta medida sejam explicadas muito claramente, aqueles que ficarão de fora podem sentir-se tentados a contestar a legalidade do aumento da tarifa que o governo português está a oferecer uns excluindo outros.
Mas, pondo de lado as questões jurídicas, perguntamo-nos até que ponto esta medida será bem-sucedida. Será que um ajustamento à inflação de 2022 e 2023 (algo como 9% e 5% respetivamente) será suficiente para salvar projetos com o compromisso de vender cada MWh a 11 euros ou outro valor similar? Para alguns, provavelmente não. E para a maioria provavelmente não será um impulso tão significativo. Perguntamo-nos porque é que o governo português apenas considerou a atualização inflacionista da FIT e não teve em conta outras medidas como a redução dos 15 anos de compromisso com sistema para 12 ou mesmo para 10 anos. Isto seria mais eficaz a facilitar o financiamento dos projetos, sem custos imediatos para os consumidores. Naturalmente, esta redução da duração do compromisso deveria aplicar-se a todos do mesmo modo, incluindo os proponentes que optaram por pagar uma compensação ao sistema.
André Vasques Dias, sócio da MACEDO VITORINO, partilha a sua opinião na revista "Comunicações" da APDC, publicada no dia 20 de setembro de 2022 sobre o Cripto Crash e a fragilidade do dinheiro digital.
André Vasques Dias, não tem dúvidas de que a hecatombe de maio foi apenas uma crise de crescimento: “O ecossistema vai arrefecer um pouco, mas não é o fim, muito pelo contrário. Na verdade, ainda estamos no início de tudo isto e estou convicto de que o fenómeno das criptomoedas é irreversível. Há muitas empresas que já dependem da bitcoin e vão tentar preservar este valor”. Neste momento, os pequenos investidores receiam voltar a confiar em ativos que se revelaram tão voláteis, mas não é esse o caso dos fundos de investimento: “Acredito que, agora, quem está a comprar criptomoeda são os grandes fundos”, partilha.
O CRIPTO VALLEY DA EUROPA
A criatividade e complexidade deste novo universo financeiro levantou, desde logo, grandes questões às autoridades no âmbito fiscal, tanto relativamente à compra e venda de criptomoedas, como de outros criptoativos. O que existe até hoje são medidas avulsas destinadas a controlar este tipo de rendimentos. Mas Portugal não se encontra entre os países que as decretaram. Quando, em 2016, a administração fiscal comunicou que as criptomoedas não estavam sujeitas a tributação, a não ser que a sua transação fosse fonte de negócio (nesses casos seria exigida apenas a tributação que se cobra a qualquer outro empresário), houve muitos investidores financeiros e empreendedores com projetos na área dos ativos virtuais que se mudaram, ou transferiram a sua residência fiscal, para Portugal. Sem cobrar IRS sobre as mais-valias e com o enquadramento fiscal de um conjunto de atividades relacionadas com negócios virtuais em aberto, o país ganhou fama de paraíso fiscal para os criptonegócios.
À acusação que muitos têm feito às autoridades portuguesas de inação, André Vasques Dias responde com cautela: “A tecnologia que está subjacente a estes ativos – a blockchain – tem algumas vantagens e terá muitas aplicações no futuro, portanto houve receio de, numa fase em que ainda se estava a desenvolver essa tecnologia, introduzir regulamentação que parasse esse progresso”. Sublinhando que, pelos mesmos motivos, as autoridades a nível europeu também não foram muito incisivas, compreende que Portugal tenha decidido esperar que houvesse uma abordagem europeia ao tema. Algo que está em curso e de que já resultou uma proposta de enquadramento regulatório, a MiCA (Markets in Crypto-Assets), que foi apresentada pela Comissão Europeia em setembro de 2020 e após negociações entre as instituições comunitárias foi objeto de um acordo provisório no final de junho deste ano, estimando-se que entre em vigor em 2024. Por norma, um vazio fiscal afasta investidores, mas no universo cripto, criado para viver sem regras, essa notícia soou a música celestial a muita gente. Nos anos que antecederam o crash, sobretudo a partir do início da pandemia, Portugal foi o el dorado europeu dos investidores em criptonegócios. A um regime fiscal favorável aos não residentes somava boas infraestruturas de comunicações, boa publicidade trazida pela Web Summit, bom ecossistema digital para incubação de novos negócios e, sobretudo, a ausência de taxação de mais-valias nas transações feitas com criptomoedas. melhor era difícil. Entre julho de 2020 e junho de 2021, trocaram de mãos em Portugal cerca de 27 mil milhões de euros em criptomoedas, segundo dados da Chainalysis. Foi o nono maior volume de negócios entre 30 países europeus. De acordo com a mesma fonte, estimava-se que os investidores localizados em Portugal teriam realizado ganhos, nas suas transações em moedas digitais, de 1,3 mil milhões de euros.
O entusiasmo foi de tal ordem que em fevereiro deste ano espalhou-se a notícia de que o holandês Didi Taihuttu, um dos maiores embaixadores mundiais da bitcoin, estava a criar a primeira criptoaldeia da Europa no Algarve. Já instalado no país, Taihuttu dizia, nas entrevistas que deu aos media sobre o projeto, que Portugal tinha “os ingredientes perfeitos para ser o país da bitcoin”.
Com a legislação europeia a caminho, há, porém, quem receie que mais do que o crash, seja a regulação a arrefecer o clima que se gerou no país em torno destes negócios. António Ferrão teme que por arrasto a política fiscal portuguesa se modifique: “Claro que nenhuma atividade económica deve estar isenta de impostos, mas acho que Portugal vai cometer um erro grave se tentar alinhar pela Europa”, começa por dizer. “Portugal foi capaz de atrair um volume significativo de investidores que se mudaram para cá, em busca de vantagens fiscais, mas que irão reagir se o panorama se alterar. Na minha opinião existe uma oportunidade que não deve ser desperdiçada de diferenciar e reter este capital no nosso país”, defende, sem esconder a preocupação. A sua experiência à frente da Portugal Fintech Association permite-lhe antever os problemas que a legislação vai causar às fintechs: “Três meses para uma startup é muito tempo e o regulador europeu está a regular a três e a quatro anos. O desafio vai ser perceber como é que a regulação vai acompanhar as evoluções seguintes das startups”.
António Ferrão reconhece, contudo, que “neste processo têm sido ouvidas as startups e associações do setor e que haver regras a nível europeu permite trazer estabilidade e transparência”. Algo que “num momento como o que passamos atualmente, é positivo e alavancador de crescimento.
Mesmo num contexto em que a regulação possa não responder a todos os desejos das startups e seus stakeholders”.
Idênticas preocupações levaram, recentemente, à união de três associações de cripto – a Aliança Portuguesa de Blockchain, a Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas e o instituto New Economy. O seu objetivo é trabalhar com as autoridades portuguesas na criação de um enquadramento legal para o desenvolvimento do ecossistema da Web 3 que seja bem acolhido pelos empreendedores e investidores. Designada por FACE, a federação sustenta que “o problema não é pagar impostos, é garantir que são justos, competitivos e claros, sem criar medo de serem retroativos”.
Em contrapartida, a chegada do MiCA não provoca quaisquer apreensões ao advogado André Vasques Dias, para quem a necessidade de regular estas atividades não tem sequer discussão: “O MiCA vai, entre outras coisas, assegurar que quem está envolvido nestas transações são só entidades consideradas credíveis, ou seja, que têm know-how, boas práticas e experiência de mercado. Isso implicará mais transparência, que é aquilo de que precisamos para proteger as pessoas que investem em criptoativos”.
Uma das reservas que se colocam à aplicação de regras a este novo mundo é que, de alguma forma, isso vai descaracterizá-lo, mas André Vasques Dias não tem dificuldade em desmontar este argumento: “As pessoas dizem que, por ser descentralizado, este sistema não pode ser controlado e manipulado por ninguém, mas a realidade veio demonstrar que isso não é verdade. Porque com uma das moedas mais populares, verificou-se que podia haver manipulação. Aquilo que veio a descobrir-se é que era possível, à pessoa que estava a fazer o processamento das transações, aperceber-se no caso de haver uma proposta de compra ou venda muito avultada (com impacto no preço das moedas), a tempo de introduzir a sua ordem de transação de forma a beneficiar da oscilação de preços. Ora isto é grave! Se um banco fizesse isto, seria considerado crime, mas como este mercado não está regulado, nada se fez. É o faroeste!”
Daí que o advogado da MACEDO VITORINO veja com naturalidade a urgência de dar um passo em direção à regulação: “Claro que a regulação vai fazer com que a evolução desta tecnologia seja mais lenta, mas as pessoas que querem investir neste mercado vão ser mais protegidas, ou pelo menos vão ter mais informação para tomarem as suas decisões de investimento, o que é muito importante”.
António Ferrão admite que as fraudes são mais fáceis de cometer num meio desregulado. A criação de esquemas de Ponzi a partir de initial coin offering (iCO), é um exemplo de como finanças descentralizadas podem ser mal utilizadas, mas recusa que coloquem a este meio o epíteto de caótico: “Não acho que este meio seja caótico, pelo contrário é organizado, transparente, e até certo ponto mais colaborativo que o ecossistema tradicional. Penso que esse é até um ponto que o torna mais atrativo. Uma transferência internacional não é ainda um processo simples e instantâneo e na prática é igual há dezenas de anos. Graças a este novo ecossistema, o sistema financeiro mundial mudou mais nos últimos 20 anos do que nos anteriores 500”.
Olhando o futuro, o diretor da Fintech Solutions vê a normalização do cripto universo: “Esta fase dos grandes lucros vai acabar, a tecnologia vai estabilizar. Se se olhar para as cripto de forma menos aventureira, o conceito do euro digital, de que se fala agora, vai parecer mais natural”.
Sim, o euro digital vem aí porque, como diz o ditado, “se não podes eliminá-los, junta-te a eles” e o sistema tradicional já assumiu que as moedas virtuais vieram para ficar e talvez, a prazo, acabar com as outras.
Será que, com o tempo, o modelo financeiro que nasceu rebelde criará as adiposidades típicas dos que se acomodam ao sistema? Talvez. Mas não é assim que acabam todos os que um dia foram jovens e rebeldes?
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Este artigo foi publicado no Jornal de Negócios em duas partes, nos dias 30-06-2022 e 07-07-2022.
Nos dias de hoje, quando se fala em compliance não é possível cingir-nos a um estrito cumprimento da lei.
O compliance vai muito para além de um estrito cumprimento da legislação aplicável. Pense-se, por exemplo, em questões de ética, transparência, não discriminação, igualdade de género, questões ambientais e de desenvolvimento sustentável, que assumem, cada vez mais, um papel de relevo, não só na forma como a própria organização se posiciona internamente, mas também nas relações com os seus stakeholders (partes interessadas), nomeadamente, clientes, fornecedores, prestadores de serviços e com o público em geral.
É verdade que o contexto específico de uma organização poderá conduzir a que esta se sinta mais ou menos compelida a adotar um conjunto de boas práticas de cumprimento normativo (de compliance), principalmente quando ainda não se encontrem estabelecidas por lei.
Em muitos casos, as empresas (principalmente, PMEs) só se vêm obrigadas à adoção de novas condutas quando tal resulte de uma imposição legal e sob pena de ficarem sujeitas a pesadas sanções financeiras. Nestes casos, pesam em cada um dos lados da balança os custos de implementação e os custos associados a possíveis sanções. Geralmente, o prato da balança dos custos associados a possíveis sanções é o que pende mais, pois estas, devido ao seu efeito dissuasor, são, em regra, mais pesadas, para já não falar em outras implicações que não se cingem ao facto (já grave ou muito grave) de as empresas terem de pagar multas.
A não sujeição a pesadas sanções constitui, sem dúvida, uma das principais motivações para as empresas e que as pode levar a ultrapassar a resistência à mudança/novidade e a terem de assumir os custos de implementação associados a essa mudança (leia-se, imposição do legislador).
Não é, por isso, fruto do acaso o crescente interesse por temas de compliance como o regime de proteção do denunciante (whistleblowing), aprovado pela Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, e o Programa de Cumprimento Normativo no âmbito do regime de prevenção da corrupção, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro. Ambos os diplomas com entrada em vigor durante o presente mês de junho. O primeiro, que obriga à adoção de canais de denúncia, já entrou, aliás, em vigor, no passado dia 7 de junho; e o segundo, que obriga à implementação de um programa de cumprimento normativo, entrará em vigor no próximo dia 18.
O programa de cumprimento normativo traduz-se na adoção de um conjunto de instrumentos e de medidas com vista à prevenção do fenómeno da corrupção e de infrações conexas. De entre esses instrumentos, há um conjunto mínimo obrigatório, ou seja, um código de conduta, um plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas e um programa de formação, que as empresas terão de adotar.
A par destes instrumentos, as empresas terão ainda de implementar canais de denúncia interna (em articulação com o regime de whistleblowing); designar um Responsável pelo Cumprimento Normativo (o qual tem de ser um cargo superior ou equiparado) a quem incumbe controlar a conformidade do programa de cumprimento normativo, mas sem esquecer que todos os colaboradores devem, na prática, ser responsáveis pela conformidade; bem como adotar um sistema de controlo interno, que permita acompanhar e controlar periodicamente a aplicação do programa de cumprimento normativo, bem como rever/adaptar as medidas em curso.
Este é, aliás, um bom exemplo de como um conjunto de boas práticas passa do domínio da soft law para o domínio da hard law, tornando-se numa obrigação de fonte legal para entidades (públicas e privadas) com 50 ou mais trabalhadores.
Como se antevê, esta não será tarefa que reúna, antes de mais, a predisposição de todos dentro da organização. Contudo, mais do que a IMPLEMENTAÇÃO, a EFICÁCIA do programa de cumprimento normativo constituirá o desafio para as organizações, pois implica a criação de uma cultura de ética e compliance. Ou as organizações já têm essa cultura ou isso não acontecerá durante este mês de junho, pois demora o seu tempo.
Em qualquer dos casos, quer se tenha ou não essa cultura, este poderá ser um bom teste para as organizações, mesmo para aquelas que se dizem ou se encontrem mais maduras nestes domínios.
No âmbito do Programa de Cumprimento Normativo, é essencial começar por elaborar um código de conduta que verdadeiramente reflita os princípios, missão e valores da organização, pelo que é importante que os colaboradores sejam envolvidos e, na medida do possível, participem ativamente na sua elaboração, pois serão os colaboradores os seus principais destinatários. A sensibilização não tem de ser demarcada no tempo, pode ser feita gradualmente e esta é uma excelente forma de começar.
Torna-se necessário identificar as matérias que envolvam riscos para a organização, ou seja, identificar todas as matérias que possam afetar o seu perfil de risco, tendo, nomeadamente, em conta a área de negócio, principais ativos, relações com colaboradores, clientela, parceiros de negócio, etc.., bem como definir graus de risco e as medidas a adotar para a sua mitigação. Esta tarefa é indispensável para a elaboração do plano de prevenção de riscos, mas não se deve ficar por este plano.
Deve seguir-se uma fase de implementação e, neste âmbito, a sensibilização e formação são, mais uma vez, essenciais. Sem a participação ativa dos colaboradores, um Programa de Cumprimento Normativo, ainda que bem concebido, corre o risco de não ser efetivamente implementado e de não funcionar na prática.
As organizações devem ainda estar preparadas para adotar mecanismos de controlo, assim como de resposta e planos de contingência por forma a gerir possíveis violações e mitigar danos, inclusive danos reputacionais. Também, por isso, os colaboradores da organização têm de ter a formação adequada.
Para a edificação de uma verdadeira cultura de compliance é fundamental que a administração da empresa tenha um papel exemplar ativo, o chamado tone at the top. A administração da empresa deve dar o exemplo, procurar estar envolvida e aberta ao diálogo com os colaboradores da organização para que possam em conjunto e de forma integrada identificar as matérias que significam um maior risco a acautelar, bem como deve estar envolvida na adoção das medidas necessárias para colmatar as lacunas identificadas e consciente da necessidade de revisão de tais medidas ao longo do tempo.
Para ultrapassar este desafio, a receita é simples (o que não significa que seja fácil): perceber o que já se tem; planear; implementar; sensibilizar e consciencializar; dar o exemplo; acompanhar com espírito crítico; e rever, rever, rever.... Esta será sempre uma obra inacabada.
Acabamos, assim, como começámos: o compliance não se limita a um estrito cumprimento da lei pelas organizações, vai muito para além...
O Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”) decidiu, em acórdão uniformizador de jurisprudência publicado no passado dia 10 de maio de 2022 que a indicação, no título constitutivo de uma propriedade horizontal, “de que certa fracção se destina a habitação, deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de alojamento local”.
Este acórdão surge na sequência de outras decisões, quer do próprio STJ, quer dos Tribunais da Relação de Lisboa e do Porto, de sentido contraditório quanto à admissibilidade de, numa fração autónoma destinada a habitação, ser desenvolvida a atividade de alojamento local.
Mais do que analisar a bondade dos argumentos e da decisão adotada, o objetivo deste artigo é abordar alguns dos efeitos práticos desta decisão.
Em termos objetivos, a questão central pode colocar-se nestes termos: caso uma fração autónoma tenha como fim, estabelecido no respetivo título constitutivo de propriedade horizontal, habitação e seja usada para alojamento local, qualquer proprietário de outra fração autónoma poderá opor-se a esse uso, ainda que o alojamento local tenha sido instalado e registado corretamente do ponto de vista administrativo.
Caso, após o exercício deste “direito de oposição”, a atividade de alojamento local não cesse voluntariamente, o proprietário que se tenha oposto terá de recorrer a uma ação judicial para, por essa via, fazer valer o seu direito.
Quem desenvolve atualmente uma atividade de alojamento local em fração autónoma que, de acordo com o respetivo título constitutivo, se destine a habitação, passa, deste modo, a correr um risco acrescido de cessação dessa atividade, ainda que esteja registado para o efeito e independentemente da forma como exerce essa atividade em concreto.
Trata-se de um risco que se situa no no plano das relações privadas entre proprietários / condóminos e que que não está sujeito a controlo pelas câmaras municipais no âmbito do registo do alojamento local.
Com efeito, nos termos do regime jurídico do alojamento local aprovado pelo Decreto-lei n.º 128/2014, de 29 de agosto, com a redação dada pela Lei n.º 62/2018, de 22 de agosto (“RJAL”), o registo de um alojamento local pode ser efetuado com base numa autorização de utilização para habitação – não sendo exigido que a autorização de utilização indique um fim específico – e não é exigida a apresentação do título constitutivo da propriedade horizontal ou nem de certidão de registo predial da fração. Apenas no caso dos hostels é exigida autorização da assembleia de condomínio.
Por outro lado, este “direito de oposição” não deve confundir-se com a possibilidade de, nos termos do RJAL, a assembleia de condóminos se opor ao exercício da atividade de alojamento local em frações autónomas com fundamento na prática reiterada e comprovada de atos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como de atos que causem incómodo e afetem o descanso dos condóminos e disso dar conhecimento ao Presidente da Câmara Municipal competente, que pode decidir pelo cancelamento do registo do alojamento local em questão.
Embora seja prática comum incluir no titulo constitutivo da propriedade horizontal a menção ao fim das frações autónomas – em conformidade com o atestado na respetiva autorização de utilização – essa menção não é legalmente obrigatória. Uma das formas de reduzir o risco indicado poderá ser, por exemplo, a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal.
Em regra, a modificação do título constitutivo exige o acordo de todos os condóminos pelo que a sua adoção deve ser bem ponderada – até por ser possível deliberar, para o alojamento local, o pagamento de uma contribuição adicional pelas despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns, com um limite de 30% do valor anual da quota correspondente à fração em causa.
Quem pretenda, no futuro, iniciar a atividade de alojamento local ou investir em frações autónomas para que outros operadores aí desenvolvam essa atividade fica, do mesmo modo, sujeito ao risco de o proprietário de uma outra fração autónoma poder (e querer) este “direito de oposição” . Neste caso, previamente à realização do investimento, será aconselhável efetuar uma análise cuidada da situação jurídica da fração, de modo a assegurar as condições adequadas para a realização do investimento pretendido.
Do ponto de vista dos promotores de novos empreendimentos, o acórdão do STJ poderá, também fazer repensar a prática de especificar o fim das frações autónomas no título constitutivo de uma propriedade horizontal de forma tão “fechada” como tem sido comum até agora.
Por último, mas não menos importantes, os efeitos no plano administrativo. O RJAL, na redação em vigor, não permite à câmara municipal o controlo da finalidade prevista no título constitutivo da propriedade horizontal para a fração para a qual se pretende registar o alojamento local nem ao seu Presidente cancelar um registo de alojamento local na sequência de sentença judicial que condene o titular de um alojamento local a cessar a sua atividade na sequência de ação judicial instaurada para exercer o “direito de oposição”.
Porém, estas questões irão seguramente colocar-se muito em breve e é desejável uma resposta a nível legislativo que as clarifique e dê a todos os envolvidos - quem exerce a atividade, quem pretende investir, proprietários de frações e câmaras municipais - a segurança necessária à tomada de decisões.
Este artigo foi publicado em duas partes no Jornal de Negócios no dia 05-05-2022 e no dia 12-05-2022.
A Comissão Europeia aprovou recentemente uma proposta de Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade. A Diretiva visa a implementação harmonizada pelos Estados-membros da União Europeia (UE) de novas obrigações pelas empresas em matéria de efeitos negativos (potencias ou reais) resultantes das suas próprias operações, das operações das suas filiais e da sua cadeia de valor, a nível dos direitos humanos e impacto climático e ambiental.
“Sustentabilidade”, “dever de diligência” e “cadeia de valor” são os três conceitos-chave da proposta de Diretiva, cujo texto final terá ainda de ser aprovado pelo Parlamento Europeu e Conselho.
Começando pela sustentabilidade, o conceito de desenvolvimento sustentável foi definido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1987, no célebre relatório “Our Common Future”, da autoria da Comissão Mundial do Meio Ambiente e Desenvolvimento (World Commission on Environment and Development – WCED) liderada pela então primeira-ministra da Noruega Gro Brundtland. De acordo com a WCED, o desenvolvimento sustentável é aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”.
No contexto empresarial, a sustentabilidade aparece associada aos conceitos de responsabilidade social empresarial e aos fatores de ESG (Environmental, Social and Governance). Ou seja, a utilização de indicadores puramente financeiros, como o lucro, deixa de ser suficiente para medir o desempenho das empresas.
Para além do fator económico, devem ser tidos em conta outros fatores, nomeadamente, sob a égide do ESG, de ordem ambiental, social e de governação. A estes fatores remonta o conceito de Triple bottom line (“3BL”) do norte-americano John Elkington, que previa a adoção conjunta de três dimensões (ou dos três “P”) para avaliar os resultados de um negócio: a económica, do lucro (profit) ou da prosperidade (prosperity); a social, ou das pessoas (people); e a ambiental, ou do planeta (planet).
Torna-se, assim, necessário integrar a sustentabilidade nos sistemas de governação e de gestão empresariais e enquadrar as decisões empresariais em matéria de direitos humanos, impacto climático e ambiental. É isto que a proposta de Diretiva nos vem dizer e impor aos Estados-membros.
Isto implica a adoção pelas empresas de processos abrangentes de atenuação dos efeitos negativos ao nível dos direitos humanos, impacto climático e ambiental. E é aí que surge o dever de diligência (due diligence) das empresas, que não se pode limitar ao âmbito das próprias operações da empresa e das suas filiais, mas é crucial que também inclua a sua cadeia de valor.
Quando falamos em cadeia de valor, referimo-nos às relações empresariais (diretas e indiretas) estabelecidas por uma empresa, não apenas “a montante” (nomeadamente, extração, fabrico, transporte, armazenamento e fornecimento de matérias-primas, produtos ou serviços), mas também “a jusante” (nomeadamente, distribuição, transporte e armazenamento de produtos, o seu desmantelamento, reciclagem, compostagem ou deposição em aterro).
Ao nível da cadeia de valor podem ocorrer efeitos negativos, com repercussões para a própria empresa, os seus stakeholders (partes interessadas) e terceiros. Por exemplo, ao nível do aprovisionamento de matérias-primas, do fabrico ou da eliminação de produtos ou resíduos, podem ocorrer efeitos negativos a nível dos direitos humanos, como o trabalho forçado, o trabalho infantil, situações inadequadas de saúde e segurança no local de trabalho, a exploração dos trabalhadores, bem como podem ocorrer efeitos negativos a nível ambiental, como as emissões de gases com efeito de estufa, a poluição ou a perda de biodiversidade e a degradação dos ecossistemas. Estes efeitos devem ser acautelados, mitigados e, se possível, eliminados.
As empresas (leia-se, grandes empresas) têm vindo a recorrer ao domínio da soft law, ou seja, à aplicação de normas internacionais voluntárias em matéria de dever de diligência empresarial, para identificar os riscos na sua cadeia de valor, de que se destacam, entre outros instrumentos, os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos e as Linhas Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais e para uma conduta empresarial responsável.
O domínio da soft law para regular a sustentabilidade, sob a égide dos fatores de ESG, não se revela, porém, viável (ou se se preferir “sustentável”) a médio e longo prazo, antecipando-se dificuldades várias, em particular, quanto à falta de clareza jurídica das obrigações em matéria de dever de diligência das empresas e que se adensará quanto mais complexa for a cadeia de valor, com obstáculos à livre circulação e distorções da concorrência e com pertinência a nível da responsabilidade civil em caso de danos causados na cadeia de valor de uma empresa.
A fim de permitir que as empresas identifiquem adequadamente os efeitos negativos para a sua cadeia de valor e possam obter um efeito de alavanca adequado, a Comissão Europeia aprovou a referida proposta de Diretiva, que impõe às empresas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação: (i) integrar o dever de diligência em todas as suas políticas empresariais e dispor de uma política em matéria de dever de diligência, incluindo um código de conduta que descreva as regras e os princípios a seguir pelos trabalhadores e filiais da empresa, bem como os processos instaurados para aplicar o dever de diligência, incluindo as medidas tomadas para verificar o cumprimento do código de conduta e alargar a sua aplicação às relações empresariais estabelecidas; (ii) identificar impactos negativos reais ou potenciais nos direitos humanos e no ambiente das suas próprias operações ou das operações das suas filiais e, quando relacionados com as suas cadeias de valor, das suas relações empresariais estabelecidas (duradouras); (iii) evitar ou atenuar potenciais impactos; (iv) eliminar ou minimizar os impactos reais, nomeadamente, suspender temporariamente as relações comerciais com o parceiro ou pôr termo à relação empresarial no que diz respeito às atividades em causa se o efeito negativo for grave; (v) estabelecer e manter um procedimento de reclamação; (vi) controlar a eficácia da estratégia e das medidas em matéria de dever de diligência; (vii) comunicar publicamente informações sobre o dever de diligência, o que se revela de extrema importância e exigirá um cuidado acrescido por parte das empresas em cumprirem o que se propõem fazer, evitando-se uma sustentabilidade de fachada, sob pena de responsabilidade.
Considerando a redação proposta, a Diretiva deverá ser transposta pelos Estados-membros dois anos após a sua publicação no Jornal Oficial (que não se sabe ainda quando ocorrerá), aplicando-se a grandes empresas – a empresas com mais de 500 trabalhadores e um volume de negócios líquido superior a € 150 milhões a nível mundial. Quatro anos depois, a aplicação das novas regras será alargada a empresas com mais de 250 trabalhadores e um volume de negócios líquido superior a € 40 milhões, a nível mundial, em setores onde exista um elevado risco de violação dos direitos humanos ou de danos para o ambiente, como, por exemplo, na agricultura, nos têxteis ou nos minerais. A aplicação da Diretiva não se restringirá, todavia, a empresas sedeadas na UE, sendo igualmente aplicável a empresas de países terceiros que operem na UE, com um limiar de volume de negócios equivalente aos indicados acima, desde que gerado na UE.
Embora as PME não estejam incluídas no âmbito de aplicação da proposta de Diretiva, acabarão por ser afetadas no âmbito das operações da cadeia de valor de uma empresa, nas quais participem como parceiro empresarial e com a qual mantenham uma relação empresarial estabelecida, isto é, uma relação de natureza duradoura. Como tal, também as PME acabarão, ainda que indiretamente, por ser incentivadas ao cumprimento das medidas relativas ao dever de diligência. Certamente, as grandes empresas terão a capacidade de persuadir um parceiro empresarial a tomar medidas para fazer cessar ou prevenir efeitos negativos, para já não referir do grau de influência ou de alavanca que uma grande empresa poderá exercer sobre um parceiro empresarial, em especial quando seja uma PME.
A violação da legislação nacional adotada em cumprimento da Diretiva dará lugar à aplicação de sanções pelas autoridades de supervisão a designar por cada Estado-membro e que em conjunto integrarão a rede de supervisão. As sanções serão estabelecidas pela legislação de cada Estado-membro, referindo apenas a Diretiva que deverão ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.
Em Portugal, antecipamos que a violação da legislação nacional possa vir a dar lugar à aplicação de coimas calculadas de acordo com o volume de negócios da empresa infratora, bem como outras sanções, como, por exemplo, a apreensão de mercadorias, exclusão da empresa de forma temporária ou indefinida de procedimentos de contratação pública, de auxílios estatais e de regimes de apoio público.
Além do mais, poderá haver lugar a responsabilidade civil das empresas por danos causados. Neste âmbito, a proposta de Diretiva utiliza uma abordagem distinta no que diz respeito às próprias atividades da empresa e das suas filiais e, por outro, quanto às suas relações empresariais. Quanto à cadeia de valor, a Diretiva prevê que a responsabilidade civil da empresa engloba relações empresariais estabelecidas, ou seja, com as quais uma empresa espera ter uma relação duradoura, tendo em conta a sua intensidade ou duração, e que não representem uma parte negligenciável ou meramente acessória da cadeia de valor da empresa.
No contexto empresarial, esperam-se, assim, deveres de diligência acrescidos para as empresas, sobretudo, numa primeira fase, para grandes empresas, mas desenganem-se as PME quando pensam que não serão “atingidas”, em particular quando integrem a cadeia de valor de grandes empresas. Obviamente, o legislador não procura exigir o mesmo a uma grande empresa ou a uma PME, mas o mesmo não se pode dizer de uma grande empresa em relação aos seus parceiros de negócio, até por uma questão de salvaguarda da própria empresa ou grupo.
Cada vez mais se caminhará para que a sustentabilidade, sob a égide dos fatores ESG, se traduza num objetivo-fim de cada empresa. A questão não será tanto de dimensão, mas de competitividade, pois como dizia Pablo Isla (anterior CEO do Grupo Inditex): “Eu hoje vendo camisas. No futuro, vendo camisas sustentáveis… ou não vendo!”
Questão diferente será, porém, a de quantificar os resultados dos diferentes fatores de ESG, em particular, quando não sejam mensuráveis, mas isso daria um outro artigo.
Este artigo foi publicado no Jornal Dinheiro Vivo no dia 03/05/2022. Poderá lê-lo aqui.
Desde o início da pandemia, em finais de 2019/ inícios de 2020, testemunhámos um crescimento exponencial da importância do regime de teletrabalho nas relações laborais, apesar de este existir no nosso ordenamento jurídico desde 2003.
Naturalmente o teletrabalho que apresenta vantagens, não só para as partes da relação laboral, como também para a sociedade.
Ao empregador, garante a diminuição dos custos com instalações e energia, bem como a otimização dos espaços disponíveis.
Ao trabalhador, possibilita uma melhor conciliação entre a vida profissional e familiar e a redução das despesas (e tempo) de transporte com deslocações para o local de trabalho.
Por seu turno, a sociedade beneficia, nomeadamente, na redução dos níveis de poluição e descongestionamento do centro das cidades.
Mas o regime de teletrabalho não se limita a vantagens.
É importante não esquecer que o mobbing, como o assédio moral que ocorre no local de trabalho, pode também verificar-se no novo local de trabalho do teletrabalhador, normalmente, o seu domicílio.
O assédio em teletrabalho pode ocorrer “em direto” ou em diferido, em reunião por videochamada, mediante humilhação do trabalhador ou através de uma “chamada de atenção” pública. Em teletrabalho, estas situações acontecem não só perante o teletrabalhador e outros elementos da empresa, mas também perante familiares, tendo em conta que nem todos os teletrabalhadores têm condições para ter um espaço próprio para trabalhar em casa.
Para minimizar e permitir, caso aconteça, a resolução rápida de uma situação de assédio em teletrabalho, é importante as empresas implementarem instrumentos de compliance laboral, nomeadamente um Código para a Prevenção e Combate ao Assédio no Trabalho.
O código de conduta é um dos instrumentos de compliance laboral obrigatório para todas as empresas, independentemente da sua natureza pública ou privada, com número igual a sete trabalhadores, e visa dar a conhecer, evitar, identificar, eliminar e punir situações e comportamentos suscetíveis de substanciar assédio no trabalho.
Deve garantir que: (a) os trabalhadores e os órgãos de topo são responsáveis pelo cumprimento de uma política de tolerância zero relativamente a práticas de assédio; e (b) a Entidade Empregadora define uma política interna de tolerância zero, que consagre, nomeadamente: (i) o representante da empresa que o trabalhador deve contactar, (ii) o dever de qualquer pessoa denunciar um incidente de assédio; (iii) a proteção dos trabalhadores que denunciem uma situação de assédio, relativamente a formas de retaliação; (iv) a definição de um processo de averiguação e resolução conduzido por trabalhadores com conhecimentos especializados na prática da prevenção e resolução de assédio; (v) as sanções a aplicar.
As empresas não devem, por isso, preocupar-se apenas em ter um documento escrito que cumpra formalmente com a obrigação legal. É exigível a adoção de medidas concretas e regulares que permitam a sua efetivação, nomeadamente ao nível do teletrabalho. Apenas adotando um código simples, de fácil perceção e que cumpra com as orientações das entidades competentes, as empresas conseguirão alcançar o tão desejado objetivo: evitar e denunciar situações de assédio laboral, em geral, e no contexto de teletrabalho, em particular.
Este artigo foi publicado no dia 1 de abril no Expresso Caderno de Economia, página 29.
Não cabe dúvida estar o Mundo num virar de página, na História, na Economia e na vida de todos nós. Na História, cai agora o véu que nos impediu tanto tempo de reconhecer uma das maiores tirarias sobre a Terra (e não se pense que a Rússia é a única que nos faltava admitir como tal, pois temos ainda a China e países como a Arábia Saudita, que continuamos a tratar como iguais nos valores quando não o são). Na Economia, entrámos num ciclo inflacionista, que já era inevitável como consequência das políticas monetárias seguidas na luta contra os efeitos da pandemia da Covid-19, e que, com a invasão russa da Ucrânia, ninguém sabe dizer onde nos vai levar. Nas vidas de nós ocidentais, bafejados pela sorte de vivermos longe da guerra e da pobreza de tantos locais no Mundo, sentimo-nos encurralados com a subida dos preços de tudo o que consumimos, e perplexos na nossa incompreensão dos mecanismos de fixação dos preços. Alguns pedem a tributação das mais-valias que adjetivam como injustificadas, imorais e causadoras da carestia que afeta a maioria. Outros, mais moderados, questionam-se sobre a universalidade das regras do mercado, perguntam-se se não será tempo aqui também de virar uma página.
É neste contexto que a Comissão Europeia propôs recentemente um plano, ao qual deu o nome de REPowerEU, para eliminar a dependência de combustíveis fósseis russos antes de 2030, dar resposta ao aumento dos preços de energia na Europa e reconstituir as reservas europeias de gás. Esta iniciativa pode, para além de mexer no mercado do gás, vir a ter um impacto significativo no sector das renováveis, pois permite aos Estados-Membros tomarem medidas de regulação dos preços; tributações temporárias dos lucros inesperados a utilização das receitas do comércio de licenças de emissão e auxílios estatais. No mercado ibérico (MBEL) temos também assistido à discussão sobre os mecanismos de fixação dos preços da eletricidade. Os preços grossistas da eletricidade no OMIE (onde se negoceia o preço diário e o preço intra-diário da eletricidade na Península Ibérica) são calculados com base num critério de preços marginais que procura espelhar o encontro de forças entre a oferta e a procura de eletricidade. Existe um algoritmo para estes cálculos chamado EUPHEMIA – quem sabe se batizado em homenagem à santa grega torturada até à morte por não aceitar participar em sacrifícios pagãos na Constantinopla romana do sec. III – e podemos dizer que a este respeito as coisas são deveras complexas; mas, tentando simplificar, podemos explicá-lo da forma que se segue:
No OMIE encontram-se a procura indicada pelos operadores das redes espanhola (REE) e portuguesa (REN) e as ofertas que os produtores fazem para corresponder a essa procura. O preço que se estabelece para compra da eletricidade será o preço da última oferta a ser inserida no sistema (normalmente, a de quem tem menos incentivo a vender, quem obtém um lucro menor com a venda). Se essa oferta for de uma central de ciclo combinado a gás, refletirá os custos desse produtor e não, por exemplo, a média dos custos de produção de todas as ofertas feitas nesse dia. Um produtor com uma central fotovoltaica vai vender a sua eletricidade no OMIE ao preço de venda do produtor da central de ciclo combinado a gás, o que, no atual contexto, significa ter uma margem significativamente superior à que estaria disposto a aceitar caso todas as ofertas ao mercado fossem de produção fotovoltaica.
É aqui que se pode perguntar se, ao agregar diferentes tipos de ofertas e ao escolher um critério de fixação de preços que parece ser incapaz de refletir diferentes custos de produção, o mercado não estaria impedido de funcionar corretamente como se estaria no caso de o confronto direto entre ofertas comparáveis e a procura fosse possível. Claro que a escolha do critério dos preços marginais tem uma explicação técnica, um racional que nos pode parecer mais adaptado a um contexto de oferta abundante e custos homogéneos (onde a pressão para vender seja semelhante em todos os produtores) mas que aparentemente é necessário, uma vez que o sistema precisa da energia produzida pelos produtores que queimam gás e outros combustíveis fósseis.
A criação de um imposto especial sobre as fontes de produção renováveis para igualar os chamados windfall profits (ao estilo do famigerado clawback criado pelo Governo da geringonça para eliminar os lucros injustificado dos produtores portugueses no MIBEL face aos espanhóis, vítimas de um imposto especial de 7%) implica um desincentivo àquilo que andamos todos a dizer que queremos incentivar. Um desincentivo com impacto não apenas imediato, mas também para o futuro do investimento em energias renováveis, que precisa de previsibilidade fiscal. Interessa reter que o mercado funciona com base numa perceção de risco, que inclui fatores do próprio mercado, tais como a evolução tecnológica ou, em sentido contrário, a evolução negativa do custo dos fatores de produção. Se lhes acrescentamos riscos não oriundos do mercado, como sejam uma intervenção administrativa nos preços ou a imposição de impostos (a cacofonia é propositada), o mercado deixa de funcionar, afetando, indiscriminadamente, a oferta (que pode ter de fechar portas) e a procura (que irá suportar ou preços mais altos ou a escassez, neste caso de eletricidade).
Por isso, uma intervenção administrativa nos preços, com a fixação de um máximo, por exemplo em 180 euros por MWh, como sugerido pelos Governos Português e Espanhol à Comissão Europeia, terá como consequência a produção deficitária em centrais a gás. O que fazer então, se precisamos dela? Certamente, os produtores com custos mais altos retirarão a sua oferta do mercado, a não ser que sejam subvencionados (o que tornaria a medida inútil), gerando escassez de oferta. Por outras palavras, não haveria eletricidade para todos, porque neste momento em que vivemos a oferta não é elástica (muito dizem que por se ter precipitado o Governo português em antecipar o fecho das centrais a carvão).
E, porque todos os resultados de preços acima que seguem as leis naturais não têm ideologia, qualquer regulação dos preços da eletricidade é de evitar. E a tributação dos windfall profits irá naturalmente fazer com que os preços subam ou que falte eletricidade a todos.A forma de intervenção estatal menos nociva será o apoio direto aos consumidores menos capazes de suportar os aumentos dos preços de mercado da eletricidade: os indivíduos e pequenas empresas com menos recursos e as empresas consumidoras electro-intensivas cuja atividade seja imprescindível ao tecido económico do país. Os mecanismos mais eficientes para dar esse apoio serão sempre o bom do cheque (e nunca a linha de crédito, que é como oferecer água a quem se está a afogar); ou, melhor ainda, o simples desconto nos impostos.
Consequentemente, a Comissão Europeia e os Estados-Membros devem, antes de mais, dar prioridade a uma reavaliação consensual dos métodos de fixação de preços da eletricidade e, se possível, ajustá-los de modo que permitam ao mercado funcionar melhor, pois não é o mercado que está a falhar, mas eventualmente as regras a que as plataformas de negociação como o OMIE estão sujeitas.