2023-04-20

Marco Claudino, Advogado e Consultor da MACEDO VITORINO, partilha a sua opinião no Jornal de Negócios, sobre «O IRS dos Municípios e dos Contribuintes não é do Fisco», publicado hoje, a 20 de abril de 2023.

No passado dia 14, o Jornal de Negócios noticiou que o Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em decisão recente, considera que o Fisco se encontra a calcular de forma errada a participação variável do IRS que aos municípios cabe como receita.

Em breves palavras, desde 2007 os municípios têm direito, em cada ano, a uma participação variável de 5% do valor do IRS dos contribuintes residentes no seu território. E é exatamente variável porque podem os municípios decidir partilhar, no todo ou em parte, esse valor com os próprios munícipes. A Lei refere ainda que este valor é calculado sobre a respetiva coleta líquida das deduções previstas no artigo 78.º do Código do IRS.

O Fisco tem entendido que embora integrem a coleta, os rendimentos não englobados devem ser excluídos do valor a considerar, uma vez que, sendo tributados autonomamente, não se lhes pode aplicar deduções. É uma tese que, com o devido respeito, não tem sustentação nem na letra da Lei (que refere claramente coleta) nem no seu espírito – trata-se de uma partilha de recursos entre o Estado e os Municípios na proporção de 95-5 e não numa dispensa de 5% por parte do Estado nos termos que a AT entende.

O impacto desta decisão é de várias centenas de milhões de euros. No Orçamento do Estado para 2023 o valor do IRS repartido para municípios e contribuintes ascende a 650 milhões de euros (ou seja, foi considerada uma coleta de 13 mil milhões de euros). Por seu turno, nos documentos de execução orçamental de 2021 – ano relativo aos valores distribuídos em 2023 – pode verificar-se que a receita do IRS é de 14.5 mil milhões de euros. Numa estimativa conservadora, se aplicada a fórmula de cálculo validada pelo CAAD teremos seguramente pelo menos uma diferença de mil milhões de euros no valor da coleta a considerar para esta repartição, o que equivalerá a 50 milhões de euros (correspondente a 5%) subtraídos aos municípios e aos contribuintes.

A Autoridade Tributária (AT) não recorreu da decisão. Embora, como dissemos, concordemos com o CAAD, entendemos que teria sido benéfico a existência de recurso. Na verdade, tratando-se, em nosso entender, de matéria com relevância jurídica e social fundamental, caberia inclusivamente recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo.

A análise pelo STA permitiria alcançar segurança jurídica e uniformidade. E, não menos importante, previsibilidade relativamente à atuação futura da AT.

Temos, reconhecemo-lo, receio que a decisão de não recurso da AT tenha tido como objetivo limitar danos ao caso concreto, mantendo para os demais processos a mesma interpretação.

Por isso, é essencial que o Sr. Ministro das Finanças, a quem cabe a tutela da AT e da Direção-Geral do Orçamento e a preservação de uma relação de confiança e lealdade com os contribuintes, não ignore este caso.

Não tendo havido recurso por parte da AT, as liquidações do IRS deste ano devem já ver refletidas a interpretação sufragada pelo CAAD. Mas mais, a AT de forma oficiosa não pode deixar de proceder à revisão das liquidações do IRS dos contribuintes residentes nos municípios que dispensaram no todo ou em parte o IRS respetivo. Deve fazê-lo relativamente aos últimos quatro anos (prazo para revisão dos atos tributários). No que concerne aos municípios, deve ser, desde já, determinada a retificação do Mapa do Orçamento do Estado que prevê as transferências para aquelas autarquias locais.

Adicionalmente, devem os municípios ser compensados relativamente ao valor indevidamente retido nos últimos anos e que lhes cabia por direito.

Caso assim não aconteça, o Estado, para além de não ser merecedor de confiança, estará a convidar

Municípios e Contribuintes à litigância e assim congestionar os já saturados tribunais administrativos e fiscais.

Esperemos que o Sr. Ministro das Finanças, que não pode dizer que não sabe nem conhece o caso, tome as decisões que se impõem!

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