O Governo aprovou um conjunto de medidas que concretizam o estado de emergência e que se aplicam em Portugal por um período de, pelo menos, 15 dias.

As novas medidas revestem caráter urgente e provocam uma restrição (proporcional e adequada) de direitos e liberdades dos cidadãos, nomeadamente, no que diz respeito aos direitos de circulação e liberdades económicas.

De entre as medidas aprovadas destacam-se as seguintes:

  • Restrição da liberdade de circulação dos cidadãos, apenas sendo possível circular na via pública por algum dos seguintes motivos:

a)     Aquisição de bens e serviços;

b)     Desempenho de atividades profissionais que não sejam possíveis de realizar a partir do domicílio pessoal em regime de teletrabalho;

c)     Aquisição de suprimentos necessários e considerados essenciais ao exercício da atividade profissional, estando a atividade a ser exercida em regime de teletrabalho;

d)     Deslocações por motivos de saúde, designadamente para transporte de pessoas  que necessitem da administração de cuidados de saúde;

e)     Deslocações urgentes, nomeadamente transporte de vítimas de violência doméstica ou de médicos-veterinários;

f)      Deslocações para assistência a familiares vulneráveis, filhos, idosos, entre outros, ou ainda por cumprimento de partilha de responsabilidades parentais;

g)     Deslocações de curta duração para efeitos de atividade física, estando excluída a prática de exercício em modalidades coletivas;

h)     Deslocações de curta duração para passeios de animais de companhia; e

i)      Retorno ao domicílio pessoal.

  • Proibição de realização de celebrações de cariz religioso e de outros eventos de culto que impliquem uma aglomeração de pessoas e estabelecer que a realização de funerais, está condicionada à adoção de medidas organizacionais que garantam a inexistência de aglomerados de pessoas e o controlo das distâncias de segurança, designadamente a fixação de um limite máximo de presenças, a determinar pela autarquia local que exerça os poderes de gestão do respetivo cemitério.

O Governo adotou ainda por não promover a suspensão das seguintes atividades:

a)     Atividades de restauração levada a cabo em cantinas ou refeitórios que se encontrem em regular funcionamento e noutras unidades de restauração coletiva cujos serviços de restauração sejam praticados ao abrigo de um contrato de execução continuada;

b)     Atividades de comércio eletrónico, atividades de prestação de serviços que sejam prestados à distância, sem contacto com o público, ou que desenvolvam a sua atividade através de plataforma eletrónica;

c)     Atividades de comércio a retalho ou atividades de prestação de serviços situados ao longo da rede de autoestradas e no interior das estações ferroviárias, aeroportuárias, fluviais e nos hospitais, a menos que tenha sido ou venha a ser determinado o encerramento daquelas infraestruturas.

Nos estabelecimentos em espaço físico de comércio a retalho ou de prestação de serviços, devem ser adotadas determinadas medidas que assegurem uma distância mínima de dois metros entre pessoas, uma permanência pelo tempo estritamente necessário à aquisição dos produtos e a proibição do consumo de produtos no seu interior.

Para além disso, todos os cidadãos em vigilância por parte das autoridades de saúde, sob pena de crime de desobediência, devem permanecer no domicílio.

Do conjunto das novas medidas, é ainda estabelecida a necessidade de as entidades empregadoras, independentemente da sua natureza pública ou privada, promoverem, sempre que possível, a disponibilização de meios de teletrabalho que permitam aos trabalhadores o exercício das suas funções laborais a partir do domicílio pessoal.

As medidas são aplicáveis desde o presente dia a todo o território nacional.

DIA 2

Vivemos o segundo dia do Estado de Emergência. O número de infetados em Portugal é hoje de 1020, diz o relatório da situação da DGS. Seguimos na marcha inexorável da curva exponencial de que nos falava Jorge Buescu há alguns dias. À nossa frente, Espanha e Itália mostram-nos como ainda só estamos no início.

O Governo suspende a denúncia pelos senhorios dos contratos de arrendamento (sejam habitacionais ou não habitacionais) e ainda a execução de hipotecas sobre imóveis que constituem habitação própria e permanente dos devedores executados.

Foram também suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de imóveis arrendados, quando o arrendatário fique sem de habitação própria.

O país vive em suspenso. Enquanto uns negócios são forçados a parar, a atividade económica vai diminuindo. Há muito buraco que tem de ser tapado. Vai ser difícil escolher a melhor solução. Por isso, a suspensão de certos contratos pode beneficiar uns e prejudicar outros. É preciso cuidado.

Muitas das normas agora aprovadas serão certamente modificadas nos próximos tempos.

Continuamos recolhidos nas nossas casas. Tive duas reuniões online. A Macedo Vitorino continua a trabalhar.

Ao fim da tarde, quando escrevo estas palavras as ruas estão em silêncio, não se ouve um só carro, só oiço o riso das crianças que brincam. Felizmente as crianças parecem estar a salvo nesta crise. Que alivio para todos os pais. Mas a OMS avisa que os jovens não são imortais. Tenham cuidado.

O Decreto-Lei 107/2019, de 4 de dezembro, que atribuía poderes ao Conselho de Ministros para, através de resolução, definir os pressupostos das parcerias público-privadas (PPP), deixou de vigorar a partir de dia 19 de março de 2020.

Através de Resolução, a Assembleia da República deliberou cessar a vigência do diploma das PPP e repristinar o regime anterior, que atribuía o poder decisório aos ministros responsáveis pelas finanças e pela área do projeto.

O regime das PPP volta ser aplicável aos municípios, às regiões autónomas e às entidades por estes criadas, que perdem a liberdade para criar as suas PPP sem supervisão do Governo.

Recorde-se que o regime das PPP foi alvo de bastantes críticas devido à discricionariedade de que o Conselho de Ministros passava a dispor para constituir novas PPP e modificar as existentes.

Agora, a Assembleia da República talvez tenha querido fazer o Governo e as autarquias concentrar os seus esforços nas medidas de contingência económicas adotadas para mitigar os efeitos negativos da pandemia Covid-19? Ou talvez para evitar reuniões do Conselho de Ministros desnecessárias? Houve outros motivos, certamente políticos, não dá para especularmos ter sido  o Covid-19 o causador desta mudança.

2020-03-20
Susana Vieira

Em matéria de imobiliário, foram criadas duas medidas-chave. Assim, até à cessação das medidas de prevenção e contenção do COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública, fica suspensa:

  • A produção de efeitos de denúncias de contratos de arrendamento (habitacionais e não habitacionais) efetuadas pelos senhorios; e
  • A execução de hipotecas sobre imóveis que constituem habitação própria e permanente dos executados.

São igualmente suspensas as ações de despejo, os procedimentos especiais de despejo e os processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando o arrendatário possa ser colocado em situação de fragilidade por falta de habitação própria.

Estas medidas produzem efeitos desde 13 de março de 2020 e constam da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, a qual estabelece várias medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19 e ratifica o Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.

De acordo com este último Decreto-lei, encontram-se igualmente suspensos os prazos dos procedimentos junto de cartórios notariais e conservatórias (com efeitos desde 9 de março de 2020) e os prazos que impliquem deferimento tácito pela administração no âmbito de autorizações e licenciamentos requeridos por particulares e no âmbito da avaliação de impacte ambiental (com efeitos desde 13 de março de 2020).

DIA 1

Às 0:00 horas do dia 19 de março de 2020 Portugal está em Estado de Emergência. Às 20:00 horas do dia anterior, o Presidente da República declarava o Estado de Emergência que todos aguardávamos desde domingo passado e, mais insistentemente, desde a manhã do dia 18.

Os Portugueses já se vinham preparando há uma semana. As ruas estavam calmas. Quase todas as lojas fechadas. As empresas de serviços a trabalhar remotamente. Todos ouviram o apelo: #ficaemcasa. #stayathome. Só os turistas de todas as idades persistiam nos seus passeios por Lisboa.

Os Portugueses, quase sempre ordeiros e tantas vezes demasiado complacentes com o Estado e o Poder, souberam dar valor à palavra obediência e ficaram em casa.

Ao final da tarde, o Governo português aprovou as linhas mestras do Estado de emergência:

  • Não há isolamento obrigatório (salvo doentes com COVID-19 e casos excecionais)
  • Teletrabalho (em regra, se possível)
  • Encerramento dos estabelecimentos comerciais de atendimento ao público (salvo, padarias, mercearias, supermercados, bombas de gasolina, farmácias, quiosques)
  • Os bancos mantêm-se em funcionamento
  • Empresas em funcionamento com trabalho presencial (por exemplo, fábricas) têm de cumprir as orientações da Direção Geral da Saúde
  • Diferentes regras para os funerais (número de pessoas, local, etc.)

As empresas começam a recorrer ao novo regime de “Lay Off Simplificado”, entretanto objeto de alterações para melhor se adequar à nova realidade. A nossa equipa de Direito laboral explica-nos o que mudou.

Pela noite, imperava o silêncio. Ocasionalmente passava um ou outro carro.

Todos juntos venceremos esta crise!

Foi hoje publicada a Portaria n.º 76-B/2020 que vem alterar a  Portaria n.º 71-A/2020, de 15 de março, retificada pela Declaração de Retificação n.º 11-C/2020, de 16 de março, que aprovou um conjunto de medidas extraordinárias de resposta ao surto da COVID-19.

Das diversas medidas, destaca-se o regime do Lay Off  simplificado, que se traduz num apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho em situação de crise empresarial, com ou sem formação. As condições de acesso são as seguintes:

I.               Situação de crise empresarial

Para beneficiar deste regime, é necessário que a empresa se encontre em situação de crise empresarial, definida como: (a) a paragem total da atividade da empresa ou estabelecimento que resulte da interrupção das cadeias de abastecimento globais, da suspensão ou cancelamento de encomendas; ou (b) a quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40 % da faturação, nos 60 dias anteriores ao pedido junto da segurança social com referência ao período homólogo ou, para quem tenha iniciado a atividade há menos de 12 meses, à média desse período.

II.              Documentação

Em prol da simplificação e celeridade do procedimento, a situação de crise empresarial é atestada mediante declaração do empregador, conjuntamente com certidão do contabilista certificado da empresa.

III.             Situação contributiva e tributária regularizada

Para ter acesso às medidas acima referidas, o empregador deve, comprovadamente, ter as situações contributiva e tributária regularizadas perante a Segurança Social e a Autoridade Tributária e Aduaneira.

IV.            Valor

O valor deste apoio é igual a 2/3 da retribuição ilíquida do trabalhador, tendo um limite máximo de 3 RMMG, ou seja, até €1905, sendo 70 % assegurado pela Segurança Social (até €1.333,5) e 30 % assegurado pelo empregador, com a duração de um mês.  

V.             Duração

A duração inicial deste apoio é de um mês. Pode no entanto ser excecionalmente prorrogado mensalmente, até um máximo de 6 meses.

VI.            Direito de Informação

Exige-se ao empregador que comunique por escrito aos trabalhadores a decisão de requerer o apoio extraordinário à manutenção dos postos de trabalho com a  indicação da duração previsível. De alertar que tal comunicação deve ser precedida da audição dos delegados sindicais e das comissões de trabalhadores, se existirem.

VII.               Plano de formação:

Esta medida pode ainda ser cumulável com um plano de formação aprovado pelo IEFP, IP, ao qual acresce uma bolsa no valor de 30 % do Indexante dos Apoios Sociais (IAS) (€131,64), sendo metade para o trabalhador e metade para o empregador (€65,82). A bolsa e os custos com a formação serão suportados pelo IEFP, IP.

Sem prejuízo deste regime, as empresas podem lançar mão do regime “normal” do Lay off, previsto no artigo 298.º do Código do Trabalho, bem como do mecanismo do encerramento e diminuição temporária de atividade, constante do artigo 309.º também do Código do Trabalho. Este regime só é aplicável às empresas privadas.

O Governo aprovou um conjunto de medidas extraordinárias de resposta à pandemia do vírus COVID-19, que constam do Decreto-Lei n.º 10-A/2020 e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 10-A/2020.

Aos trabalhadores são aplicáveis as seguintes regras:

  • É equiparado a situação de doença o isolamento profilático durante 14 dias, tanto de trabalhadores subordinados como independentes, desde que motivado por situações de grave risco para a saúde pública e decretado pelas entidades que exercem o poder de autoridade de saúde. O reconhecimento do subsídio de doença não se encontra sujeito a prazos de garantia nem período de espera;
  • É considerada falta justificada a situação decorrente de acompanhamento de isolamento profilático durante 14 dias de filho ou de outro dependente a cargo do trabalhador por conta de outrem;
  • Excetuando-se os períodos de interrupções letivas (v.g. férias da Páscoa), são consideradas faltas justificadas, apenas com perda de direitos quanto à retribuição, as faltas ao trabalho motivadas por assistência inadiável a filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos, ou, com deficiência ou doença crónica, com qualquer idade, decorrentes de suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais em estabelecimento escolar ou equipamento social de apoio.

A ausência tem de ser determinada por autoridade de saúde, devendo o trabalhador comunicar a ausência nos termos do 253.º do Código do Trabalho ao empregador, sob pena de a falta ser considerada injustificada.

  • É estabelecida uma garantia de proteção social dos formadores e dos formandos no decurso das ações de formação, bem como dos beneficiários ocupados em políticas ativas de emprego que se encontrem impedidos de frequentar ações de formação.

Às Empresas são aplicáveis as seguintes regras:

  • Diferimento de obrigações fiscais (v.g. entrega de declaração periódica de rendimentos de IRC do período de tributação referente a 2019 até 31 de julho de 2020, sem quaisquer acréscimos ou penalidades);

Flexibilização do pagamento do IVA por empresas e trabalhadores independentes, de forma fracionada e até seis prestações; 

  • Flexibilização das contribuições à Segurança Social, sendo que as contribuições para a Segurança Social são reduzidas a 1/3 nos meses de março, abril e maio. O valor remanescente relativo aos meses de abril, maio e junho é liquidado a partir do terceiro trimestre de 2020.
  • Pagamento de incentivos respeitantes ao Programa Portugal 2020, no prazo de 30 dias;
  • Elegibilidade de despesas suportadas com eventos internacionais anulados;
  • Promoção de um incentivo financeiro extraordinário para assegurar a fase de normalização da atividade e que visa apoiar as empresas, de modo a prevenir o risco de desemprego;
  • Criação de um conjunto de linhas de crédito, no total de € 3 000 milhões dirigidas aos setores mais atingidos (v.g. restauração, turismo, indústria têxtil, vestuário, calçado).

No âmbito da Resolução do Conselho de Ministros n.º 10-A/2020, de 13 de março, encontram-se previstas quatro medidas extraordinárias de apoio imediato aos trabalhadores e às empresas.

Nesse sentido, foi publicada a Portaria n.º 71-A/2020, de 15 de março, que define e regulamenta os termos e condições de atribuição dos apoios imediatos de caráter extraordinário temporário e transitório, destinadas aos trabalhadores e empregadores, tendo em vista a manutenção dos postos de trabalho e mitigar as situações de crise empresarial. A Portaria foi retificada pela Portaria n.º 71-A/2020, de 18 de março.

As medidas são as seguintes:

  • Promoção de um regime excecional e temporário de isenção do pagamento de contribuições à Segurança Social;
  • Apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho em situação de crise empresarial com ou sem formação, com o Estado a pagar 70% de 2/3 da remuneração, até ao limite de 3 RMMG;
  • Plano extraordinário de formação; e
  • Criação de um incentivo financeiro extraordinário para assegurar a fase de normalização da atividade (até um salário mínimo por trabalhador).

As referidas medidas são aplicáveis aos empregadores de natureza privada, incluindo as entidades empregadoras do setor social, e trabalhadores ao seu serviço, que se encontrem numa situação de crise empresarial.

Todas as medidas referidas estão em vigor, podendo usufruir delas trabalhadores e empresas. 

Recentemente publicado, o novo contrato coletivo de trabalho celebrado entre a Associação Portuguesa de Facility Services, por um lado, e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviço de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas (“STAD”) e a Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços (“FETESE”), estabelece novas regras para as relações de trabalho entre empregadores que se dediquem às atividades de higiene e limpeza em edifícios, equipamentos industriais, de pest control e higiene, de desinfeção, e trabalhadores ao seu serviço, representados pelas associações outorgantes.

A 16 de março foi também publicada a Portaria de Extensão do referido contrato coletivo, sendo alargado o âmbito de aplicação do contrato coletivo a todas as empresas que se dediquem à prestação de “facility services” ainda que subsidiária ou complementarmente à sua atividade principal e aos trabalhadores ao seu serviço.

Entre os novos direitos consagrados no contrato coletivo destacam-se os seguintes, e que correspondem a obrigações que impendem sob a empresa de limpeza que celebra contratos com os seus/suas trabalhadores (as):

  • Atribuição de um salário mínimo no valor de €638,00 para os trabalhadores no início da carreira com a categoria de trabalhador de limpeza e de €1,100 para os trabalhadores no topo da carreira de supervisor-geral;
  • Aumento do subsídio de refeição de €1,85 para €3,00 em 2020 e para €3,50 em 2021;
  • Pagamento do trabalho em dia feriado acrescido de 100%;
  • Possibilidade de majoração do período de férias do trabalhador, entre 1 e 3 dias, perante a ausência de faltas ou apenas tendo faltas justificadas, no ano a que as férias reportam, de acordo com critérios definidos no contrato coletivo;
  • Previsão de um mecanismo de arbitragem para as situações em que as partes, em negociações futuras, não alcancem um acordo.

O novo instrumento é ainda claro no sentido de em caso de perda de um local de trabalho, a nova entidade ter de assegurar a atividade do empregador, obrigando-se a ficar com todos os trabalhadores que normalmente prestavam serviço. Os trabalhadores irão manter-se ao serviço da nova empresa com todos os seus direitos, regalias e antiguidade, transmitindo-se as obrigações decorrentes da prestação laboral para a nova empresa.

As novas regras que agora entram em vigor não eram revistas, na sua globalidade, desde 2004.

À medida que o país e o mundo se preparam para tempos difíceis, o turismo faz uma pausa, a economia abranda, as encomendas diminuem, as pessoas preocupam-se com os que lhes são próximos, o medo apodera-se de muitos e todos procuram ver o fim da crise. O coronavírus é hoje o tema da vida de todos nós.

E no meio da crise começam a surgir as questões jurídicas.

Como fica a minha situação no emprego agora que a empresa para que trabalho suspendeu as suas atividades? E o empréstimo ao banco para pagamento da prestação da casa? Posso suspender o pagamento da renda do estabelecimento ou escritório que foi encerrado? Posso cancelar a encomenda que fiz para entregar em abril? O que fazer se não tenho pessoal para concluir a empreitada ou o serviço contratado? E se não tenho materiais e equipamentos que deveriam vir da China?

Neste primeiro artigo abordamos algumas destas questões, com a promessa de que ao longo das próximas semanas a Macedo Vitorino dará informação mais detalhada sobre os impactos jurídicos da crise do coronavírus na vida das empresas e das pessoas.

 

Contratos de trabalho

O Governo aprovou um regime de “Lay Off Simplificado” que permite à empresa suspender os contratos de trabalho por um período máximo de seis meses, durante os quais o trabalhador recebe 2/3 da sua remuneração ilíquida, dos quais 70% são pagos pela Segurança Social e 30% pela entidade empregadora.

O apoio financeiro é concedido pelo período de um mês, prorrogável mensalmente, até um limite máximo de seis meses, apenas quando os trabalhadores da empresa tenham gozado o limite máximo de férias anuais e quando a entidade empregadora tenha adotado os mecanismos de flexibilidade dos horários de trabalho previstos na lei.

Para mais informação sobre este tema leia a nossa newsletter: Covid-19 e o Apoio ao Emprego.

 

Contratos de empréstimo para compra de habitação própria

Em princípio, estes contratos manter-se-ão inalterados, a menos que haja alguma medida legislativa que suspenda o pagamento das prestações ou dos juros devidos por conta de empréstimos à habitação.

É de esperar que, à semelhança de Itália, o Governo venha a criar legislação específica permitindo suspender total ou parcialmente o reembolso dos empréstimos e eventualmente o perdão de juros. Mas, enquanto tal não acontecer, haverá que cumprir os contratos assinados.

 

Contratos de arrendamento habitacional

Os contratos de arrendamento de médio ou longo prazo manter-se-ão inalterados. Os inquilinos que continuem a usufruir dos imóveis arrendados deverão continuar a pagar as suas rendas nos prazos devidos.

Em alguns casos, a presente crise poderá implicar a perda de interesse no arrendamento. Por exemplo, nos arrendamentos temporários de estudantes que devam deixar de residir no apartamento ou na residência arrendada, podem invocar o instituto da “alteração das circunstâncias” previsto no artigo 437.º do Código Civil.

Dispõe o número 1 do artigo 437.º do Código Civil que “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”.

Parece-nos claro que, no caso dos arrendamentos a estudantes ou outros arrendamentos de curto prazo, o inquilino, que deixe ter interesse ou deixe de poder sequer usar o imóvel arrendado, poderá solicitar a resolução do contrato.

São duas as condições para poder invocar esta norma:

(a) Primeira, o inquilino deixar de usar a habitação arrendada durante esse período;

(b) Segunda, o contrato ser de curta duração e severamente afetado pela sua interrupção por um período que se prevê de três a seis meses.

Para contratos mais longos a questão já não se coloca assim. A perda de interesse na habitação será temporária, pelo que o inquilino poderia estar interessado em não pagar renda, mas não na resolução do contrato. Quanto mais longo for o contrato menos razão terá o inquilino em pretender deixar de pagar a renda e ainda assim manter o contrato em vigor quando terminar a crise.

 

Contratos de arrendamento comercial

Para os contratos de arrendamento comercial a situação é semelhante, mas não idêntica.

Nos arrendamentos comerciais haverá alguns em que a suspensão da atividade do inquilino foi decidida por si como resposta à crise, como é o caso das empresas de serviços que passaram a laborar em regime de teletrabalho, e outras em que foi ou será imposta pelo Governo, como é o caso das empresas de restauração, hotelaria ou lojas de rua.

Tanto numa como noutra situação, a crise de saúde pública é a mesma e as razões substanciais para a suspensão da atividade são as mesmas: a emergência da situação, o seu caráter inadiável e a necessidade de proteger os seus trabalhadores e a comunidade em geral. Ainda assim, no segundo caso, o encerramento do estabelecimento resultará de uma ordem administrativa e é, por isso, formalmente mais forte do que a primeira, mas na substância são idênticas e devem ter o mesmo tratamento.

Nestes casos, a duração do contrato é decisiva. Nos contratos de longo e médio prazo, não há razão que justifique a resolução do contrato por alteração das circunstâncias, mas pode haver razão para a revisão do contrato de acordo com juízos de equidade.

Em nossa opinião, nos contratos de longo prazo, de três ou mais anos, não nos parece haver qualquer dúvida de que o risco da interrupção da atividade deve correr integralmente por conta do inquilino. Afinal de contas, a interrupção não é causada por um terramoto ou outra causa natural que impeça o uso do imóvel, pelo que o risco do negócio é do inquilino da mesma forma que as crises económicas, mais ou menos duradoura, mais ou menos severas, não justificam a cessação do pagamento ou a revisão das rendas.

Nos contratos de prazo inferior a três anos, uma interrupção de seis meses, que equivale a uma parte significativa da duração do contrato, poderá justificar a redução parcial das rendas ou mesmo a suspensão do pagamento durante o período de inatividade.

A melhor solução será negociar com o senhorio porque deixar de cumprir o contrato acarreta o risco de o senhorio intentar uma ação de despejo, no que certamente o senhorio teria razão. Continuar a cumprir o contrato e pedir em tribunal uma compensação do senhorio pelo tempo do encerramento com base na alteração das circunstâncias parece-nos possível. Em alguns casos, seria até possível intentar uma providência cautelar de suspensão do pagamento da renda, mas a sua resolução poderá ser tardia face às perturbações no funcionamento dos tribunais provocada por esta crise.

 

Contratos de empreitada

Apesar do encerramento do comércio, continuamos a ver muitas obras a decorrer em Lisboa e em outras cidades do país. Para já, não parece haver grandes perturbações, mas com o passar do tempo, os empreiteiros poderão ter dificuldades em manter as obras em andamento ao mesmo ritmo ou ser forçados a interromper os trabalhos por falta de mão de obra, por surtos epidémicos entre os seus trabalhadores ou por falhas nos seus fornecedores de equipamentos e materiais. É mesmo possível que se a crise se agravar o Governo ordene que todas as pessoas se mantenham em casa com exceção de determinados serviços essenciais como o fornecimento de água, luz, gás ou o transporte e venda de bens alimentares e de primeira necessidade.

O surto epidémico pode assim provocar atrasos significativos no cumprimento de contratos de empreitada ou mesmo a sua interrupção por um período longo.

Estas situações designam-se por “impossibilidade de cumprimento” e vêm reguladas no Código Civil. O número 1 do artigo 790.º estabelece que a obrigação se extingue “quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor”, ou seja, o devedor não está obrigado a cumprir o contrato quando o cumprimento se torna impossível. Na maioria das empreitadas, porém, não estaremos perante uma impossibilidade definitiva, mas temporária porque o empreiteiro ainda poderá cumprir quando a situação se normalizar.

Assim, na grande maioria das situações aplicar-se-á o disposto no artigo 792.º do Código Civil, o qual permitiria o atraso do empreiteiro no pressuposto de que o dono da obra mantem o interesse na conclusão da obra ainda que com atraso. Nestes casos, haverá, portanto, lugar a uma justificação do atraso, o qual terá de ser demonstrado em concreto pelas razões que acima descrevemos.

Também nestes casos poderá dar-se uma “alteração das circunstâncias” que exija a revisão dos termos do contrato. Por exemplo, se um dos equipamentos a instalar na obra deixe de estar disponível tendo de ser substituído por outro ou se seu preço aumentar significativamente justificando o aumento do preço final da obra.

 

Contratos de prestação de serviço

Aos contratos de prestação de serviços poderá aplicar-se ora o regime da “impossibilidade” de cumprimento previsto nos artigos 790.º e seguintes do Código Civil ou da alteração das circunstâncias previsto o artigo 437.º também do Código Civil.

A aplicação de um ou outro regime depende das circunstâncias concretas do caso. Por exemplo, na prestação de um só serviço por profissional liberal que adoeça, poderá estar-se perante uma situação de “impossibilidade subjetiva” visto que o devedor deixa de ter condições de saúde para fazer aquilo a que se comprometeu. Nestes casos, poderá dar-se que o credor deixe de ter interesse na prestação, por exemplo no parecer solicitado ao advogado ou na consulta médica contratada. O contrato resolver-se-á sem que o prestador de serviço tenha qualquer dever de indemnizar.

Noutros a prestação poderá tornar-se objetivamente impossível porque não se tem acesso ao local onde deva ser prestada por estar encerrado por alguma razão, como será o caso de contratos de manutenção de equipamentos.

Também haverá casos em que a alteração das circunstâncias exija a revisão do preço ou a alteração do objeto a favor do prestador do serviço (devedor) ou de quem o contratou (credor).

Nos contratos duradouros, como por exemplo serviços de manutenção regular ou de limpeza, o credor poderá perder o interesse na prestação. O cumprimento pode ainda ser possível e o prestador do serviço pode querer manter o serviço, mas o credor pode já não precisar desse serviço porque isso não se justifica face às circunstâncias atuais. A estes caso aplicar-se-á o artigo 437.º do Código Civil e o credor poderá pedir a resolução ou a alteração do contrato em termos equitativos, ou seja, condições equilibradas e justas para ambas as partes.

 

Contratos de fornecimento

É de esperar que muitos contratos de fornecimento venham a ser afetados pela presente crise. Haverá atrasos no fornecimento de bens e matérias primas, perturbações nos transportes dentro e para fora de Portugal que provocarão um efeito em cascata nas cadeias de distribuição etc. Tudo isto são situações que poderão justificar a resolução ou a revisão do contrato por “impossibilidade objetiva” ou por “alteração das circunstâncias” como explicámos acima.

Para além destas situações, haverá muitos casos em que os compradores perderão o interesse no fornecimento e queira resolver ou suspender a execução do contrato enquanto durar a crise. Por exemplo, os hotéis e restaurantes encerrados deixarão de ter interesse em receber os produtos alimentares, produtos de higiene e todos os outros que suportam a sua atividade no dia a dia.

A estes casos aplicar-se o regime da “alteração das circunstâncias” a favor do comprador, o qual poderá exigir a revisão do contrato, adiando ou suspendendo o fornecimento, ou mesmo a sua resolução.

2020-03-16
Susana Vieira

De acordo com o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que aprovou um conjunto de medidas excecionais e transitórias para fazer face ao surto do novo Coronavírus - COVID 19, as assembleias gerais das sociedades comerciais, das associações e das cooperativas que devam realizar-se por imposição legal ou estatutária, poderão ser realizadas até 30 de junho de 2020.

Assim, as sociedades comerciais cujo exercício terminou em 31 de dezembro último e que deveriam realizar as suas assembleias gerais anuais para aprovação de contas até 31 de março de 2020 poderão, agora, fazê-lo até 30 de junho de 2020.