O Decreto-Lei n.º 103/2025, de 11 de setembro, introduz alterações significativas nas regras aplicáveis à cessão e gestão de créditos bancários em Portugal, transpondo a Diretiva (UE) 2021/2167, relativa aos gestores de créditos e aos adquirentes de créditos.

Este diploma aprova o Regime da Cessão e Gestão de Créditos Bancários (“RCGCB”), definindo requisitos para os adquirentes e gestores dos créditos, e atualiza o quadro normativo da Central de Responsabilidades de Crédito (“CRC”).

As principais novidades incluem:

  • A possibilidade de cessão a outras entidades para além das instituições já habilitadas para o efeito (e.g. organismos de investimento alternativo e veículos de titularização);
  • A obrigatoriedade de contratação de entidades habilitadas para a gestão dos créditos cedidos;
  • A proteção reforçada dos devedores e a supervisão pelo Banco de Portugal;
  • Medidas que visam conciliar a dinamização do mercado secundário de créditos com a salvaguarda dos direitos das partes envolvidas.

Desde logo, o RCGCB estabelece que a cessão poderá ser realizada a outras entidades relativamente a contratos de crédito que (i) apresentem créditos com prestações vencidas há mais de 90 dias ou (ii) estejam classificados como de improvável cumprimento, na aceção do Regulamento (UE) n.º 575/2013, de 26 de junho de 2013, há pelo menos 12 meses, quando o devedor seja uma pequena, média ou grande empresa.

Outro aspeto relevante é a obrigatoriedade de os cessionários contratarem uma entidade habilitada para gerir os créditos, salvo se o cessionário for ele próprio um gestor autorizado. Esta regra aplica-se mesmo a cessionários de países terceiros, que devem designar um representante na União Europeia para atuar como interlocutor com as autoridades.

No que respeita ao gestor de créditos, o diploma estabelece que esta atividade só pode ser exercida por entidades autorizadas pelo Banco de Portugal ou por instituições de crédito devidamente habilitadas. Os gestores de créditos ficam sujeitos a vários deveres, nomeadamente, a prestação de informação clara e tempestiva aos devedores, observância de padrões de conduta leais e respeito pelo segredo profissional, equiparado ao segredo bancário.

Para proteção dos devedores, o cessionário passa a ficar vinculado às mesmas obrigações legais que a instituição cedente, nomeadamente no que toca à legislação de proteção de consumidores. Assim, as condições contratuais e os direitos dos devedores, como o reembolso antecipado ou a renegociação de condições, permanecem inalterados, independentemente de quem detenha o crédito.

O RCGCB esclarece que a cessão não depende do consentimento do devedor no caso de empresas, mas exige notificação prévia para produzir efeitos, assegurando que o devedor seja devidamente informado da cessão.

Ao abrigo do novo regime, o Banco de Portugal passará a ter poderes para fiscalizar, emitir determinações, realizar inspeções e aplicar sanções em caso de incumprimento, que podem variar entre coimas de valor elevado, a medidas como a revogação de autorizações ou a inibição de funções. Este quadro sancionatório aplica-se a instituições, cessionários e gestores que incumpram com as regras estabelecidas.

O Decreto-Lei agora publicado também introduz um novo regime aplicável à CRC, gerida pelo Banco de Portugal.

Entre outras alterações, destaca-se o facto de as entidades participantes na CRC passarem a incluir, além das entidades atualmente definidas, os gestores de créditos, que passam assim a ter de comunicar regularmente informações sobre responsabilidades de crédito, incluindo dados financeiros e de risco.

A entrada em vigor do Decreto-Lei ocorrerá 90 dias após a sua publicação, pelo que é essencial preparar as adaptações necessárias para evitar impactos negativos na atividade e assegurar o cumprimento das novas regras de cessão e gestão dos créditos.

De salientar que, até essa data, o Banco de Portugal deverá ainda aprovar um aviso que regulamentará o RCGCB, em particular, no que respeita à autorização, registo e deveres dos gestores de crédito, e cujo projeto está na presente data em consulta pública (Consulta Pública n.º 7/2025).

O Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”) confirmou, em acórdão de 25 de junho de 2025, que uma reestruturação interna da empresa pode, por si só, justificar o despedimento por extinção do posto de trabalho ou o despedimento coletivo, mesmo que o mesmo não implique a superação de desequilíbrios económico-financeiros.

O caso teve origem no despedimento de uma trabalhadora em 2021, ao abrigo do regime de extinção do posto de trabalho. O empregador alegou dificuldades financeiras resultantes da pandemia de COVID-19, designadamente a redução de receitas e o aumento de despesas. Essa situação levou a empresa a implementar uma reestruturação interna com o objetivo de recuperar o equilíbrio económico-financeiro.

A decisão do despedimento foi confirmada pelo tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da Relação. No recurso para o STJ, a trabalhadora alegou que os motivos apresentados não eram verdadeiros ou adequados e que a decisão tinha como alvo a sua pessoa e não o posto de trabalho em si.

No acórdão, o STJ afirma que a reorganização da estrutura interna da empresa, quando assente em critérios de gestão, é suficiente para justificar o despedimento. Sublinhou ainda que não compete aos tribunais avaliar a bondade da decisão do ponto de vista da gestão empresarial, mas apenas verificar se:

  1. Os motivos apresentados são verdadeiros e consistentes;
  2. Existe um nexo direto entre esses motivos e o despedimento; e
  3. Foram cumpridos os procedimentos legais exigidos.

Assim, o tribunal esclarece que uma reestruturação interna (mesmo assente em fatores conjunturais e não estruturais) pode servir de fundamento legítimo para despedimento, desde que cumpridos os requisitos legais. Como refere o acórdão “o Tribunal deve respeitar os critérios de gestão da empresa, na medida em que sejam razoáveis e consequentes. Não compete ao Tribunal apreciar se o despedimento era a única medida possível ou se se revelou eficaz para o fim pretendido”.

O entendimento do STJ reforça que, perante uma reestruturação devidamente fundamentada e realizada nos termos da lei, o papel dos tribunais resume-se ao controlo da legalidade e da efetividade dos motivos alegados, sem entrar no mérito da decisão de gestão. Esta orientação oferece maior clareza sobre os limites da intervenção judicial e orienta tanto empregadores como trabalhadores quanto às exigências formais e materiais do despedimento por extinção de posto de trabalho ou coletivo.

Fica assim mais clara a delimitação entre a autonomia de gestão das empresas e o controlo jurisdicional, elemento essencial para a estabilidade das relações laborais.

O Governo pôs em consulta pública o diploma que visa atualizar as metas nacionais de energias renováveis e implementar mecanismos de monitorização e certificação, dando cumprimento parcial à Diretiva (UE) 2023/2413 (Diretiva das Energias Renováveis - RED III).

Entre as principais medidas do projeto legislativo destacam-se:

  • Atualização das metas nacionais: Portugal pretende alcançar 49% de energias renováveis no consumo final bruto de energia até 2030, com etapas intermédias de ≥40% em 2025 e ≥44% em 2028. A meta inclui também 5% de tecnologias inovadoras de renováveis na capacidade instalada até 2030.
  • Setor dos edifícios, indústria e aquecimento/arrefecimento: Nos edifícios, 75% da energia consumida deverá ser de origem renovável até 2030, permitindo contabilizar até 20% de calor e frio residuais. A indústria deverá aumentar a quota de renováveis em 16 pontos percentuais até 2030, com metas específicas para hidrogénio renovável de 42% até 2030 e 60% até 2035. No aquecimento e arrefecimento, as quotas mínimas estabelecem 46% em 2025 e 63% em 2029, com incentivos a bombas de calor, redes urbanas eficientes e biogás/biometano.
  • Setor dos transportes: A meta global é de 29% de renováveis até 2030, com quotas específicas para rodoviário (28%), marítimo (18%) e ferroviário não eletrificado (14%), incluindo um mínimo de biocombustíveis avançados, hidrogénio e combustíveis renováveis não biológicos.
  • Critérios de sustentabilidade: O diploma reforça as regras para biocombustíveis e biolíquidos, limitando a contribuição de culturas alimentares para produção de biocombustíveis a 3,1% e excluindo combustíveis de elevado risco de alteração indireta do uso do solo, salvo se certificados como de baixo risco.
  • Sistema de títulos: São criados títulos de biocombustível (TdB), de baixo carbono (TdC) e de eletricidade renovável (TdE), emitidos pela ENSE. O sistema prevê ainda créditos e compensações para fornecedores que não cumpram as metas.

Já há algumas reações nos media: positivas vindas sobretudo dos membros do Governo salientando o alinhamento com Compromissos Europeus e Transição Energética. Há quem veja abrir-se uma oportunidade para o sector da anergia vinda da aceleração do ritmo de incorporação de renováveis no consumo final (80% de renováveis no sistema elétrico em 2026, contra 85% em 2030). Mas também há que saliente as metas menos ambiciosas que o Compromisso Nacional: o Expresso questiona a fixação em 49% no diploma, contrastando com os 51% do PNEC 2030 aprovado pelo Governo anterior. O Observador, nota que o diploma estabelece metas para setores específicos (edifícios, indústria, aquecimento), mas sem aprofundar os mecanismos de monitorização, o que pode gerar contributos críticos durante a consulta.

Cidadãos, empresas e associações podem participar de consulta pública na plataforma ConsultaLex até dia 25 de Outubro.

Em dois acórdãos, o primeiro de 2024 e o segundo de 2025, o Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”) concluiu que a cessão de créditos à habitação a empresas não supervisionadas pelo Banco de Portugal (“BdP”) é nula.

A cessão de carteiras de créditos à habitação em incumprimento pelos bancos é uma prática habitual, mas tem levantado dúvidas na medida em que estes créditos estão sujeitos a regras especiais previstas no Decreto-Lei 74-A/2017, que transpôs a Diretiva 2014/17/EU e consagrou um conjunto de direitos que protegem o consumidor. Este diploma prevê, entre outros, o direito do consumidor “retomar” o contrato mesmo no caso de o banco ter exercido o direito de resolução.

Nos termos da lei, o direito de retomar o contrato pode ser exercido no prazo para a oposição à execução ou até à venda executiva do imóvel hipotecado, desde que o consumidor proceda ao pagamento das prestações vencidas e não pagas. Caso o consumidor exerça este direito, a eventual resolução do contrato fica sem efeito, mantendo-se o contrato de crédito em vigor nos exatos termos e condições que tinha anteriormente.

O STJ entendeu que as entidades cessionárias dos créditos - que no caso eram entidades luxemburguesas não financeiras e não sujeitas a supervisão do BdP – não podiam assegurar aqueles direitos ao consumidor. Com efeito, não sendo instituições de crédito, estas entidades não estão habilitadas a conceder crédito e, consequentemente, a retomá-lo.

Como resulta do Decreto-Lei 74-A/2017, os direitos do consumidor nele previstos são imperativos e não podem sequer ser renunciados pelos consumidores.

Por estas razões, o STJ considerou que a admissão da cessão dos créditos funcionaria como modo de “fugir” ou tornar mais difícil (impossível) o exercício daqueles direitos e concluiu que as cessões dos créditos, nestas circunstâncias, implicavam uma “fraude à lei” e, como tal, eram nulas.

Estas decisões chamam a atenção para o cuidado que as instituições de crédito devem adotar na cessão de carteiras de créditos, em particular dos créditos à habitação, mesmo quando estes se encontram em situação de incumprimento.

Por outro lado, evidenciam a importância do Decreto-Lei 103/2025 que transpõe a Diretiva 2021/2167, relativa aos gestores e adquirentes de créditos, o qual, foi publicado no dia 11 de setembro.

1. Introdução

A evolução recente dos contratos de financiamento tem levado à adoção de contratos cada vez mais complexos, em muitos casos estranhos à realidade jurídica portuguesa, donde resultam dificuldades tanto para os mutuantes como para os mutuários.

Ao longo dos últimos anos, os bancos têm vindo a impor contratos com base em modelos de origem anglo saxónica de difícil compreensão, cujas implicações jurídicas foram ainda pouco estudadas pela doutrina e cuja legalidade poderá, em alguns casos, ser questionada.

Entre outras, são hoje comuns as cláusulas de salvaguarda patrimonial, proibindo a alienação de ativos, e a concessão de garantias reais sobre bens da mutuária e obrigando à manutenção da graduação de créditos "pari passu".

No presente estudo analisamos as principais cláusulas utilizadas em contratos de empréstimo e de abertura de crédito, tomando como base a minuta padrão da MACEDO VITORINO e algumas minutas utilizadas por bancos nacionais e internacionais.

Da nossa análise resultou que, em muitos contratos, a importação de conceitos de Direito inglês é feita de forma acrítica sem analisar as reais implicações jurídicas e eventual impugnabilidade em tribunal.

Verificámos ainda que os departamentos internos de alguns bancos utilizam hoje minutas próprias adaptadas à realidade portuguesa e expurgadas de algumas das cláusulas que eventualmente seriam mais problemáticas. Em geral, nos financiamentos a empresas (corporate finance) e nos empréstimos para a aquisição de imóveis ou de outros ativos, a adaptação à lei portuguesa é melhor do que nos contratos de financiamento para a aquisição de empresas (leveraged buy-outs – "LBOs") ou de projetos (project finance).

Em alguns casos, tal resulta do facto de nestas duas áreas (project finance e LBOs) participarem normalmente bancos estrangeiros, os quais preferem manter os modelos anglo-saxónicos, abrindo poucas exceções e apenas quando os advogados os alertam para os perigos de manter minutas-padrão desadequadas. É nossa obrigação enquanto juristas dar uma versão imparcial e desinteressada das implicações que uma adaptação servil pode acarretar, ainda que isso possa causar algum desconforto a quem está habituado a fazer as coisas de determinado modo.

No presente estudo analisamos as principais cláusulas utilizadas em contratos de empréstimo e de abertura de crédito, tomando como base a minuta padrão da MACEDO VITORINO e outras minutas utilizadas por bancos nacionais e internacionais.

2. O Empréstimo

Num empréstimo bancário, o mutuante cede temporariamente determinado montante ao mutuário, o qual, por seu lado, fica obrigado à restituição do capital mutuado e ao pagamento dos juros. Como se depreende desta descrição linear, a entrega do montante pecuniário pelo mutuante ao mutuário é um elemento caracterizador do contrato de empréstimo bancário. Porém, de um ponto de vista jurídico, é mais do que isso. Na verdade, a entrega dos montantes mutuados ao mutuário por parte do mutuante, independentemente da forma física ou eletrónica por que seja processada, é um elemento constitutivo do próprio contrato. Assim, apenas após a entrega do capital mutuado, se considera celebrado o contrato de mútuo, ainda que não possa deixar de se reconhecer que o banco fica desde logo obrigado a conceder o empréstimo, independentemente da qualificação jurídica do contrato.

Por seu turno, num contrato de abertura de crédito, o banco, habitualmente designado creditante, obriga-se a abrir a favor do cliente, designado creditado, uma linha de crédito, a manter essa linha de crédito aberta durante um determinado período e a entregar os montantes acordados quando solicitado pelo cliente.

O contrato de abertura de crédito pode, portanto, ser considerado como um contrato de mútuo atípico, próximo do denominado contrato de mútuo consensual, embora se constitua com a assinatura e não com a entrega do montante mutuado.

Apesar das diferenças estruturais que os separam, o contrato de empréstimo bancário e o contrato de abertura de crédito fazem operar a transferência da propriedade sobre o capital mutuado para o mutuário, nos termos do artigo 1144 do Código Civil (C.Civ.) e, com esta, a transferência do risco (artigo 796 do C.Civ.) e do poder de disposição sobre o montante do crédito.

Tanto o empréstimo como a abertura de crédito podem ser garantidos ou não, consoante sejam ou não acompanhados da constituição de garantias pessoais ou reais.

3. A Finalidade do Empréstimo

É usual indicar no contrato a finalidade do empréstimo ou da linha de crédito, embora tal não seja uma exigência legal, atendendo a que, para o mutuante, o destino dos montantes mutuados não é alheio à decisão de contratar, uma vez que o risco que assume depende do tipo de operação que o empréstimo ou o crédito visam financiar.

A finalidade do empréstimo poderá ser relevante na análise do risco da operação, pelo que, para o mutuante, será relevante saber se o mutuário pretende utilizar os montantes mutuados para, por exemplo, adquirir bens de equipamento ou participações numa sociedade, refinanciar uma dívida já existente ou simplesmente para apoio à tesouraria, na medida em que cada uma destas finalidades poderá envolver riscos diferentes.

Por outro lado, esta cláusula pode ainda, em alguns casos, servir para comprovar o cumprimento das obrigações do banco em matéria de prevenção do branqueamento de capitais previstas na Lei 83/2017, de 18 de agosto, nomeadamente, o dever de exame.

Ao ficar contratualmente estipulado qual o escopo do financiamento, a utilização dos montantes para finalidade diversa da acordada poderá ter várias consequências, dependendo dos termos em que a cláusula tenha sido redigida. Assim, nos casos em que o mutuário se obrigue a dar determinado destino ao empréstimo, a não utilização dos montantes mutuados para a finalidade acordada será considerada um incumprimento de uma obrigação contratual, geradora de responsabilidade contratual.

Por esta razão, o mutuário deve certificar-se de que a finalidade descrita no contrato corresponde exatamente àquela que pretende dar aos fundos mutuados. Assim, se à finalidade preponderante acrescerem outras finalidades genéricas (por exemplo, finalidades de apoio à tesouraria), elas devem ser descritas no contrato, pois só assim o mutuário poderá garantir que não será posta em causa a utilização que vier a dar aos fundos.

4. Documentação e Condições Suspensivas

Em algumas operações, o mutuante exige ao mutuário, em momento prévio à celebração do contrato, a apresentação de um conjunto de documentos necessários para instruir o dossier da operação e assegurar a conformidade com todos os requisitos legais e os requisitos comerciais que resultem da avaliação interna do mutuante.

A exigência de apresentação de documentos em momento anterior ao da celebração do contrato distingue-se das condições suspensivas estipuladas no contrato. No primeiro caso estamos perante condições pré-contatuais impostas pelo mutuante para a celebração do contrato, enquanto no segundo estão em causa condições de cuja verificação depende a produção de efeitos jurídicos do contrato.

A inclusão de condições suspensivas depende em grande medida do tipo de contrato em causa. Nos contratos de mútuo, a inclusão de uma eventual condição suspensiva da entrega dos montantes mutuados suspende a eficácia do negócio no seu todo porque a entrega efetiva do capital constitui elemento constitutivo do contrato, pelo que, nesses casos, em bom rigor, não estaremos perante um contrato de mútuo, mas sim perante uma promessa de concessão do mútuo.

Em regra, é o mutuante quem toma a iniciativa de impor condições suspensivas no contrato. As condições suspensivas traduzem-se habitualmente na exigência de apresentação de certos documentos quando estes não estão disponíveis na data de assinatura do contrato ou só podem ser obtidos após a sua assinatura. Se esses documentos não forem apresentados, o contrato não será eficaz, ou, estando em causa um contrato de abertura de crédito, o crédito não poderá ser utilizado.

São exemplos de documentos habitualmente exigidos pelo mutuante e sem os quais a eficácia do contrato se mantém suspensa:

  • Cópia da certidão de registo comercial e inscrições em vigor relativas ao mutuário e garantes, ou equivalente nos países onde o mutuário ou os garantes tiverem a sua sede social;
  • Cópia da acta da reunião do conselho de administração ou gerência do mutuário na qual se deliberou aprovar a celebração do contrato;
  • Cópia das autorizações administrativas necessárias para a celebração do contrato, quando não tenham sido exigidos em momento anterior à sua celebração;
  • Em contratos internacionais, parecer jurídico sobre a validade e exequibilidade do contrato face à lei portuguesa, documento que tanto é pedido por mutuantes estrangeiros para obterem informações suplementares acerca das soluções acolhidas pelo Direito português, como por bancos nacionais, muito embora, neste último caso, tal apenas ocorra quando existam aspetos particulares na operação que o justifiquem, nomeadamente se for intenção do mutuante ceder o empréstimo a investidores internacionais;
  • Documentos comprovativos da constituição das garantias reais e/ou pessoais das obrigações do mutuário que tiverem sido exigidas, especialmente quando contrato de constituição de garantias ou o registo seja posterior à assinatura do contrato de mútuo; e
  • Por último, apenas para os contratos de abertura de crédito e relativamente a cada utilização, o pedido de utilização.

Como se disse acima, a apresentação de documentação em momento anterior à assinatura não deve ser confundida com as típicas condições suspensivas (em sentido próprio), que condicionam a produção de efeitos do negócio a um acontecimento futuro incerto ou certo, consoante o caso (artigo 270 do C.Civ.).

Ora, ainda que a entrega dos documentos acima referidos possa ser incluída como condição suspensiva da eficácia do contrato, a sua apresentação é, na maioria dos casos, uma condição de negociação que deve verificar-se aquando da assinatura do contrato pelo que não chega a suspender a eficácia do contrato, mas pode impedir a sua celebração pois fica a faltar-lhe um elemento essencial para que o mutuante se considere vinculado. A não apresentação destes documentos no momento da assinatura pode impedir que o mutuante dê a sua aceitação ao contrato.

Pode suceder, porém, que o mutuante e o mutuário assinem o contrato preenchendo todos os requisitos legais necessários para se vincularem. Nesses casos, de duas uma, ou o contrato não se considera celebrado, retendo o mutuante ou os seus advogados (como fiduciários) os originais assinados pelo mutuante enquanto o mutuário não apresentar os elementos em falta ou o contrato é apenas ineficaz. No primeiro caso, o mutuante não se vincula até que os documentos em falta sejam apresentados, sendo então entregue ao mutuário o contrato anteriormente assinado. Se não forem, o contrato será destruído e considera-se que não chegou a haver contrato. No segundo, o mutuante autoriza a entrega do contrato ao mutuário do contrato, vinculando imediatamente as partes, mas enquanto as condições não se verificarem fica suspensa a obrigação do mutuante de entregar o montante mutuado.

Precisamente por nos contratos de mútuo a disponibilização do capital mutuado ser um elemento essencial, qualquer condição que atrase a sua disponibilização suspende a transação na sua totalidade. Nestes casos, o contrato opera, como se disse acima, como uma promessa de conceder o crédito sujeito a determinadas condições. Tratando-se de um contrato de abertura de crédito, as condições suspensivas podem, consoante a formulação que lhes for dada, suspender a abertura da linha de crédito ou apenas a sua utilização, impedindo o mutuário de utilizar o crédito antes da sua verificação em ambos os casos.

De igual forma, podem estipular-se requisitos para a utilização dos montantes emprestados, nomeadamente quanto ao prazo e modo de disponibilização dos montantes mutados (por exemplo, se a disponibilização será feita através de crédito em conta, cheque ou outro meio).

5. Juros

5.1. JUROS REMUNERATÓRIOS

Os juros constituem a forma de remuneração típica do empréstimo cuja taxa é fixada como uma percentagem do capital mutuado.

O Decreto-Lei 58/2013, de 8 de maio, regula vários aspetos referentes às taxas de juro bancário, designadamente a classificação e contagem do prazo das operações de crédito, aos juros remuneratórios, à capitalização de juros e à mora do devedor.

Nos empréstimos bancários, as taxas de juro bancário são livremente estipuladas pelas partes, sendo competência do Banco de Portugal regular a atividade e atuação dos bancos a operar no território nacional nos termos da respetiva lei orgânica aprovada pela Lei 5/98 de 31 de janeiro, que lhe atribui funções de supervisão dos bancos e instituições financeiras, podendo emitir "diretivas para a sua atuação". Deste modo, não se aplicam os limites máximos fixados pelo Código Civil, ao contrário do que sucede com as taxas de juro civis e as mercantis.

Contudo, a liberdade de fixação das taxas de juro no âmbito de operações bancárias não afasta a proibição da celebração de negócios usurários nem a proibição do anatocismo.

Assim, de acordo com o artigo 282 do C.Civ., os juros bancários não podem ser fixados de forma a propiciar o aproveitamento, por parte do mutuante, de uma eventual situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter do mutuário, obtendo, dessa forma, benefícios excessivos ou injustificados.

Atendendo a que a atividade bancária e o acesso ao crédito são livres, considera-se que a taxa de juro acordada, ainda que alta, reflete o risco que aquele mutuário e a finalidade do seu crédito representam para o mutuante. Daí que seja não seja de esperar que os juros cobrados por uma instituição bancária possam ser usurários, por se pressupor que o mutuário ao celebrar um empréstimo a uma determinada taxa de juro, considerou ter sido essa a taxa de juro mais vantajosa de entre as oferecidas no mercado bancário para aquele empréstimo, nas condições e com as garantias que está disposto a oferecer.

Quanto ao anatocismo, embora exista uma proibição legal de cobrança de juros sobre juros, a lei permite a capitalização de juros desde que estejam preenchidos os requisitos fixados pelo artigo 560 do C.Civ, a saber:

  • A existência de convenção posterior ao vencimento de juros ou de notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros em alternativa ao seu pagamento, só podendo ser capitalizados juros correspondentes ao período mínimo de um ano (artigo 560/1 e 2 do C.Civ.); e
  • O recurso à capitalização de juros seja permitido por regras ou usos particulares do comércio (artigo 560/3 do C.Civ.).

A lei permite ainda a capitalização de juros correspondentes a períodos iguais ou superiores a três meses conforme resulta a contrario do disposto no artigo 7/4 do Decreto-Lei 58/2013, de 8 de maio. Desta forma, parece-nos que o legislador reconheceu o uso bancário da capitalização dos juros praticado pelos bancos, tendo aceitado a sua aplicação a juros correspondente a períodos iguais ou superiores a três meses.

Outro dos aspetos relacionados com os juros remuneratórios que merece atenção aquando da negociação de contratos de financiamento é a definição da taxa de juro a que o capital ficará sujeito.

As partes podem estipular uma taxa de juros fixa ou uma taxa variável indexada a uma taxa de referência periodicamente fixada ao longo da vigência do contrato. Em regra, os contratos celebrados entre instituições nacionais e as operações denominadas em euros utilizam como taxa de referência a "Euribor", que é a taxa patrocinada pelo Instituto Europeu de Mercados Monetários (European Money Markets Institute) em associação com a ACI Financial Markets Association.

O valor da "Euribor" é calculado através da média aritmética das taxas diárias praticadas por vinte e uma entidades financeiras com um grande volume de negócios nos empréstimos de curto prazo entre si. A "Euribor" pretende, assim, refletir o custo potencial que o banco mutuante teria se obtivesse um empréstimo junto do mercado interbancário. A "Euribor" representa, portanto, um custo potencial e não um custo real, o qual será inferior ou superior consoante o real custo dos fundos a que o banco tenha acesso. A indexação da taxa de juro visa, pois, assegurar que o banco, ainda que tenha de recorrer a fundos do mercado interbancário, terá uma taxa de rendibilidade do empréstimo favorável.

A "Euribor" é fixada por referência a um período de um, três ou seis meses ou de um ano, correspondendo à taxa fixa que o mercado interbancário cobraria para um empréstimo dessa duração. Os períodos de contagem dos juros acompanham a duração do período fixado para a taxa indexante. Na fixação do período de referência interessa ao mutuário atender à previsibilidade de modificação da taxa. No entanto, a oscilação da taxa de juro nem sempre é fácil de prever, sobretudo quando estão em causa contratos de empréstimo com duração superior a um ano.

A taxa que normalmente é estipulada nos contratos de financiamento resulta da soma da taxa de referência (de que a "Euribor" é um exemplo) acrescida de uma margem que inclui a remuneração do banco para além do financiamento no mercado interbancário.

O facto de o indexante usado na determinação da taxa de juro poder ser inferior a 0%, poderia implicar que a taxa de juro seria negativa e que o mutuário ficaria isento da obrigação de pagar juros. No entanto, não se pode impor aos bancos a obrigação de efetuar quaisquer pagamentos, pois tal é contrário ao conceito legal de empréstimo. Com efeito, um empréstimo comercial, do qual um empréstimo bancário é uma subespécie, é oneroso de acordo com o artigo 395 do Código Comercial.

A taxa de juro é influenciada, de igual forma, pelo "consumo de capital", ou seja, pelo montante de capital que o banco deve reservar para salvaguarda de requisitos prudenciais que resultam do Regulamento 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013 e pela Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, também de 26 de junho de 2013, que implementaram as diretrizes de Basileia III.

5.2. JUROS MORATÓRIOS

Em caso de mora no cumprimento, o mutuário ficará obrigado a pagar juros de mora que são normalmente fixados pelo banco através da soma de determinada percentagem à taxa de juro.

O Decreto-Lei 58/2013 proíbe as cláusulas penais moratórias, ou seja, o pagamento de montantes fixos a título de cláusula penal, permitindo a cobrança de juros moratórios com o limite máximo anual de 3% sobre a taxa de juro remuneratório, considerando-se automaticamente reduzida se exceder esse limite.

O Decreto-Lei 58/2013 proíbe também a capitalização dos juros moratórios, exceto nos casos em que seja expressamente acordada pelas partes em acordos de reestruturação ou de consolidação de créditos.

6. Reembolso e Reembolso Antecipado

6.1. OBJETO E FUNÇÃO DA CLÁUSULA DE REEMBOLSO

A cláusula de reembolso descreve o processo de devolução do empréstimo ao mutuante. O reembolso consiste na amortização do capital pelo mutuário, a qual pode ocorrer no termo do contrato numa única prestação, que se designa como "bullet", ou em prestações periódicas ao longo da vigência do contrato.

O contrato pode obrigar ou permitir o reembolso antecipado de todo ou de parte do empréstimo quando se verifiquem determinadas condições.

Quando o reembolso antecipado voluntário é permitido, o mutuário pode reembolsar o empréstimo antes da data de vencimento mediante comunicação prévia ao mutuante que cumpra as formalidades e os prazos de notificação previstos no contrato. Em regra, o montante do reembolso antecipado deve ser igual ao montante mínimo indicado no contrato ou um múltiplo desse valor. Em alguns casos, o reembolso antecipado voluntário pode implicar o pagamento de uma comissão e eventualmente "break costs", que visam compensar o mutuante por eventuais custos e/ou perda de benefícios futuros, nomeadamente, a expetativa de obter uma determinada rentabilidade.

O contrato pode impor o reembolso obrigatório quando se verificam determinadas condições, nomeadamente em caso de venda dos ativos financiados com o mútuo ou que serviam de garantia ao empréstimo.

6.2. REGIME JURÍDICO

O prazo para o reembolso presume-se estipulado a favor de ambas as partes, conforme disposto no artigo 1147 do C.Civ.. Daqui resulta que o mutuário só está obrigado a amortizar o capital nas datas previstas no contrato e ainda que o eventual reembolso antecipado pelo mutuário obriga ao pagamento dos juros por inteiro, salvo se as partes estipularem a possibilidade de reembolso antecipado sem a obrigação de pagar a totalidade dos juros vincendos.

Para evitar o pagamento dos juros vincendos, convém ao mutuário incluir uma cláusula que lhe permita reembolsar antecipadamente o empréstimo sem pagamento de comissões ou juros vincendos. Se nada for dito aplica-se o artigo 1147 do C.Civ. pelo que o mutuário só poderá reembolsar o empréstimo se pagar os juros vincendos.

Por seu turno, ao mutuante interessa manter o empréstimo em vigor, evitando a estipulação de cláusula que permita o reembolso antecipado de modo a garantir que continuará a auferir a sua remuneração ou que receberá os juros vincendos. Contudo, na prática, os bancos e outros mutuantes tendem a abdicar deste direito por ser igualmente do seu interesse aplicar o capital liberto do empréstimo em outros financiamentos, principalmente quando receberam à cabeça parte da remuneração do financiamento, nomeadamente através das comissões de organização e estruturação.

O prazo de vencimento médio das operações financeiras é geralmente inferior ao prazo contratado.

7. Declarações e Garantias

A cláusula das declarações e garantias tem a sua origem nas "representations and warranties" do Direito inglês, sendo as primeiras meras declarações relativas aos pressupostos do negócio e as segundas verdadeiras obrigações do mutuário.

No direito português, as declarações e garantias do mutuário apenas representam os pressupostos com base nos quais o banco aceitou fazer o financiamento, nomeadamente o objeto do contrato, a pessoa do mutuário e as circunstâncias que serviram de base ao negócio, pelo que, sempre que não correspondam à verdade, a lei permite ao mutuante anular o contrato ao abrigo do regime do erro sobre a pessoa, o objeto ou as bases do negócio ou do regime do erro com dolo, bem como, cumpridos que estejam os requisitos legais, responsabilizar o mutuário pelos danos sofridos a título de responsabilidade pré-contratual (artigo 227 do C.Civ.), podendo o contrato estipular a possibilidade de o banco exigir o reembolso do empréstimo.

As "garantias" da cláusula de declarações e garantias pretendem reforçar o valor das afirmações do mutuário, não constituindo obrigações em sentido próprio, nem se confundindo com as garantias das obrigações, pessoais e reais, previstas na lei.

O elenco das declarações e garantias varia em função do tipo de operação, das garantias (em sentido próprio) que existam, mas também do poder negocial das partes. Em qualquer caso, é comum o mutuário declarar que:

  • Tem capacidade para contrair o empréstimo e cumprir as obrigações nele previstas;
  • As obrigações por si assumidas no contrato são válidas e não violam nem incumprem obrigações legais ou contratuais;
  • Praticou os atos e obteve as autorizações necessárias à celebração e ao cumprimento do contrato;
  • Não necessita de obter o consentimento, a aprovação ou a autorização de terceiros para cumprir as obrigações decorrentes do contrato; e
  • Não está pendente ou em vias de ser instaurada contra si qualquer ação, processo de arbitragem ou procedimento perante qualquer tribunal, ou outra entidade pública, que possa dar origem a uma consequência desfavorável para o mutuante.

A declaração do mutuário relativamente à capacidade para celebrar o contrato de financiamento e executar as suas obrigações assume particular importância quando existam restrições específicas à capacidade do mutuário, independentemente da sua capacidade genérica. É o que sucede, nomeadamente, quando o mutuário não é uma sociedade comercial ou quando, havendo dois mutuários que são sociedades comerciais, um deles presta garantias a favor de um outro. Com efeito, de acordo com o artigo 6/3 do Código das Sociedades Comerciais ("CSC"), as sociedades comerciais só têm capacidade para prestar garantias a dívidas de outras entidades se existir justificado interesse próprio nisso ou se a sociedade garantida estiver em relação de domínio ou de grupo com a que presta a garantia.

De acordo com o disposto no artigo 251 do C.Civ, o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objeto do negócio, torna este anulável. Trata-se da hipótese de erro-motivo ou erro-vício, em que se não fosse o erro, a pessoa não teria pretendido realizar o negócio, pelo menos nos termos em que o efetuou.

Deste modo, o facto de o mutuário não ter capacidade para celebrar o contrato afetará a sua validade, motivando a sua anulabilidade, se a capacidade do mutuário for considerada motivo determinante e essencial para a tomada da decisão de contratar por parte do mutuante.

A declaração do mutuário quanto à validade das obrigações que assumiu perante o mutuante tem por objetivo assegurar que essas obrigações se encontram em conformidade com as normas legais aplicáveis. Esta declaração assume especial relevância nos contratos de financiamento internacionais, permitindo ao mutuante estrangeiro certificar-se de que o contrato está de acordo com o Direito português. Ao invés, quando as partes forem portuguesas e o contrato estiver sujeito ao Direito português, essa declaração é praticamente inútil, podendo mesmo ser contraproducente ou enfraquecer a vinculatividade das outras declarações, na medida em que não impede que cláusulas incluídas no contrato, que violem disposições legais, sejam anuladas ou declaradas nulas.

Regra geral, ao ser incluída num contrato de financiamento, esta declaração poderá ser interpretada como expressão de um pressuposto fundamental da formação da decisão de contratar pelas partes. Se assim for, verificando-se a invalidade de uma disposição contratual, a existência desta declaração e da sua essencialidade impedirá a redução do contrato, nos termos do artigo 292 do C.Civ.

Por outro lado, ao exigir do mutuário uma declaração de conformidade das transações previstas no contrato com outras obrigações contratuais que tenha assumido anteriormente, o mutuante pretende assegurar-se de que as cláusulas do contrato de financiamento não violam disposições de outro contrato que proíba o mutuário de recorrer ao crédito. O que está em causa não é a celebração do contrato de financiamento, mas sim o cumprimento das obrigações nele contidas, especialmente se aquele outro contrato tiver sido celebrado com um grande cliente ou fornecedor, situação que poderá fazer com que as receitas do mutuário não sejam as esperadas e conduzir, em última instância, à sua insolvência.

Interessa também ao mutuante que o mutuário declare que praticou os atos e obteve as autorizações necessárias à celebração e ao cumprimento do contrato. Desta forma, o mutuante assegura-se de que o mutuário atuou em conformidade com a lei, praticando todos os atos legalmente exigíveis para a celebração e, consequentemente, que os sócios do mutuário não poderão vir a opor-se em momento posterior à celebração ou à execução do contrato de financiamento.

Outra das declarações habitualmente exigidas ao mutuário é a que se refere à desnecessidade de quaisquer autorizações de terceiros para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato. A razão desta exigência é a importância que reveste para o mutuante o facto de o cumprimento do contrato não estar, nem poder vir a ficar, dependente da atuação de um terceiro.

Por fim, através da declaração prestada pelo mutuário em como não está pendente ou em vias de ser instaurada contra si qualquer ação, processo de arbitragem ou procedimento perante qualquer tribunal, ou outra entidade pública, o mutuante tem como objetivo obter garantias quanto à estabilidade da situação económica e financeira do mutuário.

Todavia, o mutuário poderá não concordar com uma declaração tão ampla, uma vez que lhe é difícil, senão mesmo impossível, garantir que no futuro não venham a ocorrer litígios, os quais podem vir a constituir uma causa de vencimento antecipado ou de resolução do contrato. Em alternativa, poderá propor-se declarar que, à data em que foi proferida a declaração, não existem quaisquer litígios envolvendo o mutuário acima de determinado de valor. Adicionalmente, interessa-lhe que a declaração seja limitada ao seu conhecimento sobre a questão, pelo que preferirá declarar que, tanto quanto é do seu conhecimento, nenhuma ação lhe foi movida (ou está na iminência de vir a ser).

Quanto à interpretação a dar à expressão "consequência desfavorável para o mutuante", o mutuário tentará que sejam excluídos os litígios que não afetem o contrato de financiamento ou a sua capacidade para o cumprir.

As declarações e garantias do mutuário referem-se unicamente à situação existente no momento em que são proferidas, pelo que, por seu intermédio, o mutuário não se obriga para o futuro perante o mutuante. Se o mutuante pretende que o mutuário garanta determinada afirmação para o futuro, ou que reitere determinada declaração que fez, então já não se estará perante uma declaração que serviu como base para a formação da decisão de contratar, mas sim perante uma obrigação do mutuário. A reiteração das declarações e a garantia da continuidade da sua veracidade além da data em que foram prestadas implicam, por isso, a vinculação do mutuário a uma obrigação de objeto idêntico ao da declaração, exigindo-se o seu cumprimento em determinadas datas ou durante a vigência do contrato.

As declarações prestadas pelo mutuário refletem, pois, apenas os pressupostos nos quais o banco aceitou conceder o financiamento. Se alguma das declarações que tenha sido essencial para a formação da vontade de contratar não for verdadeira o contrato poderá ser anulado por erro, ficando as partes obrigadas a restituir tudo o que tiverem prestado até esse momento. Se o erro for doloso, o mutuário será ainda responsável perante o mutuante, podendo ter de o indemnizar de forma a colocá-lo na situação em que este estaria se o contrato tivesse efetivamente sido cumprido (indemnização pelo interesse contratual positivo), o que, no caso, significa que o mutuário terá de indemnizar o banco pelos lucros cessantes.

Se não houver dolo, o mutuário terá apenas de indemnizar o mutuante de forma a colocá-lo na situação em que este se encontraria se o negócio não tivesse sido concluído (interesse contratual negativo), pelo que apenas terá de restituir o que recebeu, podendo, eventualmente, ter ainda de compensar o custo do financiamento em que o banco incorreu, mas não terá a obrigação de indemnizar o banco pelos lucros cessantes.

No caso específico dos contratos de abertura de crédito, as declarações devem ser reiteradas aquando dos pedidos de utilização do crédito. Com efeito, constituindo essas declarações a base do negócio, faz sentido que o banco não queira manter aberto o crédito se, nesses momentos, as declarações não puderem ser reiteradas por terem deixado de ser verdadeiras.

8. Obrigações acessórias

8.1. ASPETOS GERAIS

Acessoriamente às obrigações de reembolso e de pagamento de juros, o mutuante pode impor ao mutuário determinadas obrigações destinadas a assegurar a sua solvabilidade futura, bem como a abstenção, durante a vigência do contrato, da prática de actos suscetíveis de diminuir, colocar em perigo ou por qualquer outra forma prejudicar as garantias prestadas ou onerar o seu património, nomeadamente através da constituição de obrigações novas que fiquem graduadas acima do crédito do mutuante.

A função primordial destas obrigações acessórias é, portanto, assegurar que o risco do crédito e, com ele, a possibilidade de incumprimento futuro do mutuário, não aumente ao longo da vigência do contrato, dotando o mutuante dos meios necessários para atuar atempadamente caso tal facto venha a verificar-se.

Nos contratos de financiamento, as obrigações acessórias surgem funcionalmente subordinadas a outras obrigações, constituindo um conjunto de cláusulas de salvaguarda às quais o mutuário está adstrito ao longo de toda a vigência do contrato.

8.2. CLÁUSULAS DE GARANTIA PATRIMONIAL

8.2.1. PRESTAÇÕES DE FACTO NEGATIVO

As obrigações de prestação de facto negativo têm a sua origem na cláusula de Direito inglês denominada "negative pledge", pela qual o mutuário se obriga a não alienar ou onerar a totalidade ou parte substancial do seu património, a não onerar os bens dados em garantia (no caso de o crédito estar garantido), bem como a não praticar ou consentir que sejam praticados atos que possam diminuir, colocar em perigo ou prejudicar as garantias do banco.

Ao assegurar que nem a garantia patrimonial geral, nem as garantias especiais, quando existam, sejam reduzidas em consequência da alienação ou oneração do património do mutuário, esta cláusula garante ao mutuante a prevalência da sua posição em relação à posição de outros credores do mutuário ou, pelo menos, que os seus créditos serão graduados como créditos comuns em igualdade com os créditos dos demais credores.

Do ponto de vista do mutuário, esta cláusula poderá comprometer o normal desenvolvimento da sua atividade ao implicar a proibição de oneração ou alienação de ativos ou ainda a concessão de garantias. Se for esse o caso, o mutuário deverá propor a limitação desta proibição a determinados montantes, anual ou individualmente considerados – por exemplo, uma determinada percentagem do seu capital próprio – e a restrição do âmbito de aplicação desta e de outras limitações incluídas nesta cláusula, deixando de fora, por exemplo, a empresa mãe ou empresas suas filiais, caso existam.

As limitações sobre a alienação ou a oneração do património do devedor têm um âmbito diferente, consoante o mutuário tenha ou não prestado garantias ao mutuante. Assim, se o mutuário não tiver prestado garantias ao mutuante, as limitações sobre a alienação ou oneração do seu património têm como objeto qualquer garantia, dado que, em princípio, de acordo com o disposto no artigo 604 do C.Civ., os créditos garantidos por uma garantia real prevalecem sobre os créditos garantidos pelo património geral do devedor, que constitui a garantia geral do cumprimento das suas obrigações (artigo 601 do C.Civ.). Em princípio, este tipo de cláusulas serão válidas, tendo apenas como limites o abuso de direito (artigo 334 do C.Civ.) e as regras do negócio usurário (artigo 282 do C.Civ.).

Porém, se o mutuário tiver prestado uma garantia real a favor do mutuante, aplicar-se-ão determinadas restrições legais à alienação ou oneração dos bens dados em garantia. Assim, quando o crédito se encontre garantido por uma hipoteca, este tipo de cláusula não será admissível já que, como resulta do disposto no artigo 695 do C.Civ., a convenção que proíba o respetivo dono de alienar ou onerar os bens hipotecados é nula. Por outro lado, atendendo à regra da prioridade do registo, estando em confronto duas hipotecas, prevalecerá aquela que, de entre as duas, tiver sido previamente registada, pelo que este tipo de cláusula será de pouca utilidade dado que o registo da hipoteca assegurará ao mutuante a prioridade em relação a futuros credores hipotecários.

Por sua vez, estando o crédito garantido por penhor, pode sustentar-se que não será legalmente possível proibir a alienação ou a oneração dos bens empenhados, tendo em conta a remissão expressa do artigo 678 para o artigo 695 do C.Civ..

No entanto, na maior parte das situações, esta limitação não terá qualquer efeito prático a não ser no caso de penhor de direitos e do penhor comercial de bens sujeitos a registo – as únicas situações em que é concebível a sujeição da coisa empenhada a segundo penhor sem o consentimento do primeiro credor pignoratício.

Com efeito, quer no caso do penhor civil e penhor financeiro, que pressupõem a tradição da coisa empenhada para a posse do credor pignoratício, quer no do penhor bancário em que os bens empenhados ficam na disposição do credor pignoratício, caso em que o autor do penhor não poderá alienar ou onerar esses valores sem o consentimento do credor pignoratício, não se compreende de que forma pode ser alienada ou novamente onerada a coisa empenhada e, por essa via, qual o efeito útil da proibição da limitação da sua alienação ou oneração por parte do respetivo proprietário.

Não obstante, o mutuante poderá obter o mesmo efeito prático se estipular que o crédito se vencerá automaticamente, ao abrigo do disposto no artigo 695 do C.Civ., caso esses bens sejam alienados ou onerados.

8.2.2. PARI PASSU

Com a estipulação da cláusula de "pari passu", também ela oriunda de contratos de Direito inglês, o mutuário obriga-se a não constituir novas obrigações que fiquem graduadas acima das obrigações resultantes do contrato, evitando-se, dessa forma, que o mutuário venha a contrair novas obrigações garantidas por garantia real.

O mutuante garante que o seu crédito se manterá graduado acima ou pelo menos em paridade com outros créditos que eventualmente o mutuário venha a constituir ao longo da vigência do contrato.

O mutuário terá, no entanto, interesse em ressalvar a possibilidade de constituir garantias que resultem do normal desenvolvimento da sua atividade, bem como a constituição de garantias reais sobre bens que, não existindo à data da celebração do contrato de financiamento, venha a adquirir para o prosseguimento da sua atividade ou para o aumento da produção.

A cláusula de "pari passu" é genericamente admissível no Direito português desde que se limite a assegurar a manutenção da garantia patrimonial geral do mutuante face à posição de outros credores do devedor.

8.2.3. OBRIGAÇÕES FINANCEIRAS

A estipulação de obrigações financeiras visa garantir a manutenção da situação patrimonial do mutuário, designadamente através da subsistência de um determinado rácio de solvabilidade determinado a partir da relação entre a dívida do mutuário e uma certa percentagem dos seus capitais próprios. O montante de capitais próprios que servirá de referência para a fixação dos limiares de solvabilidade tanto pode corresponder ao montante existente à data da celebração do empréstimo, como poderá resultar de compromissos assumidos pelos sócios do mutuário quanto à realização de prestações acessórias ou suplementares ou de novas entradas de capital.

Na negociação deste tipo de cláusulas, o mutuante procurará impor rácios, limites ao endividamento e outras regras que garantam a manutenção do perfil de risco da operação, mas o mutuário procurará salvaguardar que o cumprimento destas obrigações não prejudicará o desenvolvimento normal da sua atividade.

8.2.4. OBRIGAÇÕES DE INFORMAÇÃO

Nos contratos de financiamento, é comum o mutuário obrigar-se a informar o mutuante sobre o desenvolvimento da sua atividade e dos seus negócios durante toda a vigência do contrato.

Do ponto de vista do mutuante, as obrigações de informação permitem-lhe confirmar e controlar o efetivo cumprimento das obrigações assumidas pelo mutuário no contrato. É por causa da utilidade potencial que a prestação de informações pelo mutuário pode vir a assumir que o banco procurará que o mutuário fique obrigado à prestação do maior número de informações possível, quer a propósito das circunstâncias determinantes para a decisão de contratar do banco, quer da verificação do cumprimento das obrigações assumidas no contrato.

Por sua vez, o mutuário procurará limitar o âmbito desta obrigação ao relatório e contas e às informações que realmente disponha e que não impliquem juízos sobre a condução dos seus negócios, procurando, ainda, que a informação a cuja transmissão fique vinculado seja objetiva.

9. Causas de Resolução

9.1. CAUSAS SUBJETIVAS DE RESOLUÇÃO

Como é consabido, para além das causas de resolução previstas na lei, as partes são livres de estipular outras situações em que o contrato poderá ser resolvido (cf. artigo 432/1 do C.Civ.).

As causas de resolução podem ser subjetivas ou objetivas. As primeiras resultam do incumprimento de obrigações previstas no contrato. As segundas não estão dependentes da violação de obrigações, mas sim da ocorrência de determinados factos que permitem a uma das partes o exercício do direito de resolução.

Como qualquer outro contrato, os contratos de empréstimo e de abertura de crédito consideram-se cumpridos quando as obrigações assumidas pelas partes são pontual e integralmente cumpridas. O contrato diz-se incumprido quando o devedor não cumpre, no prazo estipulado, alguma das obrigações principais ou acessórias do contrato, causando dessa forma a perda de interesse do credor na manutenção do contrato (ainda que o interesse na prestação incumprida permaneça).

O incumprimento das obrigações principais, isto é, da obrigação de reembolso e de pagamento dos juros, confere ao mutuante a possibilidade de resolver imediatamente o contrato. Por sua vez, os efeitos do incumprimento de obrigações acessórias, desde que esse incumprimento não afete o cumprimento de uma obrigação principal, encontram-se dependentes do que for estipulado pelas partes. Quanto a este aspeto, as partes tanto podem prever que o incumprimento destas obrigações conduz à resolução automática do contrato, como estipular um prazo de interpelação para que o mutuário as cumpra, findo o qual, caso a obrigação ainda não seja cumprida, o credor poderá resolver o contrato.

Contudo, pode questionar-se em que medida uma cláusula que estabeleça resolução automática do contrato com base no incumprimento de obrigações acessórias poderá ser considerada abusiva, ao não prever a necessidade de interpelação do devedor. O eventual carácter abusivo de uma cláusula deste tipo apenas poderá ser avaliado casuisticamente atendendo ao grau de autonomia da obrigação acessória em relação à obrigação principal e à suscetibilidade do cumprimento da obrigação principal ser afetada pelo incumprimento das obrigações acessórias.

Salvo estipulação em contrário, o simples atraso no cumprimento de uma obrigação para a qual foi estipulado prazo coloca o devedor numa situação de mora – que apenas confere ao credor o direito de reparação pelos prejuízos dela decorrentes – não permitindo, regra geral, ao credor resolver o contrato, a menos que haja séria e inequívoca impossibilidade de cumprimento por parte do mutuário ou que o mutuante perca o interesse na prestação.

Nestas situações, o credor poderá converter a mora em incumprimento definitivo através da fixação no contrato de um prazo adicional para o cumprimento das obrigações findo o qual o mutuante poderá declarar o vencimento antecipado ou resolver o contrato. Se, decorrido esse prazo, a situação de incumprimento se mantiver, o mutuário passará a ser considerado como estando em incumprimento definitivo.

9.2. CAUSAS OBJETIVAS DE RESOLUÇÃO

São normalmente causas objetivas de resolução as seguintes:

  • A fusão, cisão ou dissolução do mutuário;
  • A alteração no controlo acionista do mutuário;
  • A cessação, suspensão ou interrupção, por qualquer forma, das atividades do mutuário;
  • O desenvolvimento de atividades fora do objeto social do mutuário; e
  • A ocorrência de qualquer situação que constitua ou possa constituir uma diminuição das garantias de solvabilidade do mutuário ou ponha em risco o cumprimento de qualquer das obrigações.

A possibilidade de fusão, cisão, transformação ou dissolução do mutuário pode constituir um risco sério para o mutuante e para o seu crédito, sendo, por isso, considerada como uma situação suficiente para motivar a resolução de um contrato de financiamento.

Assim, uma eventual cisão do mutuário reduzirá, em princípio, o património do mutuário e, consequentemente, a garantia geral do cumprimento das obrigações do mutuário. Por seu turno, a fusão do mutuário com outra sociedade, embora possa conduzir a um aumento do património do mutuário (e, em consequência, da garantia do mutuante), poderá eventualmente trazer consigo um aumento do passivo e da oneração do património.

A alteração no controlo acionista do mutuário pode implicar uma diminuição das garantias decorrentes do contrato para o mutuante, sobretudo quando o anterior acionista maioritário tiver sido essencial para a formação da decisão de contratar do mutuante, seja por força de uma eventual relação de confiança que existisse entre eles, seja porque esse acionista, por exemplo, se tivesse comprometido a realizar prestações de capital a favor do mutuário. A ser incluída no contrato, esta causa objetiva de resolução deverá ser o mais completa e descritiva possível de forma a identificar quais as alterações no controlo acionista que poderão justificar a resolução.

A cessação, suspensão ou interrupção das atividades do mutuário deverão colocar em causa o cumprimento das obrigações de pagamento do mutuário, exceto quando a suspensão ou interrupção seja temporária. Neste sentido, o mutuário poderá negociar os períodos em que esta a suspensão ou interrupção serão relevantes.

O desenvolvimento de atividades pelo mutuário fora do objeto social poderá implicar uma diminuição do seu património, e, consequentemente, da garantia geral de que o mutuante goza a seu favor. Neste caso, ao mutuário restará negociar para que fique contratualmente ressalvado o desenvolvimento de atividades que, embora estejam fora do seu objeto social, não impliquem uma alteração no risco assumido pelo mutuante.

Por seu turno, no rol das situações que constituem ou podem vir a constituir uma diminuição das garantias de solvabilidade do mutuário ou que põem em risco o cumprimento de qualquer das obrigações por parte do mutuário encontra-se, por exemplo, a penhora de bens ou rendimentos do mutuário ou a alteração da estrutura acionista do mutuário.

É comum ainda os bancos imporem como causa de resolução ou vencimento antecipado a verificação de situações, que no seu entender, indiciem que o mutuário não terá capacidade para cumprir as suas obrigações.

10. Vencimento Antecipado

Perante o incumprimento de uma prestação das várias em que normalmente está dividido o cumprimento das obrigações de capital e juros, ou a verificação de uma das causas objetivas de resolução previstas no contrato, o mutuante pode considerar imediatamente vencido o crédito e, dessa forma, exigir ao mutuário o pagamento do montante total que estiver em dívida. O vencimento antecipado constitui, assim, um meio alternativo à resolução do contrato, conferindo ao mutuário o direito de exigir imediatamente o pagamento dos montantes devidos ao abrigo do contrato.

O recurso ao vencimento antecipado tanto pode ter por base o incumprimento da obrigação pelo mutuário (situação prevista no artigo 781 do C.Civ.), como todo um conjunto de circunstâncias objetivas que indiciem que o mutuário não poderá cumprir a prestação. Esta última possibilidade encontra fundamento no princípio geral da liberdade contratual e, em particular, no artigo 780 do C.Civ., o qual prevê que o credor possa exigir o cumprimento imediato da obrigação se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido declarada judicialmente (isto é, que haja indícios de insolvência e, portanto, um risco de incumprimento).

Normalmente, será preferível para o mutuante optar pelo vencimento antecipado em vez de resolver o contrato. Na verdade, embora ambos os mecanismos conduzam à restituição do montante mutuado, o vencimento antecipado ainda permite o cumprimento. A opção pelo vencimento antecipado permite que todas as obrigações do devedor continuem em vigor, ao passo que a resolução, com a eficácia retroativa que lhe é atribuída por lei (artigo 434 do C.Civ.), extinguiria todas as obrigações do devedor.

Isto permite que, verificando-se uma causa objetiva de resolução, a opção pelo vencimento antecipado possa conduzir a situações de incumprimento do contrato por parte do mutuário e a uma causa subjetiva de resolução do contrato, bastando para isso que o mutuário não cumpra a obrigação de pagamento dos montantes vencidos. Ou seja, através do vencimento antecipado, converteu-se uma causa objetiva de resolução (mais facilmente atacável, através da arguição do carácter abusivo da causa de resolução, ou da amplitude da sua previsão e, consequentemente, da inexistência de factos que obstem ao cumprimento) levará a uma situação de incumprimento mais difícil de rebater em juízo.

11. Comissões e Outras Despesas

Em regra, nas operações de financiamento o banco organizador é remunerado através de uma comissão de organização e montagem da operação que corresponde a uma determinada percentagem do montante mutuado ou da linha de crédito, à qual poderão acrescer os juros no caso de também desempenhar as funções de mutuante. Por seu turno, o banco "agente", com funções de representação do sindicato bancário perante o mutuário e de coordenação dos atos, notificações e comunicações necessárias ao pontual cumprimento do contrato, também receberá, em regra, uma remuneração.

Além do pagamento da remuneração dos bancos, o mutuário poderá ainda incorrer noutros custos e despesas, como sejam, por exemplo, o pagamento dos emolumentos, dos registos e dos impostos que incidam sobre o contrato de financiamento (designadamente, do imposto de selo).

Por último, é prática bancária a repercussão nos mutuantes dos custos relativos a despesas em que os bancos tenham incorrido com a negociação, preparação, celebração e formalização do contrato, nomeadamente os honorários dos advogados.

12. Disposições Finais

12.1. TÍTULO EXECUTIVO

Segundo o artigo 703/1, alínea b) do Código de Processo Civil, os contratos são títulos executivos se e na medida em que tenham sido exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal e importem a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias de montante determinado ou determinável por simples cálculo aritmético.

Por esta razão, embora a lei não exija que este tipo de contratos sejam celebrados por escritura ou com termo de autenticação será natural que o banco exija esta forma para assegurar que o contrato poderá ser usado como título executivo.

12.2. LEI APLICÁVEL E TRIBUNAL COMPETENTE

Ao escolherem a lei aplicável, as partes definem qual a lei que pretendem que regule o contrato. Por uma questão de segurança, interessa às partes definir, de antemão, a lei que se aplicará ao contrato, embora este aspeto apenas assuma relevância concreta em contratos em que, potencialmente, poderiam ser aplicáveis diferentes ordens jurídicas.

As partes podem ainda optar por definir qual o tribunal competente para dirimir os eventuais conflitos relativos ao contrato, ou, como alternativa, estabelecer a submissão dos conflitos à arbitragem.

No entanto, o recurso à arbitragem para a solução de eventuais conflitos que decorram de contratos de financiamento não é comum, porque é possível aos bancos executar imediatamente o contrato, deixando ao mutuário a possibilidade de se opor, em vez de submeter o litígio a um processo declarativo, certamente mais moroso, ao qual sempre se seguiria o processo executivo.

 

Nos meses de julho e agosto de 2025 foram aprovados alguns atos legislativos e regulamentares que introduziram alterações nos setores da Banca e Mercado de Capitais, dos quais destacamos:

Autoriza o Governo a transpor a Diretiva (UE) 2021/2167 que regula o acesso e exercício da gestão de créditos bancários não produtivos.

Estabelece novos princípios e regras que devem ser observados na publicidade a produtos e serviços financeiros sujeitos à supervisão do Banco de Portugal.

Altera o Aviso do Banco de Portugal n.º 6/2024 relativo à prestação de informação aos clientes bancários sobre o regime de garantia pessoal do Estado para a concessão de crédito à habitação própria.

Nesta newsletter listamos as principais novidades legislativas e regulamentares aprovadas, a nível europeu e nacional.

1. Legislação Europeia

Parecer do Comité Económico e Social Europeu, JO C, C/2025/3193 (2.7.2025)

Parecer exploratório a pedido do Parlamento Europeu relativo a investimentos e reformas para impulsionar a competitividade europeia e criar uma União dos Mercados de Capitais.

Regulamento (UE) 2025/1331 da Comissão, JO L, 2025/1331 (10.7.2025)

Altera o Regulamento (UE) 2023/1803 no que respeita às Normas Internacionais de Relato Financeiro 1, 7, 9 e 10 e à Norma Internacional de Contabilidade 7.

Regulamento de Execução (UE) 2025/1338 da Comissão, JO L, 2025/1338 (11.7.2025)

Estabelece normas técnicas de execução par aplicar o Regulamento (UE) 2023/2859 no que se refere às funcionalidades do ponto de acesso único europeu.

Decisão (UE) 2025/1407 do Conselho, JO L, 2025/1407 (14.7.2025)

Relativa à adoção do euro pela Bulgária em 1 de janeiro de 2026.

Regulamento Delegado (UE) 2025/1184 da Comissão, JO L, 2025/1184 (16.7.2025)

Altera o Regulamento Delegado (UE) 2016/1675 para aditar diversos países à lista de países terceiros de risco elevado.

Regulamento Delegado (UE) 2025/754 da Comissão, JO L, 2025/754 (25.7.2025)

Completa o Regulamento (UE) 2023/2631 especificando regras processuais relativas ao exercício do poder de aplicação de coimas ou sanções pecuniárias compulsórias aos verificadores externos.

Regulamento Delegado (UE) 2025/755 da Comissão, JO L, 2025/755 (25.7.2025)

Completa o Regulamento (UE) 2023/2631 especificando o tipo de taxas a cobrar pela ESMA aos verificadores externos de Obrigações Verdes Europeias.

Regulamento Delegado (UE) 2025/753 da Comissão, JO L, 2025/753 (25.7.2025)

Completa o Regulamento (UE) 2023/2631 especificando o conteúdo, as metodologias e a apresentação das informações a serem voluntariamente divulgadas pelos emitentes de obrigações sustentáveis.

Decisão da Comissão C/2025/4118, JO C, C/2025/4118 (29.7.2025)

Altera a Decisão 2011/C 253/04, de 29 de agosto de 2011, que institui um grupo de peritos do mercado dos sistemas de pagamento, no que respeita ao seu período de validade.

Retificação do Regulamento (UE) 2022/2554 do Parlamento Europeu e do Conselho, JO L, 2025/90620 (30.7.2025)

Retifica o Regulamento (UE) 2022/2554 relativo à resiliência operacional digital do setor financeiro.

Recomendação (UE) 2025/1710 da Comissão, JO L, 2025/1710 (5.8.2025)

Relativa a uma norma de relato de sustentabilidade de aplicação voluntária para as pequenas e médias empresas.

Regulamento de Execução (UE) 2025/790 da Comissão, JO L, 2025/790 (8.8.2025)

Estabelece normas técnicas de execução para a aplicação da Diretiva 2013/36/UE no que diz respeito ao funcionamento operacional dos colégios de autoridades de supervisão.

Regulamento Delegado (UE) 2025/791 da Comissão, JO L, 2025/791 (8.8.2025)

Completa a Diretiva 2013/36/UE no que se refere a normas técnicas de regulamentação que especificam as condições gerais de funcionamento dos colégios de autoridades de supervisão e que revoga o Regulamento Delegado (UE) 2016/98.

Regulamento Delegado (UE) 2025/885 da Comissão, JO L, 2025/885 (20.8.2025)

Complementa o Regulamento (UE) 2023/1114 no que respeita às normas técnicas de regulamentação que especificam procedimentos para prevenir, detetar e comunicar o abuso de mercado, os modelos a utilizar para a comunicação das suspeitas e os procedimentos de coordenação entre as autoridades.

Regulamento Delegado (UE) 2025/1393 da Comissão, JO L, 2025/1393 (21.8.2025)

Altera o Regulamento Delegado (UE) 2025/1184 para introduzir uma cláusula de reexame.

Posição (UE) n.° 5/2025 do Conselho, JO C, C/2025/4855 (29.8.2025)

Tem em vista a adoção do Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera diversos outros Regulamentos referentes a requisitos de comunicação de informação no domínio dos serviços financeiros e apoio ao investimento.

2. Legislação Nacional

Lei n.º 55-B/2025 - DR n.º 139/2025, Supl, Série I (22.07.2025)

Autoriza o Governo a transpor a Diretiva (UE) 2021/2167, que harmoniza o acesso e o exercício da gestão de créditos bancários não produtivos e define os requisitos para os adquirentes de créditos.

3. Atos do BCE (Banco Central Europeu)

Regulamento (UE) 2025/1355 do Banco Central Europeu, JO L, 2025/1355 (14.7.2025)

Relativo aos requisitos de superintendência de sistemas de pagamentos sistemicamente importantes.

Recomendação do Banco Central Europeu, JO C, C/2025/4190 (28.7.2025)

Altera a Recomendação BCE/2017/10 relativa às especificações comuns para o exercício caso a caso das faculdades previstas no direito da União pelas autoridades nacionais competentes no que respeita às instituições de crédito menos significativas.

Regulamento (UE) 2025/1520 do Banco Central Europeu, JO L, 2025/1520 (28.7.2025)

Altera o Regulamento (UE) 2016/445 relativo à forma de exercício das faculdades e opções previstas no direito da União.

Orientação (UE) 2025/1521 do Banco Central Europeu, JO L, 2025/1521 (28.7.2025)

Altera a Orientação (UE) 2017/697 relativa ao exercício das faculdades previstas no direito da União pelas autoridades nacionais competentes em relação às instituições de crédito menos significativas.

Decisão (UE) 2025/1734 do Banco Central Europeu, JO L, 2025/1734 (13.8.2025)

Relativa a salvaguardas respeitantes ao acesso das contrapartes centrais ao crédito overnight do Eurosistema no TARGET.

4. Atos do Banco de Portugal

4.1. Atos

Reserva contracíclica de fundos próprios 2025-2026 (01.07.2025)

Mantem-se a 0% no terceiro trimestre de 2025, antes de passar a 0,75% a partir de 1 de janeiro de 2026.

Aviso n.º 3/2025 do Banco de Portugal (01.07.2025)

Altera o Aviso do Banco de Portugal n.º 6/2024 relativo à prestação de informação aos clientes bancários sobre o regime de garantia pessoal do Estado para a concessão de crédito à habitação própria.

Aviso n.º 4/2025 do Banco de Portugal (14.07.2025)

Altera o Aviso do Banco de Portugal n.º 5/2024, de 4 de dezembro, que estabelece os princípios e as regras que devem ser observados na publicidade a produtos e serviços financeiros sujeitos à supervisão do Banco de Portugal.

Boletim Oficial do Banco de Portugal n.º 7/2025 (15.07.2025)

Boletim do Banco de Portugal n.º 7.

Boletim Oficial do Banco de Portugal n.º 7/2025 - Suplemento (24.07.2025)

Suplemento do Boletim do Banco de Portugal n.º 7.

Boletim Oficial do Banco de Portugal n.º 7/2025 - 2º Suplemento (07.08.2025)

2º Suplemento do Boletim do Banco de Portugal n.º 7.

Aviso do Banco de Portugal n.º 5/2025- DR n.º 151/2025, Série II (07.08.2025)

Regula as informações que as entidades que exercem atividade no âmbito dos sistemas de pagamentos devem comunicar ao Banco de Portugal.

Consulta Pública do Banco de Portugal n.º 6/2025 (20.08.2025)

Projeto regulamentar de alteração do Aviso n.º 10/2017.

Boletim Oficial do Banco de Portugal n.º 8/2025 (18.08.2025)

Boletim do Banco de Portugal n.º 8.

Boletim Oficial do Banco de Portugal n.º 8/2025 - Suplemento (20.08.2025)

Suplemento do Boletim do Banco de Portugal n.º 8.

Guia prático, Banco de Portugal (22.08.2025)

Destinado a auxiliar os intermediários de crédito no cumprimento dos deveres aplicáveis à publicidade, previstos no Aviso do Banco de Portugal n.º 5/2024, que entrou em vigor no dia 1 de julho de 2025.

Boletim Oficial do Banco de Portugal n.º 8/2025 - 2º Suplemento (28.08.2025)

2º Suplemento do Boletim do Banco de Portugal n.º 8.

4.2. Instruções

Instrução n.º 10/2025 do Banco de Portugal (07.08.2025)

Densifica os deveres das entidades que exercem atividade no âmbito dos sistemas de pagamentos de retalho, no que respeita à comunicação da informação necessária ao Banco de Portugal, bem como ao reporte dos incidentes de carácter severo.

5. Atos da CMVM

5.1. Atos

Regulamento da CMVM n.º 4/2025 - DR n.º 135/2025, Série II (16.07.2025)

Altera o Regulamento da CMVM n.º 5/2018, relativo às centrais de valores mobiliários, o Regulamento da CMVM n.º 1/2015, relativo às contrapartes centrais e o Regulamento da CMVM n.º 4/2007, relativo às entidades gestoras de mercados, sistemas e serviços.

Regulamento da CMVM n.º 5/2025 - DR n.º 152/2025, Série II (08.08.2025)

Altera o Regulamento da CMVM n.º 2/2020, relativo à Prevenção do Branqueamento de Capitais e do Financiamento do Terrorismo.

 

O Decreto-Lei n.º 93/2025, de 14 de agosto, estabelece um novo regime jurídico da mobilidade elétrica e aproxima a legislação nacional do Regulamento (UE) 2023/1804 (“AFIR”), que define metas para a criação de uma infraestrutura de combustíveis alternativos. O novo decreto-lei pretende tornar mais acessível o uso de pontos de carregamento pelos utilizadores de veículos elétricos, implementar uma cobertura territorial efetiva, e simplificar as atividades do sistema de mobilidade elétrica, garantindo a universalidade de acesso a todos os pontos de carregamento.

Entre as alterações mais significativas face ao regime anterior, destacam-se:

  • Fim da gestão centralizada da rede, até agora atribuída a uma única entidade. Cada operador pode instalar e gerir a sua própria rede de carregamento, sem obrigação de ligação a uma plataforma comum, mantendo o acesso para qualquer utilizador.
  • Fim da figura do comercializador de eletricidade para a mobilidade elétrica. O fornecimento passa a ser feito diretamente pelo operador, através do mercado ou em regime de autoconsumo, podendo recorrer a energias renováveis.

Outras novidades incluem:

Obrigatoriedade de carregamento ad hoc em todos os pontos públicos, permitindo carregar sem contrato prévio, com meios de pagamento como cartão bancário ou código QR.

  • Introdução de carregamento inteligente e bidirecional, permitindo devolver energia das baterias à rede.
  • Alargamento a embarcações elétricas, com regras próprias para instalação e funcionamento dos pontos de carregamento.
  • Interligação com redes internacionais, facilitando a utilização e o pagamento no estrangeiro.

No plano ambiental:

  • Criação de títulos de CO? evitado quando se utiliza energia renovável, passíveis de transação para cumprimento de metas de descarbonização.

Quanto à gestão de informação:

  • Criação da Entidade Agregadora de Dados para a Mobilidade Elétrica, independente e sem participação no mercado, responsável por transmitir dados ao Ponto de Acesso Nacional.

No licenciamento:

  • Procedimentos simplificados, com prazos reduzidos, possibilidade de deferimento tácito e, em alguns casos, mera comunicação prévia.
  • Todos os processos serão feitos online, no Portal Único de Serviços Digitais.

O diploma ainda prevê um regime transitório até 31 de dezembro de 2026, assegurando a passagem gradual do modelo anterior para o novo.

O Governo português aprovou a primeira fase da privatização da companhia aérea portuguesa, TAP, incluindo a alienação de até 44,9% do capital a um investidor estratégico e 5% aos trabalhadores.

Esta decisão insere-se no âmbito do processo de reestruturação financeira do grupo TAP, iniciado em 2021, na sequência da pandemia de COVID-19. Neste contexto, o Estado injetou cerca de €3.200 milhões e reassumiu a totalidade do capital da empresa, após a saída do consórcio Atlantic Gateway — composto por David Neeleman, fundador da companhia aérea brasileira Azul, e Humberto Pedrosa, do Grupo Barraqueiro.

Embora tenha sido considerada a possibilidade de privatizar até 100% da TAP, o Governo defende que a venda de uma participação minoritária apresenta vantagens; no entanto, esta opção parece dever-se, em grande medida, às pressões tanto da esquerda como da direita contra uma privatização total. Com a proposta de privatização parcial, o Governo pretende assegurar a entrada de investidores privados que possam aportar financiamento adicional, sempre que necessário, bem como know-how técnico que contribua para valorizar a empresa e maximizar o retorno financeiro numa futura venda do capital remanescente, mantendo, contudo, o controlo das decisões estratégicas nas mãos do Estado. A venda de uma participação minoritária permite ainda alargar o leque de potenciais investidores, incluindo aqueles oriundos de países fora da União Europeia, uma vez que a legislação europeia exige que a maioria do capital seja detida por cidadãos ou empresas europeias.

Entre as condições da privatização que foram divulgadas destacam-se as seguintes:

  • Processo de venda. A venda será realizada por várias fases, a saber: a pré-qualificação dos interessados, a apresentação de propostas não vinculativas, a entrega de propostas vinculativas, a negociação final e a celebração do contrato.
  • Calendário. A processo deverá prolongar-se durante um ano, prevendo-se a concretização da venda para o terceiro trimestre de 2025.
  • Critérios de avaliação. A seleção do comprador privilegiará, nomeadamente, o plano industrial proposto, o crescimento da frota, o desenvolvimento de infraestruturas aeroportuárias em território nacional, o investimento em combustíveis sustentáveis e o montante financeiro imediato que os investidores estão dispostos a injetar na companhia, sendo que o Governo assume como principais preocupações a manutenção do hub da TAP em Lisboa, considerado essencial para a economia nacional e para o papel da companhia como plataforma de ligação entre a Europa, África e América do Sul, e a manutenção da identidade da TAP enquanto marca nacional, assegurando que esta não seja descaracterizada como mera subsidiária de um grupo internacional.
  • Gestão. Ao abrigo do modelo aprovado, os investidores privados assumirão a gestão, mas o Estado deverá ter direito de veto sobre assuntos estratégicos através de um acordo parassocial a propor pelos concorrentes.
  • Alienação do capital remanescente. O caderno de encargos a aprovar deverá atribuir um direito de preferência ao Estado numa eventual venda da participação do investidor privado e um direito de preferência ao investidor privado numa eventual venda futura do capital remanescente da TAP, sem que, em qualquer caso, exista uma obrigação de venda por parte do Estado.

Embora, à primeira vista, o novo modelo aprovado de gestão privada e capital maioritariamente público possa ter algumas virtualidades, tendo em conta a experiência passada, esta solução levanta vários riscos e desafios, nomeadamente:

  • Salvaguarda do retorno. Caso os investidores pretendam realizar investimentos significativos, é expectável que exijam mecanismos que salvaguardem o retorno esperado. Tais mecanismos poderão passar, por exemplo, por regras de distribuição de resultados que não se baseiem exclusivamente na percentagem de capital detida — algo que o Governo parece pretender impedir — ou por fórmulas de cálculo do preço de compra da futura participação de controlo que reflitam o contributo da sua gestão e dos investimentos efetuados na companhia. Esta última solução poderá reduzir o encaixe financeiro que o Estado venha a obter numa eventual alienação futura.
  • Risco de "nacionalização" de prejuízos. A experiência do anterior processo de privatização da TAP, que culminaria com a necessidade de nacionalização, criou um precedente difícil de ultrapassar se a TAP vier a ter problemas no futuro, sejam eles causados por uma estratégia errada, má gestão ou eventos fortuitos, como foi o caso da pandemia Covid19 que levou à injeção de fundos públicos hoje irrecuperáveis.
  • Interferência política na gestão. A manutenção do controlo do Estado poderá levar a que os investidores privados procurem salvaguardar a sua posição, reduzindo a margem de intervenção do Estado a aspetos muito limitados ou, em alternativa, exigirem formas alternativas de serem compensados por eventuais intervenções, sempre que estas afetem o retorno esperado, seja através de opções de venda da sua participação ou mediante ajustamentos ao preço. Exemplos passados com outras empresas semi-privatizadas, como a Portugal Telecom, mostram que a manutenção de uma supervisão política pode prejudicar a gestão e gerar conflitos de interesses que deveriam ser evitados nesta privatização.

Entre os interessados na privatização estão grandes grupos europeus, como a Lufthansa, a Air France-KLM e o grupo IAG, que detém, entre outras, a British Airways e a Iberia. Estes grupos já participaram na fase preliminar de consultas e manifestaram intenção de apresentar propostas. Não obstante, o Governo parece estar empenhado em procurar interessados fora da União Europeia, pelo que não será de excluir a participação de outros operadores.

O decreto-lei que estabelece as condições da privatização aprovadas pelo Governo deverá ser publicado em breve.

PRINCIPAIS INFORMAÇÕES

Capital social
100% detido pelo Estado Português (através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças)

Filiais
A TAP detém as seguintes filiais:

  • Portugália - Companhia Portuguesa de Transportes Aéreos S.A.
  • TAP Logistics Solutions, S.A.
  • SPdH – Serviços Portugueses de Handling, S.A.

Informação de natureza financeira

  • Lucro: €54 milhões
  • Receitas: €4.242 milhões (+1%)
  • EBITDA recorrente: €875 milhões (+21%)
  • EBIT recorrente: €383 milhões (+9%)
  • Oferta de lugares medida em ASK (2024): +1.6%
  • Receita por lugar medida em RPK (2024): +3.4%.
  • Dívida Líquida: €750.3 milhões
  • Classificações de crédito: BB- pela S&P e Ba3 pela Moody’s

A Direção-Geral de Energia e Geologia (“DGEG”) e a Agência Portuguesa do Ambiente (“APA”) publicaram, nos dias 30 e 31de julho de 2025, dois despachos conjuntos que alteram as regras definidas em julho de 2023 para os procedimentos de Avaliação de Impacte Ambiental (“AIA”) e de Título de Reserva de Capacidade (“TRC”) aplicáveis a projetos de armazenamento de eletricidade.

Estas alterações surgem na sequência do apagão que afetou a Península Ibérica no dia 28 de abril de 2025, evidenciando a necessidade do armazenamento de energia para a estabilidade e segurança da rede elétrica, através do incentivo à inclusão dos sistemas de armazenamento. 

No primeiro Despacho, destacam-se as seguintes alterações:

  • A declaração de capacidade de injeção na Rede Elétrica de Serviço Público (“RESP”) passa a ser emitida diretamente pelo operador de rede, mas apenas para iniciar o pedido de apreciação prévia ou de AIA de projetos de armazenamento autónomo na plataforma SILiAmb. Esta declaração não substitui o TRC, que continua a ser obrigatório numa fase posterior para obter o direito de injeção na rede.
  • Projetos em fases iniciais, que já tenham pago os estudos de rede, mas ainda não possuam o TRC, podem agora iniciar o AIA com um estudo prévio ou anteprojeto. 

O segundo Despacho, clarifica as situações em que projetos de armazenamento não estão sujeitos a AIA nem a análise a caso a caso: 

  • No caso de armazenamento colocalizado, a adição de uma instalação de armazenamento a um projeto que já possua TRC e esteja inserida na mesma área licenciada não exige nova AIA nem nova Declaração de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (“DCAPE”), desde que estas já tenham sido emitidas. O promotor deve apenas submeter, em sede de pós-avaliação, os elementos que comprovem o cumprimento das condições previstas nessas decisões. Nos centros electroprodutores solares híbridos, a instalação de armazenamento deve ainda respeitar uma distância mínima de 5 metros em relação limite da área vedada do projeto. 
  • No armazenamento autónomo, os projetos com potência até 50 MW/200 MWh, ou até 20 MW/80 MWh em áreas sensíveis, não precisam de AIA nem de análise caso a casos, desde que respeitem a distância mínima de 5 metros do limite da área vedada do projeto. 

Os despachos entram em vigor um dia após a sua publicação. 

Embora estas atualizações sejam positivas, o relatório de capacidade de rede da DGEG para o 2.º trimestre de 2025, não indica uma capacidade relevante para projetos de armazenamento autónomo, até 30 de junho de 2025. Além disso, as submissões de TRC no regime geral de acesso continuam suspensas para a produção e armazenamento, o impacto prático destas regras será limitado.

A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (“ERSE”) aprovou as tarifas de acesso às redes aplicáveis às instalações com Estatuto de Cliente Eletrointensivo (“ECE”), no seguimento da decisão favorável da Comissão Europeia, de 24 de abril de 2025 relativa a auxílios de Estado.

A adesão ao ECE permite que as instalações consumidoras beneficiem de uma redução parcial dos Custos de Interesse Económico Geral (“CIEG”) sobre o custo da energia elétrica consumida através da rede pública que incidem sobre a tarifa de Uso Global do Sistema.

As reduções previstas são as seguintes:

  • 85% dos CIEG, se a instalação pertencer a um setor com risco significativo, nos termos do Anexo I da Comunicação da Comissão Europeia 2022/C 80/01, sobre as “Orientações relativas a auxílios estatais à proteção do clima e do ambiente e à energia 2022”;
  • 75% dos CIEG, se a instalação pertencer a um setor em risco nos termos do mesmo Anexo, podendo subir para 85% se forem cumpridas, em simultâneo, as seguintes condições:
  1. Pelo menos 50% do consumo elétrico provenha de fontes renováveis; e
  2. Pelo menos 10% desse consumo seja coberto por contratos de fornecimento a prazo ou contratos bilaterais; ou
  3. Pelo menos 5% seja assegurado por autoconsumo de origem renovável.

Em caso de autoconsumo, a energia consumida (mesmo quando veiculada através da rede pública) está totalmente isenta de CIEG.

Para mais informações sobre o ECE, consulte o estudo disponível no nosso site