Para muitos até pode ter passado despercebido, mas a verdade é que o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) aparece indissociavelmente ligado ao tema da “Inteligência Artificial”. E tanto assim é que não foi coincidência que na data em que se assinalou o “Dia da Proteção de Dados” – dia 28 de janeiro de 2019 –, o Conselho da Europa, através do Comité Consultivo da Convenção para a Proteção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados (Convenção 108), tenha publicado um conjunto de Orientações sobre Inteligência Artificial e Proteção de Dados.
Quando falamos de Inteligência Artificial estamos a referir-nos predominantemente a dados, ou melhor, a conjuntos de dados (de dados pessoais, mas não só), que são usados para “ensinar” os algoritmos, pelo que grande parte do sucesso dos sistemas de Inteligência Artificial ficará a dever-se aos dados objeto de tratamento.
Se é verdade que a utilização de aplicações com recurso ao uso da Inteligência Artificial poderá ser uma mais-valia pense-se, por exemplo, na sua utilização no setor da indústria, da investigação científica e tecnológica, da saúde, ao nível do controlo e prevenção de fraudes e da evasão fiscal, entre outros. Por outro lado, não é menos verdade que o uso da Inteligência Artificial poderá afectar os direitos de privacidade e de proteção de dados pessoais e que, neste âmbito, há medidas a adotar e riscos que devem ser acautelados.
Assim, e a pensar também no recurso a sistemas de Inteligência Artificial (que se diga, já são hoje em dia uma realidade como, por exemplo, na definição de perfis para efeitos de publicidade comportamental, nas práticas de recrutamento eletrónico sem qualquer intervenção humana, e, em algumas utilizações, no âmbito do diagnóstico médico) e na sua evolução tecnológica, o RGPD prevê que qualquer pessoa tem direito a aceder aos seus dados pessoais e de exercer esse direito (de acesso e informação) com facilidade e a intervalos razoáveis, a fim de conhecer e verificar a ilicitude do tratamento.
Isto significa que cada pessoa deverá ter o direito de conhecer e ser informada, nomeadamente, das finalidades para as quais os seus dados pessoais são tratados, do período durante o qual os dados são tratados (se possível), da identidade dos destinatários dos dados pessoais, da lógica subjacente ao tratamento automático dos seus dados pessoais e, pelo menos quando tiver por base a definição de perfis, das respetivas consequências.
Mais, cada pessoa deverá ter o direito de não ficar sujeita a uma decisão, que poderá incluir uma medida que, avaliando os seus aspetos pessoais, se baseie exclusivamente num tratamento automatizado. De entre as formas de tratamento automatizado encontra-se, por excelência, a definição de perfis, pelo que cada pessoa deverá ter o direito a não ficar sujeito a um tratamento que avalie os seus aspetos pessoais, como, por exemplo, a sua situação económica, estado de saúde, preferências ou interesses pessoais, comportamento, localização ou deslocações, quando essa análise vise a produção de determinados efeitos jurídicos ou a afetem significativamente.
Pense-se, por exemplo, na recusa automática de um pedido de crédito por via eletrónica a partir de uma avaliação automatizada da situação económica de uma pessoa, ou da recusa de um contrato de seguro, em função do quadro genético dessa pessoa, ou ainda, no âmbito de um processo de recrutamento, na escolha de um determinado candidato em detrimento de um outro a partir de um recrutamento automatizado sem qualquer intervenção humana. Este último exemplo não é, aliás, uma hipótese meramente teórica ou remota. Em 2014, a Amazon criou um sistema baseado em Inteligência Artificial para a contratação de colaboradores. Sucede, no entanto, que o algoritmo utilizado, o qual foi construído a partir de perfis de ex-candidatos, discriminava, de forma sistemática, os candidatos do sexo feminino, especialmente para funções com um perfil mais técnico ou de desenvolvimento de software.
O tratamento automatizados de dados, incluindo a decisão e definição de perfis automatizada, com recurso a Inteligência Artificial fica, portanto, sujeita às regras do RGPD que regem o tratamento de dados pessoais, entre outros, o fundamento jurídico do tratamento e os princípios da proteção de dados, incluindo os princípios da transparência e da responsabilidade («accountability»).
No atual contexto do RGPD, caberá às empresas – fabricantes, programadores, vendedores, prestadores de serviços – adotarem medidas técnicas e organizativas que garantam, entre outros aspetos, que fatores que introduzam imprecisões nos dados pessoais sejam corrigidos e que seja minimizado o risco de erros, bem como medidas de proteção para acautelar os potenciais riscos para os interesses e direitos dos indivíduos e de forma a prevenir efeitos discriminatórios, como aconteceu no exemplo da Amazon.
Como alerta o Comité Consultivo, nas suas recentes orientações, a consulta de grupos independentes de especialistas em várias áreas que possam dar os seus contributos na criação de sistemas de Inteligência Artificial com respeito pelos direitos humanos e orientados para questões éticas e sociais, bem como a adoção de códigos de conduta e mecanismos de certificação poderão ter um papel relevante.
É igualmente importante estabelecer, de forma clara, expressa e inequívoca, o papel e obrigações de cada um dos diferentes intervenientes em relação a todo o ciclo de vida dos sistemas de Inteligência Artificial, e que permita, em caso de falha, imputar a respetiva responsabilidade a quem de direito. Claro que antes, seria aconselhável que o legislador define-se o regime de responsabilidade para esses casos, mas isso é outra história…
Muito se tem discutido sobre a temática da descentralização de competências. A ideia nuclear que preside há aceitação pelas autarquias locais de atribuições e competências do Estado central é a de que estas têm que ser acompanhadas dos recursos financeiros, humanos e patrimoniais adequados, não só para garantir a estabilidade financeira, como ainda para salvaguardar a autonomia das entidades receptoras. E sobre esta matéria o governo começou por criar a Lei-Quadro nº 50/2018 de 16 de Agosto. Ali se estabelece que a afectação dos recursos, designadamente financeiros, se concretizaria através de diplomas sectoriais tendo presente as diferentes áreas a descentralizar. E em cumprimento do estabelecido na referida Lei-Quadro o governo aprovou um conjunto de diplomas sectoriais que vão da justiça até ao domínio do estacionamento público, passando pelas estruturas de atendimento ao cidadão, pelos projectos financiados pelos fundos europeus e programas de captação de investimento, pelo apoio aos bombeiros voluntários, pela habitação, pelos transportes e vias de comunicação, pela promoção turística e, por ultimo, pela gestão do património imobiliário público sem utilização.
Numa primeira análise destes diplomas sectoriais resulta, desde logo, que existem matérias cujas competências podem ser transferidas quer para as Câmaras e Freguesias, quer para as entidades intermunicipais (CIMs). É precisamente o que sucede no domínio da justiça - (no que respeita à rede de julgados de paz, ao apoio às vitimas de crimes e à reinserção social de jovens e adultos) - e na área do apoio aos bombeiros voluntários. Neste ultimo caso, com a particularidade de o apoio às equipas de intervenção permanente das Associações de Bombeiros Voluntários passar a ser da competência dos órgãos municipais. Já a participação na definição da rede dos quarteis, bem como a participação na elaboração de programas de apoio às corporações de bombeiros passa para a alçada das entidades intermunicipais. Por outro lado, existem áreas que são transferidas apenas para os municípios, como sucede com os domínios das Lojas e os Espaços de Cidadão; da habitação; da gestão do património imobiliário publico e, ainda, das estradas em perímetro urbano e do estacionamento publico. Outras áreas existem que são transferidas só para as entidades intermunicipais, como sucede com os projectos financiados pelos fundos europeus, os programas de captação de investimento e a promoção turística interna sub-regional. O que bem se compreende, tendo em conta que se trata de projectos e investimentos com maior escala e destinados a abranger uma área territorial supra municipal.
Comum às referidas transferências de competências é o facto de todos os diplomas sectoriais estabelecerem uma norma em que cabe aos municípios e às entidades intermunicipais comunicar à Direcção Geral das Autarquias, “até sessenta dias corridos”, após a entrada em vigor do respectivo decreto-lei e depois da prévia deliberação da Assembleia Municipal ou da Assembleia Intermunicipal, que não pretendem exercer estas competências, durante o ano de 2019. E isso irá acontecer, seguramente, caso a transferência de competências não seja acompanhada do respectivo “pacote” financeiro. Pode também acontecer que os municípios e as comunidades intermunicipais não pretendam a transferência das competências, nem no presente ano, nem no ano de 2020. Nesse caso, aquilo que deverão fazer é comunicar, à Direcção Geral das Autarquias, esse facto até ao dia 15 de Setembro de 2019, após deliberação dos respectivos órgãos deliberativos.
Porém, parece resultar da Lei-quadro que até ao dia 1 de Janeiro de 2021 a transferência de competências tem que ser assumida pelos municípios e entidades intermunicipais, isto é, haja ou não vontade em recebe-las, estas tornam-se irreversíveis. Será assim? A resposta não é linear. Na verdade, a transferência de competências rege-se por uma série de princípios e de garantias. Com efeito, consideramos que a transferência de competências, se não for acompanhada dessas garantias, nomeadamente da transferência dos recursos financeiros, não produzirá quaisquer efeitos. E, em último caso, pode legitimar a sua rejeição. Para evitar este constrangimento foi apresentado e aprovado na Assembleia da Republica um projecto de resolução que, no fundo, constitui uma recomendação ao Governo para esclarecer até Fevereiro quais os montantes a transferir. Sem isso, os autarcas não aceitam mais competências.
A negociação coletiva é um processo negocial que se desenvolve entre as instituições patronais (empresários e as suas associações) e as associações representativas de trabalhadores, com o objetivo principal de fixar as principais condições de trabalho. Constitui uma das formas mais viáveis para resolver o conflito laboral. Contudo, não é fácil para empregadores e trabalhadores negociarem as condições de trabalho, consubstanciando-se num longo processo.
O produto por excelência da negociação coletiva é a Convenção Coletiva de Trabalho, que pode revestir uma de três formas: Contrato Coletivo de Trabalho, Acordo Coletivo e Acordo de Empresa.
A autonomia coletiva e o direito à contratação coletiva, estão consagrados, entre os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, no artigo 56.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, razão pela qual o Estado deve promover o seu exercício. Por outro lado, estabelece o artigo 485.º do Código do Trabalho que o Estado deve promover a contratação coletiva para permitir que as convenções coletivas de trabalho sejam aplicadas ao maior número possível de trabalhadores e empregadores.
Ao possibilitar um diálogo entre as partes envolvidas na relação laboral a negociação coletiva surge como um instrumento precioso de pacificação social. Isto significa que a negociação coletiva cumpre um importante papel de concertação social, sendo um meio para a prevenção e resolução de conflitos laborais através da harmonização entre os direitos do trabalhador e do empregador.
Os trabalhadores alcançam, através das suas organizações representativas, uma posição de maior força para negociar as condições de trabalho.
A negociação passa a ser equilibrada: entre o empregador, por um lado, que pode ser representado por uma estrutura coletiva; e as estruturas de representação coletivas do trabalhador, por outro. Ao reconhecer o trabalhador como participante do processo empresarial, a lei contribui para a sua motivação, produtividade e definição de melhores condições de trabalho. A negociação coletiva permite a adaptação permanente das normas laborais às mutações, a flexibilização das condições de trabalho, bem como a regulação de uma diversidade de questões laborais que podem não estar previstas na lei laboral.
Na maioria das convenções celebradas as principais áreas de intervenção são os horários de trabalho, o pagamento das horas extraordinárias ou a extensão dos benefícios sociais dos trabalhadores, através da atribuição do complemento do subsídio de doença e de seguros de saúde. Algumas convenções admitem, por exemplo, uma duração máxima de trabalho semanal inferior às 40 horas legalmente previstas. A maioria estabelece ainda um período de férias superior aos 22 dias úteis.
A negociação coletiva possibilita a construção de normas ajustadas à particularidade de cada profissão e setor de atividade. Além do mais, permite resolver novas questões, associadas ao desenvolvimento tecnológico e ao tratamento de dados.
Por essa razão, tem também uma função económica, uma vez que permite uma maior adaptação das normas laborais à organização empresarial, ao trabalhador e à sua situação económica, o que confere maior dinamismo económico à realidade social e garante mais competitividade às empresas.
Em suma: a negociação coletiva, quando equilibrada e bem sucedida, garante a adaptabilidade da legislação laboral às especificidades do setor ou da empresa, a pacificação do setor produtivo e o aumento da produtividade empresarial.
O desporto profissional requer um especial cuidado por parte do legislador, fruto das particularidades deste tipo de atividade. O regime de trabalho desportivo é, por isso, distinto do regime geral, ainda que a este se possa reconduzir subsidiariamente.
O contexto do vínculo desportivo profissional está sujeito a um conjunto de diferenças essenciais, as mais evidentes das quais o investimento no trabalhador (mesmo antes da celebração do contrato profissional, no caso de jovens atletas) e o conjunto específico de capacidades técnicas e físicas, assim como a duração limitada da atividade.
Riscos de investimento propiciam um desequilíbrio injustificado da relação juslaboral. A recuperação da harmonia contratual pode depender da celebração (ou pelo menos, a sua admissibilidade) de um acordo entre as partes com o objetivo de manter o trabalhador na empresa que o investiu de especial preparação para o exercício da atividade. O legislador é forçado a estimular a convergência dos interesses do trabalhador e do empregador.
O Código do Trabalho admite a celebração destes pactos, mas cauciona a desvinculação do trabalhador durante a permanência acordada, desde que cobertas as despesas em que o empregador incorreu.
O princípio da liberdade de trabalho é especialmente salvaguardado, de modo a que essa liberdade seja apenas relativa, mas nunca absolutamente condicionada.
Cabe-nos questionar quanto à admissibilidade e a efetividade dos pactos de permanência no contexto desportivo: a admissibilidade no âmbito de contratos a termo, por um lado, a admissibilidade da celebração de tais pactos antes do contrato profissional, por outro, e ainda a efetividade de pacto de permanência no atual quadro financeiro desportivo.
O contrato a termo supre necessidades momentâneas da empresa, pelo que é com estranheza que a permanência do trabalhador possa querer ser acordada. Devemos notar, contudo, que não há qualquer impedimento legal, e que a função do contrato a termo no desporto profissional é adaptar a atividade profissional à duração limitada desse exercício. Para além disso, no contexto do mercado laboral desportivo o pacto de permanência poderia cumprir a mesma função estabilizadora que cumpriria no regime laboral normal.
Não se nos afigura possível, por outro lado, a admissibilidade de pactos de permanência anteriores à celebração do primeiro contrato de trabalho desportivo de jovens atletas. Com efeito, mesmo tendo em conta os avultados custos de investimento dos clubes nos jovens atletas – momento fundamental do investimento no atleta –, a promessa de permanência parece condicionar de forma excessiva e injustificada a escolha livre e esclarecida dos jovens pré-profissionais, em prejuízo das garantias fundamentais da liberdade de trabalho.
Finalmente, a efetividade da obrigação de permanência sai prejudicada pela diferença gritante entre os montantes investidos no atleta e os (vulgo) valores de transferência praticados: as “despesas feitas” são recuperadas, mas o talento não é retido. Ademais, os regimes de contribuições de solidariedade para com os clubes de formação preservam a posição daqueles que investiram o atleta de especial preparo para o exercício da atividade desportiva.
Ainda que não lhes seja colocado especial embaraço jurídico, o atual quadro financeiro assim como os regimes próprios do Desporto profissional parecem frustrar a função dos pactos de permanência no contexto desportivo profissional, pelo que a sua utilidade pode afigurar-se irremediavelmente ferida.
A Inteligência Artificial visa criar modelos de inteligência através de programas de computador, que conseguem, eles próprios, a partir da análise de padrões de comportamento, deduzir ou inferir novos conhecimentos a partir de conhecimentos pré-existentes.
Isto leva-nos então a indagar se a inteligência não será uma capacidade exclusiva do ser humano? Afinal, as máquinas podem pensar? E aqui surgem dúvidas.
Com vista a obter resposta para algumas dessas questões, Alan Turing, no seu artigo “Computing Machinery and Intelligence" (1), desenvolveu um teste, que ficou conhecido como “The Imitation Game” (ou “Teste de Turing”), cujo principal objetivo era o de verificar a capacidade de uma máquina de revelar um comportamento inteligente equivalente a um ser humano.
O Teste de Turing envolvia três participantes: um homem e uma mulher, que ficavam na mesma sala, e um interlocutor, que, numa outra sala isolada, colocava, por escrito, questões aos outros dois participantes, por forma a descobrir qual deles era o homem e a mulher. O interlocutor não podia ter qualquer contacto com os dois outros participantes.
Mas, e se, sem o interlocutor saber, um desses participantes fosse substituído por um computador? O interlocutor conseguiria distinguir o participante humano da máquina? Houve casos, em que conseguiu, mas noutros não e o computador venceu o teste. Nesta situação, poderemos dizer que o computador pensava? E pensava de forma semelhante a um ser humano?
Salvo melhor opinião, a resposta deve ser negativa. Claro que, no Teste de Turing, para além dos seus resultados ficarem dependentes da inteligência do interlocutor, o teste não permitia, de um modo geral, distinguir entre o “ser” e o “parecer ser” inteligente. De qualquer forma, é inegável que o Teste de Turing é ainda hoje uma referência para os estudos sobre Inteligência Artificial, de que é exemplo o teste de CAPTCHA (da abreviatura de “Completely Automated Public Turing test to tell Computers and Humans Apart”), utilizado para evitar “spam”.
A pergunta e a resposta anteriores não são, porém, descabidas.
O pensamento é uma característica inata do ser humano que, embora possa ser (ou vir a ser) parcialmente replicado por máquinas, dificilmente poderá vir a ser replicado em termos gerais – a chamada Inteligência Artificial geral.
É verdade que hoje em dia já existem máquinas de Inteligência Artificial em diversos campos, por exemplo, na medicina, ao nível da radiologia e do prognóstico médico, que são evoluídas e que permitem substituir tarefas realizadas pelo Homem e até mesmo obter resultados a partir da análise de um manancial de informação. Também já existem veículos autónomos. Aliás, há bem pouco tempo, um desses veículos autónomos não conseguiu impedir a colisão contra um peão, que atravessava fora da passadeira e num local pouco iluminado, o que reacendeu a questão de saber de quem seria afinal a responsabilidade. Do Homem ou da máquina?
Mais uma vez, a resposta parece ser: do Homem, que criou a máquina, mas a questão (e a sua resposta) não são tão simples quanto, à primeira vista, poderiam parecer.
Como jurista de profissão, não poderia, assim, deixar de assinalar que há (novas) questões éticas, que terão um reflexo relevante no Direito e, nomeadamente, nos “modelos clássicos” de imputação, que poderão não vir a servir nos casos de Inteligência Artificial.
Imaginemos, por exemplo, uma máquina de Inteligência Artificial, que é utilizada por uma instituição hospitalar, para ministrar medicamentos a um doente e que, num dia, ministra uma dose errada e, em resultado disso, o doente acaba por falecer. De quem é a responsabilidade? Da instituição hospitalar? Do fabricante da máquina? De ambos? E a que título? Há responsabilidade subjetiva, que implica a existência de culpa?
Ora, a perceção do que é moralmente certo ou errado é uma caraterística da existência humana, que apenas, de forma inverosímil, ou se se quiser, artificial, poderá ser replicada por máquinas, pelo que, até que medida poderá fazer sentido dizer que a culpa foi da máquina?
E a responsabilidade objetiva, mais facilmente enquadrável naquela situação em que o veículo autónomo atropela o peão, poderá ser aplicável aos casos de Inteligência Artificial? Até que ponto os atuais modelos de imputação permitem responder cabalmente ao uso da Inteligência Artificial?
Talvez, por isso, não seja mal pensado começar, ao estilo do autor de ficção científica Isaac Asimov, no conto “Runaround” (“Eu, robot”), por definir três “leis” (princípios), pelos quais se deverá pautar a ”relação Homem/máquina”: (1) Um robot não pode lesar um ser humano ou permitir, por omissão, que um ser humano seja lesado; (2) Um robot deve obedecer ao ser humano, salvo quando essas ordens entrem em conflito com o primeiro princípio; (3) Um robot deve proteger a sua própria existência, desde que tal não entre em conflito com o primeiro ou segundo princípios.
A estes três princípios encontra-se subjacente uma ideia fundamental: que o ser humano é o princípio, meio e fim da Inteligência Artificial e que, portanto, a responsabilidade pelos actos e omissões das máquinas não poderão deixar de ser também afinal uma responsabilidade humana. Como isso se fará já é outra questão, que terá de encontrar uma resposta na Ética antes de passar para o Direito ou, se se preferir, ser resolvida pelo Direito a partir da Ética.
(1) URING, Alan Mathison, “Computing machinery and intelligence”, in Mind, v. 59, n. 236, England,1950.
O país vive uma onda de greves sem precedentes nos últimos anos. Temos greves para todos os gostos e feitios! Desde a greve do sector judicial (magistrados, funcionários judiciais, guardas prisionais) até à greve dos professores, dos estivadores e dos enfermeiros, passando pela demissão de várias chefias hospitalares, praticamente não há um dia em que não seja anunciada mais uma paralisação ou uma manifestação de desagrado. E o que é que estas greves têm em comum? Um descontentamento generalizado. Embora aqui não devamos cair na simples tentação de tratar de modo igual aquilo que é diferente. Se é verdade que o direito à greve é um direito inalienável também não é menos verdade que tem que haver um mínimo de bom senso para que uma greve, por mais justa que seja, não ultrapasse os limites do razoável e do aceitável. O caso da greve dos enfermeiros é um bom exemplo. Apesar da razão que lhes assiste, ainda assim, correm o sério risco de serem mal entendidos pelos portugueses, sobretudo se, e quando, a sua conduta, por acção ou omissão, possa pôr em causa vidas humanas. É certo que tudo isto se deve a uma manifesta incapacidade do poder político para dialogar e encontrar soluções para um problema que urge resolver. E com certeza que a melhor maneira de o fazer não é através de expressões inflamadas por parte da tutela apelidando os enfermeiros de “criminosos”!
Presentemente assistimos a uma tentativa do Governo para passar incólume, como se o descontentamento social de hoje fosse ainda culpa do famigerado diabo. Mas não é! Não basta apregoar que o país está melhor e que a austeridade acabou! Assim como não adianta dizer que vamos ter um “deficit zero” ou perto disso (não obstante ser essencial ter as contas publicas equilibradas) ou, ainda, que a boa situação da economia permite antecipar o pagamento da dívida ao FMI. O país real pode não estar tão mal como alguns dizem, mas também não está tão bem como o Governo propagandeia e quer fazer crer. A comprová-lo está a perda do nosso poder de compra face à média europeia, fruto de um ritmo de crescimento económico insuficiente. O PIB per capita recuou para 76,6% da média da União Europeia, o que compara com 77,2% em 2016 e com 82,1% antes da crise da dívida. Aliás, este indicador a partir de 2013 iniciou uma trajectória de recuperação interrompida em 2017, ocupando Portugal a 16ª posição entre os estados membros da Zona Euro, apenas à frente da Eslováquia, Grécia e Letónia, de acordo com o relatório do INE. A par disto assistimos quotidianamente a um crescendo na contestação social que nem durante o período da Troika atingiu os actuais níveis. E, seguramente, que não é só pela necessidade dos partidos mais contestatários fazerem a sua prova de vida. O problema principal está nas expectativas criadas. Dava até a ideia que era possível o tudo para todos. Mas não é! Mais uma vez prometeu-se muito e cumpriu-se pouco! O país real, esse continua anestesiado a assistir a uma degradação dos serviços públicos, como não há memória. O que faz com que cada vez mais portugueses desesperem por uma intervenção cirúrgica ou por uma consulta da especialidade; assistam à falta de barcos para fazer as ligações entre Lisboa/Barreiro ou, simplesmente, vejam a degradação dos nossos comboios, como o comprova os poucos que ainda circulam na linha do Oeste.
Perante tamanho descontentamento o normal seria que o Governo tivesse dificuldades em aprovar o seu orçamento. Mas não teve! A “geringonça” funcionou na perfeição e votou aquilo que agora contesta e reclama! Até parece que o Bloco e a CDU, que agora juntam a sua voz ao protesto e às greves, não são os mesmos que aprovaram o orçamento do PS para 2019?! E não será que são os mesmos que aceitaram as cativações e a consequente degradação dos serviços públicos?! É precisamente sobre esta governação, repleta de contradições e de paradoxos, que os portugueses vão ser chamados a pronunciar-se daqui a alguns meses. A oposição tem aqui uma janela de oportunidade, mas para isso precisa de ser assertiva e credível. Enfim, precisa de convencer os portugueses que tem condições para ser uma verdadeira alternativa. Até lá muita água vai passar por baixo da ponte mas, uma coisa é certa, cabe a todos e a cada um de nós o veredicto final!
Após uma grave crise económica, Portugal recuperou a estabilidade económica. O desemprego diminuiu, as exportações aumentaram e o país voltou a ter acesso aos mercados financeiros internacionais.
Esta é uma das conclusões da Organização Internacional do Trabalho (OIT), expressas no relatório - “Trabalho Digno em Portugal 2008-18: da crise à recuperação”-, publicado no passado dia 12 de outubro, que apresenta uma reflexão sobre os ensinamentos da crise económica, afirmando que o exemplo de Portugal “pode e deve servir para recordar que existe sempre uma saída para a crise, desde que as pessoas sejam colocadas em primeiro lugar”.
Mas apesar de concluir que “Portugal constitui um exemplo claro de uma recuperação bem sucedida e célere da economia e do mercado de trabalho, sem comprometer os direitos dos trabalhadores”, a OIT não deixa de apresentar os desafios a enfrentar, nomeadamente, na área do mercado de trabalho.
O relatório afirma que um dos principais problemas continua a ser a segmentação generalizada do mercado de trabalho, que se manifesta pelo número elevado de empregos temporários, com piores condições de trabalho.
A OIT apresenta algumas medidas para reduzir a segmentação, destacando-se (i) a revisão da regulamentação existente de forma a limitar-se o âmbito de utilização dos contratos temporários; (ii) o maior controlo do cumprimento da regulamentação; (iii) a aplicação de incentivos fiscais para as empresas converterem contratos temporários em permanentes; e (iv) a promoção da negociação coletiva que permita aos sindicatos alcançarem acordos que fixem o limite temporal após o qual os trabalhadores deixariam de ser temporários.
Neste âmbito, o relatório não ignora que estão a ser dados passos importantes no sentido de reduzir a propagação do trabalho temporário com a Proposta de Lei n.º 136/XIII que visa, designadamente, reduzir os níveis de segmentação do mercado de trabalho através de medidas que permitam limitar o uso de contratos de trabalho a termo.
A OIT debruça-se também sobre a matéria do tempo de trabalho, afirmando que Portugal está entre os países da UE com horários de trabalho mais longos, sem que daí resulte uma melhoria para o trabalhador ou para o empregador.
Outro ponto importante destacado pelo documento da OIT é o da remuneração, que continua baixa face às médias da UE.
Por fim, a OIT destaca o acordo tripartido de 30 de maio de 2018 como “um marco importante na reconstrução de uma cultura de negociação coletiva mais forte”, que pode contribuir para a melhoria das condições dos trabalhadores, para a redução das desigualdades e para a promoção da inclusão.
Em resumo, o relatório da OIT, ao mesmo tempo que elogia a recuperação de Portugal baseada em políticas económicas e sociais, relembra que é necessário aumentar o emprego com qualidade, nomeadamente, através da melhoria de políticas salariais, do regime do tempo de trabalho e da promoção da negociação coletiva.
“Portugal (ainda não) pode dormir à sombra dos louros conquistados”.
As relações laborais assentam numa posição de desigualdade, no sentido de que existe uma parte mais forte, o empregador, que exerce determinados poderes sobre o trabalhador, que se assume como a parte mais “desprotegida”. Assim sendo, para que o empregador não utilize o seu poder de forma abusiva, torna-se necessária uma especial defesa dos direitos fundamentais do trabalhador, em especial da sua personalidade.
O poder de controlo pelo empregador é, portanto, inerente à própria relação laboral, embora tenha os seus próprios limites. Sendo esses respeitados, a legislação portuguesa admite um controlo presencial por parte do empregador. Para além disso, os meios de vigilância à distância não são totalmente excluídos do poder de controlo do empregador. O que se sucede é que só podem ser utilizados em casos limitados, consagrados no artigo 20.º do Código do Trabalho.
Com o avanço tecnológico, como é sabido, evoluíram de forma significativa as formas pelas quais é permitido ao empregador exercer o seu poder de controlo em relação ao trabalhador. Os meios de vigilância à distância passaram a fazer parte das relações laborais. Neste sentido, surge a questão de perceber se o GPS pode ser considerado como um desses meios de vigilância à distância.
O conceito de meios de meios de vigilância à distância do artigo 20º do Código do Trabalho é um conceito indeterminado. Contudo, consideramos que, apesar do número 3 do artigo 20.º apenas conter uma remissão direta para a “videovigilância”, não fará sentido cingir o conceito em análise apenas a este grupo de casos. A ratio desta norma apenas conseguirá ser alcançada se no conceito de “meios de vigilância à distância” forem incluídos outros meios que possibilitem o empregador exercer um controlo continuado do trabalhador.
O GPS instalado numa viatura de um trabalhador permite conhecer todo o trajeto percorrido, bem como o seu tempo, paragens efetuadas e a sua duração, velocidade e localização permanente. Assim sendo, permite construir um perfil detalhado sobre os movimentos efetuados, sendo facilmente enquadrável no conceito em análise. O GPS instalado, por exemplo, no relógio de pulso do trabalhador é ainda mais intrusivo, invadindo toda a vida privada do mesmo.
A circunstância de o GPS ser considerado como um “meio de vigilância à distância” apenas permite que o mesmo seja usado em casos limitados, nomeadamente quando razões de segurança e proteção de pessoas e bens ou particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem.
O GPS poderá, a título exemplificativo, ser utilizado como meio que possibilite a gestão de frotas do empregador e a melhor assistência externa prestada aos clientes. Todavia, nunca poderá ser utilizado para controlo do desempenho profissional do trabalhador.
Mesmo sendo admissível a utilização do GPS é sempre necessário o cumprimento do princípio da proporcionalidade, nomeadamente, elaboração de um juízo prévio sobre a sua indispensabilidade e sobre a proporcionalidade dos sacrifícios que comporta para os direitos fundamentais do trabalhador. O trabalhador tem também de ser informado sobre a finalidade, duração e a entidade responsável por efetuar o controlo através do GPS. Em suma: o GPS deve ser considerado como um meio de vigilância à distância. Logo, para que a sua utilização seja admissível, há que encontrar um ponto de equilíbrio entre os interesses de gestão empresarial e os direitos de personalidade do trabalhador.
Quase seis meses após a aplicação do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), já se pode fazer um primeiro «balanço».
Um grande número de empresas e organizações reviu as suas práticas, nomeadamente as grandes empresas privadas que atuam em setores estratégicos e para as quais os dados pessoais são um ativo essencial, como bancos, seguradoras, operadores de telecomunicações, comércio a retalho (grandes superfícies).
Contudo, muitas empresas privadas, grandes, médias e pequenas, e ainda outras empresas e entidades do setor público não implementaram o RGPD de forma completa e rigorosa.
Parece ter-se criado uma falsa «ilusão» de que a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) não teria, pelo menos, no início, um papel proativo, ilusão essa que foi alimentada pelas notícias de falta de verbas desta autoridade, bem como pelo atraso na aprovação da lei das medidas de execução do RGPD.
Por outro lado, no que à administração pública diz respeito, a moratória de três anos prevista na proposta de lei, ainda não aprovada, contribuiu para retirar o foco do setor público da necessidade de implementar as medidas de proteção de dados exigidas pelo RGPD.
Contrariando as expetativas de muitos, a CNPD decidiu aplicar uma coima no valor de 400 mil euros ao Centro Hospitalar do Barreiro Montijo, EPE pelo acesso indevido a dados clínicos de doentes por profissionais não médicos, quando uns dias antes tinha aberto um processo de averiguação à EMEL e à Câmara Municipal de Lisboa na sequência do envio dos SMS pela EMEL com alertas sobre o furacão Leslie.
Ambos os casos, embora diferentes, apresentam um elemento em comum: no caso da EMEL, o acesso aos dados pessoais para finalidades distintas daquelas para que foram inicialmente recolhidos; no caso do Hospital do Barreiro, o acesso a dados por pessoas que a eles não deveriam ter acesso.
Obviamente, não se nega que a mensagem da EMEL, se tivesse chegado antes da tempestade, pudesse ter sido importante para evitar males maiores. Contudo, é inegável que foram utilizados dados pessoais para um fim diferente daquele para que foram recolhidos e por uma entidade sem atribuições ao nível da proteção civil.
Neste primeiro balanço, cabe ainda mencionar que muitas organizações privadas continuam a ignorar as regras sobre a obtenção do consentimento dos titulares dos dados, pese embora todos termos sido bombardeados por emails procurando obter o consentimento para a utilização dos nossos dados nos meses que antecederam o 25 de maio.
Em regra, sempre que visitamos um site, é-nos perguntado se aceitamos «cookies». Muitos destes «cookies» não recolhem dados pessoais e por isso não é necessário obter o consentimento do utilizador, como é o caso dos «cookies» não intrusivos (cookies de preferência e cookies de sessão). Já os «cookies» intrusivos, que quando combinados com outros identificadores e informações recebidas pelos servidores, podem ser utilizados para a definição de perfis e a identificação de indivíduos, exigem consentimento, que não se satisfaz com opções pré-preenchidas, como ainda acontece. Visitámos numerosos sites de grandes empresas e outras não tão grandes que continuam a utilizar opções pré-preenchidas, quando o RGPD o proíbe taxativamente ao exigir um acto positivo de vontade, livre, expresso, esclarecido e inequívoco para valer como consentimento.
Na mesma linha, como o leitor saberá, continuamos a receber SMS e emails em massa em campanhas de marketing direto, sem que haja uma relação com a entidade remetente ou um prévio consentimento, não sendo, em muitos casos, respeitada a recusa em continuar a receber SMS ou emails («opt-out»).
Em suma, muitas organizações ainda não reviram, ou reviram de forma incorreta, os seus procedimentos de proteção de dados. Parece-nos certo que teremos mais notícias de coimas por violação do RGPD. A julgar pela primeira coima aplicada pela CNPD após 25 de maio, é expectável que as coimas venham a ser de montantes muito significativos.
A arbitragem demorou a afirmar-se em Portugal. Durante longos anos, foi vista não como uma verdadeira instância arbitral, mas como uma câmara de transação. As negociações prosseguiam paralelamente, sob a ameaça de uma espada de Dâmocles, que era a sentença arbitral, nem sempre reputada como credível.
A nova Lei de Arbitragem Voluntária, de 2011, foi fundamental para acelerar uma evolução que já se fazia sentir. A nova Lei, que segue a Lei-Modelo das Nações Unidas, permitiu a importação de formas de pensar verdadeiramente arbitrais, expurgando alguns entendimentos lusitanos juridicamente pouco adequados e fora dos padrões internacionais. Quase seis anos depois, já é possível fazer um balanço.
Cada vez mais, as arbitragens são conduzidas com independência e imparcialidade por árbitros qualificados e conhecedores da matéria em causa. A comunidade arbitral cresceu e os tribunais superiores têm acolhido favoravelmente as decisões arbitrais, não revelando hostilidade ou desconfiança, contribuindo decisivamente para a consolidação da arbitragem em Portugal.
A credibilização da arbitragem em Portugal permite assumir agora novos desafios. Há muito que a comunidade arbitral portuguesa assinala que Portugal deveria ser um destino preferencial de arbitragens internacionais, quer como sede, quer como, ao menos, lugar de arbitragens. São várias as razões.
A primeira consiste na história portuguesa. Sem ser cronicamente neutral, Portugal nunca teve (nem poderia ter) pretensões hegemónicas. Médio país no extremo ocidental europeu, pela sua dimensão e população, integra-se no sistema de relações internacionais como um país amigável e aberto. Não é pouco.
A segunda é a própria localização geográfica do país e a sua especial segurança. A caminho do Brasil, Angola e Moçambique e não distante de cidades de negócios europeias e americanas, Portugal permite deslocações fáceis e rápidas. Não pode também esquecer-se que Portugal é um país particularmente seguro: numa recente lista elaborada pela organização não governamental, Instituto Economia e Paz, Portugal surge como o quarto país mais seguro em todo o mundo.
Finalmente, Portugal tem um sistema judicial que oferece garantias à jurisdição arbitral. Não pesam em Portugal graves suspeitas ou interferências políticas sobre juízes e procuradores do Ministério Público. Recentes casos têm trazido alguma preocupação mas não são em número suficiente para afetar a perceção que, no geral, o sistema judicial funciona de forma regular e independente.
Se há algumas condições para Portugal ser um destino arbitral, há outras que ainda não existem. Das logísticas, passando pelas maneiras de pensar e acabando na segurança legal que um destino arbitral tem necessariamente que garantir.
As arbitragens internacionais são maioritariamente bilingues com tradução simultânea experiente e calejada, o que nem sempre é fácil de encontrar em Portugal. Infelizmente, a comunidade arbitral portuguesa, práticos e doutrinários, ainda não tem um verdadeiro espírito internacional nem produção científica regular integrada no circuito internacional. Talvez o sistema judicial tenha que admitir a litigância sobre arbitragem internacional na atual língua franca internacional, o inglês. Caso contrário, nunca será possível conduzir com segurança arbitragens internacionais em Portugal, não se imaginando a possibilidade de, em caso de impugnação, ter que traduzir todo o processo para português. Finalmente, devem ser criadas condições legais que assegurem que a sentença arbitral proferida numa arbitragem internacional não possa ser impugnada com base no sempre vago conceito de ordem pública nacional.
Como se vê, há muito a fazer para Portugal ser um destino arbitral para arbitragens internacionais. É uma oportunidade que não se pode nem se deve perder e que surge como a evolução natural após a consolidação da arbitragem. Não percorrer este caminho seria um desperdício das possibilidades que Portugal oferece e das capacidades da comunidade arbitral portuguesa.