A crise da banca portuguesa, como a crise das barrigas de aluguer, a crise do acordo ortográfico ou a crise dos direitos dos animais mostra que Portugal vive hoje a mais penosa ameaça à sua existência: morrer de ignorância.

Vem esta reflexão céptica (ou será cética) a propósito da polémica acerca das taxas de juro “negativas” que mereceu comentários na imprensa, discussão no Parlamento e uma oração de sapiência do Governador do Banco de Portugal pronunciada na casa da democracia.

Em declarações ao Parlamento, afirmou o Governador do Banco de Portugal, pronunciando-se acerca dos impactos das Euribor negativas que "há um limite a partir do qual é preciso ter em conta a taxa de juro negativa", para de seguida, alarmado, perguntar "o que está em causa é se queremos levar esse princípio ao ponto de cobrar taxas negativas" ou "se aceitamos que há um limite zero", para concluir, redondo qual conselheiro Acácio, "cabe a esta câmara decidir porque é uma questão politica” pois “o Banco de Portugal não pode legislar”.

Não esqueceu certamente o Sr. Governador a Carta Circular n.º 26/2015/DSC de 30 de março de 2015 onde afirmava: “quando a taxa de juro aplicada a contratos de crédito e de financiamento esteja indexada a um índice de referência, deve resultar da média aritmética simples das cotações diárias do mês anterior ao período de contagem de juros, entende este Banco que, nos contratos de crédito e de financiamento em curso, não podem ser introduzidos limites à variação do indexante que impeçam a plena produção dos efeitos decorrentes da aplicação desta regra legal.”

Desta frase elíptica entenderam muitos que o BdP defenderia que, quando da soma da Euribor (negativa) à margem convencionada entre as partes o valor resultante fosse também ele negativo, a taxa de juro seria também “negativa” (as aspas justificam-se porque “juros negativos” é uma contradição nos termos, como veremos de seguida).

Talvez o BdP devesse ter ficado quieto no seu canto e este problema não teria assumido as suas proporções actuais (ou será “atuais”).
Mas a peroração do BdP na sua carta circular brinda-nos ainda com uma outra verdade como um punho - tal é a dor que nos provoca - ao afirmar “sem prejuízo de outras soluções contratuais legalmente admissíveis, entende-se ser de sublinhar que as instituições de crédito, caso estejam habilitadas a atuar como intermediários financeiros e entendam comercializar instrumentos financeiros derivados de taxa de juro como forma de prevenir os efeitos da evolução negativa dos indexantes utilizados na contratação de operações de crédito e de financiamento, devem assegurar a autonomização da contratação dos referidos instrumentos relativamente ao contrato de crédito e, bem assim, garantir o esclarecimento dos clientes sobre as caraterísticas desses instrumentos financeiros derivados.”

Tal asserção de difícil compreensão mais não é do que um convite a que bancos e particulares celebrem contratos de derivados para resolver esse problema dos riscos de a taxa de juro algum dia se aproximar de “zero” ou cair abaixo de “zero”.

Não bastava soltar um demónio como logo se põe outro à espreita: os instrumentos financeiros derivados que em vez de ficar na gaveta devem ser usados para levar os clientes a fazer o que eles não querem, não compreendem e não precisam. Não era necessário chamar para aqui os derivados.

Um ano volvido, o diabo estava à solta: os juros “negativos” estão à porta e perguntam se podem entrar. Os demagogos – felizes - podiam finalmente anunciar ao povo que em vez de pagar empréstimos os bancos lhes farão o obséquio de os brindar com dinheiro fresco ou lhes amortizar os empréstimos. E se não o fizessem cá estarão os deputados da nação para os mandar fazer. Os banqueiros assustados com a possibilidade mostraram a quem de direito - o BdP - que isso lhes traria grandes e graves prejuízos e nada ajudaria a sua débil saúde financeira.

O Governador vai então ao Parlamento explicar que aquela carta 30 de março de 2015 nada dizia e como tal ele nada podia fazer e - já agora - seria bom que o parlamento fizesse uma lei a dizer que os juros não podem sem menos de “zero”.

Não é preciso; basta saber ler. Diz o número 1 do artigo 1145.º do código civil português: “As partes podem convencionar o pagamento de juros como retribuição do mútuo; este presume-se oneroso em caso de dúvida.”

Por outras palavras, a menos que as partes o convencionem, o mútuo é oneroso, conferindo o direito ao mutuante a receber o capital mutuado acrescido de um juro. É verdade que o código civil já tem 50 anos e por isso talvez não esteja na moda mas por enquanto não há juros “negativos”.

Já agora o problema resolve-se da seguinte forma:
1. Se as partes nada tiverem dito os bancos aplicam a formula contratualizada até o valor chegar a “zero” pelo que haverá períodos em que os mutuários serão poupados ao dever de pagar juros;
2. Se as partes assim o entenderem podem estabelecer valores de juros mínimos fixos, mínimos ou máximos sem necessidade de recorrer a derivados.

Se os nossos legisladores quiserem fazer-nos um favor: poderiam consagrar esta segunda regra numa lei, pois não o estando, sempre que queremos fixar uma taxa de juro lá nos impõem o famigerado “swap”, “breakage costs” e outras coisas que doem.
Haja esperança!

O fim do ano de 2015 foi acidentado para o já débil setor financeiro português. O Banco de Portugal e o Banco Central Europeu queriam limpar esta casa na ponta ocidental da Europa antes da entrada em vigor a 1 de janeiro de 2016 do mecanismo europeu de resolução bancária. Primeiro foi a decisão de intervencionar o BANIF, pequeno banco do sistema mas com um custo potencial de mais de 3.000 milhões de euros para o contribuinte português. Seguiu-se, no dia 29 de dezembro, uma segunda resolução do BES.

O Banco de Portugal deliberou “re-transferir” determinadas obrigações sénior num valor aproximado de 2.000 milhões de euros para o BES, banco mau que resultou da medida de resolução de agosto de 2014.

Conforme foi anunciado pelo Banco de Portugal, a nova medida melhora o rácio de capital do Novo Banco que sobe para 13%.

Antevendo os litígios judiciais que certamente advirão desta medida, o Banco de Portugal afirma que a medida agora imposta resulta de “perdas decorrentes de factos originados ainda na esfera do Banco Espírito Santo, S.A. e anteriores à data de resolução”, ou seja, que a medida só visa resolver um problema anterior à criação do Novo Banco. Invoca ainda que a nova resolução é “necessária para assegurar que, conforme estipulado no regime de resolução, os prejuízos do Banco Espírito Santo, S.A. são absorvidos, em primeiro lugar, pelos acionistas e pelos credores daquela instituição e não pelo sistema bancário ou pelos contribuintes”, o que justificaria o tratamento desfavorável dado aos titulares das obrigações “re-transferidas” para o BES. Por último, o Banco de Portugal conclui que esta última decisão “constitui a alteração final e definitiva do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco” que havia ficado em aberto na medida de resolução original e que, com esta decisão, “se considera definitivamente fixado”.

Em contraste com a medida de resolução original aprovada em 2014, cuja legalidade dificilmente poderá ser posta em causa, neste caso específico há fortes razões para questionar a proporcionalidade e oportunidade da medida adotada, que mais parece uma fuga para a frente do que um ponto final na questão BES.

Quanto à oportunidade, convém lembrar que a medida surge mais de um ano e quatro meses depois da intervenção no BES, ocorrida a 4 de agosto de 2014. Assim, dificilmente se compreenderá que factos ocorridos antes de agosto de 2014 justificariam tão gravosa medida. Como sabemos, desde essa data o Novo Banco aprovou as suas contas de 2014, as quais terão sido devidamente auditadas pelos seus revisores oficiais de contas e revistas pelo Banco de Portugal no exercício das suas funções de supervisão. Posteriormente, o Novo Banco aprovou contas trimestrais e semestrais relativas ao ano de 2015 e foi submetido aos testes de «stress» do Banco Central Europeu que foram anunciados pelo Banco de Portugal em 14 de novembro de 2014.

Como é agora possível invocar-se que a nova medida resulta de factos anteriores à resolução?

Por outro lado, esta medida põe em causa a igualdade de tratamento de credores por, em primeiro lugar, ter ocorrido em 2015 o reembolso de obrigações de igual natureza e ainda por haver outras emissões de obrigações do BES que tinham sido assumidas pelo Novo Banco.

Como pode então explicar-se que uns credores tenham visto os seus créditos satisfeitos e outros não?

Esta medida não parece pois proporcionada. Igualmente privilegiados são os demais credores comuns do Novo Banco que não vêm os seus direitos prejudicados pela resolução agora adotada. Não se consegue vislumbrar no regime de resolução bancária qualquer norma que possa fundamentar o tratamento desigual de credores de uma mesma categoria, com a exceção dos depósitos que beneficiam de um direito de prioridade sobre os demais credores comuns. O que é mais estranho é que a presente medida não atinja sequer os detentores de outras obrigações sénior assumidas pelo Novo Banco.

Em resumo, temos pano para mangas: a litigância que se seguirá será muita e a probabilidade de os credores prejudicados virem a ganhar em tribunal é grande.

Significativo é que o comunicado do Banco de Portugal venha esclarecer que “compete ao Fundo de Resolução neutralizar, por via compensatória junto do Novo Banco, os eventuais efeitos negativos de decisões futuras, decorrentes do processo de resolução, de que resultem responsabilidades ou contingências”, como que a dizer que o sucesso de eventuais litígios que se adivinham não prejudicará o Novo Banco, o que não é necessariamente verdade, como as manifestações à porta da sua sede e dos seus balcões têm mostrado.

Todos sabemos que a responsabilidade última de eventuais litígios em torno da resolução do BES terão de ser pagos pelo Fundo de Resolução. Ao afirmá-lo, o Banco de Portugal parece querer indicar que os credores afetados por esta última medida verão os seus direitos satisfeitos em tribunal. O que o Banco de Portugal e o Banco Central Europeu conseguem com esta medida é melhorar a situação financeira do Novo Banco e eventualmente facilitar o processo de venda.

Contudo, perde-se certeza jurídica e perde-se a confiança na palavra dada pelo Banco de Portugal e pelo Banco Central Europeu, que atropelam as leis de que deveriam ser os principais guardiões.

Fica por saber se os potenciais compradores do Novo Banco não deverão ter razões para desconfiar de um regulador que permitiu (e exigiu) um aumento de capital de um banco com gravíssimos problemas internos, que de seguida intervencionou e que volta atrás numa decisão tomada há mais de um ano e quatro meses.

O futuro o dirá.

Um dos aspetos menos discutido da crise financeira portuguesa foi, desde o seu início, as dificuldades no processo de «desalavancagem» dos bancos. É certo que desde 2011 até hoje a dívida total de particulares e empresas desceu de 255% do PIB para 227,3%, o que pode ser explicado, entre outros fatores, pela contração do crédito bancário total concedido a empresas e particulares num impressionante valor global de € 54.781 milhões, distribuídos entre as famílias (€24.179 milhões) e as empresas (€30.602 milhões).Contudo o processo de «desalavancagem» dos bancos ficou incompleto e o envidamento das empresas mantém-se ainda hoje num nível insustentável de 145,8% do PIB contra 165,6% em 2012. Por contraposição o crédito a particulares desceu de 94,8% em 2012 para 81,4% em 2015, este já um valor aceitável.
Estas estatísticas mostram que, apesar do esforço, o nível de dívida níveis das nossas empresas está ainda muito acima das empresas alemãs ou da nossa vizinha Espanha.
A situação atual resulta da relutância dos bancos portugueses em se desfazer dos empréstimos problemáticos que continuam a onerar as empresas com dívidas impagáveis, mantendo muitas delas num estado de semi-vida e tornando-as “empresas-zombies”, cuja única função é satisfazer o serviço de dívida ou, à falta de melhor, de parte dessa dívida.
Entretanto muitas outras empresas foram sendo transferidas para veículos dependentes, direta e indiretamente, dos bancos que as reestruturam com a única finalidade de as vender um dia e recuperar parte das perdas sofridas, o que lhes retira qualquer capacidade de investir e inovar.
Por seu turno, o crédito malparado era em 2015 de 16,6% do crédito concedido a empresas e 5,3% do crédito a particulares, contra 10,6% e 4,1%, em 2012. A cifra total do crédito malparado em Portugal ascendia assim em 2015 a € 20.850, contra €14.978 milhões em 2011 e €10.917 milhões em 2009.
Na vã esperança de que melhores dias virão, os bancos recusam-se a reconhecer de vez todo o crédito malparado que têm em carteira e a desfazer-se dele. É esta a raiz dos problemas do sistema bancário português que está na origem das recentes intervenções do Banco de Portugal no BES/Novo Banco e no BANIF e que poderá vir a provocar problemas em outros bancos do sistema.
A causa última da situação atual reside numa característica muito portuguesa: a resistência ou resiliência como hoje usa dizer. Tal resiliência tanto pode ser uma virtude como um defeito porque aceita a dor sem nada fazer para extirpar o mal. Em geral os bancos portugueses, ou seja, as suas administrações e acionistas, acreditaram que poderiam ir “limpando” os seus balanços de forma suave, digerindo as suas imparidades lentamente enquanto esperavam que a retoma os livrasse do problema.
O Governo anterior e a Troika caucionaram esta política para facilitar a saída limpa e nunca exigiram medidas mais duras. Assim, até final de 2013, tudo parecia ir bem: BCP e BPI devolveram as ajudas estatais e o BES não chegou a ter qualquer financiamento público. O problema parecia confinado aos pequenos bancos do sistema, BANIF e Montepio, até eclodir a crise do BES. A crise do BES teve como causa direta a confusão do banco com a família e vice-versa, mas não deixou de ter também como causa a profunda exposição do banco ao débil setor empresarial português, em particular, ao setor imobiliário, ou não fora o BES o principal banco das empresas e o banco do regime.
Com a saída “limpa” da Troika, o fim das reforma estruturais para Bruxelas ver e eleições à porta, o anterior Governo limitou-se a adiar o problema do BANIF bem como os problemas maiores da CGD e do Novo Banco e não quis saber se os bancos fizeram tudo o que deveriam ter feito. Afinal tudo ia bem no melhor dos mundos. Mas não, os problemas da banca nacional são graves e estruturais e começam nos dois bancos públicos: a CGD e o Novo Banco.
Isto não quer dizer que estes bancos em particular bem como os demais grandes bancos do sistema não sejam instituições sólidas. Contudo, sofrem de dois males graves: primeiro, as novas regras europeias exigem cada vez mais capital próprio e poucos são os investidores disponíveis para investir num negócio que mais não faz do que apresentar perdas ano atrás ano; segundo, não se livraram ainda do crédito mal parado e continuam a apoiar as empresas do costume.
O que fazer?
A situação atual exige uma ação determinada. Há que promover a «desalavancagem» do sistema bancário para evitar crises futuras e diminuir o risco para os contribuintes e depositantes.

Qualquer programa de apoio público tem de assentar em quatro pilares:

(1) Primeiro, as medidas adotadas deverão ser definitivas. A solução deve resolver definitivamente o problema e não servir como mero paliativo. Só libertando o sistema bancário do peso dos maus empréstimos, poder-se-á assegurar que os bancos voltarão a emprestar à economia real e atrair a confiança dos investidores. Qualquer intervenção deverá ainda assegurar que se quebra qualquer relação entre os bancos e os ativos problemáticos de forma a devolver as empresas em dificuldades à economia real, deixando cair as que não tiverem capacidade para sobreviver e permitindo que as boas empresas possam retomar o seu papel na economia, investir e inovar;
(2) Segundo, a solução deverá ser proporcionada. As medidas propostas devem ser adequadas à resolução do problema mas não deverão implicar um custo excessivo e punitivo para os atuais accionistas e obrigacionistas dos bancos;
(3) Terceiro, a solução deverá ser neutral. A intervenção não pode provocar distorções na concorrência nem no equilíbrio relativo do sistema bancário beneficiando uns e prejudicando outros;
(4) Por último, a intervenção não deverá ter custos para o contribuinte.

Após a crise da dívida soberana em 2010, as autoridades bancárias europeias têm vindo a realizar “stress tests” cada vez mais exigentes e a impor o reforço dos capitais próprios dos bancos e a contribuição de acionistas e credores comuns para a recapitalização dos bancos cujo desequilíbrio justifica a intervenção dos reguladores. Contudo, os mecanismos de resolução em vigor na Europa não respondem às situações menos críticas anteriores à pré-insolvência em que o desequilíbrio resulta de dificuldades de proceder à alienação de ativos problemáticos, mas que se podem tornar mais graves se puserem em causa a confiança dos depositantes e a liquidez das instituições bancárias.

Para essas situações seria mais adequado criar programas de alienação de ativos problemáticos do tipo implementado nos Estados Unidos ao abrigo do “Legacy Securities Public-Private Investment Program”, ao abrigo do qual foram adquiridos uma quantidade significativa de “Commercial Mortgage-Backed Securities” (“CMBS”) e “Residential Mortgage-Backed Securities” (“RMBS”), cujo valor de mercado era demasiado penalizador para os bancos que as detinham e punham em causa a sua sobrevivência.
Propomos assim que seja criado um programa de compra dos ativos problemáticos da banca portuguesa e que os bancos sejam forçados a alienar os ativos que pesam nos seus balanços a entidades terceiras com exceção dos bancos vendedores ou de outras instituições financeiras a operar em Portugal.
Para operacionalizar esse programa, em primeiro lugar, seria exigido aos bancos que alienassem uma determinada percentagem dos ativos registados como problemáticos no seu balanço. Os bancos poderiam vender esses ativos no mercado pelo valor que acordassem.
Não havendo comprador ou o sendo o valor de mercado desses ativos demasiado penalizador os bancos poderiam vender esses ativos a um fundo a constituir pelo Estado com a participação dos bancos e de investidores privados. Nessas situações a venda teria de ser feita por um valor 10 a 20% abaixo do valor a que esses ativos estiverem registados no balanco do banco vendedor ou do valor que lhes for dado em auditoria independente.
O fundo de apoio a constituir seria financiado em parte pelos acionistas dos bancos e o remanescente por outros investidores privados e pelo Estado. Caso os acionistas dos bancos se recusassem a financiar a sua quota-parte do fundo, o banco vendedor teria de dar um desconto aos ativos alienados correspondente ao montante que caberia aos seus acionistas investir no fundo e perderiam o direito a receber quaisquer lucros que viessem a ser gerados por esses ativos.
O fundo de apoio deveria ser gerido por entidades independentes dos bancos, não podendo os bancos vendedores ter qualquer poder de interferir na gestão do fundo.
Quaisquer eventuais perdas relativas aos ativos transferidos deveriam ser, em primeiro lugar, absorvidas pelos montantes investidos pelos acionistas dos bancos no fundo e em segundo lugar pelos acionistas privados que investissem no fundo.
Esta solução permitiria resolver definitivamente o problema da banca nacional, não acarretaria custos para o Estado, imporia um esforço razoável sobre os atuais acionistas dos bancos (com potencial retorno futuro) e asseguraria que o sistema bancário e as empresas pudessem olhar para o futuro com confiança.
É preciso cortar as amarras do passado e começar de novo.

Haja coragem!

P.S. Já tinha escrito este artigo quando o Banco de Portugal anunciou nova deliberação relativa ao Novo Banco que visa precisamente reforçar os seus capitais próprios, cuja conformidade com a lei será certamente questionada. Pela minha parte, que sempre defendi a legalidade e a constitucionalidade da medida de resolução original aprovada em 2014 e do regime jurídico de resolução, sucessivamente revisto até hoje, estou à vontade para dizer que neste caso específico tenho muitas dúvidas sobre a proporcionalidade e oportunidade da medida adotada, que mais parece uma fuga para a frente do que um ponto final na questão BES.

Esta medida só mostra como é urgente resolver a crise bancária portuguesa de forma decidida e definitiva.

2015-06-18

Apesar da expansão e do desenvolvimento de formas de resolução alternativa de litígios nos últimos anos - com destaque para a arbitragem - é nos conflitos laborais que menos se utilizam tais instrumentos.
A arbitragem como forma de resolução de conflitos coletivos de trabalho raramente é utilizada em Portugal, com a exceção das situações em que empresas do setor empresarial do Estado fazem greve e é necessário fixar os serviços mínimos que satisfaçam necessidades sociais impreteríveis.
Já na arbitragem laboral individual, a lei que aprova a Lei da Arbitragem Voluntária Portuguesa  ("LAV") determinou que a submissão a arbitragem de litígios emergentes de ou relativos a contratos de trabalho seria regulada por lei especial.
Na presente legislatura foram já várias as manifestações relativas à criação de um quadro legal especial em matéria dos contratos individuais de trabalho.
No Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego, de 18 de janeiro de 2012 entre o Governo e os parceiros sociais, foi assumido o compromisso de, até ao final de 2012, adotar os meios necessários à promoção da mediação e da arbitragem laboral, com vista à composição célere e justa dos litígios entre empregador e trabalhador, sem prejuízo da possibilidade de recurso aos tribunais judiciais.
No Memorando de Políticas Económicas e Financeiras celebrado entre o Estado Português, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, foi também assumida a obrigação de fortalecer os mecanismos de Resolução Alternativa de Litígios, por forma a facilitar a respetiva resolução extrajudicial.
Não obstante tais previsões, não foi ainda dado enquadramento legal a este regime especial da arbitragem para conflitos laborais e não são conhecidos ainda projetos de implementação dessa arbitragem laboral.
A experiência recente relacionada com a arbitragem voluntária comercial, demonstrou que o acesso a esta jurisdição complementar ou concorrente da justiça pública, constitui uma alternativa que deverá ser sempre avaliada.
Exemplo desta realidade são os E.U.A., onde a arbitragem laboral de conflitos de trabalho é permitida através de compromisso arbitral, inserido no contrato de trabalho, mediante o qual empregador e trabalhador podem voluntariamente acordar para resolver as suas disputas laborais através do instituto da arbitragem privada. As decisões de arbitragem em geral, não são anuladas pelos tribunais comuns, salvo se forem contra a ordem pública ou se o tribunal em questão não concordar com o mérito da decisão. Em particular, no caso de arbitragem de conflitos individuais de trabalho, a clara tendência dos tribunais norte americanos é a de examinar com minúcia se foi respeitada a equidade no processo de arbitragem.

No dia 13 de Fevereiro, o Banco de Portugal (BdP) emitiu um comunicado no qual afirma "[o] reembolso de títulos de dívida que não foram emitidos pelo BES - ainda que tenham sido colocados por esta entidade - é da exclusiva responsabilidade dos respetivos emitentes, uma vez que são estes os devedores dos créditos relativos a esses títulos". O BdP acrescenta que o Novo Banco não tem "qualquer responsabilidade decorrente da comercialização pelo BES de dívida emitida por entidades que integram o GES, e conforme estabelecido na Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 14 de agosto oportunamente divulgada, o Novo Banco também não está impedido de desenvolver práticas comerciais dirigidas aos detentores daqueles títulos, no interesse simultâneo de ambas as partes, sempre sob condição de que tal não prejudique o equilíbrio financeiro do Novo Banco".

A comunicação do BdP provocou o desespero de muitas pessoas, ainda esperançadas numa solução negociada, lançou o pânico e a ira de clientes do BES que investiram em títulos do Grupo Espírito Santo e que vêm as suas poupanças desaparecer.

A posição do BdP não nos causa, porém, qualquer surpresa. Aliás a remissão para a deliberação tomada a 14 de Agosto de 2014, em plena crise do BES, que passou desapercebida à imprensa e comentadores, é elucidativa. Com efeito no comunicado de 14 de agosto de 2014 o BdP afirmava: "[todas] as obrigações ou outros títulos representativos de dívida não emitidos pelo Banco Espírito Santo devem ser reembolsados pelos respetivos emitentes, uma vez que são estes os devedores dos créditos relativos a esses títulos ou obrigações", acrescentando-se de seguida "eventuais propostas de tratamento dos clientes de retalho que detenham estes instrumentos, de que o Novo Banco não é devedor, e que se revelem importantes para a preservação da relação de confiança com os clientes, dependem de condições que têm de ser definidas pelo Conselho de Administração do Novo Banco".

Na mesma altura, porém, o Novo Banco, autorizado pelo BdP, emitiu um comunicado onde se afirmava "determinado em comprar aos clientes de retalho do Novo Banco o papel comercial da ESI e RioForte, subscritos na rede de retalho do BES até 14 de Fevereiro de 2014", pelo que os clientes do BES ficaram na expectativa de virem a receber uma oferta de recompra por parte do Novo Banco.

A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) veio em comunicado de 20 de Fevereiro defender a posição dos cliente ao "reitera[r] que, face ao teor da informação divulgada, entende que foram criadas expectativas jurídicas aos subscritores destes produtos, quanto à restituição do capital investido, suscetíveis de determinar ou de interferir com decisões quanto à manutenção ou não dos investimentos" e ainda que "entende - e já o transmitiu nos fora e pelos meios próprios - que deverá haver lugar à adoção pelo Novo Banco de soluções de compensação dos investidores não qualificados vítimas das más práticas de comercialização de papel comercial GES vendido aos balcões do Banco Espírito Santo". A CMVM deixa claro entender que não apenas os clientes do Novo Banco (antigo BES) tinham uma expectativa jurídica, ou seja que merece a tutela do Direito e da Justiça, como ainda que tal direito se funda nas "más práticas de comercialização" do BES, ou seja, admite implicitamente que terão havido factos que tornam o BES responsável pelos prejuízos sofridos pelos clientes do BES que subscreveram dívida do GES.

É gritante a divergência entre a CMVM e o BdP nesta matéria.

Em boa verdade, desde o início da crise do BES temos mantido a opinião que o BdP não estaria na disposição de defender os interesses dos clientes do BES/Novo Banco lesados pela conduta, no mínimo negligente mas muito provavelmente intencional, do BES (agora Novo Banco), enquanto instituição, sua administração e, provavelmente, alguns dos seus funcionários, com maior ou menor grau de envolvimento e de culpa. Contudo, tal ainda não havia ficado suficientemente claro até ao comunicado do BdP de 13 de Fevereiro último que marca definitivamente um ponto de não retorno, a partir do qual aos lesados só restam vias judiciais.

Independentemente do caminho que os processos possam vir a tomar a partir de aqui, importa refletir sobre a posição do BdP na matéria.

É sabido que a venda agressiva de papel comercial de empresas do GES a clientes do BES, do BPES e de outras instituições do grupo veio na sequência de instrução do BdP de 3 Dezembro de 2013 ordenando a "eliminação da exposição, resultante quer do financiamento direto ou indireto, quer da concessão de garantias do grupo ESFG à ESI que não estivesse coberta por garantias juridicamente vinculativas e prudentemente avaliadas".

Esta ordem a que o BdP designou de "ring-fencing" visava proteger o BES de riscos do GES, então à beira da falência se não mesmo já insolvente. A decisão do BdP, elogiada na altura, viria a revelar-se desastrosa. Como é sabido hoje, após esta decisão o BES iniciou um processo de venda agressiva junto dos seus clientes institucionais e não institucionais, diretamente ou por intermédio de entidades consigo relacionadas e dependentes como o BPES, o ES Dubai etc, de títulos de dívida de empresas do GES com vista reembolsar o BES da divida GES que detinha em carteira e que o BdP ordenara separar. O efeito da ordem de "ring-fencing" foi, por isso, perverso na medida em que, servindo para proteger o BES de eventuais riscos de incumprimento do GES, acabaria por levar à transferência desse risco para terceiros incautos que confiaram na palavra do BES.

Todos estes clientes, incluindo os designados clientes institucionais, que adquiriram títulos de dívida do GES em Portugal ou no estrangeiro terão, portanto, direito a ser ressarcidos dos prejuízos sofridos, provado que fique, como vai parecendo cada vez mais evidente, que houve um envolvimento do BES na colocação de papel comercial junto de investidores institucionais ou de retalho fora de Portugal, nomeadamente através do BPES e da ESFG. Em alguns casos, essa responsabilidade caberá ao Novo Banco, nomeadamente quando se provar funcionários do BES intervieram diretamente na colocação do papel comercial em seu nome e em violação das regras de intermediação financeira e desde que, de acordo com a Deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, não se incluam no âmbito das responsabilidades que ficaram no banco mau, o que levanta outras questões que não cabe aqui esmiuçar.

É deste risco que o BdP quer agora isolar o Novo Banco. Compreensivelmente, o BdP, enquanto responsável pela criação do Novo Banco e pela sua venda, não que colocar em risco a solvabilidade desta instituição nem prejudicar a sua venda, cujos prejuízos se repercutirão sobre o sistema financeiro nacional. O que não se compreende é que o faça, mais uma vez, à custa dos investidores. Manda a lei que os accionistas e credores subordinados sejam os responsáveis pelas perdas do banco mau, no caso o BES, mas a lei não impõe que os credores comuns possam ser prejudicados para proteger o Novo Banco. Pelo contrário, a lei obriga o BdP a garantir que a resolução não prejudique os credores comuns do BES; pelo contrário, a lei impõe que sejam tratados da mesma forma que os demais credores comuns do banco de transição, o Novo Banco.

O BdP, no papel de guardião do sistema financeiro, esquece o seu dever perante os clientes dos bancos, como se essa tarefa competisse apenas à CMVM e outros reguladores. Contudo, a lei é bem clara ao obrigar os bancos a respeitar as normas de intermediação financeira, claramente violadas pelo BES (hoje Novo Banco), e em atribuir ao BdP a função de velar pelos interesses dos clientes.

Como se disse acima, era compreensível, embora talvez não totalmente justificável, que, em 2013, o BdP tivesse dado ordens à administração do BES para criar o célebre "anel de segurança" (o dito "ring-fencing") em torno do banco, o que não se compreende é que o BdP não se sinta na obrigação de se manter neutral e defender tanto o interesse dos bancos como o dos seus clientes: tomando partido, interpretando as leis muito para além do que deve e persistindo em erros do passado. Quando já estamos a meses do colapso do BES, já não se pode invocar a boa-fé e o desconhecimento da conduta fraudulenta de certas pessoas como invocou a seu tempo o BdP.

Bem disse alguém que o homem é o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra....

Vivemos numa sociedade em que se diz aos cidadãos que a cidadania consiste no exercício de direitos. Aos cidadãos é dito também que temos uma lei fundamental, uma Constituição, que garante o exercício dos direitos fundamentais, neles se incluindo o de acesso ao direito que não deve ser denegado por motivo de insuficiência económica. Vivemos numa sociedade em que o desrespeito grosseiro pelo direito por quem se esperava fossem os mais cumpridores se tem vindo a tornar um elemento cada vez mais perturbador da nossa vida.
Todos nós estamos a ser afetados pelas práticas, muitas ilegais, de políticos no passado recente que levaram o país à insolvência e a ter de celebrar acordos com os seus credores (curioso que ninguém reconheça que o país esteve insolvente em 2011 e que a bancarrota, a falência, só foi evitada pela intervenção da Troika). Grandes e pequenos investidores e aforradores foram vítimas da ganância despudorada de alguns banqueiros com a conivência de políticos corruptos.
Neste estado de coisas, espera-se que o sistema judicial atue castigando quem prevaricou e ressarcindo as vítimas. Por isso, vivemos em tempos de grande litigância mas, infelizmente, vivemos também em tempos que nem todos podem aceder à justiça. Isto porque a conjugação do critério de insuficiência económica, do qual a nossa Constituição faz depender a concessão de apoio judiciário, com a inexistência de limites quantitativos ao valor das custas judiciais (cuja constitucionalidade nos parece, no mínimo, duvidosa), deixa de fora todos aqueles casos em que o valor da lesão, e consequentemente do pedido, é elevado e o lesado, embora não vivendo numa situação de insuficiência económica, não dispõe de meios para suportar as custas que lhe caibam na parte do pedido em que venha eventualmente a decair.
Quantos advogados não ouviram de clientes dizer que, não tendo a certeza de ter ganho de causa (quem pode dar essa certeza à partida?) preferem não arriscar numa ação em que podem ter de vir a pagar quase 10% do valor do pedido?
A situação é grave quando a impossibilidade de ressarcimento do dano sofrido põe em causa, por exemplo, a viabilidade de um projeto empresarial: já vimos investidores estrangeiros retrair-se e sair do nosso país nessas circunstâncias. É ainda mais grave quando põe em causa um projeto de vida pessoal: basta pensar nos muitíssimos lesados pelos recentes escândalos financeiros em Portugal, que estão a ser agora confrontados com a necessidade de recorrer aos tribunais para tentar recuperar as poupanças de uma vida.
Tudo isto dá que pensar.
Talvez a Constituição não esteja a cumprir a sua função, ou talvez aqueles que estão encarregues de a fazer cumprir e o têm feito com excesso de zelo noutras matérias, não estão suficientemente atentos para esta realidade, pois creio ser claro para todos que a excessiva e injustificada onerosidade das custas é nas circunstância acima referidas uma forma de denegação da justiça, a juntar a tantas outras. O custo da justiça não é só o quanto se paga por ela mas também o custo que a sua denegação significa para o país e para os seus cidadãos.

2015-02-25

Foi há quase um ano que o Tribunal de Justiça da União Europeia reconheceu o direito a poder ser esquecido na Internet. Em vez de uma mera proclamação, o Tribunal consagrou a forma de exercício deste direito e determinou que quem quer ser esquecido pode pedir a motores de busca, como o Google, que, nalguns casos, eliminem o acesso às suas informações pessoais.

A Decisão de 13 de maio de 2014 do Tribunal de Justiça da União Europeia debruçou-se sobre um caso aparentemente simples. No longínquo ano de 1998, a Segurança Social espanhola arrestou diversos imóveis do cidadão espanhol Costeja González devido a dívidas. Esses imóveis acabaram por ser vendidos em hasta pública com anúncios publicados no jornal espanhol La Vanguardia. O problema de Costeja González era que uma pesquisa pelo seu nome no Google dava como primeiro resultado duas páginas do jornal La Vanguardia em que apareciam os anúncios da venda dos seus imóveis.

O anúncio pelo Banco Central Europeu do início do Programa de Quantitative Easing foi recebido com o aplauso, mais ou menos entusiasmado, daqueles que mais têm pugnado pelo fim dos programas de ajustamento e de austeridade, em Portugal e na Europa. O programa prevê a compra de obrigações emitidas por administrações centrais da área do euro, organismos e instituições europeias num montante combinado mensal de até €60 mil milhões e durará até setembro de 2016, podendo vir a ser prolongado até 2017.

As medidas de Quantitative Easing criam um estímulo monetário ao permitir aos bancos e outros investidores vender o seu portefólio de certos ativos ao BCE, libertando assim liquidez que poderá ser reinvestida ou utilizada para financiar a economia. Num cenário ideal, os bancos voltariam a emprestar dinheiro a empresas e famílias levando a um aumento do consumo e do investimento.

No início de Março foi publicado um manifesto subscrito por 74 notáveis em que se defende a necessidade ou conveniência em "reestruturar" a dívida pública portuguesa. Entretanto foi apresentada uma petição subscrita por milhares de pessoas para que o assunto seja discutido na Assembleia da República.
Aquando da publicação, a resposta do Governo, na pessoa do Primeiro-ministro, não se fez esperar: trata-se, afirmou, de um acto que põe em causa o financiamento do país. Com efeito, se o Primeiro-ministro subscrevesse o manifesto imediatamente subiriam as taxas de juro de financiamento ao país, a troika deixaria de confiar em nós e ficaria impossível uma saída à irlandesa ou à portuguesa, com ou sem cautelar. Subscrever o manifesto significa empurrar o país para uma saída à grega, ou seja, para um segundo resgate, num momento em que a Grécia se aproxima mais e mais do seu terceiro resgate.

Publicado o anteprojecto de reforma do IRC, logo sugiram elogios apressados às propostas da comissão. Num primeiro momento, parecia haver unanimidade. Finalmente uma comissão nomeada por este Governo, logo um Governo e este Governo, defendia a descida de um imposto. E todos queremos que os impostos baixem. Direita e esquerda aplaudiam. Depois, em surdina, começaram a surgir as primeiras palavras contra. Afinal, baixar os impostos das empresas quando tantos pagam IRS a níveis muito superiores e todos pagamos IVA a 23% parecia injusto. E há ainda, se os houver, os cortes nos salários e pensões dos funcionários públicos. Soaram então as críticas, muitas mal fundamentadas e com argumentos tão falaciosos quanto os daqueles que aplaudiam. Houve quem lembrasse a polémica da TSU. E vieram os lóbis a pedir a descida deste e daquele outro imposto que lhes convém mais.

As propostas da comissão merecem reflexão e ponderação.