Foram hoje publicadas as alterações ao regime de teletrabalho previsto no Código do Trabalho e ao diploma que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais (Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro).
Eis as principais regras que entram em vigor no dia 1 de janeiro de 2022:
Instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho
Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho podem afastar as normas legais reguladoras do contrato de trabalho em sentido mais favorável para os trabalhadores (artigo 3.º/3, k) do Código do Trabalho).
Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho têm de especificar as condições da prestação de trabalho em regime de teletrabalho (artigo 492/1.º, i) do Código do Trabalho).
Noção
É considerado teletrabalho a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este, através do recurso a novas tecnologias de informação e comunicação (artigo 165/1.º do Código do Trabalho).
Acordo escrito obrigatório e outras formalidades
As novas alterações consagram a necessidade de acordo escrito para qualquer situação de teletrabalho. O acordo escrito pode constar do contrato inicial de trabalho ou ser autónomo (número 2 do artigo 166.º do Código do Trabalho).
O acordo de teletrabalho pode prever a prestação da atividade em regime híbrido, alternando a prestação de atividade presencial e remotamente.
Do acordo têm de constar obrigatoriamente um conjunto de elementos, designadamente:
- Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes;
- Local em que o trabalhador realiza a sua atividade;
- Período normal de trabalho diário e semanal;
- Horário de trabalho;
- Atividade e categoria do teletrabalhador;
- Retribuição, especificando as prestações complementares e acessórias;
- Propriedade dos instrumentos de trabalho, responsável pela instalação e manutenção.
Aplicação do regime
Sendo o teletrabalho proposto pelo empregador, a oposição do trabalhador não tem de ser fundamentada, não podendo a recusa constituir causa de despedimento ou fundamento da aplicação de qualquer sanção.
Sendo o teletrabalho proposto pelo trabalhador e compatível com a natureza da atividade, o empregador só o pode recusar por escrito e com indicação do fundamento da recusa.
O regime de teletrabalho deve ser aplicado, sem acordo do empregador, desde que as funções sejam compatíveis com esta modalidade e que a entidade empregadora disponha de recursos e meios para esse efeito nas seguintes situações previstas no artigo 166.º-A do Código do Trabalho:
- Trabalhadores com filhos até três anos;
- Trabalhadores com filhos até oito anos de idade, nas empresas com dez ou mais trabalhadores. Contudo, o regime tem de ser aplicado de forma rotativa entre os progenitores, com exceção de duas situações: (i) famílias monoparentais; e (ii) funções de um dos progenitores incompatíveis com o regime.
- Trabalhador a quem tenha sido reconhecido o estatuto de cuidador informal não principal, mediante comprovação nos termos das normas aplicáveis, pelo período máximo de quatro anos seguidos ou interpolados.
O incumprimento da aplicação das situações obrigatórias constitui contraordenação grave.
O empregador tem a possibilidade de definir no regulamento interno as atividades e condições em que a adoção do teletrabalho pode ser aceite, com observância das normas do Regulamento Geral de Proteção de Dados.
Duração do acordo
O acordo de teletrabalho é celebrado por tempo determinado ou indeterminado (artigo 167.º do Código do Trabalho), sendo aplicáveis as seguintes regras:
- Acordo com duração determinada com limitação temporal de seis meses, e renovação automática por iguais períodos, salvo se alguma das partes declarar por escrito, até 15 dias antes do término, não pretender a sua renovação.
- Acordo com duração indeterminada: possibilidade de qualquer das partes pode fazê-lo cessar mediante comunicação escrita à outra, que produzirá efeitos no 60º dia posterior.
- Possibilidade de denúncia durante os primeiros 30 dias de execução, independentemente da duração (determinada ou indeterminada) por qualquer uma das partes.
- Consagração do direito do trabalhador retomar a atividade em regime presencial, cessando o acordo de teletrabalho no âmbito de um contrato de trabalho de duração indeterminada, ou cujo termo tenha sido atingido, com manutenção da sua categoria, antiguidade e quaisquer outros direitos reconhecidos aos trabalhadores em regime presencial com funções e duração do trabalho idênticas.
Disponibilização e pagamento de despesas relacionadas com o uso de equipamentos e sistemas
No âmbito do novo regime, o empregador é responsável pela disponibilização ao trabalhador dos equipamentos e sistemas necessários à realização do trabalho (artigo 168.º do Código do Trabalho).
O acordo escrito deve definir os meios a serem fornecidos diretamente pelo empregador ou adquiridos pelo trabalhador, com a concordância do empregador.
O empregador deve compensar todas as despesas adicionais que, comprovadamente, o trabalhador suporte como direta consequência da aquisição, ou do uso dos equipamentos e sistemas informáticos ou telemáticos na realização do trabalho, incluindo os acréscimos de custos de energia e da rede instalada no local de trabalho em condições de velocidade compatível com as necessidades de comunicação de serviço, assim como os de manutenção dos mesmos equipamentos e sistemas.
O empregador pode sancionar o trabalhador pelo uso de equipamentos e sistemas para além das necessidades de serviço, o qual consubstancia uma contraordenação grave.
Igualdade de direitos e deveres
É reiterada a igualdade de direitos e deveres entre o teletrabalhador e os demais trabalhadores subordinados ao regime comum com a mesma categoria ou função, nomeadamente no que se refere a: (i) formação; (ii) promoção na carreira; (iii) limites da duração de trabalho; (iv) períodos de descanso; (v) férias pagas; (vi) proteção da saúde e segurança no trabalho; (vii) reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais; (viii) acesso a informação das estruturas de representação coletiva.
A violação de qualquer direito à igualdade de direitos e deveres constitui uma contraordenação grave.
Organização, direção e controlo
As novas regras incluem, no artigo 169.º-A, a respeito da organização, direção e controlo do trabalhador, o seguinte:
- Dever de organização de reuniões de trabalho à distância realizadas em tempos precisos em articulação com outros trabalhadores no cumprimento do horário de trabalho e preferencialmente agendadas com 24 horas de antecedência.
- Obrigatoriedade de o trabalhador comparecer na empresa ou outro local (a designar pelo empregador) para reuniões, ações de formação e outras situações que exijam presença física, para as quais tenha sido convocado com, pelo menos, 24 horas de antecedência.
- Origatoriedade de o empregador suportar os custos referentes a estas deslocações, na parte em que, eventualmente, exceda o custo normal do transporte entre o domicílio do trabalhador e o local em que normalmente prestaria trabalho em regime presencial.
- Obrigatoriedade de o empregador dar a conhecer ao trabalhador os meios e sistemas usados para o exercício do poder de direção e controlo da prestação de teletrabalho.
Direito à privacidade
É consagrada a obrigatoriedade de aviso prévio de 24 horas para efeitos de visita, ao local de teletrabalho, a qual depende do acordo do trabalhador (artigo 170.º do Código do Trabalho).
A visita ao local de trabalho só pode ter por objeto o controlo da atividade laboral, bem como dos instrumentos de trabalhador, devendo ser efetuada na presença do trabalhador.
A captura e utilização de imagem, som, escrita, histórico, ou o recurso a outros meios de controlo que possam afetar o direito à privacidade do trabalhador são vedados nos termos da nova proposta.
Os empregadores que não cumprirem as novas regras incorrem, relativamente às visitas aos locais de trabalho, numa contraordenação grave e, em relação aos meios de controlo numa contraordenação muito grave.
Dever de abstenção de contacto
É estabelecido o dever de abstenção do empregador contactar o trabalhador no período de descanso, salvo situações de força maior.
A violação do dever de abstenção constitui contraordenação grave.
Local de trabalho para efeitos de delimitação de acidente de teletrabalho
No caso de teletrabalho ou trabalho à distância, considera-se local de trabalho, para efeitos de delimitação do conceito de “acidente de trabalho”, aquele que conste do acordo de teletrabalho.
Aplicação das novas regras à Administração Pública
No âmbito das novas alterações à Lei 98/2009, de 4 de setembro, é consagrada a aplicação do regime do teletrabalho com as necessárias adaptações à Administração Pública, central, regional e local.
A fiscalização da aplicação do regime jurídico do teletrabalho na Administração Pública compete à Inspeção Geral das Finanças, bem como às inspeções setoriais.