Em setembro de 2024, a Autoridade Nacional de Comunicações (“ANACOM”) lançou uma Consulta Pública referente à disponibilização de espectro para serviços de comunicações eletrónicas terrestres (“SCET”). A novidade apresentada pela autoridade portuguesa na consulta foi a apresentação de possíveis modelos de atribuição, de entre os quais destacamos:
- A atribuição de direitos de utilização de radiofrequências (“DUER”) de âmbito nacional, para serviços de comunicação eletrónica acessíveis ao público;
- Consignações de âmbito geográfico restrito, que permitirá a qualquer interessado requerer direitos de utilização de âmbito local; e
- A atribuição de DUER de âmbito nacional ou regional com reserva de espectro local para empresas (referidas pela ANACOM como “verticais”).
Estes modelos foram inspirados em procedimentos europeus já existentes, pretendendo a autoridade portuguesa auscultar o mercado sobre a viabilidade da sua aplicação na faixa dos 26GHz, principalmente no que toca à atribuição direta de direitos de utilização a verticais.
Tendo a Consulta Pública encerrado a novembro de 2024, a ANACOM, no dia 20 de fevereiro de 2025, publicou um Relatório onde resumiu os comentários dos interessados e apresentou as suas conclusões, das quais ressalvamos:
- Quanto ao espectro dos 700MHz, a ANACOM entende justificar-se a distribuição da parte da faixa que não foi atribuída no leilão 5G de 2021. Relativamente à parte da faixa designada duplex gap, a ANACOM considerou essencial avaliar a possibilidade de reforço da capacidade das redes de banda larga antes de tomar qualquer decisão sobre eventual procedimento;
- Destaca-se o crescente interesse na faixa dos 1500MHz para reforço da capacidade das redes de banda larga móvel, pelo que a ANACOM irá ponderar as decisões a tomar; e
- Relativamente à faixa dos 26GHz, registou-se manifesto interesse na sua disponibilização tanto para SCET como para aplicações verticais. Neste sentido, a ANACOM comprometeu-se a decidir sobre qual destes modelos podem adotar, designadamente quanto à atribuição direta de direitos de utilização a empresas, passando estas a poder usufruir de redes privadas 5G sem ter de recorrer aos operadores tradicionais.
A ANACOM discorreu ainda sobre a possibilidade de renovação dos DUER existentes em vigor até 2027, não tendo, no entanto, tomado qualquer decisão definitiva. De todo o modo, os atuais detentores dos DUER, à exceção da DIGI, mantêm o interesse na sua renovação, não obstante as reservas de outros reguladores como a Autoridade da Concorrência.
Resumindo, ficou claro que: (1) qualquer decisão relativa à renovação ou cessação de DUER será tomada por iniciativa da ANACOM ou por pedido concreto dos interessados; (2) a atribuição a verticais, de direitos de utilização para redes privadas 5G será uma realidade futura, devendo os interessados aguardar que a autoridade portuguesa escolha um dos modelos de atribuição.
Introdução
A nova Lei das Comunicações Eletrónicas (“LCE”), publicada no passado dia 16 de agosto de 2022, transpõe a Diretiva (UE) 2018/1972, que informa a mais recente reformulação do quadro regulamentar do setor estabelecendo o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (“CECE”).
Há 18 anos, Portugal optou pela condensação do essencial do então quadro regulamentar de 2002 num único diploma, o que facilitou a transposição do CECE mas não se traduziu num ganho de tempo nessa transposição. Podemos apontar como causa do atraso as convulsões do setor, e em particular o episódio da implementação da tecnologia 5G, mais do que a pandemia causada pelo vírus COVID-19, já que, quando esta foi declarada, já estava praticamente esgotado o prazo de transposição.
Tratando-se de um diploma totalmente novo, pode-se dizer que a nova LCE procurou manter (e bem) em grande parte o essencial da estrutura regulatória existente. No entanto, é importante sublinhar que não deixaram de ser introduzidas algumas alterações de relevo que terão certamente impacto no mercado.
Embora não esgote o elenco de alterações, a maior parte das novidades materiais mais relevantes estão concentradas em matérias relacionadas com os direitos dos consumidores, o regime sancionatório e o regime geral de privacidade nas comunicações eletrónicas. Em seguida, a título meramente exemplificativo, elencamos algumas.
Direitos dos consumidores
Relativamente às normas de proteção dos consumidores introduzidas pela nova lei, observamos algumas alterações:
- Período de retenção. De acordo com o novo n.º 3 do artigo 131.º, a disponibilidade de prestações com períodos de retenção mais curtos, 12 ou 6 meses, já não é obrigatória, contudo é definido um limite máximo de 24 meses.
- Indisponibilidade do serviço. A lei refere que qualquer situação reportada de indisponibilidade do serviço que se prolongue por mais do que 24 horas obriga ao crédito do valor equivalente por parte do operador. A devolução deste valor não se aplica somente aos casos em que há interrupções de mais de 24 horas consecutivas, mas também às situações em que as falhas somadas excedem esse tempo, por período de faturação. No entanto, para o consumidor poder rescindir o contrato sem custos, é necessário um período de 15 dias de persistência do problema, após este ser reportado.
- Situações em que não há cobrança de custos de rescisão antecipada. A nova LCE definiu um conjunto de situações perante as quais não podem ser cobrados custos de rescisão antecipada, como o desemprego (por facto não imputável ao consumidor), a incapacidade para o trabalho superior a 60 dias com quebras de rendimento ou a alteração de morada para um local onde o operador não possa disponibilizar um serviço equivalente.
Privacidade nas comunicações eletrónicas
- Alteração à Lei da Privacidade nas Comunicações Eletrónicas. No que diz respeito à Lei da Privacidade nas Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto), alteram-se os artigos 7.° e 10.° da mencionada lei. No essencial, as alterações prendem-se com o alargamento do universo das organizações a quem podem ser comunicados os dados pessoais de localização de comunicações de emergência, passando a abranger não apenas as organizações que têm competência legal para receber tais comunicações, mas também as competentes para as tratar
- Faturação detalhada. O n.°5 do artigo 122.° da nova LCE prevê que nas faturas detalhadas não é exigível a identificação das chamadas facultadas a título gratuito, incluindo as chamadas para serviços de assistência.
- Prevenção da contratação. Pela leitura do artigo 126.° não fica resulta claro se, no caso dos serviços prestados a uma empresa, quem vai integrar a base de dados é a empresa que contrata os serviços de comunicações eletrónicas ou se são os trabalhadores enquanto efetivos utilizadores dos serviços.
Regime sancionatório
O artigo 176.º da LCE, e em parte também o artigo 164.º, definem um novo quadro sancionatório muito alargado das comunicações eletrónicas em Portugal.
Mais alguns detalhes
- “Serviço de comunicações eletrónicas”. Alarga-se a definição de “serviço de comunicações eletrónicas” pelo que passa a incluir um leque atividades tipicamente realizadas por aplicações de mensagens instantâneas, correio eletrónico, chamadas telefónicas pela Internet e mensagens pessoais fornecidas através de meios de comunicação social.
- Regime de autorização geral. Impõe um dever de comunicação, segundo o qual as empresas que pretendam oferecer redes públicas de comunicações eletrónicas e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público devem comunicar previamente à Autoridade Reguladora Nacional (“ARN”) o início de atividade.
O Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 40/2022, de 6 de junho, que cria o mapa das coberturas das redes de comunicações eletrónicas fixas e móveis. Trata-se um dos instrumentos previstos no Plano de Ação para a Transição Digital que permitirá não só ao Governo, mas também aos cidadãos e às empresas, ter informações mais detalhadas sobre qual a disponibilidade de conectividade à rede móvel e fixa de internet nas mais diversas regiões do país.
Nesta plataforma deverão constar, entre outras, informações relativas: (i) à cobertura das redes fixas para o serviço de banda larga, com resolução ao nível do endereço e indicação das tecnologias e velocidades disponibilizadas; (ii) à cobertura das redes móveis para os serviços de voz, SMS e MMS e para os serviços de acesso à Internet, com uma resolução de 100 por 100 metros e indicação das tecnologias e velocidades disponibilizadas; e (iii) a cobertura via satélite. Competirá à ANACOM disponibilizar a plataforma onde constem os dados sobre a informação relativa à cobertura das redes fixas e móveis. Caberá aos operadores das redes de comunicações eletrónicas atualizá-la com as suas próprias informações.
O mapa permitirá identificar as “zonas brancas” do território nacional, as áreas que ainda não beneficiam de redes de última geração (redes de Gigabit), nas quais os operadores privados não investiram ou não têm planos para investir em infraestruturas. Aliás, as zonas brancas já podem ser observadas no mapa das áreas sem cobertura de redes de elevada capacidade, publicado pela ANACOM no seu website: de acordo com este mapa, existem zonas brancas em 299 concelhos (97% dos concelhos em Portugal). As operadoras de comunicações dizem que correspondem a cerca de 7% da população.
Com a informação obtida, o Governo avançou que pretende, no último trimestre do ano, promover um concurso de conectividade de fibra ótica. Este concurso terá como objetivo garantir o futuro acesso de toda a população a redes Gigabit, de forma a assegurar a cobertura em todo o território nacional e a todos os agregados familiares de redes de alta velocidade até 2030. O Governo espera que seja uma nova e diferente oportunidade de promover a coesão territorial, a valorização dos territórios do interior e de incentivar o investimento privado, através da entrega de uma base de dados e informações sobre as zonas mais frágeis do país. Com a lembrança em malogrados projetos passados de criação de redes de alta velocidade para o interior do país, haverá que esperar para ver se é desta, e a que custo, se eliminam as zonas brancas do mapa das redes de comunicações de Portugal.
Quatro anos depois da eliminação das taxas de roaming na UE, em 15/06/2017, a Presidência Portuguesa do Conselho iniciará negociações com o Parlamento Europeu para reformular as regras sobre os serviços de roaming. O Regulamento (UE) 2015/2120, usado para abolir a taxas dos serviços de roaming, continuará em vigor até 30/06/2022. Em consequência, os embaixadores dos Estados Membros acordaram num mandato de negociação para alargar o atual quadro regulamentar sobre roaming nas redes públicas de comunicações móveis na UE.
O aumento no uso dos serviços de voz, SMS e, em especial, de dados cidadãos em roaming sugere efetivamente a existência de benefícios na abolição das taxas de roaming. Ainda assim, as autoridades europeias consideram que um verdadeiro mercado interno das telecomunicações exige a eliminação total das discrepâncias entre serviços domésticos e em roaming.
Uma avaliação do mercado realizada pela Comissão, em 29/11/2019 mostra que, o essencial, não só não houve alteração do nível concorrencial, como não é expectável que venha a ser alterado. Considerando também que não existe uma rede móvel única que abranja todos os estados-membros, os fornecedores dependem do acesso de diferentes operadores nos estados-membros visitados para fornecerem serviços de comunicações móveis aos seus clientes em toda a UE, a Comissão conclui que o mercado não está pronto para remover a atual regulamentação.
Para alem de medidas relativas a certos segmentos, a proposta estabelece que a duração da experiência gratuita "roam-like-at-home" deve ser prolongada por mais dez anos, até 2032, ainda assim, o conteúdo da proposta inicial acrescenta algumas alterações ao regulamento atual. Os preços grossistas, por exemplo, serão aumentados, numa medida indispensável para assegurar a sustentabilidade do mercado, passando de €0,004/seg e €2,00 para mensagens SMS e por gigabyte de dados transmitidos para €0,007/seg e €2,25, respetivamente.
Depois de novamente prorrogado o estado de emergência, a necessidade de garantir a continuidade dos serviços de comunicações eletrónicas utilizados pelas forças de segurança, serviços de sáude e demais servidores públicos determinou que fosse aprovada a classificação de determinados serviços de comunicações eletrónicas como críticos, e determinados clientes destes serviços como prioritários. O que isso significa para os demais serviços e utilizadores releva muitíssimo, pelo que é fundamental conhecer as novas regras.
O teletrabalho, as aulas online, e, em geral, a fruição de conteúdos online influenciou um aumento expressivo do volume de tráfego, o que, segundo as considerações preambulares ao Decreto-Lei n.º 14-A/2021, de 12 de fevereiro (o “Decreto-Lei”), teve um impacto significativo na gestão da capacidade das redes fixas e móveis de suporte aos serviços de comunicações eletrónicas.
O Decreto-Lei aborda três áreas: a que serviços deve dar-se prioridade, a que clientes deve dar-se prevalência, e qual a margem de ação dos prestadores de serviços no ato de dar a referida prioridade:
- são serviços considerados críticos, aos quais deve dar-se prioridade, a distribuição de sinais de televisão linear e televisão digital terrestre, os serviços de voz e de mensagens curtas, o acesso ininterrupto aos serviços de emergência, os serviços de dados necessários para aceder a serviços como, entre outros, correio eletrónico, motores de pesquisa, jornais online, e-commerce, e serviços bancários.
- os serviços e organismos do Ministério da Saúde e as entidades prestadoras de cuidados de saúde integradas na rede do Serviço Nacional de Saúde, o Ministério da Administração Interna, as forças armadas, a proteção civil, e os operadores de infraestruturas essenciais para a saúde, a segurança e o bem-estar económico e social nos sectores da energia e transportes são alguns dos exemplos de clientes a quem deve dar-se prevalência na oferta dos serviços de comunicações eletrónicas.
- as empresas que oferecem redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações eletrónicas podem dar prioridade e prevalência a serviços e clientes por meio gestão de rede e de tráfego e da priorização na resolução de avarias e de perturbações nas redes e serviços, medidas que devem ser tomadas de forma proporcional e transparente. Para além disso, as medidas devem ser comunicadas antecipadamente ao Governo e à Autoridade Nacional de Comunicações.
Assim, a partir desta segunda-feira, o acesso a plataformas como Netflix e Youtube podem sofrer perturbações se tanto for necessário para assegurar os serviços classificados como prioritários.
A Altice Portugal juntou-se à NOS e à Vodafone no tentar judicial de suspender o leilão de espectro 5G.
Os três incumbentes recorreram tanto a instâncias nacionais, em concreto, o Tribunal Administrativo de Lisboa, como comunitárias, tendo, neste caso apelado para a DGCOMP e DGCONNECT, que são os departamentos da Comissão Europeia com competências, respetivamente, em matérias de concorrência e economia digital. Lembramos as nossas notas sobre o regulamento do leilão de quinta geração, disponíveis aqui.
No âmbito nacional, as providências cautelares apresentadas tiveram como objetivo principal a suspensão da eficácia da globalidade das normas do regulamento do concurso, sem as quais, diga-se, o leilão não poderia decorrer.
O motivo de contestação prende-se, sobretudo, com as normas que estabelecem as fases de licitação dos novos entrantes – entretanto a decorrer -, as obrigações de cobertura impostas a incumbentes e novos operadores e, por último, as obrigações de acesso à rede impostas àqueles.
Genericamente, nas suas ações, os operadores apontam ilegalidades na regulamentação do concurso, com destaque para o favorecimento injustificado de novos operadores e a ajuda de Estado ilegal.
Com efeito, o regulamento do leilão de atribuição de espectro 5G estabelece regras diferentes para operadores históricos e novos entrantes. Trata-se, afirma o Regulador, de promover o mercado concorrencial através de uma diferenciação regulatória, adotando, por exemplo, a reserva de espectro destinada exclusivamente a novos operadores, permita a entrada de novos operadores com o consequente alargamento da oferta.
Para além da atribuição preferencial de espectro aos novos operadores, os incumbentes reclamam igualmente das obrigações que os obrigam a facultar a utilização das redes de acesso (incluindo roaming nacional) aos novos entrantes. Também as obrigações de cobertura do território nacional são fundamentalmente diferentes para uns e outros operadores, o que é apontado como um desquilíbrio injustificado pelos proponentes das diferentes providências cautelares.
Como seria de esperar, a ANACOM adotou uma Resolução Fundamentada, que comunicou ao Tribunal, na qual invocou grave prejuízo para o interesse público caso o regulamento fosse suspenso. Esta medida deu à ANACOM base legal para prosseguir o leilão, sendo que é ainda desconhecida a reação da Comissão Europeia a quem, aliás, o Regulador afirmou publicamente ter já respondido.
Nove meses após a publicação do projeto de regulamento do leilão de espectro 5G, e depois de muita polémica, hoje foi publicado no Diário da República o regulamento definitivo.
Embora fossem esperadas alterações à versão inicial decorrentes do impacto da pandemia de COVID19 na economia, na sequência das várias críticas que foram dirigidas em fase de consulta, em particular pelos três operadores incumbentes, a ANACOM introduziu algumas alterações relevantes no documento.
Assim, entre as alterações menos relevantes face à versão preliminar contam-se essencialmente alterações em matéria de mero procedimento, como, por exemplo, dos prazos para análise de candidaturas ou para prestação de esclarecimentos (artigos 11.º, 14.º ou 15.º), ou ainda a não divulgação pela ANACOM do número de pontos de elegibilidade utilizáveis na fase de licitação principal (artigo 24.º).
Entre as alterações de maior relevo contam-se:
(i) a alteração do modelo de leilão, que passa a ser um modelo de leilão combinatório, em que, em cada ronda, é submetida uma licitação com a quantidade de lotes de cada categoria, ao preço de cada lote, até que deixe de existir excesso de procura;
(ii) a introdução de regras de exclusão dos licitantes que não cumpram determinadas regras nas suas licitações;
(iii) a introdução de regras que determinam a exclusão quando um licitante ativa uma dispensa numa das rondas;
(iv) a remoção do desconto de 25% para novos entrantes nas taxas de espectro nos preços finais dos lotes da categoria B, C e D;
(v) a dilação do prazo e do valor dos direitos de atribuição de frequência que podem ser diferidos (o prazo passa para sete anos e o montante a diferir passa para 50%); e
(vi) a criação de novas obrigações de rollout das redes.
Aparentemente, estas alterações não contentaram todos os operadores, tendo NOS anunciado que vai recorrer aso tribunais e à Comissão Europeia para impedir a sua aplicação.
Nos próximos dias publicaremos a análise ao regulamento final do leilão de espectro 5G em Portugal. Até lá, leia aqui o nosso exame ao regulamento publicado pela ANACOM em fevereiro.
No início do combate à pandemia da COVID-19, os governos e os reguladores europeus aprovaram várias medidas regulatórias com o objetivo de mitigar as distorções que poderiam advir das medidas de confinamento generalizado das populações. Tomando como exemplo Portugal, na fase que coincidiu com a declaração do Estado de Emergência, verificou-se de facto não só um aumento acentuado do volume de tráfego como sobretudo uma alteração do perfil de tráfego, tendência que, de acordo com os dados mais recentes, tende a normalizar durante o corrente mês (ver situação em abril e situação em maio).
Para dar uma noção da intensidade da intervenção nos mercados, analisámos, com base numa recolha da Cullen International, as medidas tomadas numa amostra de 20 países, no início da pandemia, ou seja, durante o mês de março. A amostra é constituída pela Alemanha, Áustria, Bélgica, Croácia, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Noruega, Polónia, Países Baixos, Portugal, República Checa, Reino Unido, Roménia e Suíça, agrupando-se a intervenção em cinco áreas distintas: (i) gestão de tráfego, (ii) portabilidade, (iii) espectro, (iv) preços de ofertas grossistas e (v) outras.
A primeira conclusão que retiramos é que, em 40% dos casos, os reguladores intervieram em apenas uma daquelas áreas, sendo o caso da Bélgica, Croácia, Finlândia, Luxemburgo, Países Baixos, e Suíça. Em 30% do total dos países, não tinha havido qualquer intervenção. No outro extremo, os países com maior intensidade de intervenção foram a Dinamarca, com intervenção em duas áreas; Espanha, França, Irlanda, Itália, com intervenção em três áreas; e Portugal, que atuou em quatro áreas.
Curiosamente, não se verificou nenhuma correlação entre a intensidade da intervenção dos reguladores e o impacto da pandemia nos respetivos países, pelo que, aparentemente, a reação se deveu a uma diferente perceção do risco ou a uma maior propensão para intervir no mercado.
As medidas aplicadas pelos reguladores diretamente sobre a utilização de redes variaram entre a aplicação de restrições aos serviços de streaming, à suspensão de funcionalidades em função da eventual necessidade da presença de profissionais on site, até à proibição de cancelamento de contratos. Ao nível da relação entre o regulador e os operadores, as medidas variaram entre a suspensão de obrigações e procedimentos de licenciamento e a cobrança de taxas. Além destas, registaram-se ainda alguns casos de intervenções sobre preços de ofertas grossistas.
A intervenção do governo e regulador em Portugal mostrou-se a mais intensa, centrando-se nas medidas gestão de tráfego, proteção de utilizadores, portabilidade, quer diretamente quer através da sensibilização do público para evitar a sobrecarga das redes, para além da suspensão de procedimentos administrativos (consulte aqui a situação do leilão 5G).
À medida que a literacia digital ganha importância, cidadãos, empresas e a Administração Pública serão os pilares do novo Plano de Ação para a Transição Digital (o “Plano de Ação”) que acaba de ser publicado e que integra a estratégia portuguesa para o digital a ser implementada entre 2020 e 2023.
A inclusão digital dos cidadãos é um dos objetivos fundamentais do Plano de Ação, tendo em conta que um quarto da população portuguesa nunca utilizou a internet, números significativamente acima da média europeia (o que está a ter um impacto negativo na tentativa de promover o ensino à distância durante a pandemia da Covid-19).
Uma das dimensões mais importantes, considerando a conjuntura atual, é o programa de qualificação profissional (o “Upskill”) que, espera o governo, venha a suprir as carências de mão-de-obra qualificada em áreas de IT. O objetivo é ambicioso dado que prevê formar cerca de três mil participantes durante seis meses, de modo a dar resposta à escassez de recursos humanos qualificados em tecnologias da informação e da comunicação. Ainda na dimensão de qualificação, o plano pretende introduzir pelo menos um milhão de adultos à economia digital e deverá ainda promover a oferta de internet a preço reduzido. Será interessante ver como o Covid-19 poderá impactar esta dimensão.
No que respeita às empresas, é esperada a criação de zonas livres tecnológicas (ZLT) em várias regiões no sentido de promover a investigação e o desenvolvimento inovadores. Tanto as ZLT como o programa +CO3SO Digital, visam promover empreendedorismo digital, particularmente em regiões menos povoada. Por último, existe ainda um programa de cidadania virtual inspirado no exemplo estónio (E-Residency) vem complementar os programas de inclusão digital e internacional da economia portuguesa.
O Startup Visa, Tech Visa, Sign Up for Portugal e o Startup Hub são exemplos de projetos e programas especificamente criados para promover o desenvolvimento do ecosistema empreendedor, tendo o objetivo de preparar Portugal para a transição digital das empresas e negócios e tornar o País num benchmark.
O plano dedica parte significativa dos seus objetivos e metas à transformação dos serviços da administração pública, em especial os que são mais utilizados pelos cidadãos. Nesta matéria, inclui medidas relacionadas com o cloud computing, serviços públicos digitais, escolas preparadas para o digital e acesso internacional aos serviços públicos.
Em certa medida, podemos dizer que o Plano de Ação é uma reconfiguração ou extensão de programas existentes ligados à transição digital, como o +C03SO ou o Startup Visa. É contemporâneo do leilão de espectro 5G que deverá ocorrer em 2020 (poderá ler mais sobre o leilão 5G aqui) e deverá apoiar a transição da economia portuguesa para a era digital.
Netflix, HBO, Prime Video, Instagram, Facebook, Youtube, massificação do teletrabalho e ensino à distância são circunstâncias que explicam o aumento substancial do tráfego nas redes fixas e móveis de comunicações eletrónicas numa altura em que se estima que mais de mil milhões de pessoas estejam confinadas às suas casas para combater a propagação da pandemia.
No seguimento de um apelo (atendido) da UE para que a Netflix diminuísse a qualidade de transmissão na Europa, o Governo, através do Decreto-Lei n.º 10-D/2020, estabeleceu medidas excecionais e temporárias relativas ao sector das comunicações eletrónicas, no sentido de evitar a sobrecarga das redes.
As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações devem garantir os seguintes serviços, que se consideram críticos:
- Prestação ininterrupta de serviços de voz e SMS suportados em redes fixas e móveis;
- Acesso ininterrupto aos serviços de emergência;
- Dados suportados em redes fixas e móveis em condições que assegurem o acesso a um conjunto mínimo de serviços, como por exemplo o correio eletrónico, motores de pesquisa, jornais, serviços bancários, financeiros e seguros, tanto em banda larga fixa como móvel; e
- Distribuição de sinais de televisão linear e digital terrestre.
Estes serviços devem ser prestados a clientes prioritários como sejam as entidades prestadoras de cuidados de saúde integradas na rede do SNS, as forças e serviços de segurança e Administração Interna, tanto em Portugal continental como nos arquipélagos.
Para prossecução de tais objetivos podem os operadores adotar medidas excecionais de gestão de rede e de tráfego, priorizando categorias de tráfego de serviços de voz e SMS, podendo limitar ou inibir determinadas funcionalidades designadamente o videoclube, online gaming, entre outras, desde que sejam limitadas a preservar a integridade e segurança das redes de comunicações eletrónicas.
Estabeleceu-se também a adoção de medidas de priorização na resolução de avarias e perturbações, ou outras semelhantes, atendendo a um conjunto de medidas de simplificação e suspensão de algumas obrigações aplicáveis ao sector das comunicações eletrónicas.
As novas regras já em vigor produzem efeitos até à data de cessação das medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção conforme determinada pela DGS.