A partir de 1 de janeiro de 2022, aplicam-se novas regras que reforçam os direitos dos consumidores, em particular quanto aos prazos de garantia legal e ao exercício dos direitos pelos consumidores em caso de defeito de um bem.

O Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro de 2021, revoga os artigos 9.º-B (Entrega dos bens) e 9.º-C (Transferência do risco) da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, e o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, relativo às garantias dos bens de consumo.

Com vista à adequação do regime da conformidade dos bens à dimensão digital do mercado, a noção de “bens de consumo” é ampliada, passando a aplicar-se a bens, conteúdos ou serviços digitais, por exemplo, compra de livros digitais (ebooks), subscrição de publicações periódicas ou de um serviço de streaming. Neste âmbito, o Decreto-Lei n.º 84/2021 prevê regras específicas sobre os prazos de garantia legal e a responsabilidade dos profissionais que disponibilizam bens, conteúdos ou serviços digitais através de plataformas online (por exemplo, de market place) de terceiros.

De seguida, elencamos as principais alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2021.

Ampliação do prazo de garantia legal dos bens móveis

O prazo de garantia legal dos bens móveis é alargado de dois para três anos, a contar da data de entrega do bem ao consumidor. Nos dois primeiros anos, o consumidor não terá de demonstrar que o defeito existia à data da entrega do bem, sendo-lhe conferida, por lei, uma presunção quanto à existência do defeito naquela data.

A obrigação que recaía sobre o consumidor de denunciar o defeito dentro de determinado prazo (dois meses, no caso de bens móveis), a contar da data do seu conhecimento, deixa de se aplicar. Com efeito, o consumidor passa a poder exercer os seus direitos, sem quaisquer obstáculos, durante o prazo de garantia legal dos bens.

Hierarquia entre os direitos de (i) reparação ou substituição do bem, (ii) redução do preço e (iii) resolução do contrato

Em caso de defeito de um bem móvel, o consumidor mantém o direito (i) à reparação ou substituição do bem, (ii) à redução proporcional do preço ou (iii) à resolução do contrato. Ao contrário do anterior regime, que não prevê uma relação de hierarquia entre direitos, estes passam a ficar sujeitos a diferentes patamares de precedência.

Ou seja, em caso de defeito, o consumidor deverá exercer, em primeiro lugar, o direito à reparação ou substituição do bem. A reparação ou a substituição do bem deve ser efetuada, a título gratuito, pelo profissional num prazo não superior a 30 dias.

Em caso de reparação, o bem reparado irá beneficiar de uma garantia adicional de seis meses por cada reparação até ao limite de quatro reparações. Passa ainda a existir a obrigação de o profissional disponibilizar as peças necessárias à reparação dos bens adquiridos pelo consumidor durante o prazo de dez anos.

Caso o defeito se manifeste nos primeiros 30 dias a contar da entrega do bem móvel, o consumidor poderá optar por pedir a imediata substituição do bem ou a resolução do contrato, sem necessidade de verificação de qualquer condição específica.

O exercício do direito de resolução do contrato determina a obrigação de o consumidor devolver os bens ao profissional, a custas deste, e de o profissional reembolsar o consumidor do preço pago pelos bens após a sua receção ou de prova do seu envio pelo consumidor. Salvo acordo entre as partes e desde que o consumidor não incorra em custos com o reembolso, o reembolso deve ser feito através do mesmo meio de pagamento da transação inicial e dentro de um prazo de 14 dias.

Responsabilidade direta do produtor

Mantem-se a possibilidade de o consumidor exercer os direitos de reparação e substituição do bem diretamente perante o produtor, bem como o direito de regresso do profissional perante uma pessoa em estágios anteriores da cadeia contratual.

Ampliação do prazo de garantia legal dos bens imóveis

O prazo de garantia legal dos bens imóveis por defeitos de construção quanto a elementos construtivos estruturais dos imóveis passa de cinco para dez anos; para os restantes defeitos, o período de garantia é de cinco anos.

Em caso de defeito de um bem imóvel, o consumidor mantém o direito à reparação ou substituição do defeito; ou à resolução do contrato.

Garantia comercial (em substituição de garantia voluntária) e orbigações de informação acrescidas

A garantia voluntária (ou seja, o compromisso ou declaração, de carácter gratuito ou oneroso, assumido pelo profissional perante o consumidor, para além das obrigações legais do profissional de garantia de conformidade) mantém-se, passando a designar-se por garantia comercial.

A garantia comercial deve ser entregue ao consumidor por escrito (ou através de outro suporte duradouro) até ao momento da entrega do bem, ser redigida em língua portuguesa e incluir obrigações de informação acrescidas para o profissional, incluindo, nomeadamente, a declaração clara de que o consumidor é titular dos direitos à reposição da conformidade, à redução do preço ou à resolução do contrato, e de que esses direitos não são afetados pela garantia comercial.

Bens, conteúdos e serviços digitais

A nova legislação estabelece regras específicas quanto ao fornecimento de bens, conteúdos e serviços digitais, prevendo o direito à resolução do contrato pelo consumidor em caso de não fornecimento. Por sua vez, em caso de não conformidade dos conteúdos e serviços digitais, o consumidor tem o direito à reposição da conformidade, à redução do preço ou à resolução do contrato.

Sobre o profissional recai a obrigação de demonstrar que o conteúdo ou serviço digital fornecido estava em conformidade:

  • Nos contratos em que seja estipulado um único ato de fornecimento ou uma série de atos individuais de fornecimento, durante o prazo de um ano a contar da data do fornecimento;
  • Nos contratos em que seja estipulado um fornecimento contínuo, no período durante o qual devam ser fornecidos os conteúdos ou serviços digitais.
Responsabilidade dos profissionais que disponibilizam bens, conteúdos ou serviços digitais através de plataforma online de terceiros

O novo regime prevê a responsabilidade solidária dos profissionais, que disponibilizem bens, conteúdos ou serviços digitais através de plataformas online (por exemplo, de market place), e do seu parceiro contratual perante o consumidor. Isto significa que, em caso não fornecimento ou de falta de conformidade de bens, conteúdos ou serviços digitais, o consumidor pode exercer os seus direitos perante o profissional titular da plataforma online (designado por prestador de mercado em linha) ou o fornecedor do bem, conteúdo ou serviço digital, quando:

  • O contrato é celebrado exclusivamente através dos meios disponibilizados pelo prestador de mercado em linha;
  • O pagamento é exclusivamente efetuado através de meios disponibilizados pelo prestador de mercado em linha;
  • Os termos do contrato celebrado com o consumidor são essencialmente determinados pelo prestador de mercado em linha ou o preço a pagar pelo consumidor é passível de ser influenciado por este; ou
  • A publicidade associada é focada no prestador de mercado em linha e não nos profissionais fornecedores do bem, conteúdos ou serviços digitais.
Sanções

A violação das regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2021 constitui contraordenação económica grave, podendo dar lugar à aplicação de coimas nos seguintes montantes:

  • Pessoa singular, de € 650 a € 1.500;
  • Microempresa, de € 1.700 a €3.000;
  • Pequena empresa, de € 4.000 a € 8.000;
  • Média empresa, de € 8.000 a €16.000; e
  • Grande empresa, de € 12.000 a € 24.000.

A fiscalização, instrução dos processos de contraordenação e aplicação de coimas e sanções acessórias é da competência da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e, circunscrita ao regime aplicável aos bens imóveis, do IMPIC, I. P..

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