Numa altura em que Portugal se prepara para recuperar do impacto da pandemia, o Decreto-Lei n.º 108/2021, de 7 de dezembro altera três leis – a Lei da Concorrência, a Lei das Práticas Individuais Restritivas do Comércio e a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais –, com vista a assegurar um maior equilíbrio e concorrência nas relações entre fornecedores/prestadores de serviços e os intermediários de plataformas digitais, em particular no setor do turismo.
As alterações introduzidas são as seguintes:
- Lei da concorrência: é aditada uma nova alínea – alínea f) – ao elenco (não taxativo) dos acordos entre empresas proibidos pelo artigo 9.º, n.º 1 da Lei da Concorrência. No âmbito do fornecimento de bens ou serviços de alojamento em empreendimentos turísticos ou estabelecimentos de alojamento local são proibidos os acordos entre empresas que consistam em estabelecer que o outro contraente ou outra entidade não podem oferecer, em plataforma eletrónica ou em estabelecimento em espaço físico, preços ou outras condições de venda do mesmo bem ou serviço que sejam mais vantajosas do que as praticadas pelo intermediário da plataforma eletrónica.
A sua violação pode levar ao pagamento de coimas até 10% do volume de negócios da empresa.
Esta alteração visa garantir que fornecedores/prestadores de serviços de alojamento em empreendimentos turísticos ou estabelecimentos de alojamento local possam oferecer, livremente, um bem ou serviço a um preço inferior, igual ou superior ao oferecido pelo intermediário da plataforma digital, permitindo que o mercado funcione de forma equilibrada e concorrencial.
- Práticas individuais restritivas do comércio: é aditado um novo artigo 5.º-A à Lei das Práticas Individuais Restritivas do Comércio, com a epígrafe “oferta de bens ou serviços de alojamento por prestador intermediário de serviços em plataforma eletrónica”.
No âmbito do fornecimento de bens ou serviços de alojamento em empreendimentos turísticos ou estabelecimentos de alojamento local, é proibido a qualquer intermediário, que atue através de plataforma eletrónica, oferecer para venda um bem ou serviço a uma empresa ou a um consumidor por um preço inferior ao preço de venda ao público acordado com o fornecedor do bem ou o prestador do serviço, ainda que à custa de uma redução total ou parcial da remuneração do intermediário contratualmente acordada.
A sua violação pode levar ao pagamento de coimas até 2 500 000 EUR.
Esta alteração visa impedir que um intermediário, depois de negociar uma comissão com um fornecedor de bens ou serviços de alojamento em empreendimentos turísticos pelos serviços de intermediação, venha mais tarde a oferecer um preço, a outras empresas ou aos consumidores, mais reduzido, fazendo-o a expensas da respetiva comissão. Introduz-se, assim, um mecanismo similar ao da proibição da venda de bens com prejuízo, evitando que se estabeleçam distorções ou desequilíbrios nas relações económicas.
- Regime das cláusulas contratuais gerais: nas relações entre empresários ou entidades equiparadas, é introduzida uma nova cláusula à lista de cláusulas relativamente proibidas prevista no artigo 19.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.
Consoante o quadro negocial padronizado, proíbem-se cláusulas contratuais que estabeleçam, a favor de quem as predisponha, comissões remuneratórias excessivas ou que sejam discriminatórias em função da nacionalidade ou do local do estabelecimento da contraparte.
Ao contrário das duas anteriores, esta alteração à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais é uma proibição de aplicação generalizada, não se restringido ao setor do turismo.
No atual contexto, se é, por um lado, necessário tutelar o setor do turismo, dada a sua importância, em particular no período de recuperação da economia, pós-pandemia; por outro lado, não deixa de ser isento de críticas que se tenha inserido uma nova alínea na Lei da Concorrência e um novo artigo na Lei das Práticas Individuais Restritivas do Comércio para um setor em particular.
Proibições semelhantes também se justificam em outros setores da economia no âmbito do fornecimento de bens ou prestação de serviços por intermediários de plataformas digitais, o que poderá vir a suscitar a dúvida se outros setores estarão, desde logo, sujeitos às mesmas proibições.
Em consequência, as divergências entre operadores económicos e intermediários de plataformas digitais podem vir a aumentar, quando esta poderia ter sido uma ocasião propícia para fazer diferente, não colocando o enfoque em um só setor de atividade e isto não obstante a importância do turismo para a economia nacional.
As novas alterações entram em vigor no dia 1 de janeiro de 2022.