Em dois acórdãos, o primeiro de 2024 e o segundo de 2025, o Supremo Tribunal de Justiça (“STJ”) concluiu que a cessão de créditos à habitação a empresas não supervisionadas pelo Banco de Portugal (“BdP”) é nula.

A cessão de carteiras de créditos à habitação em incumprimento pelos bancos é uma prática habitual, mas tem levantado dúvidas na medida em que estes créditos estão sujeitos a regras especiais previstas no Decreto-Lei 74-A/2017, que transpôs a Diretiva 2014/17/EU e consagrou um conjunto de direitos que protegem o consumidor. Este diploma prevê, entre outros, o direito do consumidor “retomar” o contrato mesmo no caso de o banco ter exercido o direito de resolução.

Nos termos da lei, o direito de retomar o contrato pode ser exercido no prazo para a oposição à execução ou até à venda executiva do imóvel hipotecado, desde que o consumidor proceda ao pagamento das prestações vencidas e não pagas. Caso o consumidor exerça este direito, a eventual resolução do contrato fica sem efeito, mantendo-se o contrato de crédito em vigor nos exatos termos e condições que tinha anteriormente.

O STJ entendeu que as entidades cessionárias dos créditos - que no caso eram entidades luxemburguesas não financeiras e não sujeitas a supervisão do BdP – não podiam assegurar aqueles direitos ao consumidor. Com efeito, não sendo instituições de crédito, estas entidades não estão habilitadas a conceder crédito e, consequentemente, a retomá-lo.

Como resulta do Decreto-Lei 74-A/2017, os direitos do consumidor nele previstos são imperativos e não podem sequer ser renunciados pelos consumidores.

Por estas razões, o STJ considerou que a admissão da cessão dos créditos funcionaria como modo de “fugir” ou tornar mais difícil (impossível) o exercício daqueles direitos e concluiu que as cessões dos créditos, nestas circunstâncias, implicavam uma “fraude à lei” e, como tal, eram nulas.

Estas decisões chamam a atenção para o cuidado que as instituições de crédito devem adotar na cessão de carteiras de créditos, em particular dos créditos à habitação, mesmo quando estes se encontram em situação de incumprimento.

Por outro lado, evidenciam a importância do Decreto-Lei 103/2025 que transpõe a Diretiva 2021/2167, relativa aos gestores e adquirentes de créditos, o qual, foi publicado no dia 11 de setembro.

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