Vivemos numa sociedade em que se diz aos cidadãos que a cidadania consiste no exercício de direitos. Aos cidadãos é dito também que temos uma lei fundamental, uma Constituição, que garante o exercício dos direitos fundamentais, neles se incluindo o de acesso ao direito que não deve ser denegado por motivo de insuficiência económica. Vivemos numa sociedade em que o desrespeito grosseiro pelo direito por quem se esperava fossem os mais cumpridores se tem vindo a tornar um elemento cada vez mais perturbador da nossa vida.
Todos nós estamos a ser afetados pelas práticas, muitas ilegais, de políticos no passado recente que levaram o país à insolvência e a ter de celebrar acordos com os seus credores (curioso que ninguém reconheça que o país esteve insolvente em 2011 e que a bancarrota, a falência, só foi evitada pela intervenção da Troika). Grandes e pequenos investidores e aforradores foram vítimas da ganância despudorada de alguns banqueiros com a conivência de políticos corruptos.
Neste estado de coisas, espera-se que o sistema judicial atue castigando quem prevaricou e ressarcindo as vítimas. Por isso, vivemos em tempos de grande litigância mas, infelizmente, vivemos também em tempos que nem todos podem aceder à justiça. Isto porque a conjugação do critério de insuficiência económica, do qual a nossa Constituição faz depender a concessão de apoio judiciário, com a inexistência de limites quantitativos ao valor das custas judiciais (cuja constitucionalidade nos parece, no mínimo, duvidosa), deixa de fora todos aqueles casos em que o valor da lesão, e consequentemente do pedido, é elevado e o lesado, embora não vivendo numa situação de insuficiência económica, não dispõe de meios para suportar as custas que lhe caibam na parte do pedido em que venha eventualmente a decair.
Quantos advogados não ouviram de clientes dizer que, não tendo a certeza de ter ganho de causa (quem pode dar essa certeza à partida?) preferem não arriscar numa ação em que podem ter de vir a pagar quase 10% do valor do pedido?
A situação é grave quando a impossibilidade de ressarcimento do dano sofrido põe em causa, por exemplo, a viabilidade de um projeto empresarial: já vimos investidores estrangeiros retrair-se e sair do nosso país nessas circunstâncias. É ainda mais grave quando põe em causa um projeto de vida pessoal: basta pensar nos muitíssimos lesados pelos recentes escândalos financeiros em Portugal, que estão a ser agora confrontados com a necessidade de recorrer aos tribunais para tentar recuperar as poupanças de uma vida.
Tudo isto dá que pensar.
Talvez a Constituição não esteja a cumprir a sua função, ou talvez aqueles que estão encarregues de a fazer cumprir e o têm feito com excesso de zelo noutras matérias, não estão suficientemente atentos para esta realidade, pois creio ser claro para todos que a excessiva e injustificada onerosidade das custas é nas circunstância acima referidas uma forma de denegação da justiça, a juntar a tantas outras. O custo da justiça não é só o quanto se paga por ela mas também o custo que a sua denegação significa para o país e para os seus cidadãos.

2015-02-25

Foi há quase um ano que o Tribunal de Justiça da União Europeia reconheceu o direito a poder ser esquecido na Internet. Em vez de uma mera proclamação, o Tribunal consagrou a forma de exercício deste direito e determinou que quem quer ser esquecido pode pedir a motores de busca, como o Google, que, nalguns casos, eliminem o acesso às suas informações pessoais.

A Decisão de 13 de maio de 2014 do Tribunal de Justiça da União Europeia debruçou-se sobre um caso aparentemente simples. No longínquo ano de 1998, a Segurança Social espanhola arrestou diversos imóveis do cidadão espanhol Costeja González devido a dívidas. Esses imóveis acabaram por ser vendidos em hasta pública com anúncios publicados no jornal espanhol La Vanguardia. O problema de Costeja González era que uma pesquisa pelo seu nome no Google dava como primeiro resultado duas páginas do jornal La Vanguardia em que apareciam os anúncios da venda dos seus imóveis.

O anúncio pelo Banco Central Europeu do início do Programa de Quantitative Easing foi recebido com o aplauso, mais ou menos entusiasmado, daqueles que mais têm pugnado pelo fim dos programas de ajustamento e de austeridade, em Portugal e na Europa. O programa prevê a compra de obrigações emitidas por administrações centrais da área do euro, organismos e instituições europeias num montante combinado mensal de até €60 mil milhões e durará até setembro de 2016, podendo vir a ser prolongado até 2017.

As medidas de Quantitative Easing criam um estímulo monetário ao permitir aos bancos e outros investidores vender o seu portefólio de certos ativos ao BCE, libertando assim liquidez que poderá ser reinvestida ou utilizada para financiar a economia. Num cenário ideal, os bancos voltariam a emprestar dinheiro a empresas e famílias levando a um aumento do consumo e do investimento.

No início de Março foi publicado um manifesto subscrito por 74 notáveis em que se defende a necessidade ou conveniência em "reestruturar" a dívida pública portuguesa. Entretanto foi apresentada uma petição subscrita por milhares de pessoas para que o assunto seja discutido na Assembleia da República.
Aquando da publicação, a resposta do Governo, na pessoa do Primeiro-ministro, não se fez esperar: trata-se, afirmou, de um acto que põe em causa o financiamento do país. Com efeito, se o Primeiro-ministro subscrevesse o manifesto imediatamente subiriam as taxas de juro de financiamento ao país, a troika deixaria de confiar em nós e ficaria impossível uma saída à irlandesa ou à portuguesa, com ou sem cautelar. Subscrever o manifesto significa empurrar o país para uma saída à grega, ou seja, para um segundo resgate, num momento em que a Grécia se aproxima mais e mais do seu terceiro resgate.

Publicado o anteprojecto de reforma do IRC, logo sugiram elogios apressados às propostas da comissão. Num primeiro momento, parecia haver unanimidade. Finalmente uma comissão nomeada por este Governo, logo um Governo e este Governo, defendia a descida de um imposto. E todos queremos que os impostos baixem. Direita e esquerda aplaudiam. Depois, em surdina, começaram a surgir as primeiras palavras contra. Afinal, baixar os impostos das empresas quando tantos pagam IRS a níveis muito superiores e todos pagamos IVA a 23% parecia injusto. E há ainda, se os houver, os cortes nos salários e pensões dos funcionários públicos. Soaram então as críticas, muitas mal fundamentadas e com argumentos tão falaciosos quanto os daqueles que aplaudiam. Houve quem lembrasse a polémica da TSU. E vieram os lóbis a pedir a descida deste e daquele outro imposto que lhes convém mais.

As propostas da comissão merecem reflexão e ponderação.

Ao longo destes últimos dois anos tem ocorrido a muitos a questão: e se Portugal sair do Euro? Alguns defendem-no abertamente; outros opõem-se firmemente; a maioria interroga-se, receia e procura não pensar nas consequências que antevê catastróficas.

A verdade é que o nível da dívida pública reconhecida que se situa em 127% do produto interno bruto (PIB). A dívida pública reconhecida tem aumentado pela soma dos défices anuais consecutivos e das dívidas de empresas públicas que hoje consolidam com o Estado. Daí que se tenha passado de cerca de 90% do PIB para os actuais 127% do PIB. Se considerarmos ainda a dívida das empresas públicas que ainda não consolidam com o Estado e, principalmente, as responsabilidades que resultam das parcerias público-privadas, a dívida pública deve estar acima dos 140% do PIB, com aliás já se anuncia que sucederá em breve na sequência da revisão das normas contabilísticas europeias. Já em 2010, se a memória não me falha, um estudo do BPI calculava a dívida do Estado (consolidada e não consolidada) em mais de 126% do PIB.

Por princípio, este editorial não serve para defender correntes de opinião nem interesses políticos ou económicos. Este editorial serve para discutir temas de interesse geral de forma objectiva, procurando partilhar com os nossos leitores aquilo que sabemos, ou seja, falar de leis, justiça e Direito. Obviamente, ao prosseguirmos esse objectivo a nossa opinião cruza-se, por vezes confronta-se, com temas políticos, opções legislativas, interpretações de leis. Procuramos sempre ser objectivos na análise dos factos e rigorosos na leitura das leis.

Serve esta introdução para enquadrar os leitores no tema que me ocupa hoje: a proposta presidencial de um acordo de salvação nacional fundada na ameaça e na promessa de dissolução da Assembleia da República. Fiel aos princípios deste editorial, não me pronunciarei sobre os méritos e deméritos desse acordo, nem sobre as posições dos partidos e personalidades da vida pública portuguesa, nem mesmo sobre as consequências do sucesso desta iniciativa. Analisarei apenas e tão só o cabimento "constitucional" da proposta presidencial.

2013-03-26

Quando se esperava que as soluções para gerir os sucessivos episódios da crise do Euro já tivessem estabilizado, a União Europeia resolveu demonstrar que também sabe pensar fora da caixa.

Até agora, para evitar levantamentos descontrolados e a descapitalização dos sistemas bancários nacionais, nenhuma das intervenções da Troika tinha envolvido o confisco de depósitos bancários. E havia boas razões. Para além de haver uma garantia europeia de € 100.000 para depósitos no caso de falências dos bancos, o sistema bancário dos países periféricos poderia sair fortemente abalado e verificar-se uma corrida aos levantamentos. Já para não falar de ser extremamente injusto confiscar depósitos de pequenos montantes sem qualquer tipo de progressividade.

O Tribunal Constitucional ("TC") declarou inconstitucional o regime de limitação dos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória. A regra no processo declarativo é que toda a defesa deve ser deduzida na contestação, sob pena de se considerarem admitidos os factos a que o réu não se opôs, vendo o réu vê precludido o seu direito de apresentar defesa.  O TC põe agora em causa o princípio da preclusão, defendendo que o executado com base em injunção pode invocar os fundamentos gerais de oposição à execução, não porque o devedor executado foi impedido de invocar fundamentos de oposição que poderia ter invocado no procedimento de injunção, mas porque o processo de injunção não teve intervenção de um juiz - apenas de um secretário judicial.

Consequências práticas: numa execução baseada em injunção, o devedor passa a poder opor-se invocando, por exemplo, que o contrato não é válido, que o montante indicado no título foi calculado erradamente, que a dívida tem de ser compensada com outros créditos que já tinha sobre o credor, entre outras defesas possíveis.  O devedor poderá não se opor à injunção, sabendo que, se o credor eventualmente proceder para a execução, poderá aí invocar todas as defesas que pretender.

Pode ainda aceder a um estudo mais completo sobre esta matéria aqui

O governo publicou recentemente uma nova lei das parcerias público-privadas ("PPPs"). Trata-se de mais uma medida imposta pela Troika que melhora significativamente o processo de negociação e acompanhamento das PPPs mas que fica aquém do que deveria ser feito para corrigir os graves desequilíbrios que existem nas actuais parcerias sempre favoráveis ao sector privado.

A nova lei das PPPs, embora represente uma evolução significativa no domínio "processual" deveria ser complementada por uma reforma do regime "substantivo" que se nos afigura urgente. A reforma que propomos poderia servir de travão a novas PPPs sem nexo, contribuiria para pôr fim ao regime de "privilégio" vigente nas actuais concessões e permitiria eliminar por via de uma renegociação equilibrada as actuais rendas "excessivas" dos contraentes privados.

Poderá consultar a versão integral deste artigo aqui.