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Recentemente alterado pela Lei n.º 93/2019 de 4 de setembro, o Código do Trabalho manteve inalterada a redação do artigo 21.º (“Utilização de meios de vigilância à distância”), que dispõe no sentido da necessidade de autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados Pessoais (“CNPD”) para utilização de videovigilância no contexto laboral.

Não obstante, o novo o Regulamento Europeu 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril “(RGPD”), alterou o poder de fiscalização prévia atribuído às agências administrativas nacionais responsáveis pelo tratamento de dados pessoais, passando a dispor no sentido de lhes ser atribuído um mero poder de auditoria e fiscalização.

Tendo as referidas alterações sido concretizadas, entre nós, após a entrada em vigor da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto (“Lei de Execução do RGPD”), divergentes interpretações têm surgido quanto à (des)necessidade de manutenção daquela autorização prévia por parte da nossa Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), e da consequente manutenção em vigor do disposto no artigo 21.º do Código do Trabalho.

Na sequência das novas normas sobre proteção de dados pessoais, consideramos que o artigo 21.º do Código do Trabalho deve considerar-se tacitamente revogado, quanto à necessidade de autorização prévia da CNPD.

Com efeito, contrariamente ao que acontecia anteriormente,  quando a CNPD exercia um controlo a priori, com as mais recentes alterações do RGPD e da respetiva Lei de Execução esta agência passou a exercer apenas um controlo a posteriori. Ao invés de atuar a priori, esta entidade fica responsável, apenas, pelo enforcement das regras decorrentes do RGPD. Trata-se, na nossa opinião, de um poder de fiscalização, de inspeção e de auditoria sobre o cumprimento da conformidade de tratamento de dados pessoais, e não de autorização prévia. Foi nesse sentido e com esse propósito, aliás, que a Lei Orgânica da CNPD (Lei n.º 43/2004) foi alterada tendo em vista a criação de uma nova Unidade de Inspeção[1] .

Não podemos esquecer que os Regulamentos da União Europeia, tal como o RGPD, têm caráter geral, sendo obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis nos Estados-Membros. Simultaneamente, tornam inaplicáveis quaisquer normas nacionais que sejam incompatíveis com as disposições materiais neles contidas, ou seja, nesta situação, os números 1, 2 e 4 do artigo 21.º do Código do Trabalho.  

Nestes termos, consideramos que resulta clara uma revogação tacita daqueles preceitos, não sendo necessária revogação expressa das normas sobre videovigilância aquando da alteração do Código do Trabalho.

Para além disso, resulta claro do n.º 2 do artigo 62.º da Lei Execução do RGPD apenas ser admitida a subsistência das autorizações e notificações previstas na Lei de Execução do RGPD.[2]

Não restam dúvidas, portanto, de que o pedido de autorização prévia referido no artigo 21.º do Código do Trabalho se encontra revogado, apenas se continuando a aplicar o número 3 do mesmo preceito. De facto, nada obsta à sua aplicação, pelo que, mesmo não sendo necessária a autorização da CNPD a utilização dos meios de videovigilância apenas pode ser efetuada se for necessária, adequada e proporcional aos seus objetivos.

Neste momento, à luz das novas disposições legais, apenas está em vigor a autorização da CNPD para a videovigilância com captação de som em instalações que recolham imagem e som quando não estão encerradas e nos termos do n.º 4 do artigo 19.º da Lei de Execução do RGPD, também aplicável em contexto laboral.

Em suma: não obstante o regime da videovigilância previsto no Código do Trabalho não ter sido alterado pela Lei n.º 93/2019, a Lei de Execução do RGPD influenciou o legislador laboral, tendo como consequência imediata a não manutenção das normas anteriores ao RGPD que determinavam a sujeição ao controlo prévio pela CNPD. Os números 1, 2 e 4 do artigo 21.º do Código do Trabalho devem, em suma, considerar-se tacitamente revogados.



[1] Conforme consta do artigo 24.º-A da Lei 43/2004, de 18 de agosto de , alterada pela Lei 58/2019, de 8 de agosto, “Compete à Unidade de Inspeção realizar inspeções e auditorias no âmbito dos processos em curso, com mandato do presidente da CNPD, em especial: a) Fiscalizar a conformidade do tratamento de dados pessoais, podendo para tal aceder às instalações do responsável e do subcontratante, aos equipamentos, aos meios de tratamento de dados, bem como a toda a documentação que se revele necessária (….)”.

[2] Dispõe o artigo 62.º da Lei da Lei 43/2004, de 18 de agosto, alterada pela Lei 58/2019, de 8 de agosto o seguinte: “1. As normas relativas à proteção de dados pessoais previstas em legislação especial mantêm- -se em vigor, em tudo o que não contrarie o disposto no RGPD e na presente lei, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 2. Todas as normas que prevejam autorizações ou notificações de tratamento de dados pessoais à CNPD, fora dos casos previstos no RGPD e na presente lei, deixam de vigorar à data de entrada em vigor do RGPD”.

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