Em agosto de 2022, a Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto de 2022 (“Lei das Comunicações Eletrónicas” ou “LCE”), com considerável atraso, transpôs para o ordenamento jurídico português o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (‘‘Código Europeu” ou “CECE”).
Apesar de não alterar a estrutura fundamental do regime até então em vigor, a nova LCE traz algumas novidades de relevo, em especial, (i) em matéria de direitos dos consumidores, (ii) regime sancionatório e (iii) privacidade nas comunicações eletrónicas.
Ao comparar, em termos gerais, a nova LCE com o diploma que a antecedeu (a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, com quase vinte anos de vigência), é imediatamente notório o alargamento do seu âmbito de aplicação, fruto da adoção de um conceito mais lato de “serviço de comunicações eletrónicas”. Para além dos tradicionais serviços de envio de sinais oferecidos através de redes de comunicações eletrónicas mediante remuneração, passam também a ser “serviços de comunicações eletrónicas” os de acesso à Internet, bem como os denominados serviços over-the-top (“OTT”).
Note-se ainda que as normas da nova lei não entraram simultaneamente em vigor. Em regra, estas entraram em vigor 90 dias após a sua publicação (i.e., a 14 de novembro de 2022), destacando-se as seguintes exceções:
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Regras que incidam sobre os encargos exigidos em caso de cessação antecipada do contrato por iniciativa do consumidor (entenda-se os artigos 136.º n.ºs 4 e 5 da nova LCE), apenas entraram em vigor 60 dias após a entrada em vigor da nova LCE, ou seja, mais precisamente, a 13 de janeiro de 2023;
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As normas relativas às comunicações de emergência e número único europeu de emergência que começam a vigorar a partir do momento da abertura ao público de cada meio de acesso aos serviços de emergência por parte das autoridades nacionais competentes; e
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As regras em matéria de segurança das redes e serviços, incluindo requisitos adicionais e regime de assistência e cooperação com a Equipa de Resposta a Incidentes de Segurança Informática Nacional, que entraram de imediato em vigor com a publicação da nova LCE.
Importa lembrar, no que diz respeito à lei revogada, que, na transposição do anterior quadro regulamentar, o legislador de 2004 já tinha tido o cuidado de unificar as cinco diretivas num único diploma criando, com isso, um quadro estruturalmente coeso que se manteve genericamente até 2022. Ainda assim, até meados de 2021, para além da Lei das Comunicações Eletrónicas de 2004, o quadro regulamentar incluía outros 46 diplomas, dos quais, 23 eram atos legislativos e 16 regulamentos de natureza administrativa que o completavam.
Não surpreende, portanto, que, não obstante alterações substantivas em alguns aspetos críticos da lei, em particular, no que se refere a consumidores e ao quadro sancionatório que terão um impacto material não só em termos jurídicos, como igualmente no equilíbrio económico-financeiro e operacional dos operadores, a nova LCE tenha genericamente preservado a estrutura da sua antecessora.
Embora já tenham decorrido dois anos sobre a publicação da nova LCE o alcance das alterações introduzidas pela legislação na estrutura do mercado tem sido relativamente reduzido, com exceção de algumas normas especificas como, e.g., as relativas aos contratos com consumidores, pelo que o exercício de analisar em profundidade o novo quadro regulatório será sempre limitado.
Seguindo a estrutura da nova LCE, procura dar-se aqui uma perspetiva resumida do novo regime regulatório do setor das comunicações.
1. A ANACOM E OUTRAS AUTORIDADES COMPETENTES
Na nova LCE, a Autoridade Nacional de Comunicações (“ANACOM”) continua a desempenhar o seu papel fulcral como Autoridade Reguladora Nacional (“ARN”) do setor das comunicações.
Embora, à semelhança do que sucedia na lei anterior, a definição de comunicações continue a abranger tanto comunicações eletrónicas como postais, a nova LCE, alarga o seu âmbito de atuação aos segmentos de mercado onde o seu papel era, por motivos conceptuais, menos claro. Um dos exemplos deste alargamento é, provavelmente, o caso dos serviços OTT que, sendo baseados exclusivamente no nível de aplicação das redes de transmissão de dados, são, na nova LCE equiparados, para efeitos jurídicos (e.g., em matéria de direitos dos utilizadores finais) e de análise de mercados, aos serviços de rede propriamente ditos.
Assim, na LCE, em termos genéricos, compete à ANACOM o desempenho de funções de regulação, supervisão, fiscalização e sancionamento sobre todo o setor, cabendo-lhe designadamente:
- Promover a concorrência na oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas;
- Garantir o acesso a redes, infraestruturas, recursos e serviços;
- Proteger os direitos e interesses dos consumidores e demais utilizadores finais; e
- Assegurar o acesso ao serviço universal de comunicações eletrónicas e postal, designadamente garantindo o cumprimento das obrigações de serviço universal.
A LCE, apesar de não promover reformas muito profundas, por um lado, reforçou os seus poderes e atribuições, sobretudo no que se refere à gestão do espectro.
Nesta matéria, e.g., com a nova lei, a ANACOM passa a ter poderes para promover a utilização partilhada do espectro de radiofrequências, ou seja, o acesso por dois ou mais operadores às mesmas faixas, no âmbito da atribuição direitos de utilização de frequências (“DUF’s”) do espectro radioelétrico.
Por outro lado, a LCE clarifica que os regulamentos respeitantes a procedimentos de seleção concorrencial ou por comparação para atribuição de direitos de utilização do espectro de radiofrequências passam a ser aprovados pelo membro do Governo responsável pela área das comunicações.
Numa outra dimensão, a LCE prevê, seguindo de perto o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, a intervenção de «outras autoridades competentes» na regulação setorial, i.e., as entidades, para além da ARN, às quais a lei confira determinadas competências específicas como é o caso da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, especialmente em matéria de direitos dos utilizadores finais.
Para tal, e.g., a LCE incentiva a cooperação entre a ANACOM e as «outras entidades competentes» na elaboração de consultas e na troca de informações, em questões de interesse comum em matéria de comunicações de emergência.
2. AUTORIZAÇÃO GERAL, FREQUÊNCIAS, NÚMEROS E SEGURANÇA
2.1. REGIME DE AUTORIZAÇÃO GERAL
Tal como sucedia desde 2004, prevalece o princípio da livre oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas, que, desta forma, continua a estar apenas sujeita ao regime de autorização geral, não dependendo de decisão ou ato prévio do regulador, exceto no que se refere à atribuição de direitos de utilização de elementos como os já referidos DUF ou de direitos de utilização de numeração.
Todas as empresas que pretendam oferecer redes públicas de comunicações eletrónicas e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público estão, portanto, sujeitas a um dever de comunicação prévia de início de atividade cujo regime também não foi sujeito a alterações muito relevantes.
Quer isto dizer, em termos práticos, que estas empresas devem apenas comunicar, previamente, à ANACOM o início da sua atividade. Nos termos da lei, esta comunicação deve conter os seguintes elementos:
- A declaração da intenção de iniciar a atividade;
- Os elementos de identificação da empresa e o endereço do seu sítio na Internet associado à oferta de redes públicas de comunicações eletrónicas e de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público;
- Os contactos para comunicações e notificações, incluindo obrigatoriamente um endereço de correio eletrónico;
- A descrição sucinta da rede de suporte e do serviço cuja oferta pretendem iniciar; e
- A data prevista para o início de atividade.
Note-se que as entidades não sujeitas, nos termos da LCE, ao regime de autorização geral, também não estão vinculadas ao cumprimento deste dever de comunicação prévia de início de atividade. Para além dessas, este dever também não é aplicável às empresas que pretendam oferecer serviços de comunicações eletrónicas não acessíveis ao público.
2.2. CONDIÇÕES GERAIS E CONDIÇÕES ESPECÍFICAS
As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas continuam a estar sujeitas, na sua atividade, a determinadas condições gerais já previstas na anterior legislação. De entre as várias condições, destacam-se as seguintes:
- Obrigações de acesso;
- Obrigações em matéria de tratamento de dados pessoais e da proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas;
- Obrigações de instalação e disponibilização de sistemas de interceção legal às autoridades nacionais e fornecimento dos meios de decifragem sempre que ofereçam essas facilidades;
- Condições de utilização do espectro de radiofrequências para serviços de comunicações eletrónicas; e
- Condições de utilização para garantir as comunicações entre os serviços de emergência, as autoridades competentes e os agentes de proteção civil com o público em geral.
Por sua vez, as entidades que não sejam abrangidas pelo já mencionado regime de autorização geral, continuam a não estar sujeitas, também, a estas condições gerais.
As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas, para além das condições gerais elencadas, podem ser sujeitas a condições específicas, sobretudo em matéria de acesso e interligação, de controlos nos mercados retalhistas e de serviço universal.
Por fim, como aludido atrás, refere-se que, com as alterações introduzidas com a LCE, as entidades que ofereçam serviços de comunicações interpessoais independentes de número poderão, em determinados casos, ser sujeitas a obrigações de acesso e interligação.
2.3. DIREITOS DOS OPERADORES
A LCE atribui às empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas, acessíveis ou não ao público, uma série de direitos, nomeadamente o de requerer a constituição de direitos de passagem e o de utilização do espectro de radiofrequências para a oferta de redes e serviços.
Para além destes, as empresas que oferecem redes públicas de comunicações eletrónicas ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público beneficiam de outros direitos, designadamente do direito de oferecer alguma das prestações do serviço universal ou cobrir diferentes zonas do território nacional.
Estes direitos podem ser alterados, consoante o caso, por lei, regulamento ou ato administrativo. Porém, a ocorrer uma eventual alteração, esta deve ser objetivamente justificada e respeitar exigências de proporcionalidade. Para além de ser necessário o consentimento do titular, as decisões de alteração seguem o regime do procedimento de consulta pública, ou seja, deve ser dada aos interessados a possibilidade de se pronunciar a não ser que em causa estejam alterações não muito significativas, i.e., que não afetem a natureza substancial dos direitos de utilização.
Sem prejuízo da possibilidade da sua alteração, os titulares dos direitos de utilização de frequências e dos recursos de numeração beneficiam de uma garantia geral de não restrição e de irrevogabilidade dos seus direitos, até ao termo do seu prazo de validade, fixando a lei os critérios, em que estes podem ser antecipadamente restringidos ou revogados pela ARN. Desta forma, os casos em que estes direitos podem ser restringidos ou revogados são:
- Existência de consentimento por parte do titular;
- Existência de situações justificadas, nomeadamente, para:
- Garantir a utilização efetiva e eficiente dos recursos de numeração ou do espectro de radiofrequências; e para
- Garantir a aplicação de medidas técnicas de execução adotadas nos termos do artigo 4.º da Decisão Espectro de Radiofrequências .
Caso a restrição ou revogação de direitos tenha lugar sem o consentimento do titular e/ou em casos não justificados, esta depende da existência de procedimento previamente estabelecido e claramente definido que respeite o princípio da proporcionalidade e o da não discriminação.
Como não poderia deixar de ser, caso os direitos sejam restringidos ou revogados, haverá lugar a compensação (a apurar pela ANACOM), pelos encargos ou danos especiais e anormais sofridos pelos seus titulares. Nesta sede, aplicam-se as regras da indemnização pelo sacrifício previstas no contexto do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
em conclusão, a nova LCE não trouxe grandes novidades neste plano, mas, apesar de tudo, veio clarificar a aplicabilidade deste regime aos serviços OTT e às empresas que pretendam oferecer serviços de comunicações eletrónicas não acessíveis ao público.
2.4. O ESPECTRO DE RADIOFREQUÊNCIAS
O espectro de radiofrequências, espaço pelo qual se podem propagar as ondas eletromagnéticas com frequências entre os 3kHz e os 3000gHz, constitui o domínio público radioelétrico e é um recurso público essencial e escasso de inegável importância económica e social para o País, como bem o demonstram não só os valores pagos pelos direitos de o utilizar , como, também, pelo intenso debate público que sempre rodeia as questões com ele relacionado
A gestão eficiente do espectro é competência da ANACOM, que a deve promover com base no princípio da neutralidade tecnológica, i.e., todos os tipos de tecnologia utilizados na oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas podem ser utilizados nas faixas de frequências disponíveis para os serviços de comunicações eletrónicas e no princípio da neutralidade de serviços, ou seja, todos os tipos de serviços de comunicações eletrónicas podem ser prestados nas faixas de frequências disponíveis para os serviços de comunicações eletrónicas.
A LCE não alterou os pilares e estrutura fundamentais do anterior regime, tendo, no entanto, trazido algumas novidades, em especial ao nível dos poderes e atribuições do regulador. A ANACOM continua a ser titular de grande parte dos poderes de que, anteriormente, já beneficiava, como por exemplo o poder de atribuir, alterar ou renovar direitos de utilização e até o poder de autorizar a sua transmissão ou locação.
No entanto, a LCE faz alterações em dois planos: (i) num primeiro plano, são atribuídos novos poderes ao regulador, que vê o seu papel reforçado, designadamente, em matéria de proteção da utilização competitiva do espectro; e (ii) num segundo plano, são-lhe retirados outros poderes, em especial, com a nova lei, os regulamentos respeitantes a procedimentos de seleção concorrencial ou por comparação para atribuição de direitos de utilização de frequências devem, a partir de agora, ser aprovados pelo membro do Governo responsável pela área das comunicações.
2.4.1. UTILIZAÇÃO DO ESPECTRO DE RADIOFREQUÊNCIAS
Do ponto de vista jurídico, as condições da autorização geral, cabe ao regulador, em especial, definir as condições técnicas, mais adequadas para a sua utilização.
Numa lógica de continuidade face ao quadro anterior, a LCE realça que cabe à ANACOM atribuir os DUF para a oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas. Por natureza, os DUF estão sempre sujeitos um prazo de caducidade. Assim, e.g., nos termos da lei, os direitos de utilização de espectro para serviços de comunicações eletrónicas de banda larga sem fios, são atribuídos por um prazo mínimo de 15 anos, sem prejuízo de poderem ser renovados.
De forma semelhante ao que já resultava do anterior regime, cabe também ao regulador a definição das condições associadas aos direitos de utilização do espectro, cujo incumprimento habilita o regulador a revogar os direitos de utilização ou a impor outras medidas. As condições definidas devem ser proporcionais, transparentes e não discriminatórias, consistindo, por exemplo, no estabelecimento de durações máximas dos direitos.
A LCE inova com a introdução da possibilidade de utilização partilhada de espectro de radiofrequências, uma possibilidade particularmente interessante atendendo às funcionalidades permitidas pelas tecnologias 5G.
A renovação dos direitos de utilização continua a ser permitida. O regime aplicável à renovação, no entanto, foi sujeito a alterações significativas com a LCE:
- Anteriormente, a renovação dos direitos de utilização do espectro de radiofrequências dependia exclusivamente da iniciativa do titular dos direitos de utilização; e
- Com a nova LCE, a ANACOM pode avaliar atempadamente, por sua própria iniciativa, a necessidade de renovação dos direitos de utilização do espectro de radiofrequências.
Os titulares dos direitos de utilização do espectro de radiofrequências podem, ainda, por sua própria iniciativa, requerer ao regulador a sua renovação, com uma antecedência mínima de 18 meses e máxima de cinco anos relativamente ao termo do prazo de validade. Importa referir, a este título que o anterior regime consagrava apenas uma antecedência mínima de um ano. Em todo o caso, o regulador deve dar resposta aos pedidos de renovação no prazo máximo de seis meses seguidos, contados desde a sua receção.
No caso de direitos de utilização cujo número tenha sido limitado, os interessados deverão ter a oportunidade de se pronunciarem sobre a sua renovação, no âmbito de um procedimento de consulta pública. Assim, em setembro de 2024, a ANACOM lançou uma consulta sobre a disponibilização de recursos espectrais para serviços de comunicações eletrónicas terrestres (SCET) destinados a fabricantes, operadores, entidades privadas e públicas, utilizadores e outros, para além dos atualmente atribuídos aos seis operadores que participaram no leilão de 5G.
Tratando-se de um direito que é licenciado aos operadores, para além das taxas relacionadas com a sua atribuição inicial, estes encontram-se ainda sujeitos ao pagamento periódico de taxas que, salvo casos excecionais, têm como objetivo principal cobrir os encargos da fiscalização radioelétrica.
Por último, importa ainda referir que o instrumento de gestão técnica do espectro radioelétrico é o Quadro Nacional de Atribuição de Frequências (“QNAF”, que pode ser consultado através desta ligação) que, de forma detalhada, define todas as condições de utilização em função da sua finalidade.
2.4.2. TRANSMISSÃO E LOCAÇÃO DE DIREITOS DE UTILIZAÇÃO
A transmissão ou locação de direitos de utilização do espectro de radiofrequências continua a ser admitida com a LCE.
Por regra, caso o titular do direito pretenda transmiti-lo ou locá-lo poderá fazê-lo, mediante solicitação de transmissão ou locação dirigida ao regulador usando o procedimento menos oneroso possível, o qual se deverá pronunciar no prazo de 45 dias úteis.
No entanto, em determinados casos, a transmissão/locação dos direitos de utilização não é admitida. Entre estes casos contam-se, e.g., os direitos tenham sido atribuídos a título gratuito ou para a oferta de serviços de programas de rádio e de distribuição de serviços de programas televisivos e de rádio, no âmbito de procedimentos específicos, para o cumprimento de objetivos de interesse geral
2.4.3. CONCORRÊNCIA
Refletindo uma das pedras de toque do regime de gestão de espectro do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, a LCE esclarece que a ARN, ao atribuir, alterar ou renovar os direitos de utilização de frequências, deve promover a concorrência efetiva no mercado interno da União Europeia, evitando, na medida do possível, distorções da concorrência.
Os poderes da ANACOM são reforçados, passando esta a poder adotar ou propor a outras autoridades competentes as medidas de correção que entenda adequadas para evitar distorções da concorrência. Nomeadamente, o regulador pode:
- Limitar a quantidade de faixas do espectro para as quais são concedidos direitos de utilização ou associar condições a esses direitos;
- Reservar parte de uma faixa ou de um grupo de faixas do espectro para atribuição a novos entrantes no mercado; e
- Recusar atribuir novos direitos de utilização ou autorizar novas utilizações do espectro em determinadas faixas, bem como associar condições à atribuição de novos direitos de utilização ou a novas utilizações do espectro de radiofrequências, incluindo a transmissão ou locação, para evitar distorções da concorrência provocadas pela atribuição, transmissão ou acumulação de direitos de utilização.
A adoção destas «medidas adequadas», pelo regulador, deverá basear-se numa avaliação objetiva e prospetiva das condições de concorrência do mercado e da sua necessidade.
2.5. RECURSOS DE NUMERAÇÃO
Para além da gestão dos direitos de utilização relacionados com o domínio público radioelétrico, a ANACOM é igualmente a entidade a quem cabe gerir os recursos de numeração em Portugal.
Os chamados «recursos de numeração», ou seja, o conjunto estruturado de códigos usados pelas redes de comunicações eletrónicas para o encaminhamento de sinais, são recursos do Plano Nacional de Numeração (“PNN” que pode ser consultado através desta ligação), ou de um plano internacional de numeração , em relação aos quais o regulador dispõe de competências de administração e de notificação. Estes números são aptos a identificar redes, elementos de rede, bem como, utilizadores finais, serviços ou aplicações que usem estes serviços e redes.
Cabe à ANACOM, nos termos da LCE, assegurar a gestão eficiente dos recursos de numeração, garantindo que estes estão disponíveis à oferta de redes públicas de comunicações eletrónicas e de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público.
A utilização dos recursos de numeração está dependente da atribuição, pelo regulador dos respetivos direitos de utilização, que é feita mediante a apresentação de pedido específico e fundamentado à ANACOM.
A ferramenta técnica usada pela ANACOM para a gestão da numeração, que inclui igualmente os critérios para cada gama de números, é o PNN.
2.6. SEGURANÇA E EMERGÊNCIA
Para além de estabelecer competências genéricas em matéria de coordenação das redes e serviços de comunicações eletrónicas em caso de crise ou guerra, acidente grave ou catástrofe e de grave ameaça à segurança interna, na LCE destacam-se duas das normas de maior interesse:
- Em primeiro lugar, a lei esclarece que as empresas que oferecem serviços de comunicações interpessoais móveis com base em números devem transmitir (gratuitamente) à população avisos relativos a emergências ou a acidentes graves ou catástrofes, iminentes ou em curso; e
- Em segundo lugar, resulta da LCE que é um direito de todos os utilizadores finais de serviços de comunicações a existência de um número europeu de emergência gratuito «112» ou qualquer outro número nacional de emergência especificado pela ANACOM e devidamente identificado no Plano Nacional de Numeração, para realização de comunicações de emergência.
3. ANÁLISE DE MERCADOS E CONTROLOS REGULATÓRIOS
3.1. DISPOSIÇÕES GERAIS
Tal como na lei de 2004, também na LCE, a análise de mercados e a imposição de obrigações específicas têm necessariamente de obedecer ao princípio da fundamentação plena, ou seja, quer isso dizer que a fundamentação das decisões obedece aos pressupostos prescritos pela lei, que implicam obrigatoriamente procedimentos de consulta pública prévia.
Em termos gerais, compete à ANACOM definir, entre outros, os mercados de produtos e geográficos relevantes no setor das telecomunicações e que empresas devem considerar-se empresas com poder significativo.
3.2. ANÁLISE DE MERCADO
Compete à ARN definir e analisar os mercados relevantes de produtos e serviços do setor das comunicações eletrónicas, tendo em conta, o nível de concorrência em matéria de infraestruturas nessas áreas.
Depois de efetuada a análise de mercado pela ANACOM, poderá concluir-se que este requer a imposição de obrigações específicas quando:
- Existam obstáculos à entrada no mercado;
- A estrutura de mercado não permita a concorrência efetiva; e
- O Direito da Concorrência não seja suficiente para colmatar as falhas identificadas.
Esta análise pode ser promovida, não apenas aos mercados nacionais de telecomunicações, mas também aos mercados transnacionais, mas, neste caso, em cooperação com as autoridades europeias.
3.3. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÕES A OPERADORES COM PODER DE MRCADO SIGNIFICATIVO
A LCE não alterou o conceito de poder de mercado significativo, mantendo-se a definição tradicional que o associa à existência de uma posição de força económica que permite a uma entidade agir, em larga medida, independentemente dos seus concorrentes, clientes e utilizadores finais.
De modo semelhante ao que sucedia anteriormente, embora com pequenas alterações, de forma geral, permite-se que o regulador sujeite as empresas com poder de mercado significativo a algumas obrigações:
- Em primeiro lugar, a obrigação de dar resposta aos pedidos razoáveis de acesso e utilização de infraestruturas, em especial ativos de engenharia civil detidos por elas detidos;
- Em segundo lugar, na ausência de concorrência efetiva, o regulador poder impor obrigações de orientação de preços para os custos e a obrigação de adotar sistemas de contabilização de custos nos fornecimentos de tipos específicos de interligação e acesso.
No entanto, neste ponto em particular, a LCE impôs condições mais exigentes do que a anterior, para a sua aplicação. Desta forma, a ANACOM passou a ter de considerar na sua análise os benefícios associados à existência de preços grossistas previsíveis e estáveis que assegurem a entrada eficiente de empresas no mercado e que existem incentivos suficientes para que as empresas implementem redes novas e mais avançadas, nomeadamente em zonas de baixa densidade populacional; e
- Em terceiro lugar, na senda do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, a LCE considera que, por vezes, o estabelecimento de um mercado grossista pode alavancar efeitos positivos na concorrência de mercados retalhistas, envolvendo menores riscos concorrenciais.
Assim, às empresas exclusivamente grossistas passa a ser aplicável um regime mais favorável: estas apenas podem ser sujeitas a obrigações de não discriminação, acesso e utilização de elementos de redes específicos e recursos conexos ou obrigações relativas a preços justos, equitativos e razoáveis.
No entanto, a aplicabilidade deste regime depende da subsunção da empresa em causa a rigorosos requisitos de aplicação cumulativa; circunstância que pode dificultar a aplicabilidade deste regime.
Tendo em conta a constante inovação e modernização que carateriza o setor, as empresas com poder de mercado significativo, no novo diploma, passam a estar sujeitas a obrigações específicas no plano da migração de infraestruturas. O legislador, considerando as consequências concorrenciais que podem resultar dos processos de migração das antigas redes de cobre para as redes de próxima geração, introduziu a necessidade de notificação prévia sempre que estas empresas planeiem desativar ou substituir, no todo ou em parte, a sua infraestrutura.
Por fim, as obrigações de acesso não se aplicam apenas às empresas com poder de mercado significativo. Precisamente, de modo a garantir algum nível de eficiência económica, o regulador adquiriu o poder de impor obrigações de acesso aos operadores ou proprietários de cablagem e de recursos conexos associados dentro dos edifícios ou até ao primeiro ponto de distribuição, quando este se encontre fora do edifício, independentemente de serem ou não empresas com poder de mercado significativo. Permite-se, assim, um reforço da regulação simétrica , aplicável a todos os operadores.
3.4. ACESSO E INTERLIGAÇÃO
3.4.1. INTERLIGAÇÃO
As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas são livres de negociar e celebrar entre si acordos de interligação.
No entanto, a lei permite que a ANACOM imponha, a empresas que tenham (ou não) poder de mercado significativo, obrigações de acesso e interligação desde que sejam objetivas, proporcionais, transparentes e não discriminatórias. Por exemplo, o regulador poderá impor obrigações de acesso e interligação a empresas que, estando sujeitas ao regime de autorização geral, controlem o acesso aos utilizadores finais.
3.4.2. OBRIGAÇÕES REGULATÓRIAS
Seguindo de perto o CECE, a nova lei mantém de forma geral as obrigações regulatórias que já resultavam da anterior legislação, acrescentando, todavia, algumas mais.
Em especial, com a LCE é reforçada a eventual imposição de obrigações regulatórias simétricas, nomeadamente de acesso, e.g., a obrigação de acesso a cablagem até ao primeiro ponto de distribuição, o poder para impor acesso a ativos de engenharia civil e a itinerância localizada. No entanto, e sem prejuízo do referido, a imposição de obrigações regulatórias está, com a nova lei, dependente da observação de ainda mais requisitos tornando-a consideravelmente mais complexa.
Assim, não obstante as intenções benignas do legislador ao conceber este regime, a sua complexidade levanta legítimas dúvidas de aplicabilidade.
3.4.3. OBRIGAÇÃO DE ROAMING (ITINERÂNCIA LOCALIZADA)
A LCE traz com ela um novo conceito: itinerância localizada. A itinerância localizada, ou roaming local, consiste, tal como resulta do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, num mecanismo regulatório fulcral ao suprimento de obstáculos físicos ou económicos intransponíveis para o fornecimento, aos utilizadores finais de serviços e de redes que dependem do acesso através de direitos de utilização de frequências do espectro de radiofrequências, ou seja, redes móveis.
Precisamente, o regulador poderá, quando o acesso e a partilha de infraestruturas passivas não for suficiente, por si só, para assegurar a disponibilização, num determinado local, de serviços que dependam da utilização do espectro de radiofrequências, impor obrigações de partilha de infraestruturas ativas ou a obrigação de celebração de acordos de acesso para fins de itinerância localizada. No entanto, a imposição destas obrigações depende do preenchimento de alguns requisitos (cumulativos), designadamente a existência de obstáculos físicos ou económicos insuperáveis, que resulte num acesso à rede ou acesso a serviços por parte dos utilizadores finais muito deficiente ou inexistente, e.g., caso existam limitações à edificação em zonas protegidas.
O recurso a este mecanismo só se justificará, nos termos da lei, perante a insuficiência fundamentada do acesso e partilha de infraestruturas passivas.
3.4.4. ROAMING (ITINERÂNCIA) INTERNACIONAL
O roaming, ou itinerância, internacional, é um serviço introduzido pelas primeiras redes móveis de 2G que permite, aos utilizadores clientes de um operador utilizar os seus terminais (ou estações) móveis nas redes de operadores de outros países. Concretamente, este serviço, hoje considerado fundamental, permite fazer e receber chamadas de voz, enviar e receber mensagens de texto e multimédia ou aceder à Internet através dos respetivos equipamentos e tem sido considerado como um dos fatores fundamentais para a popularização a nível global dos serviços móveis através das redes de GSM.
Por definição, os custos associados às comunicações em roaming são mais elevados do que em território nacional, dado que o operador estrangeiro pode (quase) livremente fixar as tarifas aplicáveis aos utilizadores originários dos seus.
No entanto, no contexto do Espaço Económico Europeu, estes custos têm vindo a descer por força da aplicação das regras comunitárias, que culminaram com a implementação, em 2017, do conceito de Roam Like at Home, ou seja, as comunicações em roaming através das redes de qualquer operador nesse espaço, são, regra geral, taxadas nos termos do tarifário que o cliente subscreveu com o seu operador de origem.
Contudo, é de mencionar que as matérias referentes ao roaming internacional não se encontram reguladas na LCE, mas sim em regulamento europeu, designadamente no Regulamento (UE) n.º 2022/612 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de abril de 2022.
3.5. CONTROLO NOS MERCADOS RETALHISTAS
A intervenção da ANACOM para imposição de obrigações específicas adequadas aos mercados retalhistas depende da:
- Inexistência de concorrência efetiva; e
- Circunstância de que a imposição de outras obrigações não cumpriria os objetivos gerais de regulação.
Com isto visa impedir-se práticas como a aplicação de preços excessivos por parte dos operadores ou discriminação indevida entre os utilizadores finais.
4. DIREITOS DOS UTILIZADORES, SERVIÇO UNIVERSAL E SERVIÇOS OBRIGATÓRIOS ADICIONAIS
4.1. DIREITO DOS UTILIZADORES FINAIS
A LCE, tal como aliás o CECE determinou, reforçou substancialmente os direitos dos utilizadores finais. As empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas passaram a estar, na sua totalidade inclusivamente os serviços OTT, sujeitas às normas relativas aos direitos dos utilizadores finais, previstas na LCE.
Neste contexto existem poucas exceções. Uma das exceções mais notórias é o das microempresas que oferecem serviços de comunicações interpessoais independentes de números, que podem ser isentas do cumprimento destas normas. As microempresas estão obrigadas, contudo a informar isso mesmo aos utilizadores finais.
Seguindo a lógica desenhada pelo CECE, nos termos da LCE, beneficiam do regime aplicável aos direitos dos utilizadores finais, para além de consumidores finais que sejam consumidores, as microempresas, bem como, pequenas empresas ou organizações sem fins lucrativos desde que, não tenham renunciado expressamente à aplicação dessas disposições.
Quais são, afinal, os direitos dos utilizadores finais? Nos termos da LCE, são todos os utilizadores finais beneficiam, entre outros, dos seguintes direitos:
- Dispor de informação escrita sobre os termos e condições de acesso e utilização dos serviços;
-
Ser informado, com a antecedência mínima de 15 dias, da cessação da oferta de um serviço;
-
Dispor de informação sobre a qualidade dos serviços prestados;
-
Receber informação sobre a faturação dos serviços prestados, nomeadamente sobre os custos de instalação e sobre o término do período de fidelização;
-
Proteção acrescida para casos de não autorização/contratação expressa;
-
Ter acesso a ferramentas de comparação de preços e outras condições;
-
Ter uma redução imediata e proporcional da mensalidade em casos de suspensão dos serviços por períodos iguais ou superiores a 24h consecutivas, sem prejuízo de eventuais compensações;
-
Aceder aos serviços contratados de forma contínua, devendo ter informação sobre a suspensão do serviço; e
-
Dispor de portabilidade de números.
A LCE introduziu, nesta sequência, uma novidade que merece ser destacada: as regras de não-discriminação. Ou seja, exceto quando tal seja “objetivamente justificado”, passa a não ser permitida a diferenciação de requisitos ou condições de utilização ou acesso em razão da nacionalidade, residência ou local de estabelecimento.
No entanto, com esta alteração, uma nova questão se abre (e à qual a nova lei não dá resposta): quando estaremos perante um caso em que é “objetivamente justificada” a diferenciação de requisitos?
Sem dúvida que o regime dos utilizadores finais é um dos mais importantes da nova LCE e mostra uma cada vez maior tendência para que o principal fundamento da regulação seja, efetivamente, a proteção dos utilizadores.
Enquadrada nesta questão, a ANACOM pretende ainda rever o regime de portabilidade através de um novo regulamento, substituindo o anterior que data de 2005. Segundo a consulta pública, pretende-se com o futuro regulamento manter o fundamental da estrutura do anterior. Mesmo assim, destacam-se algumas alterações como, e.g., algumas medidas relativas à proteção de consumidores como:
- A proibição de cobrar certos encargos de portabilidade aos utilizadores finais
- A obrigação de os Prestadores Recetores assegurarem a portabilidade e a subsequente ativação do número.
4.2. REQUISITOS DE INFORMAÇÃO SOBRE OS CONTRATOS
O regime da prestação de informações pré-contratuais é reforçado com a LCE.
As empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, com exceção dos serviços de transmissão utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina, devem, previamente à celebração de um contrato, disponibilizar ao consumidor as informações (resultantes da Lei de Defesa do Consumidor) relativas a, por exemplo:
- As características principais dos bens ou serviços, tendo em conta o suporte utilizado para o efeito e considerando os bens ou serviços em causa;
- A identidade do fornecedor de bens ou prestador de serviços, nomeadamente o seu nome, firma ou denominação social, endereço geográfico no qual está estabelecido e número de telefone;
- O preço total dos bens ou serviços, incluindo os montantes das taxas e impostos, os encargos suplementares de transporte e as despesas de entrega e postais, quando for o caso; e
- Modo de cálculo do preço, nos casos em que, devido à natureza do bem ou serviço, o preço não puder ser calculado antes da celebração do contrato.
A obrigação de adoção e disponibilização do modelo de resumo do contrato é, não só formalizada, como também é consideravelmente mais detalhada.
4.3. MECANISMOS DE CONTROLO DE CONTRATAÇÃO E FATURAÇÃO
A faturação dos serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público é mensal, devendo as respetivas faturas – enviadas gratuitamente ao utilizador final – discriminar:
- Os serviços prestados e os preços correspondentes;
- A duração remanescente do período de fidelização; e
- Informação sobre a existência da tarifa social de fornecimento de serviços de acesso à Internet em banda larga e a sua aplicação aos consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais, quando aplicável.
4.4. DURAÇÃO DO CONTRATO
A LCE, no que se refere ao regime aplicável às fidelizações, aposta na continuidade; mas, sem prejuízo, traz algumas inovações, em especial no que se refere ao prolongamento de fidelizações e às re-fidelizações, introduzindo para tanto os conceitos de fidelização inicial e subsequente.
Todas as empresas que oferecem serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, com exceção dos serviços de comunicações interpessoais independentes de números e dos serviços de transmissão utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina, passam a ser obrigadas a disponibilizar serviços sem fidelizações associadas. Assim, a disponibilização de contratos com períodos de retenção mais curtos, de 12 ou 6 meses, deixa de ser obrigatória, definindo-se, contudo, uma duração máxima de 24 meses para o contrato.
A LCE prevê também que a subscrição de serviços suplementares ou de equipamento terminal pelo consumidor não prolonga o período de fidelização inicial do contrato, exceto nos casos em que o próprio consumidor concorde com o respetivo prolongamento no momento da subscrição.
4.5. CESSAÇÃO DO CONTRATO
A suspensão da prestação de serviços a utilizadores finais que não são consumidores depende de pré-aviso adequado. A suspensão, no entanto, nunca implica o corte de acesso a serviços de emergência. A cessação do contrato só tem lugar quando a dívida se tornar exigível; mas nunca antes de oito dias corridos desde o aviso.
A suspensão de prestação de serviços a utilizadores finais que são consumidores depende de pré-aviso adequado, com antecedência mínima de 30 dias. A resolução do contrato ocorre automaticamente após 30 dias de suspensão da prestação de serviços, sem que a situação tenha sido regularizada.
A LCE prevê a redução proporcional da fatura em casos de indisponibilidade de serviço não imputável ao consumidor por períodos superiores a 24h (independentemente da sua solicitação). Caso a indisponibilidade se mantenha por superior a 15 dias, o utilizador final beneficia do direito a resolver o contrato sem qualquer custo. Com estas inovações, na prática, parece que se está a criar uma responsabilização dos operadores por atos que não lhes sejam diretamente imputáveis.
A LCE estabeleceu também outras causas de incumprimento do contrato. Por exemplo, qualquer discrepância significativa entre o desempenho real dos serviços de comunicações eletrónicas e o desempenho indicado no contrato passa a servir de base ao desencadeamento do processo de tomada das medidas corretivas, sem prejuízo da prerrogativa do utilizador poder resolver o contrato sem qualquer custo.
A este propósito, sem prejuízo das muitas outras formas de cessação do contrato que se aplicam nos termos gerais, e que não conhecem grandes especificidades a este propósito, é importante mencionar uma relevante inovação é trazida pela LCE com consequências práticas inegáveis. Nos termos do novo diploma, os operadores não podem exigir ao consumidor titular do contrato o pagamento de quaisquer encargos relacionados com o incumprimento do período de fidelização. Por outras palavras, a cobrança de encargos adicionais pela resolução antecipada do contrato está vedada nos seguintes casos:
- Em primeiro lugar, em caso de caso de mudança de morada pelo consumidor (entenda-se, da sua residência permanente). Precisamente, nestas situações, não podem ser exigidos encargos pelo incumprimento do período de fidelização caso a empresa não possa assegurar a prestação do serviço contratado ou de serviço equivalente, nomeadamente em termos de características e de preço, na nova morada;
- Em segundo lugar, em caso de situação de desemprego por facto não imputável ao consumidor que implique perda do rendimento mensal disponível do consumidor, não podem ser cobrados encargos pela saída antecipada do contrato;
- Em terceiro lugar, não poderá ser exigido o pagamento de valores pela resolução antecipada do contrato em caso de doença prolongada. Assim, a quem esteja em situação de incapacidade para o trabalho, permanente ou temporária, que implique perda do rendimento mensal disponível do consumidor poderá incumprir o período de fidelização sem que lhe seja exigido o pagamento de quaisquer encargos;
- Por fim, em situação de emigração do consumidor para país terceiro, também não lhe poderão ser exigidos quaisquer encargos pela saída antecipada do contrato. Para estes efeitos, por emigração entende-se a mudança imprevisível da habitação permanente do titular do contrato para fora do território nacional.
No entanto, sem prejuízo da eventual boa intenção do legislador ao implementar estas normas protecionistas, o recurso a conceitos indeterminados deixa alguns pontos (de grande relevância prática) por esclarecer, e.g., uma interrogação legítima será: o que se deve entender por mudança imprevisível da habitação permanente?
À semelhança do que sucede no contexto da resolução antecipada do contrato, podem ser justificadas a sua suspensão ou caducidade sem quaisquer encargos para o titular, em especial em caso de:
-
Perda do local onde os serviços são prestados;
-
Alteração de residência para fora do território nacional;
-
Ausência da residência motivada por cumprimento de pena de prisão, doença prolongada, estado de dependência de cuidados prestados ou a prestar por terceira pessoa; ou
-
Situação de desemprego ou baixa médica.
Trata-se de um conjunto de normas com impacto muito significativo que irão certamente ser objeto de clarificação à medida que operadores e consumidores forem sendo confrontados com a sua aplicação quotidiana.
Uma das medidas introduzidas pela ANACOM foi a promoção de uma plataforma de cessação de contratos destinada a consumidores, através da qual estes podem não só submeter os pedidos de cessação por denúncia, como, também, de forma centralizada e desmaterializada, fazer as suas solicitações relativas à prestação de informação sobre os próprios contratos.
4.6. SERVIÇO UNIVERSAL
A LCE caracteriza o serviço universal como um conjunto mínimo de prestações que, a um preço acessível, deve estar disponível, no território nacional, a todos os consumidores, em função das condições nacionais específicas sempre que exista um risco de exclusão social decorrente da falta de tal acesso que impeça os cidadãos de participarem plenamente na vida social e económica da sociedade.
O serviço universal deverá assegurar a disponibilidade, a um preço acessível e com uma qualidade especificada, de:
- Um serviço adequado de acesso à Internet de banda larga num local fixo;
- Serviços de comunicações de voz, incluindo à ligação subjacente, num local fixo;
- Medidas específicas para consumidores com deficiência, com o objetivo de assegurar um acesso equivalente às prestações que, no âmbito do serviço universal, estão disponíveis para os demais utilizadores.
Com a nova LCE surgem novas regras aplicáveis ao serviço universal que trazem algumas mudanças fundamentais: a regulação social passa a ser essencialmente promovida através da chamada tarifa social de Internet.
4.7. SERVIÇOS OBRIGATÓRIOS ADICIONAIS
A LCE esclarece que o Governo pode decidir tornar acessíveis ao público, no território nacional, serviços suplementares para além dos incluídos nas obrigações de serviço universal. No entanto, nessa circunstância não pode ser imposto qualquer mecanismo de compensação que envolva empresas específicas.
5. OBRIGAÇÕES DE TRANSPORTE, EQUIPAMENTOS E DISPOSITIVOS ILÍCITOS
Quando tal for necessário para a realização de objetivos de interesse geral, o regulador poderá impor obrigações de transporte às empresas no mercado de serviços de programas televisivos e de rádio, determinando, como contrapartida, uma remuneração adequada.
Nos termos da LCE, os equipamentos de televisão digital de consumo deverão possuir capacidade para permitir a descodificação dos sinais de televisão digital, e reproduzir sinais que tenham sido transmitidos sem codificação, e os prestadores devem promover a interoperabilidade do equipamento para que este possa ser reutilizado.
Por fim, toda a atividade relacionada com dispositivos ilícitos, conceito que, entre outros, inclui o fabrico, importação, distribuição, venda, locação, instalação, manutenção, promoção, aquisição, utilização é considerada uma contraordenação muito grave. Um dispositivo ilícito será qualquer equipamento ou programa informático concebido ou adaptado com vista a permitir o acesso a um serviço protegido, sob forma inteligível, sem autorização do prestador do serviço.
6. TAXAS, SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO
6.1. TAXAS
Os operadores que ofereçam redes e serviços de comunicações abrangidas pelo regime de autorização geral estão sujeitas ao pagamento de uma taxa anual, determinada essencialmente em função dos custos administrativos decorrentes da gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral, bem como dos direitos de utilização e das condições específicas.
No entanto, também estão sujeitos ao pagamento de taxas:
- A atribuição e a renovação de direitos de utilização de frequências;
- A atribuição, incluindo a reserva, e a renovação de direitos de utilização dos recursos de numeração; e
- A concessão de direitos de passagem.
6.2. SUPERVISÃO E FISCALIZAÇÃO
6.2.1. PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
Aquelas empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações eletrónicas, recursos ou serviços conexos, devem prestar as informações necessárias em especial, de natureza financeira, que permitam à ANACOM exercer as suas competências.
Sem prejuízo da obrigação supramencionada, o regulador e as outras autoridades competentes podem solicitar às empresas informações adicionais, desde que proporcionais e objetivamente justificadas, relativas à autorização geral, aos direitos de utilização ou às obrigações específicas, e.g., para permitir verificar o cumprimento da obrigação de pagamento das taxas administrativas.
6.2.2. FISCALIZAÇÃO
Compete à ANACOM, regulador do setor das comunicações, a fiscalização do cumprimento da LCE, sem prejuízo das competências atribuídas a outras entidades, caso da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica e da Autoridade Tributária e Aduaneira.
6.2.3. NOVO QUADRO SACIONATÓRIO
A LCE alargou substancialmente o quadro sancionatório. Atualmente existe catálogo de mais de 120 contraordenações, das quais quase 97% são contraordenações graves ou muito graves, i.e., respetivamente, puníveis com coimas até um ou cinco milhões de euros.
É dada ênfase ao cumprimento das normas relativas às matérias relacionadas com consumidores finais que, com mais de 40 sanções aplicáveis, representam mais de um terço do total de contraordenações previstas na lei.
É interessante relevar também que, para além da longa lista de sanções aplicáveis essencialmente ao resultado das ações das entidades sujeitas à sua aplicação, a LCE pretende igualmente sancionar a própria atuação dos operadores.
Com efeito, passa a constituir uma contraordenação grave (ou até muito grave) não só quaisquer comportamentos habituais ou padronizados como sobretudo a emissão de orientações, recomendações ou instruções aos trabalhadores, agentes ou parceiros de negócios, cuja aplicação seja suscetível de conduzir à violação de regras legais ou de determinações da ANACOM.
Note-se, neste ponto em particular, que, ao contrário do que previa a versão inicial da Proposta de Lei apresentada, em maio de 2022 , pelo Governo, não foi consagrada a responsabilidade individual para os titulares dos órgãos de administração e os diretores das pessoas coletivas.
Ainda assim, atendendo à formulação extremamente ampla e vaga da norma em causa, será interessante verificar como vai ser aplicada esta sanção.
7. INTERNET ABERTA
O princípio da Internet aberta assegura que os cidadãos dos Estados-Membros da União Europeia possam aceder a conteúdos e serviços online sempre e quando quiserem, sem serem sujeitos a qualquer tipo de discriminação ou de interferência promovida pelos respetivos operadores.
A LCE incorpora este princípio europeu no ordenamento jurídico português ao dispor que as medidas destinadas a assegurar a qualidade do serviço de acesso à Internet devem respeitar o Regulamento (UE) 2015/2120 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2015.
Este princípio é fundamental na atual sociedade de informação, tanto para os utilizadores como para as próprias empresas, pois, efetivamente, é uma garantia de que estes podem aceder aos conteúdos e serviços disponíveis na Internet. Assim, por exemplo:
- Por um lado, os operadores estão proibidos de bloquear ou abrandar conteúdos, aplicações ou serviços dos seus concorrentes. No entanto, admitem-se algumas exceções, podendo a gestão de tráfego ter lugar, e.g., em casos de preservação da segurança e da integridade da rede; e
- De igual modo, os operadores não poderão priorizar o tráfego nas suas redes mediante o pagamento de uma determinada quantia. Precisamente, o acesso, por parte dos utilizadores finais, aos conteúdos e serviços online não pode estar condicionado aos interesses (quaisquer que sejam) dos prestadores de serviços de Internet.
- Por fim, é relevante esclarecer que, perante uma situação de incumprimento das disposições relativas à internet aberta , os Estados-Membros serão obrigados a aplicar sanções com carácter efetivo, proporcional e dissuasor, estando os prestadores de serviços sujeitos a sanções administrativas e pecuniárias.