2023-02-10

 Foi hoje aprovada a Agenda do Trabalho Digno, que altera o Código do Trabalho.

Eis as principais alterações com impacto no dia-a-dia das empresas e trabalhadores:

Situações equiparadas

A prestação de trabalho sem subordinação jurídica, sempre que o prestador se deva considerar na dependência económica do beneficiário da atividade, beneficia da aplicação das normas legais respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho, bem como dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho negociais em vigor no âmbito do mesmo setor de atividade, profissional e geográfico (10.º, n.º1).

 Dependência económica

O prestador encontra-se em “dependência económica” quando presta, diretamente e sem intervenção de terceiros, uma atividade para o mesmo beneficiário da atividade e dele obtém o produto da sua atividade de acordo com o disposto no artigo 140.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (10.º, n.º2).

Trabalhadores economicamente dependentes

Quem se encontre em dependência económica é também beneficiado por um conjunto de direitos, nomeadamente, (i) representação dos seus interesses socioprofissionais por associação sindical e por comissão de trabalhadores, ainda que delas não possam ser membros; (ii) negociação de IRCTs específicos para trabalhadores independentes, através de associações sindicais; (iii) aplicação de  IRCTs negociais já existentes e aplicáveis a trabalhadores, nos termos neles previstos; (iv) extensão administrativa do regime de uma convenção coletiva ou de uma decisão arbitral, e, (v) fixação administrativa de condições mínimas de trabalho (10.º-A).

Plataformas digitais

São definidos indícios que permitem presumir a existência de contrato de trabalho para o trabalho prestado nas plataformas digitais: (i) a retribuição é fixada pelo operador da plataforma; (ii) o operador dirige a forma de atuação e apresentação do prestador; (iii) o operador controla a atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou gestão algorítmica; (iv) o operador restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados, à escolha dos clientes ou a prestar atividade a terceiros via plataforma; (v) o operador da plataforma exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente, através da desativação da conta, e, (vi) os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem ao operador da plataforma digital ou são por este explorados através de contrato de locação.

A presunção, que pode ser ilidida, aplica-se às atividades de plataformas digitais, designadamente as que são reguladas por legislação específica relativa a transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (artigo 12.º-A, n.º12).

“Falsos recibos verdes”

São reforçadas as sanções para as entidades contratantes em caso de reincidência, nomeadamente: (i) privação do direito a apoio, subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, ou proveniente de fundos europeus, por um período até dois anos; e (ii) privação do direito de participar em arrematações ou concursos públicos, por um período até dois anos (12.º, n.º 3).

Algoritmos e Inteligência Artificial

Os instrumentos de regulamentação coletiva apenas podem regulamentar o uso de algoritmos, inteligência artificial e matérias conexas em sentido mais favorável para os trabalhadores (3.º, n.º3). As normas legais em matéria igualdade e não discriminação passam a aplicar-se à tomada de decisões baseadas em algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial (24.º, n.º3). 

Práticas discriminatórias

É alargado o âmbito de invocação de práticas discriminatórias no acesso ao trabalho, à formação profissional ou nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de gozo de direitos na parentalidade, de outros direitos previstos no âmbito da conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal e dos direitos previstos para o trabalhador cuidador (25.º, n.º 6).

As discriminações remuneratórias relacionadas com a atribuição de prémios de assiduidade e produtividade, bem como afetações desfavoráveis em termos de avaliação e progressão na carreira passam a ser consideradas “práticas discriminatórias” (25.º, n.º7).

Proteção na parentalidade

Passa a ser consagrada a dispensa de trabalho no âmbito dos processos de adoção e de acolhimento familiar (35.º, n.º1, al. j)).

Os progenitores passam a ter a possibilidade de, após o gozo de 120 dias consecutivos de licença parental inicial, cumular, em cada dia, os restantes dias de licença em trabalho a tempo parcial.

É obrigatório o gozo por parte da mãe de 42 dias consecutivos de licença a seguir ao parto (41.º).

A licença obrigatória do pai é aumentada dos atuais 20 dias 28 dias úteis, seguidos ou em períodos interpolados de no mínimo 7 dias, nos 42 dias seguintes ao nascimento da criança. Dos 28 dias, 7 têm de ser gozados consecutivamente após o nascimento (43.º, n.º1).

É estabelecido um direito adicional para opai a gozar 7 dias de licença, seguidos ou interpolados, desde que gozados em simultâneo com o gozo da licença parental inicial por parte da mãe (43.º, n.º3).

Os progenitores passam a ter direito, para assistência a filho ou adoptado com idade não superior a seis anos, a licença parental complementar, na modalidade de prestação de  trabalho a tempo parcial durante 3 meses, com um período normal de trabalho igual a metade do tempo completo, desde que a licença seja exercida na totalidade por cada um dos progenitores (51.º, n.º1, c)).

 Adoção e acolhimento familiar

Os trabalhadores candidatos a adoção ou a família de acolhimento deixam de ter limites de dispensas para processos de adoção e de acolhimento familiar (45, n.º1.º).

As ausências para processos de adoção e de famílias de acolhimento não determinam a perda de quaisquer direitos e que são consideradas como prestação efetiva de trabalho, exceto quanto à retribuição (65.º, n.º1, k).

As faltas por luto gestacional, bem como a dispensa para consulta de PMA ou pré-natal, amamentação ou aleitação passam a não determinar a perda de quaisquer direitos e são consideradas como prestação efetiva de trabalho (65º, n.º 2).

Trabalhador cuidador

Considera-se trabalhador cuidador aquele a quem tenha sido reconhecido o estatuto de cuidador informal não principal, nos termos da legislação aplicável, mediante apresentação do respetivo comprovativo (101.º-A).

O trabalhador cuidador terá direito a licença anual, com perda de retribuição, de cinco dias úteis a gozar de modo consecutivo (101.º-B, n.º 1 e n.º 6).

Durante o gozo da licença o trabalhador cuidador não pode desempenhar trabalho subordinado ou prestação continuada de serviços fora da sua residência habitual (101.º-B, n.º4).

O trabalhador cuidador tem direito a requerer o regime de trabalho a tempo parcial, de modo consecutivo ou interpolado, pelo período máximo de quatro anos (101.º-C), em regime de horário de trabalho flexível, de forma seguida ou interpolada, (101.º-D), e não é obrigado a prestar trabalho suplementar enquanto se verificar a necessidade de assistência (101.º-G).

(i) A denúncia do contrato a termo (143.º/3) e o seu despedimento (101.º F) dependem de prévio parecer da Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego (“CITE”).

Dever de informação ao trabalhador

É alargado o dever de informação do empregador. O trabalhador passa a ter direito a conhecer, nomeadamente; (i) a identificação do utilizador, no caso de trabalhador temporário; (ii) o direito individual a formação continua; (iii) no caso de trabalho intermitente, a informação prevista no regime legalmente estabelecido; (iv) os parâmetros, as regras e as instruções em que se baseiam os algoritmos ou outros sistemas de inteligência artificial; (v) a duração e as condições do período experimental, se aplicável; (vi) o direito individual a formação contínua; (vii) o método de pagamento da retribuição, incluindo a discriminação dos seus elementos constitutivos (106.º, n.º3).

Contudo, não é necessária a inclusão de todos os elementos no contrato de trabalho pois, alguns deles podem ser objeto de informação posterior ao trabalhador em suporte papel ou em formato eletrónico, desde que respeitados os prazos legais.

O Empregador terá de garantir a conservação da prova da transmissão ou receção das informações prestadas, a qual deve ser apresentada ao serviço com competência inspetiva da área laboral sempre que solicitada (107.º, n.ºs 5 e 6).

 Informações relativas à prestação de trabalho no estrangeiro

O trabalhador que exerça a sua atividade no território de outro Estado por período superior a um mês tem direito às seguintes informações: (i) Retribuição a que tem direito nos termos da lei aplicável no Estado de acolhimento, em situações de destacamento; (ii) Subsídios inerentes ao destacamento e reembolso de despesas de viagem, de alojamento e de alimentação; e (iii) Sítio oficial na Internet do Estado de acolhimento (108.º, n.º1).

Período experimental

Os trabalhadores com contrato por tempo indeterminado que estejam à procura de primeiro emprego e os desempregados de longa duração terão o seu período experimental de 180 dias reduzido e ou excluído consoante a duração do anterior contrato de trabalho a termo (celebrado com empregador diferente) tenha sido igual ou superior a 90 dias (112.ºn.º 5).

O período experimental pode ser reduzido no caso da duração do estágio profissional com avaliação positiva, para a mesma atividade e empregador diferente, ter sido igual ou superior a 90 dias, nos últimos 12 meses (112.º, n.º6).

A denúncia do contrato durante o período experimental, depois de decorridos mais de 120 dias, passa a ter de ser feita com uma duração mínima de 30 dias (114.º, n.º3).

No caso das denúncias de contrato por tempo indeterminado de pessoas à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração a denúncia passa a depender de comunicação à ACT, no prazo de 15 dias após a denúncia. (114.º/6).

Às situações de denúncia abusiva (em abuso de direito) passa a aplicar-se o regime dos efeitos da ilicitude do despedimento, nomeadamente quanto ao direito do trabalhador reclamar: (i) indemnização pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais); (ii) reintegração na empresa ou indemnização em substitutiva; e (iii) compensação pelas retribuições intercalares.

Contratação a termo

A compensação em caso de caducidade do contrato de trabalho a termo (certo e incerto) é aumentada para 24 dias de retribuição base e diuturnidade por cada no completo de antiguidade (344.º, n.º2 e 345.º, n.º4).

Teletrabalho

O contrato individual de trabalho e o contrato coletivo de trabalho passam a ter de fixar o valor da compensação, fixa ou variável, devida ao trabalhador pelas despesas adicionais em teletrabalho/regime híbrido (168.º, n.º3).

Na ausência de acordo sobre um valor fixo, são consideradas como despesas adicionais as correspondentes à aquisição de bens e ou serviços de que o trabalhador não tinha antes de prestar a sua atividade em teletrabalho/regime híbrido, bem como as determinadas em comparação com as despesas homólogas no último mês de trabalho em regime presencial (168.º, n.º4).

A compensação é considerada, para efeitos fiscais, custo para o empregador e não constitui rendimento do trabalho até ao limite do valor a definir em Portaria (168.º, n.º6).

 Trabalho temporário

Alcançada a duração máxima do contrato de utilização de trabalho temporário é proibida a sucessão no mesmo posto de trabalho de trabalhador temporário ou de trabalhador contratado a termo, celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns. A proibição aplica-se antes do decurso de um período de tempo igual a um terço da duração do referido contrato, incluindo renovações (179.º, n.º1).

A duração de contratos de trabalho temporário sucessivos em diferentes utilizadores, celebrados com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, não pode ser superior a 4 anos, sob pena de o contrato se converter em contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária (182.º, n.ºs 8 e 9).

Trabalho suplementar

O pagamento do trabalho suplementar superior a 100 horas anuais passa a ser pago pelo valor da retribuição horária com os seguintes acréscimos:

a) 50 % pela primeira hora ou fração desta e 75 % por hora ou fração subsequente, em dia útil;

b) 100 % por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado (268.º, n.º 2).

Créditos do trabalhador

O trabalhador deixa de poder abdicar dos créditos emergentes de contrato de trabalho (v.g. subsídio de férias e de natal, retribuição de férias e créditos de horas de formação), salvo se esta renúncia for efetuada por mediante acordo em sede judicial (337.º, n.º3).

Compensação em caso de despedimento coletivo

A compensação em caso de despedimento coletivo passa a ser de 14 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade (366º, n.º1).

Adicionalmente, o trabalhador pode também acionar o fundo de garantia de compensação do trabalho (366º, n.º3).

Terciarização de serviços (“outsorcing”)

Nos casos de outsorcing, o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho aplicável ao beneficiário da atividade passa também a ser aplicado ao prestador do serviço, quando lhe seja mais favorável, após 60 dias de prestação de atividade em benefício da empresa adquirente (498.º- A, n.º1).

Antes disso, o prestador do serviço terá direito à retribuição mínima prevista em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que vincule o beneficiário da atividade (498.º- A, n.º3).

Não é admitido o recurso à aquisição de serviços externos através de terceiras entidades para a satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou por extinção de posto de trabalho.

Relações coletivas de trabalho

Ainda que não existam trabalhadores sindicalizados, é possível o exercício da atividade sindical na empresa mediante condições específicas aplicáveis e desde que não se afete o normal funcionamento da atividade produtiva (460.º, n.º2).

A escolha da convenção coletiva passa a não ser possível se o trabalhador já se encontrar abrangido por portaria de extensão (497.º/5).

Em caso de denúncia de convenção coletiva a parte destinatária pode requerer ao Presidente do Conselho Económico e Social arbitragem para apreciação da fundamentação da denúncia, impedindo-se a convenção de entrar em regime de sobrevigência (500.º-A).  

Aplicação no tempo e entrada em vigor

Os contratos de trabalho celebrados em data anterior à entrada em vigor da Lei que altera o Código do Trabalho ficam sujeitos a este regime. No entanto, quanto ao regime aplicável à validade dos contratos de trabalho mantém-se o regime anteriormente em vigor.

As cláusulas de IRCT contrárias às novas normas devem ser alteradas na primeira revisão que ocorra nos 12 meses posteriores à entrada em vigor nova lei, sob pena de nulidade. No entanto, é estabelecido um período transitório, até 1 de janeiro de 2024, para alteração das cláusulas de IRCT contrárias ao novo regime de pagamento de trabalho suplementar.

O novo regime, não se aplica aos contratos de trabalho a termo resolutivo celebrados antes da entrada em vigor da nova lei, no que respeita à sua admissibilidade, renovação e duração e à renovação dos contratos de trabalho temporário.

As novas regras entram em vigor no primeiro dia útil do mês seguinte ao da sua publicação, salvo quanto às matérias relativas à denúncia e caducidade da convenção coletiva e ao processo de arbitragem, que entram em vigor no dia seguinte ao da publicação do diploma.

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