2022-11-30

Entra em vigor no próximo dia 2 de dezembro o Decreto-Lei n.º 78/2022, de 7 de novembro, altera o Código dos Contratos Públicos (“CCP”), a Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, relativa às medidas especiais de contratação pública, e ainda o Decreto-Lei n.º 60/2018, de 3, de agosto, que simplificou os procedimentos administrativos necessários à prossecução de atividades de investigação e desenvolvimento.

De entre estas alterações, destacamos as seguintes:

1. Alterações ao Código dos Contratos Públicos

1.1. Ajuste direto em concursos desertos por falta de candidatos ou por todas as propostas terem sido excluídas

Nos casos em que, em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, todas as propostas ou todas as candidaturas tenham sido excluídas, o recurso ao ajuste direto passa, em regra, a ser limitado aos procedimentos cujos valores sejam inferiores aos limiares europeus (designadamente, e com referência a 2022, € 5.382.000 para os contratos de empreitadas de obras públicas e para os contratos de concessão de serviços públicos e de obras públicas; €140.000 ou €251.000, consoante a entidade adjudicante seja ou não o Estado, para os contratos de fornecimento de bens e prestação de bens); €431.000 para os contratos dos setores especiais da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais);

Se o valor do procedimento for superior aos limiares europeus:

i)  mantém-se a possibilidade de recurso ao ajuste direto no caso de nenhum concorrente apresentar proposta ou nenhum candidato se ter apresentado a concurso;

ii) no caso de concursos públicos, é possível o recurso ao ajuste direto caso as propostas apresentadas se revelem inadequadas (por desrespeitarem manifestamente o objeto do contrato a celebrar); e

iii) no caso de concursos limitados por prévia qualificação é possível o recurso ao ajuste direto caso as candidaturas tenham sido excluídas por impedimento, apresentação de documentos falsos, prestação de falsas declarações ou ainda incumprimento dos requisitos mínimos de capacidade técnica e financeira.

1.2. Procedimento de negociação e diálogo concorrencial no caso de concursos desertos por todas as propostas terem sido excluídas

É necessário compreender esta solução com as alterações introduzidas no procedimento por ajuste direto, acima explicado. Assim, para o caso de procedimentos de valor superior aos limiares europeus, só é possível o recurso ao ajuste direto com fundamento em propostas que desrespeitam manifestamente o objeto do contrato.

Para os restantes (e maioritários) casos de exclusão de todas as propostas, por existência de irregularidades e desconformidades, nos concursos públicos ou de concursos limitados por prévia qualificação passa a ser admissível o recurso ao procedimento de negociação e diálogo concorrencial.

1.3. Fundamento autónomo para exclusão de propostas inadequadas

As propostas podem ser excluídas por manifestamente desrespeitarem o objeto do contrato. Trata-se, assim, de um novo fundamento para a exclusão de propostas e que permitirá, nos casos em que todas as propostas sejam excluídas por este motivo, recorrer ao ajuste direto independentemente do valor do contrato em causa.

1.4. Esclarecimentos e suprimento de propostas e candidaturas

O CCP abandonou o critério de elementos essenciais e não essenciais que tanta discussão e divisão doutrinária e judicial tinha gerado.

Passa a prever-se que o júri dos concursos deve solicitar aos candidatos e concorrentes o suprimento de irregularidades formais, desde que tal não seja suscetível de modificar o respetivo conteúdo e não desrespeite os princípios da igualdade de tratamento e da concorrência.

Para o efeito, indica exemplificativamente como irregularidades passíveis de suprimento: a falta ou insuficiência de assinatura, incluindo a eletrónica; a não junção de tradução em língua portuguesa de documentos apresentados em língua estrangeira; ou ainda a não apresentação das declarações previstas nos Anexos I e V do CCP ou o Documento Europeu Único de Contratação Pública.

Se o acima exposto se traduz numa alteração importante e bem-vinda, o mesmo não se pode dizer quanto à cominação prevista para o não suprimento das irregularidades.

1.5. Trabalhos complementares

O diploma vem, por um lado, clarificar o conceito, definindo os trabalhos complementares como “aqueles cuja espécie ou quantidade não esteja prevista no contrato e cuja realização se revele necessária para a sua execução” e, por outro lado, prever que a possibilidade do dono da obra ordenar a execução de trabalhos complementares ao empreiteiro já não se fundamentar apenas por a mudança de cocontratante não ser viável por razões técnicas, mas também por razões económicas.

Inclui ainda como fundamento, a par do anterior “aumento considerável de custos” a circunstância da mudança de cocontratante se revelar “altamente inconveniente”.

1.6. Contratos reservados por entidades da administração local e revogação da “valorização da economia local e regional”

Tal como já resultava da anterior redação do CCP, as autarquias locais e suas associações, incluindo entidades intermunicipais, assim como as empresas locais podem reservar a possibilidade de entidades com sede e atividade efetiva no território da respetiva entidade intermunicipal serem candidatos ou concorrente para a formação de contratos de locação ou aquisição de bens móveis ou aquisição de serviços de uso corrente de valor inferior aos limiares europeus.

A nova redação do preceito vem, porém, clarificar o que já por via interpretativa se poderia concluir: de que a reserva de entidades como concorrentes ou candidatos encontra-se sujeita à ausência de um «interesse transfronteiriço certo».

Caso, face à dimensão económica do contrato e do seu local de execução, se concluir que é atrativo para entidades com sede em outros Estados-Membros teremos um interesse transfronteiriço certo impeditivo de reserva de entidades.

Em termos internos, o interesse fronteiriço certo é passível de ser analisado através da aferição do grau de atratividade do contrato para empresas sediadas em municípios contíguos ou próximos ao território da entidade intermunicipal da entidade adjudicante.

Esta clarificação, a que acresce a revogação da “valorização da economia local e regional” como condição destinada a favorecer no caderno de encargos, aconselha especial prudência no recurso da possibilidade de reserva de entidades com o fundamento na sua localização geográfica.

1.7. Regras laborais

a) Documento demonstrativo da estrutura de custos

A entidade adjudicante passa a poder exigir, no convite à apresentação de propostas ou no programa de procedimento, a apresentação de um «documento demonstrativo da estrutura de custos do trabalho necessário à execução do contrato a celebrar, nomeadamente quando o mesmo respeite a setores em que o custo fixo do trabalho é determinante na formação dos preços».

Caso as entidades adjudicantes façam uso desta prerrogativa, a não apresentação do documento é fundamento para a exclusão da proposta.

Os termos deste documento são regulamentados por Portaria dos membros do Governo responsáveis pela administração pública e trabalho.

b) Trabalhadores afetos à concessão: modalidade contratual

Os trabalhadores afetos a concessões cujo prazo seja superior a um ano prestam a sua atividade em regime de trabalho sem termo, com exceção dos casos em que os trabalhadores se encontrem com contrato a termo com fundamento em substituição de trabalhador, nos termos do Código do Trabalho.

Esta situação pode ter impacto ainda no caso de reversão das concessões de serviço público, situações em que o anterior concedente internaliza o serviço e, nos termos da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, integra os trabalhadores.

Os Cadernos de Encargos dos procedimentos de formação de contratos de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos e de aquisição de serviços devem (imperativamente) incluir uma cláusula determinando a obrigatoriedade da modalidade de contrato sem termo nas situações referidas acima.

A contratação de trabalhadores em violação das regras acima referidas constitui contraordenação muito grave, punível com coima de €7.500 a €44.800.

2.  Alterações à Lei n.º 30/2021, de 21 de maio

As medidas especiais de contratação pública, consubstanciadas em procedimentos simplificados e agilizados, previstos para execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus abrangem também os projetos no âmbito do PRR.

2.1.  Extensão do prazo de aplicação das medidas especiais

Inicialmente prevista para se aplicar até 31 de dezembro de 2022, o prazo de aplicação das medidas especiais estende-se agora até 31 de dezembro de 2026, para a celebração de contratos relativos a: (i) habitação e descentralização; (ii) tecnologias de informação e conhecimento; (iii) setores da saúde e do apoio social.

2.2. Regime especial de empreitadas de conceção-construção

Ao abrigo do novo regime especial de empreitadas de conceção-construção, as entidades adjudicantes terão a faculdade de prever que o contrato a celebrar inclua a elaboração do projeto e a realização da obra.

Esta solução, complementar do regime excecional (e de aplicação prática residual) de conceção-construção consagrado no CCP e relativamente ao qual se assinalam importantes diferenças, destina-se aos procedimentos pré-contratuais para contratos:

i)  no âmbito da implementação de projetos financiados por fundos europeus (incluindo PRR);

ii) relativas às matérias de habitação e descentralização; tecnologias de informação e conhecimento; e de saúde e de apoio social;

iii) referentes à execução do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES);

iv) relativos à gestão dos combustíveis no âmbito do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR); e

v)  relativos bens-agroalimentares.

Para além de não levar à classificação como contrato misto, tem as seguintes características:

i)   ausência de necessidade de fundamentação por parte da entidade adjudicante;

ii)  a entidade adjudicante tem de elaborar estudo prévio para incluir no caderno de encargos;

iii) o preço base deve discriminar separadamente os montantes máximos relativos à conceção e à execução da obra;

iv) a adjudicação é realizada de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, densificado por um conjunto de fatores e eventuais subfactores. 

2.3. Envio dos contratos para o IMPIC, I.P. e secção específica no Portal

Os contratos adotados no âmbito das medidas especiais de contratação são obrigatoriamente enviados, sob pena de eficácia, ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC, I.P.). Para efeitos de publicação dos contratos referidos, o IMPIC deve criar uma secção específica no respetivo Portal dos contratos públicos.

 

 

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