No dia 30 de dezembro de 2024 entrou em vigor o Regulamento (UE) 2023/1114 do Parlamento e do Conselho relativo ao mercado de criptoativos (“MiCA”).
O MiCA aprovou os requisitos para a oferta pública e a admissão à negociação numa plataforma de negociação de certos criptoativos, bem como os requisitos aplicáveis aos prestadores de serviços de criptoativos, nomeadamente a necessidade de autorização por autoridade competente, e as obrigações associadas.
Recentemente, a Comissão Europeia aprovou um conjunto de regulamentos delegados que completam o MiCA. Estes diplomas estabelecem normas técnicas de regulamentação com o intuito de solidificar a aplicação prática do MiCA e aumentar a segurança do mercado dos criptoativos na União Europeia.
Nesta newsletter analisamos as principais alterações introduzidas por estes regulamentos e impacto em Portugal.
Regulamento Delegado n.º 2025/292
O Regulamento Delegado n.º 2025/292 estabelece um modelo, anexo ao próprio regulamento, para acordos de cooperação entre as autoridades competentes da UE e autoridades de supervisão de países terceiros. Este regulamento tem por objetivo promover a troca de informação e fortalecer a vigilância do mercado de criptoativos.
Regulamentos Delegados n.º 2025/293 e n.º 2025/294
O Regulamento Delegado n.º 2025/293 e o Regulamento Delegado n.º 2025/294 têm por objetivo padronizar os procedimentos de tratamento de reclamações, seja para os emitentes de criptoativos referenciadas a ativos (regulamento 2025/293), seja para os prestadores de serviços de criptoativos (regulamento 2025/294).
Entre as medidas aprovadas destacam-se:
- A obrigatoriedade de manter um procedimento que inclua uma política de gestão de reclamações e uma função de investigação que comunique o resultado ao autor;
- A obrigação de prestar informações sobre o tratamento de reclamações e de criar um modelo para apresentação de tais reclamações; e
- A garantia de que as reclamações possam ser apresentadas nas línguas oficiais dos Estados-Membros.
Regulamento Delegado n.º 2025/296
O Regulamento Delegado n.º 2025/296 estabelece regras mais detalhadas para o processo de aprovação dos livretes, garantindo uma avaliação completa e eficiente dos criptoativos. Além do necessário envio do livrete, à autoridade competente, para aprovação, destacamos o seguimento do processo:
- Toda a comunicação a ser efetuada em relação à aprovação do livrete de um criptoativo deve ser realizada por via eletrónica;
- A autoridade competente tem 2 dias úteis para acusar receção do pedido e 20 dias úteis para avaliar a conformidade do livrete do criptoativo com os requisitos estabelecidos no MiCA;
- Confirmada a completude do livrete, a autoridade notifica a instituição de crédito e o Banco central europeu que emitirá parecer no prazo de 20 dias úteis, do qual seguirá uma avaliação substantiva por parte da autoridade;
- A autoridade competente deve notificar a instituição de crédito no prazo de 10 dia.
Regulamento Delegado n.º 2025/297
Tendo por base os projetos apresentados pela European Banking Authority (“EBA”), o Regulamento Delegado n.º 2025/297 estabelece as condições para a criação e funcionamento de colégios de supervisão consultivos, criados, geridos e presididos pela EBA para cada criptomoeda de grande escala.
Para o efeito, além de normas operacionais para o funcionamento dos colégios, o regulamento estabelece que:
- Uma criptomoeda é considerada de grande escala quando 20% da população do Estado-Membro onde está localizada, a detém ou se o número e valor médio das transações diárias da moeda for 1 250 000 e 250 000 000 EUR, respetivamente;
- A EBA reavalia de dois em dois anos as autoridades competentes que podem ser membros do colégio.
Regulamento Delegado n.º 2025/298
O Regulamento Delegado n.º 2025/298 especifica a metodologia para estimar o número médio trimestral e o valor agregado médio, por dia, das transações de criptoativos. Mais concretamente, estabelece que os emitentes de criptomoedas devem:
- Emitir uma estimativa do número e valor das transações;
- Calcular o valor e número das transações trimestralmente; e
- Possuir um sistema de reporte desta informação à autoridade competente.
Regulamento Delegado n.º 2025/299
O Regulamento Delegado n.º 2025/299 reporta-se à regulamentação da política de continuidade da atividade de prestação de serviços de criptoativos criada pelo MiCA.
De acordo com este novo regulamento, os prestadores de serviços de criptoativos devem criar e testar anualmente planos de continuidade das atividades. Estes planos devem capacitar o prestador a responder a incidentes e a retomar os seus serviços.
Regulamentos Delegados n.º 2025/303 e n.º 2025/304
O Regulamento Delegado n.º 2025/303 e o Regulamento Delegado n.º 2025/304 estabelecem um conjunto de informações que devem ser fornecidas às autoridades competentes, por entidades que desejem prestar serviços de criptoativos e o respetivo procedimento de notificação.
Destacamos as seguintes informações que devem ser notificadas:
- Programa de atividades para os três anos seguintes no qual conste, entre outros, os potenciais tipos de clientes e a lista dos serviços de criptoativos que tenciona prestar;
- Os mecanismos de controlo interno para deteção e prevenção do branqueamento de capitais;
- Política de custódia de criptoativos que pretende acordar com clientes; e
- Regras de operação da plataforma de negociação de criptoativos, como por exemplo, a lista de criptoativos a admitir à negociação.
Estes novos regulamentos trazem importantes mudanças para o mercado dos criptoativos, garantindo maior transparência e segurança nas operações de ativos digitais. Devem as instituições de crédito e os prestadores de serviços de criptoativos estar atentos a este conjunto de novas regras que vem, mesmo que tarde, tentar regular este mercado essencialmente digital.
Impacto em Portugal
Os regulamentos n.º 2025/303 e 2025/304 entram em vigor no dia 12 de março de 2025, enquanto os restantes entraram em vigor no dia 5 de março de 2025.
O MiCA estabeleceu um regime transitório com a duração de 1 ano e meio, em que entidades habilitadas pela legislação anterior poderão continuar a desenvolver a sua atividade. Não obstante, novos operadores necessitam de autorização por parte da autoridade nacional competente de cada Estado-Membro.
Em Portugal ainda não foi indicada a autoridade nacional competente para o efeito. Neste quadro, o Banco de Portugal (“BdP”) publicou o Comunicado de 03 de janeiro de 2025 no qual esclareceu o seguinte:
- Podem continuar a exercer a sua atividade durante o período transitório referido e sobre a égide da lei anterior, as entidades que a 30 de dezembro de 2024 se encontravam registadas junto do BdP de acordo com a Lei 83/2017, e com o início de atividade comunicada e registada nos termos do Aviso do BdP n.º3/2021;
- Entidades que a 30 de dezembro de 2024 não haviam comunicado e iniciado atividade ficam proibidas de prestar serviços com ativos virtuais até receberem autorização para tal.
Deste modo, até à nomeação da entidade relevante, o BdP não está habilitado a receber e apreciar pedidos de autorização para prestação de serviços com criptoativos, pelo que a obtenção da autorização exigida não será possível.
Naturalmente que as entidades que já estejam autorizadas terão de cumprir os novos regulamentos.