2023-03-29

O Tribunal Constitucional (“TC”) julgou parcialmente procedente o recurso da decisão adotada em março de 2020 pelo Tribunal da Relação de Lisboa interposto pela Jerónimo Martins e pela Pingo Doce — Distribuição Alimentar, relativo à busca e apreensão de mensagens de correio eletrónico, marcadas como abertas, em processos por práticas restritivas da concorrência.

No Acórdão, o TC veio admitir que o correio eletrónico, independentemente de estar marcado como aberto, encontra-se abrangido pelo disposto no artigo 34.º (inviolabilidade do domicílio e correspondência) da Constituição da República Portuguesa, sendo falível a aplicação analógica da abertura de carta ao email. O email poderá não ser marcado como não lido após o ser, como pode efetivamente ser marcado como lido e na verdade não o ter sido.

Além desta questão, e de maior relevância, o TC pronunciou-se sobre a “autorização da autoridade judiciária competente” exigida para as buscas e apreensões levadas a cabo pela Autoridade da Concorrência (“AdC”)” previstas no artigo 18.º n.º 1 c) e n.º 2 do Regime Jurídico da Concorrência. Até ao momento, era de entendimento geral que as buscas e apreensões poderiam ser autorizadas pelo Ministério Público ou Juiz de Instrução Criminal. No recente Acórdão, o TC veio reverter este entendimento, ao considerar que tais diligências apenas poderão ser autorizadas pelo Juiz de Instrução Criminal, numa ótica de equiparação do processo contraordenacional ao penal.

Neste sentido, deverá entender-se que, com base nos artigos 32.º n.º 4, 34.º n.º 4 e 18.º n.º 2 da Constituição, o artigo 18.º do mesmo Regime encontra-se subordinado ao princípio da proibição do excesso, carecendo de autorização de um Juiz de Instrução Criminal qualquer medida que seja passível de violar direitos, liberdades e garantias.

No seu voto de vencido, o Juiz Conselheiro Afonso Patrão foi ainda mais longe, ao considerar inconstitucional as buscas e apreensões de correio eletrónico em processos contraordenacionais por práticas restritivas da concorrência, sendo estas somente admissíveis em processo criminal.

Em resposta, a AdC veio garantir que o Acórdão não dispõe de “força obrigatória e geral”, tendo efeitos meramente “no processo em que foi proferido e que nem ainda transitou em julgado”, encontrando-se a averiguar possíveis reações processuais.

A nível prático, a decisão do TC poderá, todavia, vir a pôr em causa a legalidade de buscas e apreensões já realizadas e autorizadas pelo Ministério Público, o que ocorreu nos processos das cadeias de grande distribuição alimentar e de bebidas, do cartel dos seguros, dos hospitais privados/ADSE, dos laboratórios relativos aos testes da Covid-19, excetuando-se o do “cartel da banca”, no qual as buscas foram realizadas por um Juiz de Instrução.

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