No fim de 2023, a ANACOM publicou um conjunto de três deliberações relativas a infraestruturas fixas – essencialmente postes, condutas, certos tipos de cabos e alguns serviços de alto débito – que, em termos práticos, reconhece que as empresas do universo Altice Portugal, a MEO e a Fastfiber/Fibraglobal, ou seja, as herdeiras da rede comprada ao Estado no início do século, continuam a ter uma posição de tal forma destacada que obriga a manter limitações aos termos dos contratos que podem oferecer aos seus concorrentes. Denominadas, no jargão do setor, obrigações impostas aos operadores com poder de mercado significativo, regra geral, tratou-se de impor comportamentos (e, naturalmente, proibir outros) que permitam atenuar a vantagem competitiva que, por razões históricas, aqueles operadores têm sobre os concorrentes. Por imposição legal, estas obrigações surgem sempre no final de um longo processo de auscultação ao mercado, aberto a todos os interessados, e resulta em extensos relatórios de análise técnica que servem para fundamentar as decisões. No caso concreto, estes processos iniciaram-se em abril de 2023 e terminaram, quando já se contavam as passas para 2024, com a publicação de mais de 2000 páginas de documentos entre decisões preliminares, comentários e deliberações finais. Embora sejam aplicáveis exclusivamente às relações entre os operadores, não é demais sublinhar que se trata de condições que são absolutamente críticas para a definição dos preços e condições que são depois oferecidas aos utilizadores finais. As conclusões da ANACOM, que descrevemos sumariamente a seguir, reconhecem o poder de mercado das empresas do grupo Altice Portugal, porém, não deixam de assinalar a evolução significativa na disponibilidade de ofertas alternativas de outros operadores, particularmente, quando comparadas com a situação em 2017, data da anterior análise de mercados. Estas ofertas alternativas, resultantes dos maciços investimentos realizados nas duas últimas décadas, apesar dos sobressaltos das crises dos anos 2010 (a crise financeira) e 2020 (a pandemia), combinadas com as situações de obsolescência tecnológica (como a substituição das redes de cabos de cobre por fibra ótica), justificam que a ANACOM embora retirando algumas medidas, não tenha deixado de as substituir por outras. Estas deliberações devem agora ser traduzidas pelas empresas da Altice Portugal abrangidas através de alterações às suas ofertas de referência, a ocorrer no primeiro semestre de 2024. Mercados De Acesso A Infraestruturas Físicas, Acesso Local E Central Grossista No caso destes mercados a análise da ANACOM levou a não só a atualizar algumas das obrigações regulamentares anteriormente impostas como inclusivamente suprimir outras. Com efeito, não obstante, reconhecer a existência de outras ofertas relevantes na maior parte do território, a ANACOM continua a destacar a posição de poder de mercado significativo da MEO, impondo-lhe um conjunto de obrigações regulamentares, das quais destacamos:
Neste caso, a MEO tem agora seis meses, contados da publicação da decisão, para definir estas ofertas e disponibilizá-las à ANACOM, que, por sua vez, terá de se pronunciar no prazo adicional de um mês. Além da abertura da rede de fibra ótica, interessante é também a imposição à MEO de continuar a disponibilizar as ofertas de referência de acesso a postes (ORAP) e a condutas (ORAC) em todo o território nacional, assim como disponibilizar fibra escura quando não exista espaço em condutas ou postes e exista fibra disponível nesses troços específicos. Por último, dado os avanços nas redes de fibra ótica e a consequente perda de relevância da rede de cobre da MEO no mercado nacional, foi definido um período transitório até ao final de 2025, a partir do qual serão eliminadas as obrigações regulamentares relacionadas com esta rede. Mercados De Comunicações Eletrónicas Em Segmentos De Trânsito De Circuitos Alugados O mercado grossista de segmentos de trânsito dos circuitos CAM (circuitos entre Portugal Continental, Madeira e Açores) e Inter-ilhas foi identificado como o único suscetível de regulação, pelo que serão suprimidas após um período transitório de 18 meses as obrigações anteriormente impostas nos mercados das Rotas NC e do acesso a capacidade em cabos submarinos internacionais. Analisado o mercado relevante, concluiu-se que a Altice Portugal, mediante a atuação da MEO na oferta de circuitos nos seus anéis CAM e Inter-ilhas e a Fibroglobal na oferta de circuitos Inter-ilhas ocidentais, detêm poder de mercado significativo. A ANACOM decidiu manter um conjunto de obrigações, com destaque para a obrigatoriedade de conceder acesso e utilização de recursos de rede específicos, mantendo a oferta regulada de circuitos de 10 Mbps, 100 Mbps, 1 Gbps e 10 Gbps nos circuitos CAM. Sendo agora incorporado o sistema de cabos submarinos Inter-ilhas da Fibroglobal na oferta de circuitos Inter-ilhas, devendo as condições estar incluídas na ORCE (oferta de referência de circuitos Ethernet) ou em nova oferta de referência. Mercados Retalhista E Grossista De Acesso A Capacidade Dedicada Relativamente ao mercado retalhista de acessos de capacidade dedicada num local fixo a ANACOM identificou a posição de domínio da MEO numa área geográfica delimitada do mercado constituída por quase 2/3 das 2882 Freguesias em que se divide o território do Continente, considerando que não existe, em 680 freguesias. A conclusão idêntica chegou à ANACOM relativamente ao poder da MEO no mercado grossista (de acessos de capacidade dedicada). Quanto às áreas geográficas onde não se identificou a existência de poder de mercado, as obrigações existentes no mercado grossista serão suprimidas após um período transitório de 18 meses. Não obstante, a MEO fica impedida de agravar as condições atualmente oferecidas aos seus clientes grossistas. Quanto às obrigações relativas à Oferta de Referência de Circuitos Alugados (ORCA) que também serão suprimidas, a ANACOM entendeu que seria mais adequado definir um período transitório de 24 meses, devendo a MEO continuar a fornecer o acesso aos serviços em causa para os acessos já contratados, sem alterações da oferta que prejudiquem as condições de acesso atuais dos beneficiários. Nas áreas onde se verificou a existência de posição de domínio pela MEO, a ANACOM decidiu (i) manter algumas das obrigações já impostas, nomeadamente, as relativas ao acesso a capacidade Ethernet, mantendo-–se a oferta de circuitos Ethernet (ORCE) e (ii) a reformulação da oferta de conectividade Ethernet (OCE). Neste caso, a OCE deverá passar a incluir a possibilidade de suporte em fibra ótica de arquitetura ponto-multiponto (rede GPON) devendo a oferta ser adaptada e publicada no prazo de 90 dias a contar da aprovação da presente decisão. Medidas Comuns a Todas as Decisões Em cada uma das deliberações, a ANACOM impôs obrigações de não discriminação na oferta de acesso e interligação e na respetiva prestação de informações aos operadores alternativos, devendo manter os níveis de qualidade que presta aos intervenientes da MEO e demais empresas do universo da Altice Portugal. Bem como, obrigações de transparência na publicação de informações, incluindo as ofertas de referência, obrigação de controlo de preços, que serão orientados para os custos, assim como obrigações de reporte financeiro. |